versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol. vol.37 no.3 São Paulo jul./set. 2015
http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20150052
A escassez de órgãos é um problema mundial, encontrado em países desenvolvidos e subdesenvolvidos.1-9 Apesar de grandes avanços, ainda é possível verificar oportunidades de melhorias na doação de órgãos. A necessidade de mudar essa realidade vem despertando o interesse de estudiosos, no sentido de buscar identificar as causas relacionadas a tais perdas.3-9
É bastante comum encontrarmos, na literatura, estudos que associam o tema da doação de órgãos e de transplantes. Alguns estudos mostram os principais fatores associados às perdas de potenciais doadores.10-24 Esses dados revelaram a desconfiança da população em relação ao processo de doação, e o despreparo e/ou pouco envolvimento dos profissionais da saúde para atuar nesse processo, além de questões religiosas e culturais.
A realidade brasileira tem mostrado um esforço imensurável em todas as esferas políticas, sociais, governamentais e não governamentais, no sentido de aumentar o número de doações efetivadas e de pacientes transplantados.2,4,21,24 Ainda assim, é possível perceber que o número de perdas aumenta na mesma proporção que o fazem a notificação e as doações.25,26
Apesar de a legislação ser clara e eficiente nessa área, não há instrumentos que possam elaborar indicadores reais acerca do potencial de morte encefálica (ME) nos hospitais do Brasil, assim como em outros países.5,8,9,21,27 A partir do conhecimento do número de ME em cada instituição, é possível identificar as verdadeiras possibilidades de notificação.
Diversos países estão desenvolvendo auditorias em unidades de terapia intensiva (UTI), viabilizando conhecer o número de ME nos hospitais; o número de ME não notificadas; e as causas de perdas de potenciais doadores.4,5,27-30 Os resultados dessas auditorias apresentam o número de ME ocorridas em cada instituição; a porcentagem de pacientes com ME diagnosticada e não notificada; e as principais causas de não efetivação das doações.4-6,27-31
A Espanha é um dos países que vem se destacando na utilização de uma metodologia específica, mostrando-se capaz de definir a capacidade teórica de doação de órgãos conforme o tipo de hospital, de detectar a perda de possíveis doadores durante o processo de doação e de analisar as causas dessas perdas descobrindo quais fatores hospitalares têm impacto sobre o processo de doação.31,32 O país mudou sua realidade, saindo de uma taxa de 14,3 notificações de potenciais doadores (pmp) em 1989, evoluindo ao longo dos anos e chegando, em 2011, a uma taxa de 36,2 pmp, tornando-se uma referencial mundial.31,32
A mudança dessa realidade esteve relacionada com diversas estratégias, mas os instrumentos do Modelo de Gestão de Qualidade da Organização Nacional de Transplantes (ONT) foram um dos principais responsáveis pela melhoria desse processo. Esses instrumentos permitem, por meio de análise direta nos prontuários, identificar a capacidade geradora de ME em cada hospital, levando em consideração as características dele, além de analisar a perda de possíveis doadores, doadores não notificados, os motivos das perdas e as contraindicações médicas adequadas e inadequadas.31,32
Com informações verídicas de fatos acerca do processo de doação, é possível estabelecer ações e estratégias direcionadas aos problemas apresentados. Desse modo, há uma probabilidade maior de aumentar o número de doações, o que certamente deve trazer um número de doadores reais.
Diante disso, este estudo teve com o objetivo utilizar os instrumentos adaptados do Modelo de Gestão de Qualidade da ONT em três hospitais pilotos no Brasil. Acredita-se que as informações extraídas dos prontuários possam apresentar dados significativos e seguros. Adicionalmente, elas podem auxiliar, de forma positiva, as autoridades a reverterem os números de doação e transplante no país.
Trata-se de um estudo metodológico relacionado à tese de doutorado, na qual foram desenvolvidas todas as etapas da tradução, adaptação e validação de instrumentos de gestão de qualidade no processo de doação de órgãos. O presente estudo foi desenvolvido conforme recomendações da literatura para validação de instrumentos,33,34 sendo que a primeira etapa foi a solicitação à ONT para traduzir os instrumentos.
Esse artigo refere-se a particularmente uma das etapas do processo de validação: o pré-teste. Esses instrumentos foram elaborados por profissionais da ONT, os quais têm como objetivo: definir a capacidade de gerar ME de cada instituição, ou seja, identificar o número de ME em cada instituição, conforme o tipo de hospital; detectar perda de possíveis doadores e analisar as causas dessas perdas como ferramenta para a identificação de pontos de melhora no processo de doação; e descobrir os fatores hospitalares que têm impacto no processo. Para a utilização desses instrumentos, a ONT elaborou um guia de orientação.
