Compartilhar

Aquecimento e desaquecimento vocal em professores: estudo quase-experimental controlado

Aquecimento e desaquecimento vocal em professores: estudo quase-experimental controlado

Autores:

Maria Lúcia Vaz Masson,
Eliana Maria Gradim Fabbron,
Camila Miranda Loiola-Barreiro

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.31 no.4 São Paulo 2019 Epub 12-Set-2019

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20182018143

INTRODUCÃO

Os professores compõem uma das mais importantes categorias profissionais que utilizam a voz como instrumento de trabalho. Segundo dados do INEP, são 2,2 milhões de docentes somente na Educação Básica, sendo 519,6 mil no Ensino Médio, a maioria (68,1%) alocada em 28,3 mil escolas estaduais(1).

O distúrbio de voz relacionado ao trabalho (DVRT)(2) é comum em docentes e está associado a fatores pessoais, do ambiente e da organização de trabalho. Professores com distúrbio de voz apresentam oito vezes mais chance de perder a capacidade para o trabalho em comparação a professores sem alteração de voz, levando-os a se afastar precocemente da docência(3).

Estudo de revisão apontou variação da média de prevalência de alteração vocal em docentes entre 20% e 50%. Rouquidão, fadiga e garganta seca foram os sintomas vocais mais comumente reportados(4). Índices mais elevados (63%) foram encontrados em situação de autorreferência de problema de voz(5), seguidos por alteração vocal detectada por meio de avaliação perceptivo-auditiva (53,6%)(6) e diagnóstico médico de “patologia nas pregas vocais” (18,9%)(7), revelando uma redução decrescente em relação à percepção individual, avaliação fonoaudiológica e médica. Tais índices relacionaram-se com gênero feminino, tempo de docência maior que sete anos, ambiente de trabalho desfavorável, uso intensivo da voz, doenças respiratórias, perda auditiva e transtornos mentais comuns(7). Outros fatores associados foram: idade maior que 40 anos, histórico familiar de disfonia, carga horária semanal maior que 20 horas e presença de pó de giz na sala de aula(6), sendo elevados níveis de ruído, lecionar Educação Física e uso habitual de voz em alta intensidade os indicadores mais consistentes(8).

Estimativa revelou gastos públicos com afastamentos, licenças e readaptações de docentes por DVRT na ordem de R$ 150 mil/ano(9). Em valores atualizados, considerando-se o número de professores da Educação Básica(1) e piso salarial do magistério, os gastos são de R$ 1,66 bilhão/ano. Tal montante poderia ser aplicado em políticas públicas para a promoção e proteção da saúde docente, a exemplo de programas de saúde vocal do professor(10,11), em estados e municípios do país. Nas propostas dos programas, destacam-se cursos teórico-práticos com o intuito de prevenir disfonias em professores (83,60%), sendo o aquecimento (AV) e desaquecimento vocal (DV)(11) parte importante do conteúdo apresentado.

Entende-se por AV uma série de exercícios hierarquizados, de curta duração (15 a 30 minutos)(12), cuja função é proteger a laringe de lesões fonotraumáticas. O AV prepara o aparelho fonador para o uso intenso da voz por meio de controle do fluxo aéreo respiratório, mobilização de cabeça e pescoço, flexibilidade da musculatura extrínseca e intrínseca da laringe. Ao provocar calor, diminui a resistência elástica e viscosa das pregas vocais, favorecendo o seu alongamento. Além disso, melhora a projeção da voz, elevando a intensidade e reduzindo esforço e fadiga vocais(13-18).

O DV constitui uma sequência de exercícios também hierarquizados, de duração menor (5 a 15 minutos)(12), cuja função é retornar a voz, gradualmente, ao ajuste coloquial. Ao alongar a musculatura envolvida, proporciona a redução de tensões sofridas durante o uso intenso da voz, além de diminuir a intensidade e a frequência fundamental (f0), aspectos determinantes da sobrecarga vocal. O fato desse processo ser gradual auxilia na remoção do ácido láctico, responsável pela sensação de dor(13-16), devendo ser realizado imediatamente após o uso intenso da voz.

Embora AV/DV sejam comumente realizados junto a profissionais da voz, há uma importante lacuna na literatura sobre seus efeitos imediatos, especialmente em professores durante a atividade profissional. Este artigo tem por objetivo investigar os efeitos imediatos de um programa de AV/DV como estratégia protetora da voz de professores no contexto docente.

MÉTODO

Desenho de estudo, local e participantes

Estudo de intervenção prospectivo, exploratório, quase-experimental, pré e pós-teste com grupo controle, cego ao avaliador. Participaram 18 professores voluntários de uma escola pública de ensino médio da cidade de Salvador. A instituição possuía 143 docentes e 3.143 alunos na época do estudo, distribuídos em sua maior parte no Ensino Médio (2.787) e Educação de Jovens e Adultos (1.256). No momento da coleta, realizada entre os meses de maio a agosto de 2008, 86 professores estavam em exercício profissional. A pesquisa obteve anuência da Secretaria de Educação do Estado da Bahia, sendo aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual Paulista (UNESP-Marília), sob o nº 1.952/2005, em acordo com a Declaração de Helsinki e Resolução nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde.

Critérios de inclusão/exclusão

Adotaram-se como critérios de inclusão: lecionar no período da manhã e apresentar habilidade na realização do procedimento de intervenção. Excluíram-se os professores que apresentavam qualquer doença que pudesse comprometer a qualidade vocal ou a ressonância como: resfriados, gripes, crise alérgica, rinite, sinusite; e que realizassem tratamento fonoaudiológico simultâneo, por seus potenciais fatores confundidores.

Procedimentos

Todos os professores da escola foram convidados a participar da pesquisa, sendo que os concordantes (n=54) assinaram termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) previamente ao início da coleta. Após a aplicação do questionário, realizou-se o convite para uma segunda etapa do estudo, perfazendo um número inicial de 24 professores. Os participantes foram divididos em dois grupos: grupo experimental (GE), com 11 professores; e grupo controle (GC), com 13 participantes. Os professores alocados no GE realizaram o aquecimento prévio e desaquecimento vocal posterior à aula. Os professores alocados no GC ministraram suas aulas sem aquecimento vocal prévio, realizando repouso vocal ao final das aulas.

