versão impressa ISSN 0047-2085
J. bras. psiquiatr. vol.63 no.2 Rio de Janeiro 2014
http://dx.doi.org/10.1590/0047-2085000000014
To analyze the association between the socio-demographic characteristics, smoking status, the degree of motivation, the degree of anxiety, depression and stress with failure in patients of a smoking cessation program.
Cross-sectional study conducted with patients who sought the smoking cessation program in Cuiabá/MT, Brazil. All the smokers enrolled in the initial phase of these programs, from May to August 2012, were invited to participate in this study, totalizing 216 patients. The instruments used were Socio-demographic Profile Questionnaire, Fagerström Test (FTND), URICA, Beck Anxiety Inventory (BAI), Beck Depression Inventory (BDI) and Lipp Stress Symptoms Inventory (LSSI). The data were entered twice into Epidata, version 3.1 program and for the data analysis Poisson regression model was used.
Associations of the therapeutic failure with the following variables were found: young age group (RP = 1,68 IC 95% 1,11-2,56); shorter time of tobacco use (RP = 1,32; IC 95% 1,09-1,61); higher cigarette consumption/day (RP = 1,24; IC 95% 1,01-1,52) and lower level of motivation (RP = 1,55; IC 95% 1,04-2,30). In the final model (RPa), the following variables were associated with failure: shorter time of smoking (RPa 1,53; IC 95% 1,07-2,32), higher smoking burden (RPa 1,48; IC 95% 1,12-1,95), low level of motivation (RPa 1,58 IC 95% 1,07-2,32) and high level of anxiety (RPa 1,22; IC 95% 1,01-1,48).
: Low motivational level (Contemplation and Pre-contemplation), high level of anxiety (moderate/severe), shorter time of tobacco use, high tobacco intake are associated with therapeutic failure.
Key words: Anxiety; motivation and tobacco
As altas taxas de fracasso nos programas de cessação do tabagismo são preocupações frequentes para os interessados no controle do tabagismo no Brasil e no mundo. Qualificar e quantificar os fatores associados ao fracasso terapêutico dentro de um programa de cessação do tabagismo torna-se importante, pois permitirá identificar e equacionar os fatores dificultadores envolvidos nesse processo, com possibilidades de minimizá-los.
Nos últimos anos a prevalência de fumantes tem diminuído no Brasil; em 1989 era de 34,8% e em 2008 foi de 18,5%1. Apesar de as políticas públicas terem desempenhado importante papel, essa diminuição se deu mais por conta de diversos fatores: aumento do preço dos cigarros (48,4%), diminuição da propaganda (13,7%), leis de ambiente livre do tabaco (13,6%), programas de cessação (9,8%), imagens divulgadas nos maços de cigarros (7,8%), campanhas divulgadas (6,3%) e restrições ao acesso de jovens (0,4%)2.
Sabe-se que existem diferentes perfis de fumantes, cada um deles com maior ou menor dificuldade de abandono da dependência. Muitos deles param de fumar espontaneamente, possivelmente induzidos ou convencidos pelas políticas públicas de combate ao tabagismo. Outros não conseguem parar mesmo usando algum tratamento farmacológico. Estes últimos fazem parte do grupo de fumantes que procuram os programas de cessação públicos ou privados e geralmente são os mais dependentes, possuem maior carga tabágica e com várias tentativas fracassadas de abandono3. Assim, as características dos fumantes que procuram os serviços de saúde são diferentes daquelas da comunidade em geral e muitas delas são pouco conhecidas4.
Apesar dos avanços alcançados com o conhecimento do tabagismo e da importância dos programas de cessação, baseados nos consensos das sociedades científicas5, nota-se que o tratamento do tabagismo não consegue atingir as taxas de sucesso terapêutico desejadas. As taxas de sucesso após 12 meses são: 25% para a vareniclina, 19,7% para a bupropiona e 18,9% para a terapia de reposição de nicotina (TRN). Essas taxas, comparadas ao efeito placebo, são maiores, porém seu efeito após 12 meses ainda é muito baixo6.
Desse modo, o presente estudo tem o objetivo de analisar a associação entre o fracasso na cessação do tabagismo e as características sociodemográficas, o status do tabagismo, o grau de motivação e o nível de ansiedade, depressão e estresse, com o intuito de subsidiar as ações para reavaliar as abordagens para o melhor tratamento do fumante.
