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Arritmia ventricular esforço-induzida: análise dos fatores preditores em uma população com queixas de sono

Arritmia ventricular esforço-induzida: análise dos fatores preditores em uma população com queixas de sono

Autores:

Fatima Dumas Cintra,
Marcia Regina Pinho Makdisse,
Wercules Antônio Alves de Oliveira,
Camila Furtado Rizzi,
Francisco Otávio de Oliveira Luiz,
Sergio Tufik,
Angelo Amato Vincenzo de Paola,
Dalva Poyares

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.8 no.1 São Paulo jan/mar. 2010

http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082010ao1469

INTRODUÇÃO

As alterações fisiológicas que ocorrem com o exercício podem precipitar arritmias ventriculares esforço-induzidas (AVEI)(1). O significado clínico da AVEI parece estar relacionado à doença cardíaca de base(2). Portadores de doença da artéria coronária que desenvolvem arritmia ventricular durante o esforço apresentam pior prognóstico(34). A ocorrência dessa forma de arritmia em indivíduos sem doença cardíaca estrutural apresenta resultados conflitantes na literatura(56).

Recentemente, alterações na quantidade e qualidade do sono estão sendo associadas à maior mortalidade cardiovascular(7). A apneia obstrutiva do sono (AOS) está relacionada ao surgimento de insuficiência cardíaca(89), arritmias cardíacas(10), síndrome metabólica(11), dislipidemia(12) e até mesmo acidente vascular cerebral(13). A relação entre a apneia do sono e hipertensão arterial sistêmica (HAS) é a mais estudada, estimando-se que 40% dos pacientes portadores de HAS apresentem AOS associada não diagnosticada e não tratada(14). A quantidade de sono também parece ser essencial para a manutenção da integridade cardiovascular. Poucas horas de sono relacionam-se a uma taxa maior de mortalidade cardiovascular(15).

A relação entre AVEI e os distúrbios do sono ainda não foi estabelecida e a perda da integridade do sono pode ter parte no desencadeamento dessa forma de arritmia em pacientes com queixas de sono.

OBJETIVO

Avaliar a prevalência de AVEI em uma população com distúrbios do sono e determinar os fatores preditores de AVEI nesse grupo de pacientes.

MÉTODOS

População

Os pacientes foram selecionados consecutivamente no banco de dados da Clínica de Sono da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), entre março de 2008 a março de 2009, após serem submetidos a polissonografia basal por queixas de sono (ronco, sono não-reparador, dificuldade de iniciar ou manter o sono, sonolência excessiva diurna ou movimentos periódicos das pernas durante o sono). Os critérios de inclusão foram: idade superior a 30 anos, sedentarismo, capacidade de realizar teste de esforço em esteira e ausência de hospitalização ou troca de medicação recente. Foram excluídos indivíduos com índice de massa corpórea superior a 40 kg/m2, doença pulmonar crônica com base nos dados da espirometria, e aqueles definidos como FEV1/FVC abaixo de 0,7(16). História de bronquite asmática, tabagismo, insuficiência cardíaca classe III ou IV segundo o New York Heart Association, angina instável, doença cardíaca valvular, arritmias severas ao repouso, fibrilação atrial, hipertensão arterial sistêmica não-controlada, doença renal, doença osteomuscular e gravidez. Um índice de apneia/hipopneia superior a 5 foi considerado diagnóstico de AOS.

Todos os indivíduos foram orientados a comparecerem à clínica com oito horas de jejum e evitar a utilização de café e cigarro no dia anterior ao da avaliação. Foi realizada coleta de sangue por volta das 8h, seguida de oferecimento de café da manhã, avaliação clínica, eletrocardiograma de 12 derivações, espirometria, teste cardiopulmonar máximo sintoma-limitado em esteira e ecocardiograma bi-dimensional com Doppler colorido. O Grupo Controle foi formado por pacientes que não desenvolveram AVEI, pareados por sexo e idade. O estudo foi aprovado pela comissão de ética em pesquisa da UNIFESP (CEP: 1546/05)