Aquecimento vocal

A proposta de AV foi baseada em procedimento realizado com professores(16,17), com duração aproximada de 13 minutos, consistindo numa sequência hierarquizada composta pelos seguintes exercícios: alongamento corporal, cervical e do trato vocal, expansão da caixa torácica, exercícios fonoarticulatórios, direcionamento do ar, flexibilização da mucosa e ressonância. Estabeleceu-se um descanso de trinta segundos após a realização de cada série de exercícios, visando à recuperação do tecido vocal. A execução de parte da intervenção foi realizada em pé, sendo que, após os exercícios de direcionamento do ar, o participante era convidado a se sentar, evitando-se possível hiperventilação (Quadro 1).

Quadro 1 Proposta de intervenção 

AQUECIMENTO VOCAL (13min)
Exercícios corporais
- Espreguiçar (para cima e para os lados): 2x (30s)
- Rodar ombros lentamente (para trás): 5x cada (20s)
- Alongamento cervical: 2x cada lado (30s)
- Rodar cabeça lentamente (“sim”, “não”, “talvez”): 5x cada (1min)
Exercícios fonoarticulatórios
- Rotação de língua (para direita e para esquerda): 10x cada lado (20s)
- Bico/sorriso: 10x (10s)
- Estalo de língua: 20x (20s)
- “Beijo da vovó”: 10 x (10s)
Direcionamento do ar
- Expiração longa SSS... 2x (20s)
- Expiração longa ZZZ... 2x (20s)
Sons vibrantes
-TR... ou BR... 15x (1min) > monopitch > descansa 30s
RR...
RR... RR...
-TR... ou BR... RR... 15x (1min) > ascendente/descendente > descansa (30s)
-TR... ou BR…AA…ÉÉ...ÊÊ…II...ÓÓ…ÔÔ…UU... 1x (30s) > monopitch
RR...
RR... RR...
-TR... ou BR... RR...AA...ÉÉ...ÊÊ…II...ÓÓ…ÔÔ...UU...1x (30s) > ascendente/descendente > descansa (30s)
Sons nasais
- Mastigação MMM... 10x (1min) > monopitch > descansa (30s)
- MM... UAA...UÉÉ...UÊÊ...UUII...UÓÓ...UÔÔ...UUU... 2x (1 min) > monopitch > descansa (30s)
UAA... UÉÉ...UÊÊ...UUII...UÓÓ...UÔÔ...UUU... 3x (1 min) > ascendente > descansa (30s)
UU...
- MM...
DESAQUECIMENTO VOCAL (7min)
Exercícios corporais e neurovegetativos
- Respiração profunda (solta tudo com “aah”): 3x (30s)
- Bocejo/suspiro: 3x (1min)
- Rodar ombros para a frente lentamente: 5x (30s)
- Rodar cabeça lentamente (“sim”, “não”, “talvez”): 5x cada (1min)
- Alongamento cervical: 2x cada lado (30s)
Sons vibrantes
-TRR ou BRR...
RR…
RR... 15x (1min) > descendente > descansa (30s)
Manipulação digital da laringe: (1min) > descendente
Voz salmodiada: 1x (1min) > descendente
“Minha voz é o meu instrumento de trabalho mais precioso
Agora eu vou cuidar da minha voz
Realizando aquecimento antes da aula
E desaquecimento depois.”

Desaquecimento vocal

O DV também foi baseado em procedimento realizado com professores(16) e teve duração média de sete minutos. Objetivou a redução do efeito da sobrecarga de aulas na voz, por meio do retorno gradual ao ajuste coloquial da voz. A proposta consistiu em exercícios de: alongamento corporal e cervical, ampliação da cavidade faríngea, redução da f0, intensidade e tensão laríngea (Quadro 1).

Grupo controle

Os professores alocados no grupo controle não realizaram aquecimento vocal prévio, ministrando suas aulas logo após a gravação da linha de base. Para o controle do DV, foi utilizado repouso vocal de duração idêntica (sete minutos), sem uso de voz, período em que os professores preencheram palavras-cruzadas sobre cuidados vocais.

Coleta de dados

Após a aplicação do questionário (etapa 1), procedeu-se à execução da segunda etapa. Verificou-se a habilidade de execução dos exercícios propostos no procedimento e demais critérios de inclusão/exclusão, de modo a alocar os professores no grupo experimental (n=11) e controle (n=13), perfazendo um total de 24 professores na etapa 2. Foram excluídos os docentes que realizaram uso prévio da voz antes da aula, de modo que o grupo experimental (GE) foi composto por AV (n=8), DV (n=7); e o grupo controle (GC) por aula (n=10) e repouso vocal (n=6), perfazendo 18 participantes ao final.

Obteve-se, como linha de base, a gravação da voz antes de qualquer intervenção. Após a gravação inicial, os participantes do GC seguiram para ministrar suas aulas, sendo que os participantes do GE realizaram AV prévio e tiveram a voz novamente captada e o protocolo de desconforto preenchido. Ao final do turno de aulas, após nova gravação e preenchimento do protocolo, os professores do GE ficaram em Repouso Vocal (RV), conforme descrito nos procedimentos. Os participantes de ambos os grupos (GC e GE) gravaram novamente a voz e preencheram o protocolo de desconforto. As etapas da pesquisa encontram-se sumarizadas no fluxograma abaixo (Figura 1).

Figura 1 Fluxograma da Pesquisa 

Questionário

Para a caracterização dos participantes na etapa 1, foi utilizado questionário semiestruturado e autoaplicável direcionado a professores(19). O instrumento abrange uma ampla gama de variáveis, sendo de interesse para este artigo os dados sociodemográficos e de situação funcional.