A utilização desses instrumentos no pré-teste ocorreu em duas etapas, conforme descreve o guia de orientações. O instrumento I (Anexo A) foi utilizado na primeira etapa de análise dos prontuários, denominada etapa de avaliação interna. Nessa etapa, a análise foi realizada pelos próprios coordenadores Hospitalares de Transplantes da Instituição (CHT) a cada 3 meses. O instrumento II (Anexo B) foi utilizado na segunda avaliação dos prontuários (por amostragem), denominada avaliação externa. Nessa etapa, a análise foi realizada por um CHT de outra instituição. Para participar da segunda etapa, a instituição deve estar desenvolvendo a primeira etapa por 1 ano. Para o preenchimento desses dois instrumentos, deve-se utilizar o Anexo C.
A pesquisa foi realizada em três hospitais de grande porte no Estado de Santa Catarina - todos hospitais-escola. A escolha das três instituições levou em consideração o fato de elas atenderem a uma grande demanda de pacientes neurocirúrgicos, com uma média de 54,0 notificações de potenciais doadores (pmp) ao ano à Central de Transplantes, sendo responsáveis por 61% das doações de órgãos efetivadas no Estado. A instituição 1 estava localizada na grande Florianópolis, possuía 240 leitos, uma unidade de terapia intensiva (UTI) geral com 12 leitos; a instituição 2 estava localizada na região norte de Santa Catarina, possuía 259 leitos, 2 UTIs, sendo 1 neurocirúrgica com 7 leitos e 1 UTI geral com 8 leitos; a instituição 3 ficava no Vale do Itajaí, possuía 220 leitos, 2 UTIs, sendo 1 coronariana com 8 leitos e 1 geral com mais 8 leitos.
A solicitação dos prontuários dos óbitos das UTIs nessas instituições foi por meio do Serviço de Arquivo Médico (SAME), no período de 3 meses, de 1º de janeiro a 31 de março de 2011, totalizando 119 prontuários.
Com esses prontuários, foi desenvolvida a primeira etapa, por meio do instrumento I, contendo as seguintes variáveis: (a) a causa da morte; (b) se ME detectada pelo CHT; (c) se observada contraindicação médica correta, se contraindicação incorreta, especificar; (d) se houve contraindicação médica correta, qual a causa da contraindicação médica, se foi uma contraindicação incorreta especificar a causa; (e) se iniciada cirurgia para remoção dos órgãos foi iniciada, caso não; (f) qual o motivo da não remoção dos órgãos; (g) se foi realizada entrevista familiar.
A segunda etapa foi desenvolvida somente em um dos três hospitais, no período de 1º de março de 2011 e 31 de junho de 2012, totalizando 259 prontuários. A opção pelo hospital se deu pelo número de óbitos na UTI, pelo número de pacientes em ME e de possíveis doadores identificados na avaliação interna.
Nessa etapa, foi utilizado o instrumento II, com as seguintes variáveis: (a) o prontuário correspondeu a uma ME identificada pelo CHT?; (b) Foi realmente uma ME?; (c) qual foi a causa da perda do potencial doador? d) foi possível conhecer a causa da perda; e) trata-se de uma perda adequada, inevitável ou não corrigível, trata-se de uma perda inadequada, evitável e corrigível, não se pode avaliar; (f) foi realizada entrevista familiar?; (e) resultado desfavorável à doação, qual o motivo? Quando da utilização do instrumento II, o CHT confrontou as informações do guia com os dados registrados nos prontuários; assim, ele pôde definir se a perda era considerada adequada ou inadequada. A análise nos prontuários foi realizada pela pesquisadora, por dois colegas enfermeiros e por um médico. Antes de iniciar a análise nos prontuários, os referidos profissionais foram munidos do guia de orientações com 1 mês de antecedência.31 Nesse guia, estava descrito, passo a passo, como proceder à coleta dos dados por meio dos instrumentos. Ele foi adaptado à realidade brasileira, conforme a legislação, pela própria pesquisadora e por mais dois colegas médicos. Após apresentação do guia aos profissionais e sanadas todas as dúvidas, seguiu-se com a análise dos prontuários. A média de tempo para analisar cada prontuário foi de 20 minutos.