Polissonografia

A polissonografia foi realizada pelo sistema digital EMBLA® (17 canais, Medicare Medical Devices). As seguintes variáveis foram monitoradas: eletroencefalograma (EEG) (4 canais C3-A2, C4-A1, O1-A2, O2-A1), eletrooculograma (2 canais: LOC—A2, ROC-A1), eletromiograma (dois canais: submentoniano e músculos tibiais anteriores), eletrocardiograma (um canal DII modificado), ronco e posição corporal. O fluxo nasal foi monitorado por meio de transdutor de pressão. O esforço respiratório foi monitorado com sensores abdominais e torácicos. A saturação arterial de oxigênio e o pulso foram registrados com oxímetro de pulso (Nonin®, modelo 9500, Plymouth, USA). Todos os polissonogramas foram classificados por um técnico experiente em polissonografia seguindo as diretrizes de estudo do sono(17) e revisado por um médico com atuação em sono. Despertares foram definidos por meio dos critérios da Força Tarefa da Associação Americana de Distúrbios do Sono(18), e os eventos respiratórios, por meio dos critérios da Academia Americana de Medicina do Sono(19).

Avaliação laboratorial

Trinta mililitros de sangue foram obtidos por venopunção. Do plasma e soro, foram analisadas as seguintes variáveis: hemograma, sódio, potássio, ureia, creatinina, glicemia, colesterol total e frações, triglicérides e ácido úrico.

Teste de esforço cardiopulmonar

O teste foi realizado em sala com adequadas condições de temperatura e equipada com material para reanimação cardiopulmonar (ErgoPC13, Micromed®, Brasilia, Brazil). Durante o esforço houve, monitorização do Eletrocardiograma de 12 derivações, oximetria de pulso (Nonin®, model 9500, Plymouth, USA), pressão arterial e medidas respiração a respiração dos parâmetros respiratórios: consumo de oxigênio (VO2), produção de dióxido de carbono (VCO2), ventilação minuto (VE), frequência respiratória (RR), corrente volume (Vt) através de mascara (Vista CPX®, Vacumed, Ventura, CA, USA) após a calibração. O teste foi realizado em esteira protocolo de rampa, levando-se em consideração sexo e idade. Todos os testes foram supervisionados por um cardiologista e um fisioterapeuta. A pressão arterial foi medida na fase basal e a cada três minutos durante o exercício e recuperação. O teste foi interrompido se a pressão arterial diastólica excedesse 120 mmHg em normotensos ou 140 mmHg em hipertensos, ou pressão arterial sistólica > 260 mmHg, sintomas de dor torácia, síncope ou pré-síncope, alterações isquêmicas no ECG, taquicardia ventricular não-sustentada ou bloqueio atrioventricular de segundo ou terceiro grau.

Estudo ecocardiográfico

Todos os participantes foram submetidos ao ecocardiograma bidimensional (iE33®, Philips Electronics, Netherlands) antes do teste cardiopulmonar. Todos os exames foram realizados por um ecocardiografista experiente, cego para o resultado do teste cardiopulmonar.

Espirometria

O teste da função pulmonar foi realizado por espirômetro computadorizado KoKo spirometer® (Pulmonary Data Service Instrumentation, Inc., Louisville, KY, USA) segundo as recomendações da Sociedade Americana Torácica(20) para excluir pacientes com doença pulmonar. O sistema foi calibrado com uma seringa de 3L em diferentes fluxos pelo menos uma vez ao dia. Todas as medidas foram realizadas na posição sentada. O volume respiratório forçado de um minuto (FEV1), a capacidade vital forçada (FVC) e a relação FEV1/FVC foi medida em cada participante e registrada em valores absolutos e porcentagem do predito. Todas as medidas foram realizadas por técnicos experientes. Não foi utilizado broncodilatador durante a avaliação.

Análise estatística

As variáveis foram representadas em médias e desvio-padrão. O teste de normalidade de Shapiro-Wilk foi realizado para todas as características basais. Os pacientes portadores de AVEI e controles foram comparados com ANOVA e teste χ2. Valores de p < 0,05 foram considerados significativos. A análise estatística foi realizada no programa Statistic 8.0.