Gravação

A gravação das amostras de voz foi realizada na própria escola, em sala silente, com 55 dB de ruído (valor máximo das médias obtidas), aferido sistematicamente antes de cada gravação, por decibelímetro digital modelo Digital Sound Lever Meter, da marca Radio Shack. Utilizou-se microfone LESON de lapela omnidirecional, com condensador, modelo ML-8, preso a um pedestal, num ângulo de 45º lateralmente à boca e a uma distância pré-fixada de 10 cm para a gravação de amostras de fala espontânea (resposta às perguntas disparadoras “Como está a sua voz agora?” e “Como foi a sua aula?”) e sequência automática (contagem de 1 a 10). Para a gravação da vogal sustentada /Ɛ:/ (como se pronuncia na palavra “pé”), posicionou-se o microfone a 5 cm de distância e solicitou-se aos participantes uma emissão em “tom” e duração confortáveis. Foram utilizados dois indicadores de distância perpendiculares à régua (5 cm para a direita, para vogal; 10 cm para a esquerda, para a fala espontânea e sequência automática), de modo que os participantes pudessem aproximar sua boca, mantendo-se a distância padronizada para as diferentes tarefas fonatórias. Acoplou-se o microfone a um notebook da marca Hewlett-Packard, modelo Pavilion ZE 2410, com processador AMD Sempron 3000 e placa de som de 16 bits da marca Conexant, sendo as gravações realizadas no mesmo computador e programa VoxMetria (CTS Informática). Para a gravação das amostras de sequência automática e fala espontânea, foi utilizado o modulo “Análise da Voz” do programa, cuja taxa de amostragem é pré-definida em 11.025 Hz. Para a gravação das amostras da vogal sustentada, foi utilizado o módulo “Qualidade de Voz”, com taxa de amostragem de 44.100 Hz. Ambas as gravações foram automaticamente salvas em arquivo do tipo wave, conforme configuração padrão do programa.

Avaliação perceptivo-auditiva

A avaliação perceptivo-auditiva é considerada padrão de referência para análise vocal e tem o intuito de verificar como o falante tipicamente utiliza sua voz. Nesta pesquisa, foram consideradas a escala GRBASI(20) e ressonância para análise da qualidade perceptivo-auditiva da voz.

A escala GRBASI(20) permite a mensuração do grau e tipo de desvio vocal. A identificação do grau de alteração segue marcação de quatro pontos, com variação de 0-3, onde 0 corresponde a ausência de alteração; 1 = alteração leve; 2 = alteração moderada; 3 = alteração acentuada. Para o tipo de desvio, considerou-se: G (grade) alteração vocal global; R (roughness) rugosidade; B (breathness) soprosidade; A (asteny) astenia; S (strain) tensão; e I (instability) instabilidade da emissão, relacionada a flutuações, tanto na f0, quanto na qualidade da voz.

A ressonância(21) é conhecida como a amplificação do som produzido pelas pregas vocais, resultado do reforço ou amortecimento de determinadas frequências do espectro sonoro nas cavidades de ressonância (laringe, faringe, boca e nariz). Neste trabalho, consideraram-se os tipos ressonância equilibrada (normal) e não equilibrada (laringofaríngica, hipernasal, hiponasal e laringofaríngica com compensação nasal).

A avaliação perceptivo-auditiva foi realizada por três juízas, especialistas em voz com, no mínimo, oito anos de experiência em atividades de cuidados vocais junto a professores. As amostras de voz foram codificadas, randomizadas e organizadas de forma pareada (pré e pós-teste) por professor. As avaliadoras foram cegadas quanto à situação AV/aula e DV/repouso vocal e o momento (pré/pós-teste) a que as amostras se referiam. Essa matriz foi gravada em compact discs (CDs), repetindo-se 10% das amostras para o teste de concordância. Para esta análise, foi considerada somente a amostra de fala encadeada (contagem de 1 a 10).

Análise acústica

A análise acústica constitui-se como importante ferramenta da função vocal, que se complementa à avaliação perceptivo-auditiva, oferecendo valores numéricos por meio de mensurações extraídas de laboratórios computadorizados de voz. Tanto a coleta quanto a análise acústica foram realizadas pela primeira autora deste artigo, sendo os dados obtidos diretamente do programa VoxMetria, por meio da extração automática dos indicadores. Para os parâmetros da vogal sustentada, foi utilizada a lingueta “Análise”, sendo selecionados os “Dados de Análise Vocal” do módulo “Qualidade de Voz”. Nesta pesquisa, foram considerados os indicadores de frequência fundamental (f0), jitter (índice de perturbação ciclo a ciclo de f0, aqui referido como period perturbation quotient – PPQ), shimmer (índice de perturbação ciclo a ciclo da amplitude da onda sonora, aqui referido como energy perturbation quotient - EPQ), ruído (componentes aperiódicos do sinal sonoro) e proporção GNE (glottal to noise excitation ratio - ruído de uma série de pulsos produzidos pela oscilação das pregas vocais). Os valores de normalidade para o programa VoxMetria foram: jitter, < 0,6%; shimmer, < 6,5%; GNE, > 0,5 dB; e ruído, < 2,5 dB, conforme especificação do fornecedor.

Autoavaliação do grau de desconforto

Para a autoavaliação do grau de desconforto, elaborou-se um protocolo específico no qual foram considerados os sintomas mais prevalentes em professores, caracterizados por aspectos relacionados à voz (esforço para falar; ardor na garganta; variação na voz; rouquidão, cansaço para falar e pigarro), aspectos relacionados ao corpo (tensão no pescoço; tensão nos ombros; tensão no corpo) e aspectos globais relacionados ao corpo/voz, analisados conjuntamente. Inicialmente proposta como escala visual-analógica, houve sua reformulação para escala numérica devido à dificuldade de marcação referida pelos participantes na oportunidade da aplicação no projeto-piloto(16). Para este trabalho, utilizou-se escala graduada de 0 a 5, onde 0 representou a menor sensação de desconforto e 5, a maior sensação percebida. Os valores médios de referência utilizados para cada conjunto de indicadores foram: aspectos relacionados ao corpo (7,5); aspectos relacionados à voz (15), corpo/voz (22,5). Escores baixos representam pouco desconforto, enquanto escores altos representam desconforto elevado.

