versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.21 no.12 Rio de Janeiro dez. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152112.16512015
The lack of epidemiological and environmental data on Brazilian indigenous populations is a challenge for the elaboration of public policy. This lack of data is more acute for “landless” indigenous groups. From this perspective, it was considered relevant to describe the Aranã, a landless indigenous group living in Minas Gerais, focusing on the demographic, socioeconomic and sanitary dimensions. A household survey was conducted. The data collected were analyzed and compared with those from other national ethnic groups. The results revealed similarities between these findings and those from the 2010 Census related to the native indigenous population, especially those not living on indigenous lands or reservations. Asymmetric results were identified within the households, mainly sanitary disparities, which suggested a relation with the location. This result indicates the need for priority intervention for the Aranã living in rural areas, bringing to light the age-old discussion about rural and urban disparities. In addition, we suggest that the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE), responsible for the 2010 census, should refine its assessment methods concerning landless indigenous groups.
Key words Indigenous population; Demography; Housing; Sanitation; Aranãs
Os povos indígenas integram um dos segmentos menos favorecidos da população brasileira no que diz respeito ao acesso a bens e serviços considerados básicos e condicionantes da qualidade de vida e do estado de saúde1,2. Apesar dos reconhecidos avanços na saúde para esse segmento, as estatísticas de morbimortalidade revelam ainda persistir um quadro de saúde-doença desfavorável em relação ao da população brasileira em geral3–6. As doenças carenciais e infectoparasitárias, comumente associadas ao baixo nível socioeconômico e às condições precárias de saneamento e de moradia, figuram entre as principais causas de morbimortalidade infantil para esse segmento populacional7,8. E embora os censos demográficos demonstrem uma tendência de melhora nas condições de saneamento dos domicílios indígenas nos últimos anos, dados do censo 2010 revelam persistirem assimetrias entre as grandes regiões do país, entre os espaços rural e urbano, e entre domicílios dentro e fora das Terras Indígenas (TI)9.
Atualmente, são catalogadas 305 etnias habitando terras demarcadas pelo governo, ou dispersas territorialmente em áreas urbanas e rurais de inúmeros municípios brasileiros9. Além disso, constata-se o surgimento, ou etnogênese, de comunidades ou povos que reivindicam junto ao governo o reconhecimento de pertencimento a uma etnia – os chamados índios ressurgidos ou emergentes10,11. Os processos de etnogênese, de organização e de articulação tomam vulto à medida que ganham força os movimentos indígenas e indigenistas e quando o Estado passa a percebê-los como cidadãos plenos, incluindo suas demandas na agenda pública12,13.
Além da pluralidade étnica existente e dos processos de etnogênese, que naturalmente tornam difícil o levantamento e a atualização de dados referentes aos indígenas, outro fenômeno vem trazendo dificuldades: sua presença fora das terras demarcadas. O último censo9 identificou que 42,3% dos indígenas vivem fora de Terras Indígenas (TI). Apontou que, nas áreas urbanas, 8% dos indígenas estavam residindo nas TI e 92% fora dessas terras; inversamente, nas áreas rurais 85,9% estavam nas terras e 14,1% fora delas9. No entanto, ainda são exíguos os estudos a respeito dos desaldeados, entendidos, no trabalho, como os indígenas que residem fora das TI.
Frente à importância de se lançar luz sobre fração indígena desaldeada, foi realizado um estudo sobre os Aranã. Este integrou uma pesquisa mais abrangente, coordenada pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), cujos propósitos foram: determinar a prevalência das parasitoses intestinais em populações indígenas do estado de Minas Gerais; e investigar a relação destas com o estado nutricional dos indivíduos e com as condições ambientais e sanitárias.
O presente artigo buscou caracterizar as dimensões socioeconômica e demográfica dos Aranã, com foco sobre as condições sanitárias de suas habitações; identificar diferenças situacionais internas ao grupo, vez que, apesar de se tratar de uma mesma etnia – o que conotaria certa homogeneidade socioeconômica, cultural e comportamental – parcela reside na zona rural e outra na urbana dos municípios pesquisados; e discutir aspectos socioeconômicos, demográficos e sanitários identificados para os Aranã em comparação com aqueles de outras etnias indígenas nacionais.
De acordo com relatório do Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva – CEDEFES14, a historiografia oficial aponta ter sido o povo Aranã extinto no século XIX. Os Aranã de outrora integravam um subgrupo dos Botocudos, dispersos na região do vale do rio Doce, Minas Gerais14. O presente artigo aborda os Aranã contemporâneos, “originários dos vales do Jequitinhonha e do Mucuri, Minas Gerais”15.