Estudo de corte transversal realizado com pacientes maiores de 18 anos, que procuraram espontaneamente, ou foram referenciados pela rede de saúde pública, os programas de cessação do tabagismo de quatro unidades de saúde em Cuiabá/MT (Hospital Universitário Júlio Müller, Centro de Saúde do Campo Velho, Policlínica do Coxipó e do Planalto). Todos os fumantes matriculados na fase inicial desses programas, durante o período de maio a agosto de 2012, foram convidados para participar deste estudo, e os que concordaram foram relacionados, tendo suas fichas de pesquisa numeradas sucessivamente, e constituíram a população do presente estudo, totalizando 216 participantes. Todos os participantes deste estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e utilizaram o mesmo protocolo de tratamento: terapia de reposição de nicotina (TRN) + bupropiona + terapia cognitivo-comportamental (TCC).
Após receber a medicação do médico-assistente, todos os fumantes realizaram a avaliação inicial com a pesquisadora principal (psicóloga), que orientava quanto ao esquema do tratamento proposto e fazia o agendamento da TCC. Nessa entrevista inicial individual com a psicóloga, os pacientes responderam aos quesitos dos seis instrumentos utilizados:
1. Questionário Perfil Sociodemográfico: Especificamente elaborado para esta pesquisa, foi construído com base no modelo do Inca/MS7 e contém duas partes. Parte I – identificação e dados sociodemográficos, com as seguintes variáveis: sexo, idade, estado civil, profissão, escolaridade e renda familiar. Parte II – status do tabagismo, com as variáveis: tempo de tabagismo, número de cigarros/dia, idade do início do tabagismo, número de tentativas de abandono.
2. Teste de Fagerström – Test for Nicotine Dependence (FTND)8: para análise da dependência à nicotina, cujo escore maior que a mediana (≥ 6) foi categorizado como muito dependente e aquele com valor abaixo de 6, como pouco dependente.
3. University of Rhode Island Change Assessment (URICA)9: mensura o estágio motivacional para a mudança. Esse instrumento foi validado e padronizado para a população brasileira para drogas ilícitas com transcrição para o tabaco10. Foi usada a versão reduzida e os resultados apresentados são a Pré-contemplação, a Contemplação, Preparação e a Ação (alfa de Cronbach com valores variando entre 80 e 84 e 74 e 89)11,12. Utilizou-se estudo anterior como referência13 para dicotomizar os dados em Pré-contemplação/Contemplação e Preparação/Ação.
4. Inventário de Ansiedade de Beck (BAI)14,15: consiste de uma lista com 21 itens que são afirmações descritivas de sintomas de ansiedade e mede a intensidade deles (alfa de Cronbach = 0,92). A pontuação dos sintomas varia entre 0 e 63, e os resultados podem ser: mínimo (0-10), leve (11-19), moderado (20-30) e grave (31-63). Para fins de análise, a amostra foi dicotomizada, estabelecendo que a pontuação de 0 a 19 fosse caracterizada como mínima e/ou leve e a acima de 20 foi considerada como moderada a grave, assim como estudo prévio16.
5. Inventário de Depressão de Beck (BDI)15,17: consiste em 21 grupos de afirmações para medida da intensidade da depressão (alfa de Cronbach = 0,86 em amostras psiquiátricas e 0,81 em amostras não psiquiátricas). A avaliação do BDI categoriza os participantes em quatro níveis: mínimo, que corresponde à ausência de depressão, com escore variando entre 0 e 11; depressão leve, com escore variando entre 12 e 19; depressão moderada, com escore entre 20 e 35 e depressão grave, com escore entre 36 e 63. Nesta pesquisa, a amostra foi dicotomizada, estabelecendo-se que de 0 a 19 fosse designada como mínima a leve e acima desse ponto foi considerada como moderada a grave16.
6. Inventário de Sintomas de Stress de Lipp (ISSL): questionário validado para o Brasil18, avalia o nível de estresse do indivíduo e a fase em que ele se encontra (coeficiente alfa de Cronbach = 0,9121). Os resultados foram dicotomizados em: sem estresse (incluídos os fumantes sem estresse e os da fase de alerta, que é o estresse benéfico) e com estresse (fases de resistência, quase-exaustão e exaustão)18.
