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Apoptose e modelos in vivo para estudo das moléculas relacionadas a este fenômeno

Apoptose e modelos in vivo para estudo das moléculas relacionadas a este fenômeno

Autores:

Adriana Luchs,
Claudia Pantaleão

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.8 no.4 São Paulo out./dez. 2010

http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082010rb1685

INTRODUÇÃO

A apoptose, ou morte celular programada, é um processo fisiológico essencial para a eliminação de células em excesso ou que não são mais necessárias ao organismo, atuando na homeostase dos tecidos. Por outro lado, esse fenômeno também está envolvido em condições patológicas. Os aspectos que caracterizam a morte celular programada são divididos em morfológicos e moleculares. Entre os aspectos morfológicos, observa-se: a redução do volume celular, condensação da cromatina, clivagem de DNA e fragmentação da célula em corpos apoptóticos, os quais são reconhecidos e fagocitados rapidamente por fagócitos sem ocasionar resposta imunológica. Entre os aspectos moleculares, estão: a liberação de citocromo c da mitocôndria, ativação de caspases, as quais clivam diversos substratos celulares, levando as células à morte(1).

Devido à dificuldade e às controvérsias em torno da definição de apoptose, define-se comumente esse fenômeno como decorrente de ativação de vias bioquímicas dentro das células, ou seja, ativação de proteínas denominadas caspases(1). Porém, estudos indicam que a apoptose é mais complicada. Em neoplasias e no sistema nervoso, foram identificadas novas formas de morte celular independentes de caspases, e que apresentam características mistas de apoptose, necrose e outras formas de degeneração celular(2).

CASPASES

As caspases são proteases que possuem cisteína em seu sítio ativo capazes de reconhecer e clivar especificamente resíduos de aspartato em outras proteínas(3). A ativação das caspases ocorre por duas vias principais: uma via extrínseca, mediada por receptores localizados na membrana celular, chamados receptores da morte, ou por uma via intrínseca, mediada por estímulos internos de estresse intracelular, tais como lesão do DNA ou perturbações no ciclo celular ou nas vias metabólicas(4). Essas diferentes vias culminam em ativação de proteases conhecidas como caspases, que têm papel fundamental no processo de morte celular. Uma vez ativada, a maioria das caspases tem a habilidade de catalizar a ativação de múltiplos outros membros dessa família, resultando em amplificação da cascata proteolítica. Alguns membros, tais como a caspase-8, ocupam posição proximal na cascata proteolítica e agem como reguladores e iniciadores, enquanto outros, como a caspase-3, são mais distais e agem como efetores da fragmentação celular(5). Na via extrínseca, a ligação a receptores na superfície celular, como FAS (type-II transmembrane protein) ou TNF (tumor necrosis factor), promove a ativação de caspase 8, a qual ativa caspase 3 diretamente ou cliva membros pró-apoptóticos da família Bcl-2 (B cell CLL/lymphoma 2) que promovem a liberação de citocromo c da mitocôndria. Na mitocôndria, a liberação de citocromo c é regulada pelos membros da família Bcl-2 que possui proteínas pró e antiapoptóticas. Em resposta ao estresse, membros pró-apoptóticos dessa família são translocados do citoplasma para a mitocôndria, onde promovem a liberação do citocromo c. No citoplasma, o citocromo c liga-se a Apaf-1 (Apoptotic protease activating factor 1) e à pró-caspase 9, formando o complexo apoptossomo e ativando a caspase 9 que, por sua vez, ativa caspase 3; assim, inicia-se a clivagem de substratos específicos que resultam nos aspectos morfológicos e bioquímicos da morte celular(6).

PROTEÍNAS PRÓ E ANTIAPOPTÓTICAS

Os membros antiapoptóticos da família Bcl-2, como Bcl-xL (B-cell lymphoma-extra large) e Bcl-w (Bcl-2-like 2) atuam, predominantemente, prevenindo que os membros pró-apoptóticos Bax (Bcl-2-associated X protein) e Bak (Bcl-2 relative bak) se liguem e perturbem a integridade de membranas intracelulares, em particular a membrana externa das mitocôndrias, ocasionando liberação de citocromo c e morte celular(7). Essas moléculas são consideradas potencialmente oncogênicas. A proteína Bcl-2, por exemplo, é originada da translocação entre os cromossomos 14 e 18 e foi descoberta em linfoma folicular humano(8). Apesar de mutações únicas em genes antiapoptóticos nessa família serem eventos raros em neoplasias, podem ser associadas indiretamente ao aumento de expressão das mesmas, como por exemplo, a ativação da via de NF-kB (nuclear factor-kB) em neoplasias, levando à ativação de Bcl-xL e A1 (annexin 1)(9).