Para facilitar a análise dos prontuários, eles foram assim classificados: possível doador, quando se tratava de um paciente com sinais clínicos de ME e com algum exame que indicava a ME - quando não houve abertura do protocolo de ME desse prontuário, conforme orientações do guia, considerou-se um escape (perda de um possível doador); potencial doador para paciente que foi concluído o protocolo de ME e ocorreu a notificação à Central de Notificação Captação e Distribuição de Órgãos e Tecidos (CNCDO), mas, por algum motivo, não houve a efetivação da doação, sendo considerado como perda de um potencial doador; doador efetivo quando ocorreu a conclusão do protocolo de ME e a autorização para a doação, além da retirada dos órgãos, sendo considerada doação efetiva.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com protocolo 0964º/10, após aprovação e liberação das três instituições.
A análise dos dados foi realizada por meio de banco de dados Microsoft Excel® e apresentada sob forma de tabelas e quadros. Para as análises descritivas das variáveis qualitativas, foram utilizadas as frequências relativas (percentuais) e a absoluta (n) das classes de cada variável.
Foram avaliados 378 prontuários nas três instituições. Na instituição 1, foram avaliados 36 prontuários em um período de 3 meses; na 2, 24 prontuários em um período de 3 meses e, na 3, 318 prontuários em um período de 15 meses. Nos três hospitais foram identificados 117 prontuários com critérios de ME.
Por meio da Tabela 1, é possível identificar o número de ME de cada instituição, bem como as ME notificadas e não notificadas. Desta forma, pode-se mensurar o número exato de ME que cada instituição apresenta.
Tabela 1 Número de prontuários identificados com critérios de morte encefálica (ME) na unidade de terapia intensiva, ME notificadas à central de notificação captação e distribuição de órgãos e tecidos (CDCDO), e prontuários que não foram abertos - diagnóstico de ME, nas três instituições por período
Prontuários | Instituição 1 (período 3 meses) n (%) | Instituição 2 (período 3 meses) n (%) | Instituição 3 (período 15 meses) n (%) |
---|---|---|---|
Total de prontuários com critérios de ME | 10 (100) | 10 (100) | 97 (100) |
Prontuários com abertura de protocolo de ME e notificados a CNCDO | 9 (90) | 9 (90) | 81 (83,3) |
Prontuários que não foi identificado a ME | 1 (10) | 1 (10) | 16 (16,7) |
Durante a análise dos prontuários, foi possível perceber que as duas principais causas de ME estavam relacionadas com traumatismo craniencefálico em acidentes (48,8%) e com acidente vascular cerebral hemorrágico (35%) (Tabela 2).
Tabela 2 Causa de morte dos pacientes identificado nos prontuários
Causa da morte | n (%) |
---|---|
Traumatismo craniencefálico | 57 (48,8) |
Acidente vascular cerebral isquêmico | 8 (6,8) |
Acidente vascular cerebral hemorrágico | 41 (35,0) |
Tumor | 6 (5,1) |
Anóxia | 4 (3,4) |
Outros | 1 (0,9) |
Total | 117 (100) |
O Quadro 1 permite identificar dados referentes a cada hospital, como a porcentagem de prontuários com critérios de ME por hospital, perdas por manutenção, recusa familiar e perda de possíveis doadores (escapes).
Quadro 1 Dados relacionados ao processo de doação nas três instituições
Porcentagens em relação às mortes encefálicas | Instituições | Excelência | ||
---|---|---|---|---|
Instituição 1 | Instituição 2 | Instituição 3 | ||
Capacidade geradora de morte encefálica com neurocirurgia | 41,66 | 27,8 | 30,5 | 54,5 |
Escapes (possíveis mortes encefálicas que não foram identificadas) | 10 | 10 | 16,7 | 0 |
Problemas na manutenção | 12,5 | 11 | 17,6 | < 3 |
Recusa para doação | 28,6 | 50 | 64,3 | 10 |
Problemas logísticos | 0 | 0 | 0 | < 1 |
Efetivação real | 75 | 44,4 | 29,4 | > 65 |
Nível de excelência ou padrão-ouro: dados recomendados para cada etapa do processo de doação pela Comunidade Europeia.31,32
No que se refere à causa da não remoção dos órgãos, ou seja, às perdas de potenciais doadores de órgãos e tecidos por manutenção, observa-se que estas estiveram relacionadas à parada cardíaca irreversível, ao choque séptico e à instabilidade hemodinâmica, o que correspondeu a 92,5% delas (Tabela 3).