Análise dos dados

Os dados foram digitados no programa EpiData e analisados por meio do Statistical Package for the Social Sciences (SPSS). Para a análise acústica, foram calculadas as médias e desvios-padrão de cada indicador estudado, extraídos da emissão da vogal /Ɛ:/. Para a avaliação do grau de desconforto, consideraram-se médias e desvios padrão dos escores das variáveis agrupadas em aspectos relacionados ao corpo, aspectos relacionados à voz e aspectos relacionados a corpo/voz, conjuntamente. As respostas da avaliação perceptivo-auditiva (escala GRBASI), inicialmente apresentadas em grau de alteração vocal, foram analisadas quanto à frequência de melhora (P2<P1), piora (P2>P1) ou indiferença (P2=P1). Os tipos de ressonância foram dicotomizados em “alterada” (laringofaríngica, hipernasal e hiponasal) e “não alterada” (equilibrada), sendo considerada melhora (P2=não alterada), piora (P2=alterada) ou indiferença (P2=P1). Ambas foram expressas em termos de número e porcentagem.

Para analisar os efeitos da intervenção, foram realizadas comparações intergrupos considerando-se os resultados de GE e de GC, nas situações pós-aula com AV e pós-aula sem AV e com RV, por meio do teste de Mann-Whitney, para todos os indicadores avaliados. Além disso, foram realizadas análises intragrupos, sendo comparados os momentos pré-teste (P1) versus pós-teste (P2), em cada situação (pré vs. pós-AV; pré vs. pós-DV; pré vs. pós-Aula; pré vs. pós-RV). Na comparação intragrupos, as variáveis acústicas, o grau de desconforto e a escala GRBASI foram analisados utilizando-se o teste de Wilcoxon. Para a ressonância, foi utilizado o teste dos Sinais. Adotou-se nível de significância p<0,05.

Para verificar a concordância interjuízas foi aplicado o teste de Kappa. A concordância intrajuízas foi analisada por meio do teste Alpha de Cronbach, sendo considerados aceitáveis valores acima de 0,65. Como os valores obtidos nas comparações interjuízas foram inferiores ao estabelecido, optou-se por utilizar os resultados da avaliação da juíza com maior concordância interna (Alpha = 0,9702) para esta análise.

RESULTADOS

Os professores que compuseram este estudo apresentaram o seguinte perfil: 62,5% do gênero feminino, sendo 37,5% do gênero masculino; idade média de 44,29 anos (37-56 anos). O tempo de docência médio foi de 16,71 anos, com variação entre 4 e 32 anos. Todos os participantes possuíam curso superior completo; 87,5% trabalhavam em uma única escola e 12,5% em duas.

Na Tabela 1, são apresentados os resultados obtidos na comparação intergrupos (GE vs. GC), nas situações pós-aula com aquecimento vocal vs. pós-aula sem aquecimento vocal; pós-aula com aquecimento e desaquecimento vocal vs. pós-aula sem aquecimento e com repouso vocal, segundo indicadores objetivos acústicos da qualidade vocal e do desconforto autorreferido. Não foi encontrada diferença estatística em nenhum dos indicadores analisados (p>0,05).

Tabela 1 Comparação entre os grupos intervenção (pós-aula com aquecimento/desaquecimento vocal) e controle (pós-aula sem aquecimento/com repouso vocal), segundo indicadores objetivos acústicos e desconforto autorreferido 

PÓS-AULA
Variáveis Com AV
(n=8)
Sem AV
(n=10)
P-valor1 DV
(n=7)
RV
(n=6)
P-valor1
Média (DP) Média (DP) Média (DP) Média (DP)
f0 média 181,16
(33,76)
169,37
(25,69)
0,5582 169,84
(35,82)
167,45
(29,72)
1,0000
fem. (n=5) 194,14 183,74 --- 184,35 184,72 ---
masc. (n=2) 148,71 135,85 --- 133,58 132,93 ---
Jitter 0,29
(0,34)
0,23
(0,17)
0,8835 0,42
(0,57)
0,35
(0,51)
0,3524
Shimmer 8,43
(4,31)
7,38
(2,80)
0,7696 9,09
(3,55)
11,56
(7,98)
0,7751
GNE 0,81
(0,15)
0,73
(0,20)
0,3789 0,73
(0,18)
0,73
(0,27)
0,8299
Ruído 1,19
(0,56)
1,34
(0,81)
0,7697 1,34
(0,72)
1,36
(1,13)
0,8864
Desc. global 11,57
(13,30)
21,50
(10,63)
0,0865 --- --- ---
Desc. corpo 3,43
(5,32)
6,60
(4,03)
0,0828 --- --- ---
Desc. Voz 8,14
(8,30)
14,90
(7,64)
0,1408 --- --- ---

1P-valores obtidos por meio do teste de Mann-Whitney

Legenda: AV = Aquecimento vocal; DV = Desaquecimento vocal; RV = Repouso vocal; Desc. = Desconforto; fem. = Feminina; masc. = Masculina; n = número de participantes; DP = desvio padrão; f0 = frequência fundamental; GNE = proporção harmônico-ruído

Na Tabela 2, compararam-se os percentuais de melhora, piora ou indiferença resultantes dos efeitos imediatos intragrupos (pré vs. pós-teste), nas situações aquecimento, desaquecimento vocal, aula e repouso vocal, segundo a avaliação perceptivo-auditiva (escala GRBASI e tipo de ressonância). Observou-se melhora da voz em 75% dos professores e indiferença em 25% (p=0,00), com a realização do AV; piora da voz (57,1%) e indiferença (42,9%) próxima à significância estatística (p=0,059), após a realização do DV. Não houve diferença no grupo controle (pré vs. pós-aula; pré vs. pós-repouso vocal).