O grupo inseriu-se no movimento indígena e iniciou sua busca pela identificação étnica no final da década de 1990, contando com o auxílio de instituições e pesquisadores, que, recorrendo à historiografia, contribuíram para a legitimação do uso do etnônimo Aranã14. Conforme Carvalho16, a historiografia foi fundamental para a construção da identidade Aranã, uma vez que existiam lacunas e inconsistências no discurso histórico nativo: “O grupo não sabia, por exemplo, a tribo indígena à qual pertencia […]. Assim, utilizaram diversos registros históricos para remodelar sua narrativa […] ou cimentar uma coesão social Aranã […]”. O reconhecimento étnico dos Aranã contemporâneos pelo governo brasileiro data de 200314.
O estudo foi realizado nos municípios de Araçuaí e Coronel Murta em função da maior concentração familiar dos Aranã14. Esses municípios integram a mesorregião Jequitinhonha, situada na região nordeste de Minas Gerais. Araçuaí dista 678 km da capital mineira, possui área territorial de 2.236 km2 e 36.013 habitantes, sendo 65% residentes na área urbana17. Sobre a situação do saneamento, dos 9.949 domicílios permanentes, a rede geral de distribuição de água atende 72%. A rede de esgotamento sanitário atende 30%, sendo a fossa rudimentar a forma predominante de destinação do esgoto doméstico (53%). Aproximadamente 65% dos domicílios têm seu lixo coletado pelo serviço de limpeza urbana municipal, e em 31% o lixo é queimado17.
Coronel Murta possui área territorial de 815 km2 e dista 714 km da capital mineira. Possui população de 9.117 habitantes, dos quais 73% residem nas áreas urbanas. O abastecimento de água atende 72% dos 2.532 domicílios permanentes. A rede de esgoto 49% dos domicílios, sendo a fossa rudimentar prevalente (41%). Aproximadamente 66% dos domicílios têm seu lixo coletado pelo serviço de limpeza urbana municipal, e em 27% ele é queimado17.
A pesquisa constituiu-se de um survey. A coleta de dados foi realizada nos meses de janeiro, fevereiro e junho de 2012. Dados como idade e data de nascimento, nome, sexo e filiação foram previamente obtidos junto ao Distrito Sanitário Especial Indígena de Minas Gerais e Espírito Santo (DSEI MG/ES). Lideranças indígenas e ex-Agentes Indígenas de Saúde (AIS) atualizaram as listas disponibilizadas e acompanharam os pesquisadores durante o trabalho de campo.
De um total de 114 domicílios identificados, dois não foram efetivamente localizados em função de mudança de endereço dos moradores. O universo da pesquisa compreendeu 112 domicílios geograficamente dispersos: 41 em Araçuaí e 71 em Coronel Murta.
Foram realizados inquéritos domiciliar e parasitológico e, ainda, coleta de amostras intradomiciliares de água para análise microbiológica. O inquérito domiciliar constituiu-se de questionário subdividido em 11 módulos e abordou: aspectos demográficos, caracterização socioeconômica das famílias, estrutura das casas e do saneamento básico, informações relativas à lavagem das mãos e limpeza do ambiente doméstico e de recipientes utilizados para armazenar água destinada ao consumo humano, estado de saúde dos moradores e hábitos de vida – como tabagismo e etilismo –, uso de medicamentos, segurança alimentar, aleitamento materno, auxílio financeiro, como recebimento de Bolsa Família ou outro subsídio, caracterização de produção agrícola, não agrícola e pecuária. A aplicação dos questionários teve duração média de uma hora.
Para sua validação, um estudo-piloto foi realizado com aplicação do instrumento em cinco domicílios indígenas, das etnias Aranã e Mokuriñ. Objetivou-se averiguar a necessidade de alterações das questões para adaptação às possíveis particularidades dos povos desaldeados, uma vez que as pesquisas realizadas com as demais etnias do estado englobaram apenas grupos aldeados.
Para a elaboração deste artigo foram utilizadas as informações referentes às variáveis socioeconômicas, demográficas e sanitárias da população, obtidas por meio das questões elaboradas e testadas por Pena18, em pesquisa desenvolvida em 2003, que, por sua vez, tiveram como referência os questionários utilizados por Heller19 e Teixeira20.
Todos os dados coletados foram tabulados em planilhas do software SPSS, versão 17.0. Para a caracterização socioeconômica e demográfica da população e a caracterização dos domicílios, incluída a condição sanitária, empregou-se a estatística descritiva. Foram realizadas comparações com dados obtidos na literatura científica e institucional, relativos a outras etnias indígenas brasileiras e também à população brasileira não indígena, incluindo dados sobre a população não indígena residente nas localidades do estudo.
Atendendo à Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, este estudo foi aprovado pelas lideranças indígenas e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Ouro Preto, pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa e pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI).
Dos 112 domicílios visitados, a maior parte (62,5%) localizava-se em áreas urbanas. Parcela expressiva estava na condição de imóvel próprio (64,3%) e, nos demais casos, verificou-se maior participação de imóveis cedidos pelo empregador (20,5%). Esta condição foi mais observada para os domicílios das áreas rurais, em que os indivíduos trabalhavam para fazendeiros em troca de moradia e uso da terra para plantio de subsistência. A Tabela 1 apresenta a distribuição dos domicílios segundo localização e situação do imóvel.