Todos os participantes que permaneceram no programa foram acompanhados pelo médico-assistente na fase inicial, 30 dias após o início da medicação e em avaliação mensal até completarem seis meses de terapêutica. Com a psicóloga, após a avaliação inicial com a aplicação dos instrumentos e o estabelecimento de rapport, todos foram convidados para realização da TCC com sessão em grupo de 10 a 15 participantes uma vez por semana, com duração de 1 hora e meia, uma vez por semana, durante o período de quatro semanas. A seguir, ocorreram mais cinco encontros de acompanhamentos: 15 dias, 30 dias, 60 dias, 90 dias, 180 dias; essa abordagem de tratamento é sugerida pelo Ministério da Saúde19. Dos 216 pacientes iniciais, 178 compareceram na primeira sessão de TCC (82,40%) e 142 completaram o tratamento até seis meses (65,74%).
Após o preenchimento dos instrumentos, os dados foram conferidos e digitados duplamente em programa Epidata versão 3.1 e posterior análise. No presente estudo, foram analisados os resultados dos instrumentos da avaliação inicial, tendo como variável desfecho o fracasso ou o sucesso na cessação após seis meses de acompanhamento. Foram considerados como fracasso os fumantes que realizaram a consulta médica e a avaliação inicial com a psicóloga, mas não compareceram na primeira sessão de TCC (desistentes), abandonaram o tratamento (abandonos) e não conseguiram a abstenção total do tabagismo (resistentes). Cabe destacar que, embora possam ser considerados como três grupos distintos, eles foram agrupados em um só grupo (fracasso), pois o teste de Qui-quadrado mostrou homogeneidade entre eles, com características semelhantes em relação às variáveis estudadas (sociodemográficas, status do tabagismo e psicológicas). Foram considerados como sucesso aqueles fumantes que permaneciam em abstenção do tabagismo, com negativa formal e monoximetria ≤ 6 (considerados não fumantes)20.
Foi realizada a análise bivariada, tendo como referência a razão de prevalência bruta, com o intervalo de confiança de 95% e nível de significância inferior a 5% (p < 0,05). As variáveis que demonstraram associações com escores de p < 0,20, pelo teste de Qui-quadrado, foram selecionadas para o ajuste do modelo de regressão de Poisson múltiplo com variância robusta (RPa).
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), em 9 de maio de 2012, com Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 0106612.6.0000.5541 e com parecer do CEP nº 19.548.
Na tabela 1 encontram-se os dados descritivos da população estudada e a prevalência do fracasso na cessação, em que se verifica que a taxa de prevalência de fracasso foi de 62,50%.
Tabela 1 Frequência e porcentagem dos pacientes por fatores sociodemográficos e taxa fracasso/sucesso, Cuiabá/MT, 2013
Variáveis | Categorias | Frequências | |
---|---|---|---|
Gênero | Feminino | 141 | 65,28 |
Masculino | 75 | 34,72 | |
Faixa etária | 20 − 39 anos | 50 | 23,15 |
40 – 59 anos | 135 | 62,50 | |
60 anos ou mais | 31 | 14,35 | |
Anos de escolaridade | > 8 | 152 | 70,37 |
≤ 8 | 64 | 29,63 | |
Fracasso/sucesso | Fracasso no tratamento | 135 | 62,50 |
Sucesso no tratamento | 81 | 37,50 |
A tabela 2 mostra a associação entre as variáveis sociodemográficas com o fracasso na cessação. Observa-se que o fracasso na cessação está associado com a menor faixa etária, pois pacientes da faixa etária de 20 a 39 anos de idade, quando comparados com maiores de 60 anos, têm 68% mais risco de fracasso (RP 1,68; IC 95% 1,11-2,56). Não foi encontrada associação com as outras variáveis estudadas: gênero (p = 0,53), renda (p = 0,09) e escolaridade (p = 0,75).