Tabela 2 Comparação dos efeitos imediatos do aquecimento, desaquecimento, aula e repouso vocal na qualidade da voz, segundo indicadores perceptivo-auditivos de grau de alteração vocal (escala GRBASI) e tipo de ressonância 

PRÉ-TESTE vs. PÓS-TESTE
Grupo Experimental Grupo Controle
Variáveis Melhorou Piorou Indiferente P-valor Melhorou Piorou Indiferente P-valor
n % n % n % n % N % n %
AV (n=8) Aula (n=10)
G1 6 75 0 0 2 25 0,014* 2 20 2 20 6 60 1,000
R1 3 37,5 0 0 5 62,5 0,083 2 20 1 10 7 70 0,564
B1 3 37,5 0 0 5 62,5 0,102 2 20 3 30 5 50 0,655
A1 1 12,5 0 0 7 87,5 0,317 1 10 0 0 9 90 0,317
S1 2 25 0 0 6 75 0,157 1 10 2 20 7 70 0,564
I1 0 0 0 0 8 100 1,000 0 0 1 10 9 90 0,317
Res.2 2 25 2 25 4 50 1,000 3 30 2 20 5 50 1,000
DV (n=7) RV (n=6)
G1 0 0 4 57,1 3 42,9 0,059 0 0 2 33,3 4 66,7 0,157
R1 0 0 1 14,3 6 85,7 0,317 0 0 2 33,3 4 66,7 0,157
B1 0 0 1 14,3 6 85,7 0,317 0 0 0 0 6 100 1,000
A1 0 0 2 28,6 5 71,4 0,157 0 0 0 0 6 100 1,000
S1 0 0 0 0 7 100 1,000 2 33,3 2 33,3 2 33,3 1,000
I1 0 0 2 28,6 5 71,4 0,157 2 33,3 2 33,3 2 33,3 1,000
Res.2 0 0 2 28,6 5 71,4 0,500 0 0 1 16,7 5 83,3 0,500

1Escala GRBASI: teste de Wilcoxon; 2Res = Ressonância: teste dos Sinais;

*Significância estatística

Legenda: AV = Aquecimento vocal; DV = Desaquecimento vocal; RV = Repouso vocal

Na Tabela 3, são apresentados os resultados da comparação intragrupos (pré vs. pós-teste) dos indicadores objetivos acústicos de qualidade vocal nas situações aquecimento vocal, aula, desaquecimento e repouso vocal; e do desconforto autorreferido nas situações aquecimento vocal, aula e desaquecimento vocal. No grupo experimental, verificou-se diminuição do grau de desconforto nos aspectos relacionados ao corpo (pré=3,50; pós=0,38; p=0,0422), após a realização do AV; redução de f0 (pré=181,16; pós=169,84; p=0,0280) e do grau global de desconforto (pré=11,57; pós=3,43; p= 0,0160), particularmente dos aspectos relacionados à voz (pré=8,14; pós=2,29; p= 0,0160), após a realização do DV. No grupo controle, ocorreu elevação de f0 (pré=154,58; pós=169,37; p=0,0069) e do grau global de desconforto (pré=13,40; pós=21,50; p=0,0109), particularmente nos aspectos relacionados à voz, quando analisados isoladamente (pré=8,60; pós=14,90; p=0,0113) após a aula. O RV não revelou diferença estatística em nenhum dos indicadores analisados (p>0,05).

Tabela 3 Comparação dos efeitos imediatos do aquecimento, desaquecimento, aula e repouso vocal, segundo indicadores objetivos acústicos e desconforto autorreferido 

Variáveis GRUPO EXPERIMENTAL GRUPO CONTROLE
Pré Pós Pré Pós
Média DP Média DP P-valor1 Média DP Média DP P-valor1
AV (n=8) Aula (n=10)
f0 média 158,62 35,47 165,59 38,01 0,2626 154,58 30,11 169,37 25,69 0,0069*
fem. (n=5) 180,04 ----- 184,89 ----- ----- 172,70 ----- 183,74 ------ -----
masc. (n=3) 122,91 ----- 133,42 ----- ----- 112,30 ----- 135,85 ----- -----
Jitter 0,28 0,25 0,26 0,28 0,3428 0,27 0,16 0,23 0,17 0,9527
Shimmer 8,07 4,01 6,95 2,28 0,4008 9,16 3,78 7,38 2,80 0,1260
GNE 0,71 0,17 0,76 0,15 0,4406 0,77 0,10 0,73 0,20 0,8383
Ruído 1,46 0,68 1,25 0,65 0,3621 1,21 0,41 1,34 0,81 0,9188
Desc. global 9,50 7,27 4,50 2,56 0,0747 13,40 7,63 21,50 10,63 0,0109*
Desc. corpo 3,50 3,74 0,38 1,06 0,0422* 4,80 3,74 6,60 4,03 0,1700
Desc. voz 6,00 5,50 4,13 1,96 0,2763 8,60 4,79 14,90 7,64 0,0113*
DV (n=7) RV (n=6)
f0 média 181,16 33,76 169,84 35,82 0,0280* 169,75 24,38 167,45 29,72 0,9165
fem. (n=5) 194,14 ----- 184,35 ----- ----- 183,76 ----- 184,72 ----- -----
masc. (n=2) 148,71 ----- 133,58 ----- ----- 141,73 ----- 132,93 ----- -----
Jitter 0,29 0,34 0,42 0,57 0,2367 0,25 0,19 0,35 0,51 0,8335
Shimmer 8,43 4,31 9,09 3,55 0,8658 6,99 3,14 11,56 7,98 0,1158
GNE 0,81 0,15 0,73 0,18 0,1763 0,79 0,17 0,73 0,27 0,4982
Ruído 1,19 0,56 1,34 0,72 0,4990 1,11 0,71 1,36 1,13 0,3454
Desc. global 11,57 13,30 3,43 2,37 0,0160* ----- ----- ----- ----- -----
Desc. corpo 3,43 5,32 1,14 1,68 0,1088 ----- ----- ----- ----- -----
Desc. voz 8,14 8,30 2,29 2,06 0,0160* ----- ----- ----- ----- -----

1P-valores obtidos por meio do teste de Wilcoxon;

*Significância estatística

Legenda: AV = Aquecimento vocal; DV = Desaquecimento vocal; RV = Repouso vocal; fem. = Feminina; masc. = Masculina; Desc. = Desconforto; f0 = frequência fundamental; GNE = proporção harmônico-ruído.