Tabela 1 Distribuição dos domicílios segundo localização e situação do imóvel, por situação de domicílio, população Aranã, 2012.
Situação de domicílio | Total | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
Urbana | Rural | |||||
n | % | n | % | n | ||
Municípios | ||||||
Araçuaí | 31 | 44,3 | 10 | 23,8 | 41 | |
Coronel Murta | 39 | 55,7 | 32 | 76,2 | 71 | |
Total | 70 | 100,0 | 42 | 100,0 | 112 | |
Situação do imóvel | ||||||
Próprio | 53 | 75,7 | 19 | 45,2 | 72 | |
Alugado | 11 | 15,7 | - | - | 11 | |
Cedido pelo empregador* | - | - | 23,0 | 54,8 | 23 | |
Cedido por outros** | 6 | 8,6 | - | - | 6 | |
Total | 70 | 100,0 | 42 | 100,0 | 112 |
Fonte: Dados primários.
*Situação em que o imóvel é cedido pelo dono da fazenda como permuta por trabalho.
**Situação em que o imóvel é cedido por familiar.
No total, foram contabilizados 454 moradores. Pelo inquérito domiciliar, contabilizaram-se 346 indígenas, segundo declaração de cada respondente do questionário. Dentre estes, 204 residiam nas áreas urbanas dos municípios pesquisados e 142 nas áreas rurais. Aqueles declarados como não indígenas totalizaram 108 indivíduos, entre familiares e cônjuges (agregados), sendo 62 residentes nas áreas urbanas e 46 nas rurais. Os pesquisadores optaram pela inclusão dos agregados amparados no pressuposto de que as relações de parentesco ou de vizinhança, constitutivas da comunidade indígena, agregam relações de afinidade, de filiação adotiva, de parentesco ritual ou religioso, conforme sugerido por Castro21. A investigação sobre cor da pele ou raça – se branco, pardo ou preto – não foi realizada para os não indígenas.
A partir dos dados levantados no inquérito domiciliar, contabilizou-se média de quatro moradores por domicílio, menos de uma pessoa por cômodo e aproximadamente duas pessoas por dormitório. As razões de sexo calculadas revelaram predomínio feminino nas áreas urbanas (89,7) e um excedente masculino nas rurais (120,7). Identificou-se uma população jovem, na qual 45,4% dos indivíduos tinham até 24 anos de idade e 47,5% entre 25 e 64 anos. Os valores mínimo e máximo de idade foram, respectivamente, três meses e 88 anos, e a idade mediana 28 anos. Considerando-se apenas os indivíduos com 10 ou mais anos de idade, identificou-se maior percentual de indivíduos na faixa de 4 a 7 anos de estudo (38,9%). Estratificando por situação de domicílio, aqueles com maior escolaridade encontravam-se em maior proporção nas áreas urbanas (23,3%). A Tabela 2 apresenta a distribuição da população Aranã segundo características sociodemográficas.
Tabela 2 Distribuição dos indivíduos segundo sexo, idade e escolaridade, por situação de domicílio - população Aranã, 2012.
Situação de domicílio | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Urbana | Rural | Total | |||||
n | % | n | % | n | % | ||
Sexo | |||||||
Feminino | 136 | 52,7 | 82 | 45,3 | 218 | 49,7 | |
Masculino | 122 | 47,3 | 99 | 54,7 | 221 | 50,3 | |
Total | 258 | 100,0 | 181 | 100,0 | 439* | 100,0 | |
Razão de sexo | 89,7 | 120,7 | 101,4 | ||||
Idade | |||||||
0 a 14 anos | 71 | 27,5 | 49 | 27,5 | 120 | 27,5 | |
15 a 19 anos | 25 | 9,7 | 22 | 12,4 | 47 | 10,8 | |
20 a 24 anos | 17 | 6,6 | 14 | 7,9 | 31 | 7,1 | |
25 a 64 anos | 125 | 48,4 | 82 | 46,1 | 207 | 47,5 | |
65 ou mais anos | 20 | 7,8 | 11 | 6,2 | 31 | 7,1 | |
Total | 258 | 100,0 | 178 | 100,0 | 436** | 100,0 | |
mínimo | 3 meses | ||||||
máximo | 88 anos | ||||||
mediana | 28 anos | ||||||
Escolaridade (anos de estudo)*** | |||||||
menos de 1 ano | 22 | 10,5 | 22 | 15,2 | 44 | 12,4 | |
1 a 3 anos | 26 | 12,4 | 24 | 16,6 | 50 | 14,1 | |
4 a 7 anos | 80 | 38,1 | 58 | 40,0 | 138 | 38,9 | |
8 a 10 anos | 33 | 15,7 | 21 | 14,5 | 54 | 15,2 | |
11 ou mais anos | 49 | 23,3 | 20 | 13,8 | 69 | 19,4 | |
Total | 210 | 100,0 | 145 | 100,0 | 355 | 100,0 |
Fonte: Dados primários.
