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Apneia obstrutiva do sono está associada a maior dispersão do intervalo QT corrigido: efeitos da pressão positiva contínua nas vias aéreas

Apneia obstrutiva do sono está associada a maior dispersão do intervalo QT corrigido: efeitos da pressão positiva contínua nas vias aéreas

Autores:

Nagihan Bilal,
Nursel Dikmen,
Fulsen Bozkus,
Aylin Sungur,
Selman Sarica,
Israfil Orhan,
Anil Samur

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Otorhinolaryngology

versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686

Braz. j. otorhinolaryngol. vol.84 no.3 São Paulo maio/jun. 2018

http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2017.03.005

Introdução

A apneia obstrutiva do sono (AOS) caracteriza-se por episódios repetidos de obstrução parcial (hipopneia) ou completa (apneia) da via aérea superior durante o sono. Esses eventos geralmente causam uma redução na saturação de oxigênio no sangue e geralmente terminam com despertares breves.1 De acordo com estudos epidemiológicos recentes, a prevalência de AOS aumenta de acordo com o índice de massa corporal (IMC), com o sexo, a idade e o índice de apneia-hipopneia (IAH).2 Quando a prevalência de AOS é avaliada em IAH > 15, as taxas foram relatadas como 10%-17% em homens e 3%-9% em mulheres.2 O IAH classifica a intensidade da AOS e é baseado no número de eventos de apneia e hipopneia por hora de sono por noite.3 AOS é mais frequente em pacientes de meia-idade do sexo masculino e naqueles com hipertensão arterial, insuficiência cardíaca, cardiopatia isquêmica e acidente vascular cerebral.4,5 Estudos anteriores indicaram o risco estimado de doença arterial coronariana em pacientes com AOS, especialmente homens, como de 37%.6

Os pacientes com AOS têm um risco elevado de arritmias cardíacas e morte súbita devido ao aumento da atividade simpática e à estimulação do sistema renina-angiotensina-aldosterona.7,8 A avaliação da doença cardiovascular em pacientes com AOS é um passo importante.9 O intervalo QT (QT) e sua dispersão (QTd) são parâmetros do eletrocardiograma (ECG) usados na avaliação da repolarização miocárdica.10 A heterogeneidade e a dinâmica do intervalo QT são usadas para demonstrar uma maior sensibilidade às arritmias ventriculares.11 Tem sido observado que as alterações circadianas dependem das concentrações aumentadas de catecolaminas, das variações na circulação e do tônus autonômico no intervalo QT do coração normal.12 O intervalo QT reflete a homogeneidade da repolarização, intervalos QT prolongados são precursores da repolarização cardíaca.13

O intervalo QT corrigido (QTc) calcula o intervalo QT em uma frequência cardíaca (FC) de 60 bpm13 e é usado para detectar um risco aumentado de arritmia.13 O QTc também é usado como um marcador para detectar o risco de arritmia em pacientes com função ventricular esquerda prejudicada.14 Tem sido demonstrado que o aumento do QTc aumenta o risco de arritmia em pacientes com AOS.15 A dispersão do intervalo QT (QTd) refere-se à diferença entre o intervalo QT mais longo e o intervalo QT mais curto no ECG. A dispersão do intervalo QT corrigido (QTcd) refere-se à diferença no intervalo corrigido QT mais longo e ao intervalo QT corrigido mais curto no ECG.15 A QTcd denota a variação regional no intervalo QT. O QTd (subtração do intervalo QT mínimo do intervalo QT máximo) é um parâmetro proposto como indicador da dispersão espacial do tempo de recuperação do suposto ventrículo para distinguir um miocárdio homogêneo de um não homogêneo.16

Tem sido demonstrado que o tratamento noturno contínuo com pressão positiva nas vias aéreas (CPAP) diminui o risco cardiovascular, especialmente a insuficiência cardíaca associada à apneia do sono.17

Portanto, neste estudo longitudinal prospectivo, o impacto do tratamento com CPAP na repolarização cardíaca foi avaliado em pacientes com AOS grave e em uma população controle pareada por idade e sexo.