DISCUSSÃO

O presente estudo teve como objetivo avaliar uma proposta de AV/DV junto a professores em contexto docente. Não houve diferença estatística significativa na comparação intergrupos (GE vs. GC). Entretanto, na comparação intragrupos, observou-se redução do grau geral de alteração vocal (G) e do desconforto autorreferido nos aspectos relacionados ao corpo, após a realização do AV. Além disso, após a execução do DV, verificou-se redução da f0 e do desconforto global autorreferido, particularmente nos aspectos relacionados à voz, quando avaliados isoladamente. A comparação pré e pós-aula (sem aquecimento vocal) evidenciou elevação de f0 e do grau do desconforto global, particularmente nos aspectos relacionado à voz. Não houve diferença na comparação pré e pós-RV. Estes resultados apontaram para os efeitos imediatos positivos da proposta de AV/DV.

Grupo controle vs. grupo experimental

Ensaio clínico randomizado comparando dois procedimentos (aquecimento vocal e exercícios respiratórios) em professores de ensino médio de uma escola pública, durante seis semanas, também não demonstrou diferença significativa entre os grupos analisados(17), provavelmente devido ao número reduzido de sujeitos em ambas as investigações.

A literatura apresenta como valores de f0 para mulheres adultas o valor de 202Hz(22) a 205Hz(21) e para homens os valores de 113Hz(21) a 125Hz(22). Os resultados encontrados neste trabalho no grupo com AV, no momento pós-aula, para as mulheres, aproximaram-se dos valores da literatura. Entretanto, para os homens, tal valor apresentou-se ligeiramente elevado. O mesmo pode ser observado com os resultados de f0 no grupo sem AV.

Apesar de não atingirem significância estatística, as medidas acústicas (f0, jitter, shimmer e ruído) apresentaram-se mais elevadas e GNE mais reduzido, após a aula com AV em comparação à aula sem AV, o que poderia sugerir piores resultados nesses indicadores com a realização do procedimento. Embora a explicação mais plausível seja o número restrito de sujeitos desta pesquisa ou variação por mero acaso, é possível justificar a obtenção de menores valores de f0 no GC como resposta aos efeitos negativos da sobrecarga vocal no exercício docente para os professores que não realizaram AV antes da aula, tendo como decorrência um provável edema nas pregas vocais após seu uso intenso em sala de aula, sem a devida proteção. Esse edema aumentaria o peso das pregas vocais, reduzindo a f0. Da mesma maneira que esse possível edema auxiliaria no fechamento glótico, devido ao aumento de massa das pregas vocais. Esta condição diminuiria a presença de ruído e elevaria a proporção GNE, como ocorre nos leves edemas(21). Contudo, a confirmação dessa hipótese só seria possível com a realização de laringoscopia, o que não foi o objetivo deste estudo. Ressalta-se que, fisiologicamente, tanto o aquecimento vocal(18) quanto a aula(23-26) provocam elevação de f0, sendo mais danoso às pregas vocais elevação forçosa de f0, decorrente da sobrecarga vocal durante a aula, sem a preparação da voz por meio do AV.

Sobre os índices de perturbação a curto prazo (jitter e shimmer), destaca-se a ocorrência de um maior desvio padrão para o grupo que realizou AV, indicando comportamentos discrepantes entre os participantes. Outra possível explicação é a diminuição dessas medidas após a aula(26), especialmente para indivíduos sem queixa vocal(25), como resposta à hiperfunção vocal.

Efeitos imediatos do aquecimento vocal e aula

O restrito número de artigos encontrados sobre aquecimento vocal em professores nos direcionou a pesquisas não publicadas em periódicos para a realização desta discussão. Em consonância com os resultados apresentados, dissertação de mestrado com professores de cursinho evidenciou melhora na qualidade vocal em 63,15% dos participantes, após a execução de AV imediato(18).

Os resultados da análise acústica do GE não revelaram diferenças significativas na comparação entre os momentos pré-AV vs. pós-AV imediato neste estudo. Ensaio clínico randomizado com professores de ensino médio de uma escola pública demonstrou redução da f0 após 6 semanas de intervenção (AV)(17).

Por outro lado, quando o GC é analisado separadamente, observa-se uma elevação significativa da f0 na comparação pré-aula vs. pós-aula sem aquecimento vocal. Embora o AV não tenha demonstrado melhora nos indicadores vocais, o que confirmaria a hipótese deste estudo, sua execução antes da aula permitiu que a qualidade vocal não se deteriorasse, evidenciando um possível efeito protetor.

Pesquisadores(24) demonstraram que, além do tempo de fala, elevação de f0 e intensidade podem ser responsáveis pelo aumento da sobrecarga vocal, favorecendo o aparecimento de disfonias. A elevação desses indicadores também pode ser compreendida como uma resposta fisiológica ao aumento da atividade muscular, revelando impacto laríngeo na produção vocal durante a atividade docente(25,26) e, portanto, expondo os professores a risco para um distúrbio de voz. Esta condição revela prejuízos se o uso intenso da voz não for precedido da devida preparação, com um programa de aquecimento vocal, o qual proporcionaria uma elevação paulatina e gradual de f0, menos danosa às pregas vocais.

A redução do grau de desconforto, após execução do AV, também indicou uma melhor condição para produção vocal. Todos os escores ficaram abaixo do ponto médio estabelecido, sendo que os aspectos relacionados ao corpo foram os que apresentaram menor desconforto, atingindo significância estatística. Considerando-se que a produção vocal não é o resultado de um único órgão, mas sim de um conjunto de estruturas que se coordenam, pode-se inferir que qualquer comprometimento na movimentação corporal influenciaria os ajustes vocais(27) e, portanto, a qualidade vocal. Sendo assim, um corpo que apresenta movimentos harmônicos, com diminuição de pontos de tensão, pode favorecer a movimentação livre da laringe e, consequentemente, a produção de uma voz mais saudável. Em ensaio clínico randomizado com professores de ensino médio de uma escola pública estadual, também foram encontrados escores menores do Índice de Desvantagem Vocal após seis semanas de realização do aquecimento vocal(17). Embora utilizando instrumentos de avaliação e tempos distintos, ambos estudos demonstraram autopercepção de melhora após a realização do procedimento.