*Sem essa informação para 15 sujeitos.
**Sem essa informação para 18 sujeitos.
***Os anos de estudo se referem apenas aos indivíduos com 10 ou mais anos de idade. Não se obteve essa informação para 19 sujeitos.
Identificou-se que o rendimento nominal mensal das famílias residentes nos domicílios indígenas visitados variou até seis salários mínimos, sendo que a maior parte recebia até dois salários (76,8%). Constatou-se que em 62,5% dos domicílios os moradores contavam com subsídio financeiro do governo, com maior proporção de beneficiários nas áreas rurais (78,6%). Em mais de 80,0% desses domicílios, os moradores declararam receber Bolsa Família. A Tabela 3 apresenta a distribuição dos domicílios habitados por indivíduos da etnia Aranã, segundo características socioeconômicas.
Tabela 3 Distribuição dos domicílios segundo renda mensal das famílias e recebimento de subsídio financeiro, por situação de domicílio - população Aranã, 2012.
Situação de domicílio | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Urbana | Rural | Total | |||||
n | % | n | % | n | % | ||
Renda mensal (salários mínimos) | |||||||
Até 1/2 | 7 | 10,0 | 8 | 19,0 | 15 | 13,4 | |
1/2 até 2 | 46 | 65,7 | 25 | 59,5 | 71 | 63,4 | |
Mais de 2 | 17 | 24,3 | 9 | 21,4 | 26 | 23,2 | |
Total | 70 | 100,0 | 42 | 100,0 | 112 | 100,0 | |
Subsídio financeiro | |||||||
Sim | 37 | 52,9 | 33 | 78,6 | 70 | 62,5 | |
Não | 33 | 47,1 | 9 | 21,4 | 42 | 37,5 | |
Total | 70 | 100,0 | 42 | 100,0 | 112 | 100,0 | |
Tipo de subsídio | |||||||
Bolsa família | 34 | 91,9 | 27 | 81,8 | 61 | 87,2 | |
Bolsa escola | 3 | 8,1 | 5 | 15,2 | 8 | 11,4 | |
Bolsa alimentação | - | - | 1 | 3,0 | 1 | 1,4 | |
Total | 37 | 100,0 | 33 | 100,0 | 70 | 100,0 |
Fonte: Dados primários.
Com relação a características estruturais, 94,6% dos domicílios possuíam revestimento total do piso interno, estando a maior parte localizada nas áreas urbanas (98,6%). Especificamente quanto à tipologia das paredes, observou-se uma predominância da alvenaria (61,6%), seguida do adobe (26,8%). A primeira foi fortemente verificada nas áreas urbanas (80,0%), enquanto a segunda foi mais frequente nas áreas rurais (52,4%). Parte expressiva dos domicílios possuía algum tipo de revestimento das paredes internas (90,2%) e externas (85,7%), sendo verificada, em geral, a presença de reboco com camada de tinta ou de cal. Os domicílios com paredes internas totalmente revestidas encontravam-se majoritariamente nas áreas urbanas (91,4%), assim como paredes externas totalmente revestidas (90,0%).
Quando questionados sobre a existência de banheiro, respondentes de 14 domicílios afirmaram não possuir tal cômodo. Do total de domicílios nessa condição, a maioria (n = 12) localizava-se nas áreas rurais. Quanto aos 98 domicílios com banheiro, identificou-se que em 70,4% o cômodo integrava a parte interna da moradia, em 28,6% localizava-se na parte externa; em apenas 1% verificou-se existência de banheiro dentro e fora da moradia (dados não mostrados). Ainda com relação aos domicílios que alegaram possuir banheiro, 89,8% referiram-se a um cômodo delimitado, com vaso sanitário, chuveiro e lavatório.
Apenas um domicílio, localizado na área rural, não possuía luz elétrica. A Tabela 4 sintetiza as características estruturais dos domicílios habitados pela população Aranã.
Tabela 4 Características estruturais dos domicílios, segundo situação de domicílio - população Aranã, 2012.