Método

População do estudo

De acordo com a Declaração de Helsinque II, antes do início deste estudo, todos os participantes assinaram um termo de consentimento livre e informado fornecido pelo Comitê de Ética (número de aprovação 159).

Com α = 0,05 e β = 0,20, o poder do teste foi definido como 0,80 e o tamanho da amostra como 130 (tamanho do efeito 0,05).

O estudo foi feito entre julho de 2015 e fevereiro de 2016. Foram avaliados 240 pacientes. A amostra foi constituída por 65 pacientes que recebiam tratamento com CPAP e um grupo controle de 65 pacientes com IAH < 5. Os outros 110 pacientes foram excluídos por razões como doenças cardiológicas, diabetes mellitus, hipertensão e rejeição ou uso irregular do tratamento com CPAP. Como resultado, foram incluídos 130 indivíduos, dos quais 65 eram do grupo de pacientes e 65 do grupo controle.

O grupo de estudo consistiu em 65 pacientes encaminhados ao laboratório do sono por suspeita clínica de AOS. Os critérios de exclusão foram fibrilação atrial crônica, segundo ou terceiro bloqueio atrioventricular, presença de qualquer bloqueio de ramos, marcapassos permanentes, sintomas ou sinais de insuficiência cardíaca congestiva, defeitos de condução intraventricular, diabetes mellitus, pericardite da síndrome de Shy-Drager, valvulopatia, embolia pulmonar, função anormal da tireoide, cardiomiopatias, hipertensão pulmonar, valores anormais dos eletrólitos séricos, doença neurológica, uso de digitálicos, uso de agentes antiarrítmicos, uso de betabloqueadores ou uso de antagonistas do cálcio, inclusive verapamil e diltiazem. Todos os pacientes foram submetidos à polissonografia completa e eletrocardiograma (ECG) de 12 derivações. Após a polissonografia, fez-se a titulação dos CPAPs aos pacientes (Respiranics, Philips, EUA). O diagnóstico de AOS foi confirmado em todos os pacientes e todos foram submetidos ao tratamento noturno com CPAP. A polissonografia foi feita e os registros do ECG de 12 derivações foram obtidos novamente três meses após o início do tratamento com CPAP. O grupo controle consistiu em registros de ECG de 65 indivíduos pareados por idade e gênero, com IAH <5, sem doença cardíaca e sem história de hipertensão ou diabetes mellitus.

Estudo do sono e escore de polissonografia

AOS foi diagnosticada com base em critérios clínicos e os resultados de um polissonógrafo de 55 canais (Respiranics ALIS 5, Philips, EUA). A polissonografia incluiu sete eletroencefalogramas (F3-A2, C3-A2, O1-A2, F4-A1, C4-A1, O2-A1 e CZA1), eletro-oculogramas direito e esquerdo e um eletromiograma dos músculos do queixo para estadiamento convencional do sono. O fluxo de ar respiratório foi monitorado com uma cânula nasal conectada a um transdutor de pressão e os movimentos respiratórios torácicos e abdominais foram medidos com extensômetros piezoelétricos e o som traqueal foi medido com um microfone. A saturação arterial de oxigênio (SaO2) foi medida continuamente com um oxímetro de dedo.

As análises de dados automatizados e pontuados a mão foram obtidas e avaliadas. A hipopneia obstrutiva é definida como uma redução de pelo menos 30% no fluxo de ar, e essa redução deve durar pelo menos 10 segundos, e uma queda de 3% na SaO2 ou acompanhando despertar. A apneia é definida como uma redução de pelo menos 90% na amplitude do fluxo de ar e eventos respiratórios com duração de pelo menos 10 segundos.18 O índice de apneia (IA) foi definido como o número de episódios de apneia obstrutiva por hora de sono. O IAH foi definido como o número de episódios de apneia e hipopneia obstrutivas por hora de sono. A média de SaO2 e o valor mínimo observado durante o sono (SaO2 min) foram usados como índices de hipoxemia noturna. Um IAH ≥ 15 foi considerado como o limiar para identificar distúrbios obstrutivos do sono.