Tabela 2 Associação entre o fracasso na cessação e os fatores sociodemográficos, Cuiabá/MT, 2013
Variáveis | Categoria | Fumante | RPb | IC 95% | p | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
| ||||||||
Fracasso | Sucesso | |||||||
| ||||||||
n | % | n | % | |||||
Gênero | Masculino | 49 | 65,33 | 26 | 34,67 | 1,07 | [0,87; 1,32] | 0,530 |
Feminino | 86 | 60,99 | 55 | 39,01 | 1,00 | |||
Faixa etária | 20 − 39 anos | 38 | 76,00 | 12 | 24,00 | 1,68 | [1,11; 2,56] | 0,005 |
40 – 59 anos | 83 | 61,48 | 52 | 38,52 | 1,36 | [0,90; 2,05] | 0,096 | |
60 anos ou mais | 14 | 45,16 | 17 | 54,84 | 1,00 | |||
Renda | > Mediana (2.000,00) | 64 | 68,82 | 29 | 31,18 | 1,19 | [0,97; 1,46] | 0,095 |
≤ Mediana (2.000,00) | 71 | 57,72 | 52 | 42,28 | 1,00 | |||
Anos de escolaridade | > 8 | 96 | 63,16 | 56 | 36,84 | 1,04 | [0,82; 1,31] | 0,758 |
≤ 8 | 39 | 60,94 | 25 | 39,06 | 1,00 |
RPb: razão de prevalência bruta. IC 95%: intervalo de confiança de 95%. p: nível de significância considerando a distribuição de Qui-Quadrado.
A associação entre status do tabagismo e o fracasso na cessação está na tabela 3. As variáveis menor tempo de tabagismo (RP 1,32; IC 95% 1,09-1,61) e maior número de cigarros/dia (RP 1,24; IC 95% 1,01-1,52) mostraram-se associadas ao fracasso na cessação. Por outro lado, idade do início do tabagismo (p = 0,83), carga tabágica (p = 0,12), número de tentativas de parar de fumar (p = 0,14) e teste de Fagerström (p = 0,18) não apresentaram associação com o fracasso na cessação.
Tabela 3 Associação entre o fracasso na cessação e status do tabagismo, Cuiabá/MT, 2013
Variáveis | Categoria | Fumante | RPb | IC 95% | p | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
| ||||||||
Fracasso | Sucesso | |||||||
| ||||||||
n | % | n | % | |||||
Tempo de fumo | ≤ a 20 anos | 42 | 76,36 | 13 | 23,64 | 1,32 | [1,09 ; 1,61] | 0,014 |
> 20 anos | 93 | 57,76 | 68 | 42,24 | 1,00 | |||
Idade de início | > Mediana (16) | 62 | 63,26 | 36 | 36,73 | 1,02 | [0,83 ; 1,26] | 0,832 |
≤ Mediana (16) | 73 | 61,86 | 45 | 38,14 | 1,00 | |||
Cigarros por dia | > Mediana (20) | 66 | 70,21 | 28 | 29,79 | 1,24 | [1,01 ; 1,52] | 0,040 |
≤ Mediana (20) | 69 | 56,56 | 53 | 43,44 | 1,00 | |||
Carga tabágica | ≥ 20 | 106 | 65,43 | 56 | 34,57 | 1,22 | [0,93 ; 1,60] | 0,123 |
< 20 | 29 | 53,70 | 25 | 46,30 | 1,00 | |||
Tentativas de parar de fumar | Nenhuma | 31 | 72,09 | 12 | 27,91 | 1,20 | [0,96 ; 1,50] | 0,147 |
Alguma | 104 | 60,12 | 69 | 39,88 | 1,00 | |||
Fagerström | > Mediana (6) | 71 | 66,98 | 35 | 33,02 | 1,15 | [0,94 ; 1,42] | 0,182 |
≤ Mediana (6) | 64 | 58,18 | 46 | 41,82 | 1,00 |
RPb: razão de prevalência bruta. IC 95%: intervalo de confiança de 95%. p: nível de significância considerando a distribuição de Qui-Quadrado.
A análise dos resultados dos questionários de estágio de motivação (URICA), nível de ansiedade (BAI), nível de depressão (BDI) e de estresse (ISSL) estão na tabela 4. Verifica-se que o menor grau de motivação (Pré-contemplação e Contemplação) evidenciou associação ao fracasso na cessação (RPa 1,55; IC 95% 1,04-2,30), e os fumantes que se encontravam nas fases de Pré-contemplação ou de Contemplação tiveram 55% mais chance do fracasso, quando comparados aos das fases Preparação ou de Ação. As outras variáveis estudadas não apresentaram associação estatisticamente significante com o fracasso na cessação: BAI (p = 0,058), BDI (p = 0,119) e ISSL (p = 0,741).