Tabela 3 Causas das perdas nos prontuários de pacientes com critérios de morte encefálica
Perdas | Causa | n (%) |
---|---|---|
Morte encefálica não identificada | Instabilidade hemodinâmica | 8 (44,4) |
Contraindicação médica incorreta | 4 (22,2) | |
Contraindicação médica correta | 3 (16,7) | |
Sem uma causa específica | 3 (16,7) | |
Total | 18 (100) | |
Perda do potencial doador por manutenção | Parada Cardíaca irreversível | 10 (37) |
Instabilidade hemodinâmica | 9 (33,3) | |
Choque séptico | 6 (22,2) | |
Outros | 2 (7,5) | |
Total | 27 (100) | |
Perda do potencial doador por recusa | Família contrária à doação sem causa específica | 9 (27,2) |
Doador contrário à doação em vida | 8 (24,4) | |
Família desejava o corpo íntegro | 7 (21,2) | |
Problemas com a equipe de saúde | 5 (15,2) | |
Causas religiosas | 3 (9,0) | |
Outros | 1 (3,0) | |
Total | 33 (100) |
Em relação aos motivos da não remoção dos órgãos por recusa familiar, verifica-se que os motivos estiveram relacionados com o fato de a família ser contrária a doação sem causa específica, o doador ser contrário à doação e a família desejar o corpo íntegro, com 72,8% das perdas (Tabela 3).
As causas de perdas evitáveis de potenciais doadores estiveram relacionadas com a não identificação da ME pelo CHT (26,7%), perdas por manutenção (45,8%) e perdas por recusa familiar (27,5%). Salienta-se que essas perdas evitáveis foram definidas pelos profissionais conforme determinações do guia para o desenvolvimento do Modelo de Gestão de Qualidade, cuja metodologia define prerrogativas claras para a avaliação desse item, por meio do instrumento II (ANEXO B).
Um dos principais entraves para a detecção do potencial doador no mundo foi a dificuldade em calcular o número de ME em cada estabelecimento de saúde, ou seja, definir a real capacidade geradora de possíveis doadores em cada instituição.4-6,27-30
No Brasil, utiliza-se uma estimativa de potenciais doadores por intermédio da população de determinada área, por diferentes índices hospitalares e por porcentagens de mortes nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI), as quais seriam classificadas como ME entre 10 a 15%.12,19,20
Ainda assim, essas estimativas não oportunizam a elaboração de dados verídicos acerca da capacidade de ME nas instituições, e nem a elaboração de indicadores que permitam a melhoria contínua do processo de doação e de transplantes. A melhoria visa à análise de dados, que deve fornecer subsídios para implementação de ações voltadas à resolução de problemas reais.31,32
No Brasil, assim como em outros países, não há instrumentos de qualidade para mensurar e avaliar o processo de doação e transplantes.4,28-31
O que existe, em nosso país, são indicadores descritos nas Portarias 1.262 e 2.600, as quais registram o número de ocorrências de ME diagnosticadas e notificadas à CNCDO (relativas a potenciais doadores em ME) e o número de doadores elegíveis em ME. Essas informações apenas permitem que as instituições identifiquem quantos doadores foram notificados à CNCDO.26,27
Os resultados obtidos neste estudo apresentaram o número de possíveis doadores e a capacidade geradora de ME em cada instituição (ou seja, o número de ME em cada instituição), além da taxa de perdas por manutenção, por recusa familiar e por problemas logísticos.
A identificação desses dados permite reconhecer qual instituição deixou de iniciar o protocolo de ME ou que teve maior número de perdas. Possibilita, ainda, determinar a taxa de efetivação real, pois os instrumentos permitem coletar informações precisas.
Com base nesses esclarecimentos, a CNCDO e o Sistema Nacional de Transplantes (SNT) podem elaborar estratégias que aumentem o número de doadores e, consequentemente, de transplantes realizados. Esses dados ainda devem permitir verificar qual a instituição é prioritária, ou seja, em qual instituição as autoridades devem atuar primeiro junto aos profissionais de saúde da UTI, no sentido de munir essas pessoas de conhecimento na identificação da possível ME, da abertura do protocolo de ME e da manutenção desse paciente, bem como capacitar profissionais para desenvolver a entrevista familiar.
Conforme estimativa do Brasil por milhão de habitantes, em 2009, registraram-se 35,8 pmp de perdas de possíveis doadores; no ano de 2010 foram 36,4 pmp; em 2011, 32,1 pmp; em 2012, 27,9 pmp; e em 2013, 33,3 pmp.25 Todavia, não há como afirmar se esses dados são fidedignos, uma vez que não está definido o número de ME por instituição. Contudo, não se pode deixar de destacar que mudanças significativas no número de notificações e de doações efetivadas ocorreram no transcorrer dos anos em nosso país. É bem verdade que alguns Estados obtiveram resultados mais satisfatórios.