Análise dos registros de ECG

No início do estudo e três meses após o tratamento com CPAP, todos os pacientes foram submetidos à monitoração com ECG de 12 derivações. Os registros do ECG (Nihon Kohden Cardiofax M, Tóquio, Japão) foram feitos após o paciente ter descansado durante pelo menos 10 min na posição supina, com uma velocidade de papel de 50 mm/seg. No ECG, calcularam-se a taxa de FC e o intervalo QTc e QTcd.

O intervalo QT foi medido desde o início do complexo QRS até o fim da onda T. O fim da onda T foi determinado pelo método tangencial.19 Casos nos quais o fim da onda T era incerto, como na presença de uma baixa amplitude de onda T ou irregularidade isoelétrica, não puderam ser medidos. Apenas ECGs nos quais seis ou mais intervalos QT puderam ser medidos em pelo menos três derivações precordiais foram incluídos no estudo. O intervalo QT foi medido em dois ciclos cardíacos consecutivos e a média foi determinada. Os intervalos QT calculados foram corrigidos de acordo com a FC e uso da fórmula de Bazett (QTc = QT/√RR em segundos) e o intervalo QT corrigido (QTc) foi calculado para cada derivação.20 A QTcd para cada paciente foi determinada pela diferença entre o intervalo QTc máximo e mínimo.

Análise estatística

Os dados são apresentados como média ± desvio padrão (DP) ou como número (n) e porcentagem (%). Os dados numéricos foram primeiramente testados para normalidade. O teste t de Student foi usado para dados paramétricos e o teste U de Mann-Whitney para dados não paramétricos nas comparações de grupos. O teste de postos com sinais de Wilcoxon foi usado para avaliar as diferenças dentro dos grupos. Os dados categóricos foram analisados através do teste qui-quadrado ou teste qui-quadrado exato de Fisher. As associações entre variáveis contínuas foram medidas com os coeficientes de correlação de Spearman (r). Todas as análises foram feitas com SPSS para Windows, versão 18.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Um valor de p < 0,05 foi considerado estatisticamente significante.

Resultados

Foram incluídos no estudo 44 homens e 21 mulheres. As características básicas e a QTcd dos pacientes com AOS e dos indivíduos controle são mostrados na tabela 1. Não houve diferenças significativas entre os pacientes com AOS e o grupo controle em relação a sexo, idade e índice de massa corporal (IMC). A saturação inicial, saturação mínima e saturação média foram maiores no grupo controle do que nos pacientes com AOS, com diferenças significativas identificadas entre os grupos (p = 0,001). O índice de dessaturação foi significativamente menor no grupo controle do que no grupo OSA (p = 0,001). Não houve diferença significativa no tempo de sono total dos grupos controle e OSA (328,09 ± 5,58 minutos e 311,70 ± 67,77 minutos, respectivamente, p = 0,2). Da mesma forma, a análise do estágio de sono 1, estágio 2 e sono REM de acordo com percentis de períodos REM não mostrou diferenças significativas entre os grupos. Entretanto, houve diferença estatisticamente significante entre os pacientes com AOS e o grupo controle em relação ao estágio 3 do sono (8,55 ± 7,00 e 13,56 ± 8,53, respectivamente; p = 0001). A eficiência do sono, a FC máxima, a FC mínima e a FC média não foram estatisticamente significativas em qualquer dos dois grupos (p = 0,181; p = 0,025; p = 0,453; p = 0,029, respectivamente).