A proteína Bcl-w possui estrutura muito similar às de Bcl-2 e Bcl-xL, cuja principal característica é a presença de domínios chamados BH (Bcl2 homology)(9,10). Essa molécula é encontrada na forma ativa fracamente ligada à membrana mitocondrial e sequestra membros pró-apoptóticos, impedindo a liberação de citocromo c. Em resposta a estímulos apoptogênicos, a proteína BIM (activator subtype of BH3-only proteins) se liga à Bcl-w, inserindo-a na membrana mitocondrial e, dessa forma, impossibilitando o sequestro dos membros pró-apoptóticos(11). É descrito que Bcl-w protege células da morte frente a um amplo espectro de agravos citotóxicos, incluindo privação de citocinas, irradiação com raios gama e UV (ultravioleta) e drogas quimioterápicas(12). Esta molécula é encontrada em diversos tecidos como cólon, cérebro, testículos, células mieloides, linfoides e epiteliais(13). Apesar de se assemelhar estruturalmente a outros membros antiapoptóticos com funções relativas a tumorigênese, pouco é descrito a respeito do envolvimento desta molécula no fenômeno de tumorigênese e progressão tumoral.

Sabe-se que os modelos murinos são sistemas valiosos para a análise experimental de oncogenes in vivo, bem como para a identificação de alvos farmacológicos do câncer e para avaliar terapias antitumorais. Nesse sentido, trabalhos demonstraram a função de algumas moléculas no comportamento dos tumores in vivo quando superexpressadas em células tumorais. Por exemplo, a molécula SSC-S2, também conhecida como proteína 8 induzida por TNF-alpha (TNFAIP8), caracterizada como molécula antiapoptótica e oncogene, teve sua função in vivo elucidada pelo trabalho de Zhang et al.(14). Neste trabalho, a sua superexpressão em células de câncer de mama foi associada ao aumento da frequência de colonização tumoral no pulmão, mostrando uma nova função desta molécula na progressão tumoral e alvo potencial na terapia antitumoral.

Os membros da família Bcl-2 têm sido associados à patogênese das várias neoplasias hematológicas, incluindo linfoma folicular não Hodgkin. Foi descrito que a superexpressão de Bcl-2 em camundongos transgênicos induz o desenvolvimento de hiperplasia linfoide e esplenomegalia(15). Outro trabalho mostrou que a superexpressão de Bcl-2 em células de melanoma aumentou a atividade de proteinases relacionadas à metástase e ao crescimento tumoral in vivo, mostrando a função crucial desta molécula no fenótipo invasivo e na progressão tumoral(16).

Como citado anteriormente, apesar de apresentar características interessantes quando analisadas in vitro, a participação e a função da molécula Bcl-w na progressão tumoral in vivo foi pouco investigada até o momento. De acordo com alguns estudos, a participação de Bcl-w foi mostrada de forma indireta na progressão tumoral in vivo no trabalho de Oltersdorf et al.(17), onde o uso de ABT-737 (quimioterápico que inibe as moléculas antiapoptóticas Bcl-w, Bcl-2 e Bcl-xL) em modelos animais de tumores induziu a regressão dos tumores e aumentou a sobrevivência dos animais, mostrando uma possível participação de Bcl-w no estabelecimento de tumores in vivo. Além disso, é descrito que a superexpressão de Bcl-w em linhagens celulares de adenocarcinoma gástrico promove aumento de invasividade por aumentar a expressão MMP2 (matrix metallopeptidase 2) pelas vias de PI3K (phosphoinositide 3-kinase), AKT (protein kinase B) e Sp1 (transcripton factor specificity protein 1)(18). Camundongos knockouts de Bcl-w são estéreis por apresentarem espermatogênese alterada(19), porém nenhuma outra anormalidade foi observada em outros tecidos, mostrando que talvez esta molécula tenha função redundante(20). O fato de esta molécula poder alterar a progressão tumoral in vivo permanece obscuro e a elucidação da participação na progressão tumoral pode possibilitar o desenvolvimento de novas terapias contra tumor.

Em vista da importância dos estudos de tumorigênese e respostas imunes contra o câncer e da possibilidade de investigar a participação de moléculas antiapoptóticas na progressão tumoral in vivo, o desenvolvimento de novos modelos murinos de linfomas T poderá servir como plataforma para estudos de tumorigênese, respostas imunes antitumorais, investigação de expressão ectópica de moléculas antiapoptóticas e imunoterapias contra tumores.

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