Situação de domicílio | Total | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
Urbana | Rural | |||||
n | % | n | % | n | ||
Tipologia do piso interno | ||||||
Totalmente revestido | 69 | 98,6 | 37 | 88,1 | 106 | |
Parcialmente revestido | 1 | 1,4 | 3 | 7,1 | 4 | |
Sem revestimento | - | - | 2 | 4,8 | 2 | |
Total | 70 | 100,0 | 42 | 100,0 | 112 | |
Tipologia das paredes | ||||||
Tijolos de barro (alvenaria) | 56 | 80,0 | 13 | 31,0 | 69 | |
Adobe | 8 | 11,4 | 22 | 52,4 | 30 | |
Blocos de cimento | 3 | 4,3 | - | - | 3 | |
Enchimento | - | - | 1 | 2,4 | 1 | |
Misto (combinação dos materiais acima) | 3 | 4,3 | 6 | 14,3 | 9 | |
Total | 70 | 100,0 | 42 | 100,0 | 112 | |
Revestimento das paredes internas | ||||||
Revestidas | 64 | 91,4 | 37 | 88,1 | 101 | |
Parcialmente revestidas | 1 | 1,4 | - | - | 1 | |
Sem revestimento | 5 | 7,1 | 5 | 11,9 | 10 | |
Total | 70 | 100,0 | 42 | 100,0 | 112 | |
Revestimento das paredes externas | ||||||
Revestidas | 63 | 90,0 | 33 | 78,6 | 96 | |
Parcialmente revestidas | 1 | 1,4 | 3 | 7,1 | 4 | |
Sem revestimento | 6 | 8,6 | 6 | 14,3 | 12 | |
Total | 70 | 100,0 | 42 | 100,0 | 112 | |
Existência de banheiro | ||||||
Sim | 68 | 97,1 | 30 | 71,4 | 98 | |
Não | 2 | 2,9 | 12 | 28,6 | 14 | |
Total | 70 | 100,0 | 42 | 100,0 | 112 | |
Luz elétrica | ||||||
Sim | 70 | 100,0 | 41 | 97,6 | 111 | |
Não | - | - | 1 | 2,4 | 1 | |
Total | 70 | 100,0 | 42 | 100,0 | 112 |
Fonte: Dados primários.
Quanto à origem da água de abastecimento utilizada no domicílio, verificou-se que a maioria utilizava a proveniente da rede geral do Sistema de Abastecimento de Água da Companhia de Saneamento de Minas Gerais – SAA da COPASA/Copanor (n = 66/58,9%), todos localizados em zonas urbanas. Nos demais, verificou-se utilização de água de nascente (n = 21/18,8%), de rio (n = 9/8,0%), cacimba (n = 2/1,8%), riacho ou ribeirão (n = 1/0,9%) e de fontes mistas (n = 13/11,6%).
Em relação à destinação das excretas dos domicílios que possuíam banheiro (n = 98), apenas 36,1% estavam ligados à rede geral coletora de esgoto, todos localizados em zonas urbanas, enquanto 51,5% possuíam fossas. A estratificação por situação de domicílio revelou que 42,6% daqueles com banheiro, localizados na área urbana, tinham a fossa como destinação das excretas. Em quatro domicílios com banheiro, situados na área rural, os moradores relataram a prática de defecação a céu aberto.
No que se refere aos domicílios que não dispunham de banheiro (n = 14), em 64,3% os moradores relataram defecação a céu aberto, em 28,6% utilização de banheiros de residências vizinhas, habitadas por parentes, e em apenas um domicílio o morador relatou utilizar fossa seca (7,1%). Sobre a destinação do lixo, verificou-se que 56,3% dos domicílios tinham acesso à coleta municipal (56,3 %), todos localizados nas áreas urbanas. Em parcela expressiva foi reportada prática de queima dos resíduos (40,2 %), majoritariamente realizada nas áreas rurais (95,2%). Os dados referentes ao saneamento nos domicílios habitados pelos Aranã estão dispostos na Tabela 5.
Tabela 5 Características sanitárias dos domicílios, segundo situação de domicílio - população Aranã, 2012.
Situação sanitária dos domicílios | Situação de domicílio | Total | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Urbana | Rural | ||||||
n | % | n | % | n | |||
Abastecimento de água | |||||||
Rede municipal | 66 | 94,3 | - | - | 66 | ||
Mina/nascente | - | - | 21 | 50,0 | 21 | ||
Rio | - | - | 9 | 21,4 | 9 | ||
Riacho/ribeirão | - | - | 1 | 2,4 | 1 | ||
Cacimba | - | - | 2 | 4,8 | 2 | ||
Fontes mistas | 4 | 5,7 | 9 | 21,4 | 13 | ||
Total | 70 | 100,0 | 42 | 100,0 | 112 | ||
Esgotamento sanitário | |||||||
Possui banheiro | |||||||
Rede municipal | 35 | 51,5 | - | - | 35 | ||
Fossa | 29 | 42,6 | 21 | 72,4 | 50 | ||
Encanado para o terreno | 1 | 1,5 | 1 | 3,4 | 2 | ||
Fossa seca (buraco para dejeção) | 1 | 1,5 | 1 | 3,4 | 2 | ||
Canalizado para córrego | 2 | 2,9 | - | - | 2 | ||
Encanado para terreno longe de casa | - | - | 2 | 6,9 | 2 | ||
Céu aberto | - | - | 4 | 13,8 | 4 | ||
Total com banheiro | 68 | 100,0 | 29* | 100,0 | 97 | ||
Não possui banheiro | |||||||
Céu aberto | - | - | 9 | 75,0 | 9 | ||
Fossa seca (buraco para dejeção) | - | - | 1 | 8,3 | 1 | ||
Outro local | 2 | 100,0 | 2 | 16,7 | 4 | ||
Total sem banheiro | 2 | 100,0 | 12 | 100,0 | 14 | ||
Resíduos sólidos | |||||||
Coleta pública | 63 | 90,0 | - | - | 63 | ||
Queima no quintal | 5 | 7,1 | 40 | 95,2 | 45 | ||
Descarte no solo | - | - | 1 | 2,4 | 1 | ||
Práticas mistas | 2 | 2,9 | 1 | 2,4 | 3 | ||
Total | 70 | 100,0 | 42 | 100,0 | 112 |
Fonte: Dados primários.