Tabela 1 Dados básicos dos pacientes com AOS e controles (n = 65) 

AOS (n = 65) Controles (n = 65) p
Idade (anos) 50,7 ± 11,5 44,7 ± 11,3 0,062
Sexo masculino (n) (%) 44 (67,7) 44 (67,7) 0,106
IMC (Kg/m2) 30,50 ± 4,90 29,71 ± 5,58 0,198
Tempo de sono total (min) 311,70 ± 67,77 328,09 ± 5,58 0,200
Estágio 1 (%) 19,8 ± 13,8 15,7 ± 7,9 0,184
Estágio 2 (%) 63,0 ± 13,9 60,0 ± 7,6 0,106
Estágio 3 (%) 8,5 ± 7,0 13,6 ± 8,5 0,001
REM (%) 8,4 ± 5,8 11,2 ± 7,2 0,014
Eficiência do sono (%) 76,61 ± 12,43 79,02 ± 12,50 0,181
IA (por h) 23,36 ± 24,90 1,32 ± 2,87 0,001
IAH (por h) 35,32 ± 17,93 4,49 ± 3,79 0,001
IH (por h) 6,48 ± 3,79 4,45 ± 3,96 0,001
Tempo de QTcd (ms) 62,48 ± 16,29 29,72 ± 6,30 0,001
Frequência cardíaca máxima (pulso min-1) 123,9 ± 29,2 111,7 ± 18,2 0,025
Frequência cardíaca mínima (pulso min-1) 54,6 ± 9,5 53,2 ± 6,6 0,453
Frequência cardíaca média (pulso min-1) 75,7 ± 12,4 71 ± 8,1 0,029
Saturação inicial (%) 93,86 ± 2,13 95,72 ± 1,34 0,001
Saturação mínima (%) 75,11 ± 12,42 89,06 ± 2,84 0,001
Saturação média (%) 93,05 ± 2,55 95,22 ± 1,76 0,001
Índice de dessaturação (per h) 32,11 ± 24,44 3,54 ± 2,47 0,001

IA, índice de apneia; IAH, índice de apneia-hipopneia; IH, índice de hipopneia; IMC, índice de massa corporal; QTcd, dispersão de intervalo QT corrigido.Os valores de P foram determinados pelo teste qui-quadrado para variável categórica, teste t de Student ou teste de Mann-Whitney para variável contínua (p < 0,05).

CPAP (65,6%) foi usado em 42 pacientes, auto CPAP (20%) em 13 e BiPAP (15,3%) em 10. A pressão média dos pacientes em quem o CPAP foi usado foi de 7,6 ± 1,75 mbar e a dos em quem o BiPAP foi usado foi de 14,6/10,3 mbar. Foi aplicada uma máscara nasal a 37 pacientes e uma máscara oronasal a 28. O tratamento com PAP médio foi calculado como 6,33 ± 0,98 horas/noite.

A QTcd dos pacientes com AOS foi significativamente maior do que no grupo controle (62,48 ± 16,29 ms e 29,72 ± 6,30 ms, respectivamente, p = 0,001). Houve também diferenças estatisticamente significativas entre os valores de QTc pré-tratamento e três meses pós-CPAP (p = 0,001). Além disso, o valor de QTcd pré-tratamento foi mais longo (62,48 ± 16,29 ms) do que o valor de QTcd pós-tratamento (41,42 ± 16,96 ms). Como mostrado na figura 1, houve uma correlação positiva e significativa entre os períodos de QTcd e o IAH e IH nos pacientes com AOS (p = 0,001, r = 0,71; p = 0,001, r = 0,679, respectivamente). Houve também uma correlação positiva e significativa entre os períodos QTcd e os índices de dessaturação dos pacientes com AOS (p = 0,001, r = 0,654) (fig. 2).

Figura 1 Correlação positiva entre os períodos de QTcd e o IAH dos pacientes com AOS. QTcd1, dispersão do intervalo QT corrigido em pacientes com AOS antes do tratamento com CPAP; IAH, índice de apneia-hipopneia; os valores de p e r foram determinados com a correlação de Spearman p: 0,001, r: 0,710. 

Figura 2 Correlação positiva entre os períodos QTcd e os índices de dessaturação dos pacientes com AOS. Índice dessat, índice de dessaturação do intervalo; QTcd1, dispersão do intervalo QT corrigido em pacientes com AOS antes do tratamento com CPAP; os valores de p e r foram determinados com a correlação de Spearman p: 0,001, r: 0,710; correlação de Spearman p: 0,001, r: 0,654. 