Tabela 4 Associação entre o fracasso na cessação e os resultados do grau de motivação, nível de ansiedade (BAI), nível de depressão (BDI) e de estresse (ISSL), Cuiabá/MT, 2013
Variáveis | Categoria | Fumante | RPb | IC 95% | p | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
| ||||||||
Fracasso | Sucesso | |||||||
| ||||||||
n | % | n | % | |||||
Grau de motivação | Pré-contemp./contemplação | 120 | 66,30 | 61 | 33,70 | 1,55 | [1,04 ;2,30] | 0,009 |
Preparação/ação | 15 | 42,86 | 20 | 57,14 | 1,00 | |||
BAI | Moderado/grave | 61 | 70,12 | 26 | 29,89 | 1,22 | [0,99 ; 1,50] | 0,058 |
Mínimo/leve | 74 | 57,36 | 55 | 42,36 | 1,00 | |||
BDI | Moderado/grave | 47 | 70,15 | 20 | 29,85 | 1,19 | [0,97 ; 1,46] | 0,119 |
Mínimo/leve | 88 | 59,06 | 61 | 40,94 | 1,00 | |||
ISSL | Com estresse | 88 | 63,31 | 51 | 36,69 | 1,04 | [0,83 ; 1,29] | 0,741 |
Sem estresse | 47 | 61,04 | 30 | 38,96 | 1,00 |
RPb: razão de prevalência bruta. IC 95%: intervalo de confiança de 95%. p: nível de significância considerando a distribuição de Qui-Quadrado.
Na tabela 5 encontra-se o modelo final, análise multivariada de regressão de Poisson robusta (RPa). As seguintes variáveis permaneceram associadas de forma independente ao fracasso na cessação do tabagismo: menor tempo do tabagismo (RPa 1,53; IC 95% 1,07-2,32), maior carga tabágica (RPa 1,48; IC 95% 1,12-1,95), baixo estágio de motivação (RPa 1,58; IC 95% 1,07-2,32) e alto nível de ansiedade (RPa 1,22; IC 95% 1,01-1,48).
Tabela 5 Modelo final, razão de prevalência ajustada por regressão de Poisson Robusta (RPa), das variáveis associadas ao fracasso na cessação, com seus respectivos intervalos de confiança (IC) de 95% e valor de p das variáveis selecionadas pelo método backward, Cuiabá-MT, 2013
Variáveis | Categoria | RPa | IC 95% | Valor p |
---|---|---|---|---|
Tempo de fumo | ≤ a 20 anos | 1,53 | 1,07 a 2,32 | < 0,001 |
> 20 anos | 1,00 | |||
Carga tabágica | ≥ 20 | 1,48 | 1,12 a 1,95 | 0,005 |
< 20 | 1,00 | |||
Grau de motivação | Pré-contemplação/contemplação | 1,58 | 1,07 a 2,32 | 0,022 |
Preparação/ação | 1,00 | |||
BAI | Moderado/grave | 1,22 | 1,01 a 1,48 | 0,049 |
Mínimo/leve | 1,00 |
RPa : razão de prevalência ajustada no modelo de regressão de Poisson com seleção de variáveis. Significante ao nível de 5%. IC: intervalo de confiança.
A taxa de fracasso na cessação do tabagismo na população estudada ao final de seis meses de observação foi alta (62,5%). Possivelmente, com o passar do tempo essa taxa será ainda maior, pois existe a tendência de aumentarem as recaídas quanto maior for o tempo de acompanhamento dos pacientes analisados com determinada terapêutica empregada21. Outros autores relataram taxas de fracasso semelhantes às aqui encontradas, em torno de 66,6% a 69%, e concluíram que aqueles com dificuldades de adesão ao tratamento e que não pararam de fumar nas primeiras semanas têm mais chances de fracassar22-24.
Diversos fatores dificultadores da cessação devem estar interagindo com esses pacientes estudados. Destaca-se que o baixo estágio de motivação, fases de Pré-contemplação e Contemplação, permaneceu associado ao modelo final ao fracasso na cessação. Sabe-se que a motivação é considerada a pedra angular entre o sucesso e o fracasso dos fumantes em processo de cessação. A motivação pode ser definida como um estado interno consciente ou inconsciente que incentiva o indivíduo para o ato25. Fumantes com baixa motivação têm maiores chances de fracasso quando comparados aos fumantes com alta motivação26.