*Sem essa informação para um domicílio da área rural.
Informação obtida através do Sistema IBGE de Recuperação Automática – SIDRA – referente ao Censo demográfico de 2010 aponta um total de 210 pessoas que se declararam indígenas pertencentes à etnia Aranã: 108 homens e 102 mulheres. Deste universo, 184 indivíduos residiam na região Sudeste, 14 na região Sul, 7 no Nordeste, 3 no Norte e 2 no Centro-Oeste do país. Diferentemente, o relatório do CEDEFES14 descreveu sua presença apenas em municípios de Minas Gerais e no de São Paulo, tanto nas áreas urbanas, quanto nas rurais.
Os resultados do inquérito domiciliar indicaram um número maior de pessoas pertencentes à etnia indígena Aranã (n = 346), o que sugere um descompasso entre as fontes de informação, tanto no que se refere ao contingente populacional, quanto à sua distribuição pelo território nacional. Pode-se pensar em uma defasagem temporal do relatório do CEDEFES, haja vista a data de sua publicação (2003). Todavia, os dados coletados em 2012 pelo inquérito domiciliar (um ano e três meses após coleta do Censo 2010) podem indicar a necessidade de se aprimorar a investigação pelo IBGE sobre os indígenas que residem fora das TI.
Marinho et al.22, apontaram problemas na forma de captação de dados referentes aos indígenas em levantamentos realizados pelo Instituto e também sugeriram a necessidade de seu aprimoramento. O próprio IBGE9 mencionou alguns fatores que dificultaram a caracterização desse segmento populacional brasileiro, sob o ponto de vista demográfico, dentre eles o fato de populações indígenas residirem em áreas rurais de difícil acesso. Outro ponto crítico remete a um possível viés metodológico que pode comprometer a contabilização daqueles residentes fora das TI9. A constatação de que o levantamento censitário com base apenas no quesito cor ou raça poderia “levar a possível subenumeração dos indígenas no País9” levou o IBGE a inserir a seguinte pergunta controle: “Você se considera indígena?”. Entretanto, o Instituto parece ter considerado apenas as respostas relativas aos residentes de TI, conforme a passagem a seguir:
Conforme mencionado anteriormente, a população indígena residente no Brasil contabilizada pelo quesito cor ou raça atingiu 817,9 mil pessoas e agregando-se aquelas pessoas que não se declararam indígenas no quesito cor ou raça, mas se consideraram indígenas captadas dentro das terras indígenas, o total de população indígena residente no território nacional passou a 896,9 mil pessoas, o que corresponde a um acréscimo de 78,9 mil indígenas (grifo dos autores)9.
No que diz respeito à razão de sexo observada na população Aranã, esta indicou um equilíbrio entre ambos. A estratificação dos dados por situação de domicílio indicou, no entanto, o predomínio de indivíduos do sexo feminino nas áreas urbanas, e excedente masculino nas áreas rurais. Esse mesmo padrão pode ser observado para a população indígena nacional, na qual a razão de sexo total, para o ano de 2010, foi equivalente a 100,5; para as áreas urbanas foi igual a 92,1; e para as rurais, igual a 106,19. Franceschini et al.23 afirmam que no Vale do Jequitinhonha a população é caracterizada, na sua maioria, e especialmente na área rural, por homens, refletindo o perfil das atividades econômicas da região (pecuária e a agricultura de subsistência). Quanto à estrutura por idade, verifica-se semelhança entre os dados apresentados para a população Aranã e aqueles relativos à população indígena brasileira: ambas são populações jovens. Os dados do Censo 20109 revelaram que 94,4% da população indígena no país possuíam menos de 64 anos.
Quanto ao nível educacional dos indivíduos Aranã, mensurado por meio do indicador anos de estudo, a maior proporção de indivíduos concentrou-se na faixa de 4 a 7 anos (38,9%). Essa situação diverge daquela apresentada para a população brasileira pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)24, referente ao ano de 2012, cujos dados apontaram maior proporção de indivíduos com 10 ou mais anos de idade concentrada na faixa de 11 anos ou mais de estudo (36,1%).