Discussão

Foi estabelecida uma forte correlação entre AOS e insuficiência cardíaca, hipertensão e doenças cardiovasculares, tais como arritmia.21 Ao usar a terapia com CPAP, a frequência cardíaca e as pressões arteriais diastólica e sistólica são reguladas e, ao mesmo tempo, os eventos cerebrovasculares e cardiológicos são reduzidos.6 Nos 65 pacientes com AOS do presente estudo, com média do IAH de 35,32, verificou-se que os períodos de QTcd eram mais longos do que os dos indivíduos do grupo controle. Após um período médio de três meses de tratamento com CPAP, foi observada uma redução nos períodos de QTcd.

Indivíduos com AOS são incapazes de respirar devido ao colapso da via aérea superior durante o sono.22 A obesidade, a idade e o sexo masculino são os principais fatores de risco.2 Uma maior prevalência de AOS foi determinada entre os 50-70 anos, mais comum no sexo masculino.2 Nos dados de estudos populacionais, foram observadas taxas 1,5-3 vezes mais elevadas de AOS nos homens do que nas mulheres. Essa razão em pacientes com AOS não diagnosticada foi de 2:1.23 Em nosso estudo, a média da idade dos pacientes com AOS foi de 50,72 ± 11,47 anos e 67,7% da população estudada eram do sexo masculino.

Hipóxia, hipercapnia, ativação do sistema nervoso autônomo e alterações de pressão intrapleural negativa ocorrem em AOS. Acredita-se que essas alterações levam à deterioração da resposta do barorreceptor no sistema nervoso autônomo e ao aumento da mortalidade, depende da presença de arritmias.24

A QTd representa a heterogeneidade regional na repolarização miocárdica.25 Essa heterogeneidade no tempo de repolarização miocárdica é o resultado da diminuição regional ou variações no percurso de transmissão, como ilustrado por um atraso na duração do potencial de ação. Na presença de QTd aumentada, a homogeneidade da repolarização ventricular diminui, aumenta assim a instabilidade ventricular.25 A medida de potencial de ação monofásico exibe uma troca de mensagens não homogênea, mas na falta de estudos eletrofisiológicos invasivos é usada rotineiramente.26 A velocidade de condução não uniforme em diferentes partes dos ventrículos ou o mecanismo de reentrada da repolarização pode causar arritmias ventriculares graves e, consequentemente, morte súbita cardíaca.27 Pesquisas demonstraram associação entre a QTcd e doença vascular periférica, cardiopatia isquêmica, miocardiopatia dilatada e hipertrófica e hipertensão em pacientes com doença renal terminal e consequente aumento da mortalidade e morbidade cardiovasculares.28

As medidas de QTc são preferíveis às de QTcd quando registros simultâneos de 12 derivações não podem ser obtidos devido a variações entre derivações ou erros de cálculo.20 No presente estudo, o índice de Bazett foi usado para calcular a QTcd.20

Extramiana et al. sugeriram que a terapia com β-bloqueadores poderia reduzir a taxa de QT, depende da modulação diária.29 Também foi demonstrado que a taxa de repolarização ventricular afetou o sistema nervoso simpático, direta ou indiretamente.29 Ahnve e Vallin relataram que o sistema colinérgico afetou diretamente a repolarização ventricular do miocárdio em 13 voluntários saudáveis.30 Outro estudo relatou que a neuropatia autonômica era comum em pacientes com AOS e que afetava o sistema parassimpático ao nível do nó sinoatrial.31

Em uma metanálise de pacientes com AOS e com doença cardíaca congestiva, foram observadas melhorias na fração de ejeção, pressão arterial diastólica e frequência cardíaca, após tratamento com CPAP.32