Em oposição, o aumento do desconforto global e dos aspectos relacionados à voz foi observado após a aula, com escores próximos ao ponto médio. Situação análoga foi verificada em estudo de professores com queixas vocais, induzindo à fadiga vocal após a jornada de trabalho(25), o que nos leva a compreender a evidência de sobrecarga vocal imposta à atividade docente. Pesquisa com professores do ensino infantil e fundamental(28) apontou aumento nos escores de escala de desconforto do trato vocal, de maneira progressiva, após 4 e 8 horas de aula, especialmente em docentes com maior risco vocal. Para os autores, o esforço empregado no ato de lecionar pode aumentar a sensação de desconforto, levando a um risco adicional de alterações vocais(28).

Efeitos do desaquecimento e repouso vocal

Estudos sobre DV em professores são ainda mais restritos, não sendo encontradas pesquisas na literatura sobre o efeito de sua aplicação imediata. Deste modo, discutiremos mais amplamente os resultados obtidos. Ressalta-se que, embora o repouso vocal seja utilizado na clínica da voz como estratégia terapêutica, optamos por considerá-lo como controle da intervenção, de modo a verificar se os potenciais efeitos do desaquecimento vocal superariam essa estratégia.

Na avaliação perceptivo-auditiva, observou-se que a maioria das respostas da juíza apontou para a piora da qualidade vocal ou para a sua não modificação, com diferença estatística próxima à significância. Acredita-se que tal piora possa ter ocorrido em virtude do retorno da voz a um ajuste coloquial mais relaxado e, portanto, com uma possível instabilidade vocal. Em oposição, na exigência de uma maior intensidade para a aula, a laringe ficaria submetida a um ajuste muscular mais tenso, em direção ao hiperfuncionamento vocal, deixando o sistema mais rígido e, portanto, obtendo-se uma voz mais estável como efeito secundário(29), embora às custas de um maior esforço vocal.

Houve diferença estatística nos valores de f0 após a realização do DV, apontando para uma diminuição do valor desse indicador. Considerando-se que o DV tem como objetivo a acomodação vocal para os padrões habituais de fala, a medida inicial (pré-aula) de f0 (156,72 Hz) pode ter se alterado cumulativamente com a realização do AV (160,94 Hz) e, ainda mais, após o período de uso vocal nas aulas (181,16 Hz), sofrendo uma nova elevação. O efeito protetor do procedimento se desenha, tendo em vista o aumento gradual e paulatino da f0 pós-AV e aula, assim como sua redução e retorno ao ajuste coloquial pós-DV. Os exercícios propostos para o DV são específicos para desativar a postura profissional de corpo e voz, além de proporcionarem o retorno à intensidade e f0 coloquiais(15), diminuindo a tensão cervical e laríngea e ativando a contração do músculo tireoaritenoideo, responsável pela produção dos sons graves. Desta maneira, proporciona a redução do atrito vocal, minimizando o desenvolvimento de lesões laríngeas.

A redução do grau de desconforto pós-DV sugere que os professores, desgastados após ministrarem as aulas, perceberam mais evidentemente os efeitos do procedimento no desconforto global, provavelmente também cumulativo à percepção inicial de redução do desconforto relacionado ao corpo, após a realização do AV. Contudo, quando analisado isoladamente, os efeitos do DV são mais evidentes nos aspectos relacionados à voz, mais impactados pelos exercícios propostos na intervenção. Tais resultados apresentaram médias de escores abaixo do ponto médio para todas as variáveis e apontam para os efeitos positivos tanto do AV quanto do DV, contribuindo para a redução dos efeitos da sobrecarga de aula na qualidade vocal e nas sensações proprioceptivas.

Por fim, ressalta-se que a maioria dos indicadores acústicos analisados (jitter, GNE e ruído) apresentaram-se dentro dos padrões de normalidade estabelecidos pelo programa Voxmetria, havendo uma menor probabilidade de se encontrar diferenças em vozes adaptadas ou saudáveis, em comparação a vozes disfônicas. Deste modo, a intervenção também perderia a capacidade de demonstrar mais fortemente seus efeitos numa população não disfônica. Tal situação pode ser descrita como viés do trabalhador sadio e é comumente encontrada no contexto ocupacional, no qual trabalhadores adoecidos são naturalmente excluídos do emprego(30). A única exceção ocorreu na medida shimmer, elevada nos dois grupos de participantes antes e após a execução dos procedimentos. É possível que este indicador, sensível a ruído(21), tenha sido afetado pela presença de um nível máximo mais elevado de ruído ambiental num momento específico da gravação da voz. Infere-se, ainda, que o comportamento distinto e o número reduzido de sujeitos não permitiram que se encontrasse significância estatística nos demais indicadores.

Este estudo, de natureza exploratória, apresenta limitações quanto ao número reduzido de participantes, o que impactou o poder estatístico de análise. A não randomização das amostras, assim como a ausência de teste de homogeneidade entre os grupos, poderia induzir a um provável viés de seleção. Contudo, permitiu a organização de um protocolo de procedimentos e análises que pode constituir um ponto de partida para que novos estudos randomizados e com maior poder estatístico sejam realizados, confirmando as hipóteses levantadas.

CONCLUSÕES

Os resultados deste estudo exploratório, quase-experimental, realizado com professores de uma escola pública de ensino médio, não evidenciou diferença estatisticamente significante entre o grupo que realizou aquecimento vocal (AV) prévio e desaquecimento vocal (DV) posterior à aula, em comparação ao grupo que não executou o procedimento prévio e permaneceu em repouso vocal após a aula. Contudo, na análise intragrupos, foi possível observar melhora na qualidade vocal e redução do grau de desconforto dos aspectos relacionados ao corpo, após a realização do AV. O DV reduziu a frequência fundamental e o grau de desconforto global, mais particularmente dos aspectos relacionados à voz, podendo se traduzir em redução do atrito vocal provocado pelo número de ciclos glóticos.

Tanto o AV prévio como o DV posterior à aula são estratégias individuais que poderiam ser incorporadas pelos professores em seu cotidiano de trabalho, revelando potencial efeito protetor da voz à sobrecarga imposta pela aula. Tal situação não exclui melhorias de caráter coletivo, tanto no ambiente quanto na organização do trabalho docente. Novos estudos controlados e randomizados, com um maior número de participantes, devem ser realizados para se confirmar esses achados.