Nota Técnica emitida em 2011 pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)25 com base em dados preliminares do Censo Demográfico 2010, apontou um perfil da pobreza no Brasil e revelou que quatro em cada dez indígenas se encontram em situação de extrema pobreza – caracterizada pelo recebimento de até 70 reais per capita, por mês. Cumpre esclarecer que no caso dos Aranã o rendimento mensal domiciliar mostrou-se variável e pode não representar fidedignamente sua situação econômica, pelo fato de muitos indivíduos, principalmente na área rural, receberem o ordenado por dia de trabalho, e esses dias variarem sazonalmente.
Verificou-se que os moradores de grande parcela dos domicílios Aranã recebem algum tipo de auxílio financeiro do governo. Essa constatação vai ao encontro de estudos que abordam a temática, como o realizado com os Kaingang e Guarani, que identificou os respectivos percentuais de famílias beneficiadas pelo Programa Bolsa Família (PBF): 80,5% e 57,5%26, respectivamente. Estudo realizado com os Pataxó apontou um percentual de 75% de famílias beneficiadas27. Percentual semelhante foi levantado para os Terena (71,4%), sendo atribuído, contudo, não só a esse programa de distribuição direta de renda, mas a outros como o Bolsa-Escola28. Para os povos das etnias Atikun e Guarani–Kaiowá os benefícios assistenciais constituem a principal renda, visto que aproximadamente 90% das famílias recebem recursos do PBF29,30. Esses percentuais sugerem que as famílias indígenas, em geral, “atendem aos critérios de pobreza e extrema pobreza”31.
Em uma abordagem comparativa com a região onde vivem os Aranã, pode-se lançar mão do estudo realizado por Ribeiro et al.32, que revelou que os programas de transferência constituem fontes de renda generalizadas; seguida da venda da produção agrícola, do trabalho para terceiros e das aposentadorias e pensões. Reporta, por exemplo, que no município de Araçuaí 44,26% da população é atendida pelo PBF.
Instituído pelo governo federal no ano de 2003, esse Programa beneficiou, conforme dados de 2011, cerca de 13.077.263 famílias no país, dentre as 21.713.578 registradas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), representando um percentual de 60,2%33. Comparativamente, nesse mesmo período, o número total de famílias indígenas cadastradas foi de 112.314, sendo que as efetivamente beneficiárias do PBF chegaram a 84.940, correspondendo a um percentual mais elevado para esse segmento populacional, de 76%33.
Quanto à situação do imóvel, identificou-se que maior parte dos domicílios Aranã encontrava-se na condição de próprio, o que vai ao encontro dos dados apresentados pelo Censo 2010, que revelou que uma maior proporção de domicílios com pelo menos um morador indígena encontrava-se nesta condição (75,6%)9. Constatou-se também que nas áreas rurais a maior parte dos imóveis se encaixava na categoria “cedido pelo empregador” (54,8%), o que parece refletir uma peculiaridade do contexto rural do Vale do Jequitinhonha: às famílias que trabalham em fazendas e áreas de plantio é dada a permissão para residir em moradia cedida pelo empregador, fazendo uso do solo para cultivo de subsistência, constituindo, assim, um “regime de agregação”34. Configura-se uma relação de trabalho e “relação de morada, que implica a execução de tarefas para o fazendeiro que cede a terra e a produção dos meios de vida, por parte do agregado35” e de sua família.
Os resultados permitiram inferir que, no geral, as características estruturais e sanitárias das habitações Aranã não refletem o quadro de insalubridade verificado em etnias residentes em Terras Indígenas, como os Xakriabá36 ou os Maxakali37. Para os Aranã foram identificados, por exemplo, maiores percentuais de revestimento do piso interno e das paredes, e de existência de banheiro nos domicílios.
Pisos revestidos podem facilitar a limpeza do domicílio, e, assim, interferir de modo preventivo no mecanismo de transmissão de doenças de veiculação feco-oral38. O revestimento de paredes, por sua vez, pode ser uma importante estratégia na eliminação de frestas, possíveis alojamentos para insetos, como o Triatoma infestans.
A maior parte dos domicílios Aranã possuía banheiro, entendido como cômodo delimitado com vaso sanitário, chuveiro e lavatório, na parte interna da moradia (70,4%). Sob a perspectiva da Engenharia Sanitária, essa pode ser considerada condição ideal em termos de conforto, higiene, prevenção de transmissão de patógenos, e saneamento do meio, principalmente em função da disposição adequada dos excretas (não necessariamente sua destinação adequada). Quanto à existência de banheiro, os dados relativos aos Aranã diferiram daqueles oriundos do I inquérito Nacional de Saúde e Nutrição Indígena39, o qual indicou que 19% dos domicílios indígenas em todo o país dispunham desse cômodo dentro de casa. Entretanto, há que se considerar que esse inquérito, embora tenha representatividade nacional e regional, baseou-se em uma amostra de populações indígenas aldeadas.