Os pacientes que estavam na fase de Pré-contemplação neste estudo não demonstravam intenção de mudar e o problema (tabagismo) era negado por eles, bem como na Contemplação, em que os pacientes admitiram o problema, mas tinham dúvidas que enfraqueciam sua motivação27, favorecendo o fracasso do tratamento.
O estado motivacional é um importante fator que reforça a necessidade de trabalhar o comportamento ambivalente evidenciado pelo fumante que simultaneamente procura ajuda, mas não está preparado para a cessação28. Além disso, a baixa motivação em parar de fumar favorece a não permanência dos fumantes nos grupos de TCC, aumentando a chance de fracasso na cessação. Na verdade, essa baixa motivação corrobora a não adesão do fumante ao planejamento terapêutico proposto e, consequentemente, possibilita que esses fumantes não alcancem o desfecho de sucesso na cessação. Assim, torna-se imprescindível a avaliação do estágio de motivação em que o paciente se encontra no momento da primeira consulta, orientando-o ou fazendo o reforço motivacional, caso seja necessário. Preparar esses pacientes e fazer com que consigam mudar de estágio motivacional é um passo essencial para a diminuição da taxa de fracasso terapêutico28.
Reforçando essa análise, os resultados deste estudo mostram que parte dos fumantes (17,60%) que procuraram os programas de cessação do tabagismo em Cuiabá não compareceu nem na primeira sessão da TCC e outros abandonaram o programa de cessação (20,23%) antes do término do planejado, mostrando que possivelmente não estavam preparados e/ou motivados. Nesse sentido, poderia ser mais proveitoso que os pacientes nessas fases de baixa motivação recebessem reforços motivacionais antes da terapêutica recomendada pelos consensos (medicamentos + TCC).
Várias formas de reforços motivacionais existem, a começar pela Técnica de Entrevista Motivacional (EM)29, que é um método centrado no paciente e consiste em ajudá-lo a reconhecer seus problemas atuais, bem como a trabalhar a ambivalência diante da mudança comportamental, de forma a tentar estimular o comprometimento para a realização dessa mudança por meio de abordagem psicoterápica persuasiva. Com essa técnica usada no início do tratamento e seguida da TCC, é possível realizar intervenções adequadas objetivando fazer com que o fumante visualize a importância da adesão ao tratamento na cessação do tabagismo30.
São cinco princípios fundamentais para serem trabalhados na entrevista motivacional, de forma a ajudar o paciente. Em primeiro lugar, usar de empatia, que é a habilidade da escuta ativa, demonstrando ao paciente que o terapeuta o aceita como ele é e está naquele local para ajudá-lo a lidar com a sua ambivalência. Em segundo lugar, desenvolver a discrepância, que significa trabalhar com o paciente evidenciando que simultaneamente ao fato de ele procurar ajuda, ainda não se encontra preparado para realizar as mudanças, demonstrando o percurso existente entre como o paciente está no momento até onde ele quer chegar. Em sequência, evitar argumentação, de forma a não permitir o aumento da resistência do paciente ao tratamento. A posteriori, aprender a lidar com a resistência, que é estimular o fumante a perceber que deve buscar soluções para o seu problema sem fazer oposição direta, sabendo reconhecer o seu momento. Finalmente a autoeficácia, que diz respeito à percepção que o indivíduo tem da sua capacidade de conseguir alcançar os seus objetivos quando buscou o tratamento. A percepção que a pessoa tem sobre si mesma nesse aspecto poderá ser altamente motivadora29.
Sendo assim, a motivação pode ser entendida, numa visão abrangente, não como algo que a pessoa “tem ou não tem”, mas como algo que o paciente pode fazer, existindo várias maneiras de ajudá-lo a se mover em direção ao reconhecimento do seu problema e a propor uma ação para a mudança31.
Dessa forma, sabendo que o menor grau de motivação está associado ao fracasso terapêutico, cabe aos profissionais de saúde mostrar receptividade e abertura para aceitar no Programa os pacientes ambivalentes e/ou resistentes ao tratamento, mostrando empatia e flexibilidade, bem como que saberá respeitar os desejos do fumante em relações às suas mudanças comportamentais, visando à maior eficácia no tratamento. Assim, torna-se imperioso conhecer o estágio motivacional do fumante para poder trabalhar as intervenções terapêuticas individuais, e as escalas de motivação têm ajudado na identificação desse estágio, auxiliando o profissional de saúde na escolha do tratamento mais eficaz32.