Dursunoğlu et al. demonstraram que a QTcd dependia da intensidade da apneia do sono em pacientes sem hipertensão e que era particularmente elevada em pacientes com apneia moderada a grave.10 Em outro estudo, a QTcd diminuiu significativamente após o tratamento com CPAP.15 No mesmo estudo, o período de QTcd antes do tratamento com CPAP foi de 54,5 ± 8,7 ms, enquanto após seis meses de tratamento verificou-se que era de 35,5 ± 4,2 ms.15 No presente estudo, a QTcd foi avaliada como 62,48 ± 16,29 ms antes do tratamento e 41,42 ± 16,96 ms após três meses de tratamento com CPAP. Com o uso de imagens cardíacas com metaiodobenzilguanidina marcada com iodo-123, Nakamura et al. encontraram uma associação entre a atividade simpática cardíaca e a QTcd em 48 pacientes com AOS.33 Çiçek et al. relataram que os valores de QTcd noturnos aumentaram em pacientes com AOS após a terapia com CPAP, independentemente de uma diminuição da função simpática cardíaca.34 Roche et al. mostraram que o tratamento de pacientes com AOS grave com CPAP melhorou significativamente a dinâmica do intervalo QT, mas não teve impacto sobre a atividade ectópica ventricular e repolarização estática.35 No presente estudo, paralelamente à literatura, a QTcd foi encurtada após a terapia com CPAP.

O impacto da gravidade da doença sobre a FC dos pacientes com AOS que não recebiam tratamento não foi esclarecido. A taxa de despolarização do nó sinoatrial é determinada principalmente pela atividade do sistema nervoso autônomo. Assim, a FC é diretamente dependente da atividade simpática e do desequilíbrio autonômico. Um estudo anterior demonstrou que a FC dos pacientes com AOS aumentou devido à ativação do sistema simpático.34 Sumi et al. relataram uma diminuição no número de eventos diurnos e noturnos de AOS em pacientes que recebem terapia com CPAP três/quatro vezes por dia.36 Kawano et al. relataram que os aumentos na FC dos pacientes com AOS acordados e no sono eram independentes da gravidade da condição.37 Eles também relataram que a FC média dos pacientes com AOS diminuiu após seis meses de tratamento com CPAP.37 No presente estudo, não foram detectadas diferenças nas FCs do grupo controle e nos pacientes com AOS.

Em pacientes com AOS, a apneia e a hipopneia dependentes da hipoxemia desempenham um papel importante no aumento da QTcd e da variabilidade da FC. Um estudo anterior mostrou que a apneia e hipopneia dependentes de hipoxemia aumentaram a atividade do sistema nervoso simpático, estimularam os quimiorreceptores do corpo da carótida.38 Isso indicou uma associação entre a dessaturação de oxigênio arterial e o despertar devido à hiperativação do sistema simpático.39 Em um estudo sobre o risco de doença cardíaca em pacientes com síndrome da apneia do sono, Aydin et al. encontraram uma correlação significativa entre a IAH e a dispersão da onda P e um risco aumentado em pacientes com AOS grave.40 No presente estudo, foi estabelecida uma correlação positiva entre o IAH e o IH e o QTcd. A correlação apositiva também foi determinada entre o índice de dessaturação e o QTcd.

Uma limitação do estudo foi que os pacientes poderiam ter sido acompanhados por mais tempo. A comparação do QTcd dos pacientes aos três, seis e 12 meses após o tratamento com CPAP proporcionaria maior contribuição à literatura. Além disso, o estudo não foi do tipo randomizado, o que também poderia ser considerado uma limitação.

No presente estudo, o QTcd dos pacientes com AOS diminuiu após o tratamento com CPAP. Foi determinada uma correlação positiva entre o IAH e o índice de dessaturação e o valor do QTcd, o que foi consistente com os achados na literatura. No entanto, os valores médios de FC do grupo de controle não diferiram significativamente dos valores encontrados nos pacientes com AOS. A variabilidade da FC no período inicial não está entre os parâmetros descendentes na AOS, o que tem atraído atenção na literatura.41

Conclusão

No presente estudo, o QTcd diminuiu em pacientes com AOS grave após o tratamento com CPAP. O encurtamento do QTcd pode reduzir o risco de arritmias e doenças cardiovasculares em pacientes com AOS grave. Estudos sobre o QTcd em pacientes com apneia do sono submetidos a cirurgia podem contribuir para a literatura na redução do risco de doença cardiovascular.

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