Segundo o IBGE (2010)9, 55,0% dos domicílios indígenas no território nacional faziam uso de soluções alternativas de abastecimento como fonte de água para consumo, principalmente poço artesiano. Os dados levantados sobre os Aranã revelaram que a cobertura pela rede de abastecimento de água era predominante em relação às demais formas (58,9%); resultado de certa forma esperado, dada sua concentração domiciliar nas áreas urbanas. Entretanto, quando comparado com dados do último censo, esse percentual de acesso à rede está bem aquém dos 80% apontados para os domicílios indígenas localizados fora das TI no território nacional9. Ademais, o percentual de cobertura da rede de esgoto para os Aranã (36,1%) contrasta com as proporções reveladas para a população brasileira (67,1%) e até mesmo para o segmento indígena nacional (57,8%)9.
Na tentativa de compreender essas assimetrias sanitárias, é preciso atentar para o fato de os domicílios Aranã estarem localizados no Vale do Jequitinhonha, conhecido por apresentar baixos indicadores sociais e econômicos. Tanto em Araçuaí, quanto em Coronel Murta, a rede coletora de esgotos atendia, em 2010, menos de 50% dos domicílios, sendo os percentuais de cobertura iguais a 30% e 44%, respectivamente40. Por sua vez, o percentual de domicílios Aranã com acesso à coleta municipal de lixo (56,3%) corrobora o percentual apresentado pelo último censo para a população indígena brasileira, de 59,8%. Entretanto, difere da proporção identificada para a totalidade da população brasileira, para a qual 87,4% dos domicílios contavam com a coleta do lixo domiciliar17.
Para os Aranã, o serviço de coleta abrangia unicamente a área urbana, sendo a prática de queima verificada para o meio rural. Essa realidade, constatada na zona rural, se assemelhou àquela relatada em outros estudos para populações ou grupos indígenas aldeados. O I Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição Indígena39, por exemplo, identificou que 79% do total de domicílios das quatro macrorregiões do país enterravam, queimavam ou jogavam o lixo no entorno das aldeias. Em trabalho realizado com os Baniwa do Noroeste Amazônico, 100% dos entrevistados informaram enterrar ou queimar o lixo doméstico41. O mesmo ocorrendo com a maior parte dos domicílios Xakriabá36, e também para os Iauaretê42, em São Gabriel da Cachoeira.
Sabe-se que nas áreas rurais é difícil propiciar condições de acesso a infraestruturas, equipamentos e serviços especializados, tendo em vista a grande dispersão da população43. No entanto, é preciso ponderar que o débito histórico do país com as comunidades rurais em relação às ações de saneamento não pode ser justificado apenas por suas peculiaridades locais.
Apesar do alto contingente de indígenas vivendo fora das TI, o fato de estudos existentes ainda enfocarem prioritariamente as populações aldeadas, constitui claro exemplo do objeto de questionamento de Nunes44: seriam os indígenas urbanos considerados “menos índios que os outros índios”? Apropriando desse questionamento e extrapolando-o para o segmento indígena desaldeado – independentemente da localização no espaço urbano ou rural – torná-lo visível para o Estado constitui tarefa para além das pesquisas acadêmicas ou encampadas por organizações não governamentais. Essa visibilidade configura-se “ferramenta potencialmente poderosa para municiar segmentos sociais marginalizados na busca de políticas e práticas que pressionem em direção a uma maior equidade em saúde”45 e em outras esferas dos direitos sociais.
Conhecer as características dos domicílios Aranã permitiu identificar as condições em que vivem, possibilitando a realização de comparações com outras populações, indígenas ou não. Importante ressaltar, no entanto, que a escassez de estudos que abordam as condições de saneamento e de moradia de populações indígenas que não residem em TI limitou a comparar os resultados encontrados com os de outras situações similares. Os dados encontrados para os Aranã evidenciaram semelhanças com aqueles revelados pelo Censo 2010 para os indígenas brasileiros, sobretudo com os domiciliados fora das TI. No entanto, os dados coletados nesta pesquisa sobre os Aranã sugerem que o IBGE precisa aprimorar a investigação acerca das populações indígenas brasileiras “desaldeadas”.
Ainda que se observe no país uma assimetria entre indígenas e não indígenas no que se refere à situação de saneamento dos domicílios, o estudo revelou que existem discrepâncias internas ao grupo Aranã. As habitações, em suas características estruturais mais gerais, apresentaram diferenças relacionadas à sua localização, como maior cobertura de abastecimento de água e esgotamento sanitário nas áreas urbanas. Tal observação aponta para a necessidade de intervenções prioritárias voltadas para os indivíduos residentes no meio rural, recaindo na antiga discussão sobre as disparidades urbano-rurais, que também se aplica à população não indígena.