REFERÊNCIAS

1 Brasil. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudo Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Censo escolar da educação básica 2016: notas estatísticas [online]. Brasília: INEP; 2017 [citado em 2018 Fev 5]. Disponível em:
2 Brasil. Ministério da Saúde. Distúrbio de voz relacionado ao trabalho. protocolo de complexidade diferenciada [Internet]. Brasília; 2011 [citado em 2018 Fev 5]. Disponível em:
3 Giannini SP, Latorre MR, Fischer FM, Ghirardi AC, Ferreira LP. Teachers’ voice disorders and loss of work ability: a case-control study. J Voice. 2015;29(2):209-17. . PMid:25499521.
4 Martins RH, Pereira ER, Hidalgo CB, Tavares EL. Voice disorders in teachers: a review. J Voice. 2014;28(6):716-24. . PMid:24929935.
5 Behlau M, Zambon F, Guerrieri AC, Roy N. Epidemiology of voice disorders in teachers and nonteachers in Brazil: prevalence and adverse effects. J Voice. 2012;26(5):665.e9-18. . PMid:22516316.
6 Ceballos AGC, Carvalho FM, Araújo TM, Reis EJFB. Avaliação perceptivo-auditiva e fatores associados à alteração vocal em professores. Rev Bras Epidemiol. 2011;14(2):285-95. . PMid:21655695.
7 Souza CL, Carvalho FM, Araújo TM, Reis EJFB, Lima VMC, Porto LA. Fatores associados a patologias de pregas vocais em professores. Rev Saude Publica. 2011;45(5):914-21. . PMid:21829977.
8 Cantor Cutiva LC, Vogel I, Burdorf A. Voice disorders in teachers and their associations with work-related factors: a systematic review. J Commun Disord. 2013;46(2):143-55. . PMid:23415241.
9 ABORL-CCF: Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial. 3° Consenso Nacional sobre Voz Profissional: relatório final [Internet]. Rio de Janeiro: IOCMF; 2004 [citado em 2018 Fev 5]. Disponível em:
10 Ferreira LP, Servilha EAM, Masson MLV, Reinaldi MBFM. Políticas públicas e voz do professor: caracterização das leis brasileiras. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(1):1-7. .
11 Servilha EAM, Ferreira LP, Masson MLV, Reinaldi MBFM. Teachers’ voice: analyses of Brazilian laws in the perspective of health promotion. Rev CEFAC. 2014;16(6):1888-99. .
12 Ribeiro VV, Frigo LF, Bastilha GR, Cielo CA. Vocal warm-up and cool-down: systematic review. Rev CEFAC. 2016;18(6):1456-65. .
13 Francato A, Nogueira J Jr, Pela SM, Behlau M. Programa de aquecimento e desaquecimento vocal. In: Marchesan IQ, Zorzi JL, Gomes IDC, editores. Tópicos em fonoaudiologia. São Paulo: Lovise; 1996. p. 713-9.
14 Scarpel R, Pinho SMR. Aquecimento e desaquecimento vocal. In: Pinho S, editor. Tópicos em voz. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2001. p. 97-104.
15 Behlau M. Voz: o livro do especialista. Rio de Janeiro: Revinter; 2005. Vol. 2.
16 Masson MLV, Loiola CM, Fabron EMG, Horiguela MLM. Aquecimento e desaquecimento vocal em estudantes de pedagogia. Distúrb Comun. 2013;25(2):177-85.
17 Pereira LPP, Masson MLV, Carvalho FM. Vocal warm-up and breathing training for teachers: randomized clinical trial. Rev Saude Publica. 2015;49(0):67. . PMid:26465664.
18 Jacarandá MB. Aquecimento vocal: efeitos perceptivo-auditivos, acústicos e proprioceptivos de uma proposta de intervenção fonoaudiológica junto ao professor [dissertação]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 2005.
19 Ferreira LP, Giannini SPP, Latorre MRDO, Zenari MS. Distúrbio da voz relacionado ao trabalho: proposta de um instrumento para avaliação de professores. Distúrb Comun. 2007;19(1):127-37.
20 Dejonckere P, Remacle M, Fresnel-Elbaz E. Reliability and relevance of differentiated perceptual evaluation of pathological voice quality. In: Clemente MP, editor. Voice update. Amsterdam: Elsevier; 1996. p. 321-4.
21 Behlau M. Voz: o livro do especialista. Rio de Janeiro: Revinter; 2001. Vol. 1.
22 Rantala L, Vilkman E, Bloigu R. Voice changes during work: subjective complaints and objective measurements for female primary and secondary schoolteachers. J Voice. 2002;16(3):344-55. . PMid:12395987.
23 Titze IR, Švec JG, Popolo PS. Vocal dose measures: quantifying accumulated vibration exposure in vocal fold tissues. J Speech Lang Hear Res. 2003;46(4):919-32. . PMid:12959470.
24 Laukkanen AM, Kankare E. Vocal loading-related changes in male teachers’ voices investigated before and after a working day. Folia Phoniatr Logop. 2006;58(4):229-39. . PMid:16825776.
25 Laukkanen AM, Ilomäki I, Leppänen K, Vilkman E. Acoustic measures and self-reports of vocal fatigue by female teachers. J Voice. 2008;22(3):283-9. . PMid:17134877.
26 Spazzapan EA, Cardoso VM, Fabron EMG, Berti LC, Brasolotto AG, Marino VMC. Acoustic characteristics of healthy voices of adults: from young to middle age. CoDAS. 2018;30(5):e20170225. PMid:30365649.
27 Mello EL, Andrada e Silva MA, Ferreira LP, Herr M. Voz do cantor lírico e coordenação motora: uma intervenção baseada em Piret e Béziers. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(3):352-61. .
28 Amaral AC, Zambon F, Moreti F, Behlau M. Vocal tract discomfort in teachers after teaching activity. CoDAS. 2017;29(2):e20160045. PMid:28355385.
29 Vintturi J, Alku P, Lauri ER, Sala E, Sihvo M, Vilkman I. Objective analysis of vocal warm-up with special reference to ergonomic factors. J Voice. 2001;15(1):36-53. . PMid:12269633.
30 Shah D. Healthy worker effect phenomenon. Indian J Occup Environ Med. 2009;13(2):77-9. . PMid:20386623.