Outro resultado importante encontrado foi a associação entre o fracasso na cessação com o menor tempo de tabagismo, que permaneceu significante no modelo final de análise. O esperado era que os fumantes mais idosos e com maior tempo de tabagismo tivessem mais dificuldades na cessação, seja pelo seu temor de fracasso, seja pela dificuldade de se imaginar sem o cigarro, coadunando com alguns estudos33,34. Esse dado, aparentemente paradoxal, pode ter uma explicação plausível. Talvez ao fumar por pouco tempo, o tabagista ainda não tenha sentido os efeitos nocivos do cigarro à sua saúde e não valorize a importância de parar de fumar, diferentemente dos mais idosos que têm maior preocupação com a sua saúde, fator associado a maior abstinência conforme outras pesquisas. Ou talvez lhe falte maturidade e a consciência de que, independentemente do tempo de fumo, o cigarro pode trazer riscos à sua saúde35,36.
Por outro lado, a maior carga tabágica mostrou-se associada ao fracasso na cessação. Possivelmente, esses fumantes com maior carga tabágica são os mais dependentes e sentem mais os efeitos da síndrome de abstinência, que está diretamente relacionada com o fracasso nas tentativas de cessação do tabagismo. Os consumidores de 20 ou mais cigarros/dia geralmente são passíveis de fortes sintomas de abstinência. Quanto maior for a intensidade dos sintomas apresentados pelos pacientes durante a abstinência, maiores serão as chances de fracasso no processo de cessação, com ou sem tratamento específico37.
As características de personalidade do fumante ou algumas doenças psiquiátricas, como a ansiedade e a depressão, são fatores relacionados ao fracasso na cessação do tabagismo38. A ansiedade é a doença com maior frequência na psiquiatria (25% da população durante a vida), podendo ser definida como um estado emocional com componentes psicológicos e fisiológicos, sendo necessária e motivadora do desempenho39. A linha que separa a ansiedade saudável da patológica é muito tênue. Sendo assim, a questão é quando esta passa a ser patológica, com sensações de medo sem ameaça real ou sendo desproporcional à situação que a originou40.
Os resultados encontrados neste estudo não mostraram associação do fracasso terapêutico com a depressão, como era o esperado. Todavia, o alto nível de ansiedade, moderado e/ou grave, manteve-se associado com o fracasso na cessação no modelo final de análise. Outros autores também relataram que as desordens de ansiedade encontradas nos fumantes em processo de cessação estão associadas ao fracasso41,42.
A ansiedade parece ser mais fortemente associada com tabagismo que com a depressão e, entre os fumantes, a prevalência dessas características é maior que na população em geral43. Indivíduos com ansiedade e depressão têm menos probabilidades de deixar de fumar ao final do tratamento, pois são os que apresentam maior grau de dependência44. Em muitos fumantes a nicotina reduz os sintomas da ansiedade ou da depressão e, ao agir como uma automedicação, perpetua o estado de ambivalência típica da dependência, o que dificulta ainda mais a cessação do tabagismo45.
Finalizando, este estudo apresentou algumas limitações. O Inventário de Ansiedade de Beck não consegue delimitar as nuances dessa variável. Foi possível identificar e confirmar a presença de ansiedade e a associação dela com tabagismo, mas não identificar qual transtorno ansioso o paciente apresenta. Outro fator limitante foi a impossibilidade de analisar os pacientes que abandonaram o programa antes do término do acompanhamento preconizado para este estudo.
Com os resultados analisados, pode-se concluir que o baixo nível motivacional, o menor tempo de tabagismo, a maior carga tabágica e o alto nível de ansiedade estão associados ao fracasso na cessação. Conhecer esses fatores, especialmente os psicológicos, é importante no planejamento das ações dentro de um programa de cessação do tabagismo. Novas rotinas devem ser incorporadas ao tratamento do tabagista nas instituições de saúde, tais como avaliação formal com o uso de instrumentos de escala motivacional; e, dependendo do resultado, deve-se estabelecer uma aliança terapêutica e utilizar a técnica de entrevista motivacional, que possibilita maior adesão ao tratamento. Além disso, com os pacientes muito ansiosos ou portadores de outros distúrbios psiquiátricos, deve-se garantir a participação de um psicólogo e um psiquiatra para atendimento desses fumantes, formando, assim, uma verdadeira equipe multiprofissional.