Santa Catarina passou de uma taxa de doadores efetivos, em 2008, de 16,7 a 27,2 pmp, em 2013; São Paulo foi de 12 a 19,4 pmp; Ceará de 10,3 a 22,2 pmp; e o Rio Grande do Norte foi de 4,3 a 13,9 pmp.25 Santa Catarina cresceu 62%, enquanto São Paulo cresceu 60% em número de doadores efetivos, o Estado do Ceará cresceu 100% e o Rio Grande do Norte cresceu 200%.26 Esses dados refletem o aumento de doadores efetivos no Brasil, que, em 2008 era de 7,2 pmp e, em 2013, chegou a 13,2 pmp, totalizando um aumento de 75%.25
Esses números trazem informações satisfatórias, se avaliados isoladamente. Ao analisarmos as notificações com as efetivações, no entanto, apesar do aumento do número de doadores efetivos, o número de perdas não se reduziu ao longo desses anos. Conforme dados da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), em 2004 ocorreram 40,75 pmp subnotifições; em 2012, foram 27,9 pmp; e, em 2013, 23,5 pmp.25 Houve diminuição das subnotificações e, consequentemente, uma melhora no número de notificações. Esses dados são importantes, mas não apresentam as causas das subnotificações e nem mesmo os fatores relacionados às perdas desses potenciais doadores. A identificação dos fatores que acarretam a perda do doador, em especial na manutenção desse paciente, é fundamental para o sucesso dos transplantes.35
A utilização dos instrumentos do estudo nas instituições de saúde permitiu a elaboração de indicadores capazes de auxiliar no desenvolvimento de estratégias, a fim de melhorar esse cenário, ao mesmo tempo em que possibilitou aumentar o número de transplantes a ser realizado e, consequentemente, diminuir o tempo de lista de espera. Junto a isso, salienta-se que, ao diminuir o tempo em lista, é possível minimizar a ansiedade das pessoas que aguardam por um transplante.24 O número de doadores é insuficiente para atender à demanda, em especial quando se refere a pacientes com lesão renal que aguardam por um transplante.36
É bem verdade que esses fatos não ocorreram somente no Brasil. Reino Unido, Estados Unidos, Alemanha e Polônia também buscam aumentar o número de doadores efetivos. Auditorias frequentes analisam oportunidades de aperfeiçoar o sistema de transplantes nesses países.5,6,27-30 O desenvolvimento de estratégias para melhorar o processo e aumentar o número de doações é um problema mundial.4-6,27-30
A Espanha, ao implantar esses instrumentos nos hospitais capazes de gerar potenciais doadores, pôde acompanhar e mensurar dados relacionados ao processo de doação em cada hospital e em cada comunidade autonômica. Verificou-se, assim, o desenvolvimento de cada etapa do processo, permitindo que fosse possível conhecer as prioridades de atuação em cada instituição hospitalar, o que repercutiu em uma taxa de efetivação de 36,2 pmp em 2011.31,32,37
O presente estudo revelou que esse método pode ser implantado no Brasil, uma vez que os dados mostraram informações autênticas, obtidas a partir da análise dos prontuários, ou seja, por meio de fatos ocorridos e registrados no momento do óbito. As informações e os registros obtidos evidenciam fatos transcorridos desde a possibilidade de um paciente se tornar um doador até o momento de um potencial doador se tornar um doador efetivo. Seguramente, tais dados podem auxiliar muito no sentido da melhoria e da qualidade no processo de doação e transplantes.
O estudo permitiu identificar as causas das mortes, segundo os prontuários avaliados. Verificou-se o número de possíveis doadores, de potenciais doadores e de doadores efetivos. Também foi possível avaliar as oportunidades de melhorias e, assim, definir as estratégias prioritárias, com impacto na redução das perdas, viabilizando, dessa forma, uma maior efetividade no processo.
Os instrumentos aplicados neste estudo são fáceis de serem utilizados. Consequentemente, todas as etapas de aplicação do instrumento podem ser desenvolvidas em outros hospitais do Brasil. Acredita-se que tais resultados possam alertar os governantes sobre a importância de implantar tal metodologia nos hospitais brasileiros com capacidade de gerar mortes encefálicas, aumentando o número de doadores efetivos e minimizando o das perdas.