RESUlTADOS

Foram selecionados 320 pacientes do banco de dados da Clínica do Sono da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Quatro indivíduos foram excluídos por apresentarem crise hipertensiva durante o atendimento, dois por alterações osteomusculares que impossibilitavam a realização do teste cardiopulmonar, um por obesidade e uma por ser gestante. Trezentos e doze participantes foram avaliados. A tabela 1 demonstra as características da população analisada. Sessenta por cento dos pacientes apresentavam AOS, 37% eram portadores de HAS e 12% apresentavam diabetes. Sete por centro desenvolveram AVEI durante o teste cardiopulmonar (Figura 1). A ectopia ventricular isolada frequente durante o esforço foi a forma mais frequente de apresentação de AVEI. Foram observados cinco casos de ectopia ventricular acoplada e um caso de taquicardia ventricular não sustentada com três batimentos.

Tabela 1 Característica da população 

Características Participantes (n = 312)
Idade (anos) 50,74 ± 7,51
Sexo masculino (n) 173 (55,4%)
Índice de massa corpórea (kg/m2) 27,27 ± 4,08
Apneia obstrutiva do sono (%) 60
Hipertensão (%) 37
Diabetes (%) 12
Caucasianos (%) 89
AVEI (%) 7

AVEI: arritmias ventriculares esforço-induzidas

Figura 1 Ectopia ventricular isolada e acoplada induzida durante o teste cardiopulmonar. 

Os pacientes que desenvolveram AVEI foram pareados com o Grupo Controle e as características clínicas de ambos os grupos foram expostas na tabela 2. O diâmetro da aorta foi maior no grupo AVEI quando comparado ao Grupo Controle (3,44 ± 0,30; 3,16 ± 0,36, respectivamente, p = 0,04). Os demais parâmetros ecocardiográficos não demonstraram diferenças entre os grupos (Tabela 3). Após a correção do diâmetro da aorta para a superfície corpórea, não foram mais observadas diferenças estatísticas entre os grupos AVEI e controle (1,82 ± 0,19; 1,64 ± 0,30, respectivamente, p = 0,08).

Tabela 2 Características clínicas dos grupos AVEI e controle 

Características clínicas AVEI (n = 18) Controle (n = 18) Valor de p
Idade (anos) 53,27 ± 8,58 53,05 ± 8,62 0,94
Sexo masculino (n) 72 72 0,99
Índice de massa corpórea (kg/m2) 28,52 ± 3,61 29,33 ± 5,37 0,60
Circunferência abdominal (cm) 95,04 ± 11,25 94,15 ± 16,18 0,89
Circunferência do quadril (cm) 102,68 ± 6,63 103,77 ± 7,93 0,75
Hipertensão (%) 12 9 0,74
Diabetes (%) 1 1 0,82

AVEI: arritmias ventriculares esforço-induzidas

Tabela 3 Achados ecocardiográficos entre os grupos AVEI e controle 

Achados ecocardiográficos AVEI (n = 18) Controle (n = 18) Valor de p
Diâmetro da raiz da aorta (mm) 3,44 ± 0,30 3,16 ± 0,36 0,04
Diâmetro do átrio esquerdo (mm) 3,86 ± 0,21 3,78 ± 0,40 0,52
Diâmetro do VD (mm) 2,12 ± 0,34 2,01 ± 0,20 0,34
Septo intraventricular (mm) 0,92 ± 0,07 0,95 ± 0,17 0,63
Parede posterior do VE (mm) 0,91 ± 0,30 0,90 ± 0,14 0,76
Diâmetro diastólico do VE (mm) 4,98 ± 0,45 4,76 ± 0,29 0,19
Diâmetro sistólico do VE (mm) 3,16 ± 0,59 2,93 ± 0,15 0,26
Fração de ejeção do VE (%) 63,01 ± 8,07 68,00 ± 4,35 0,14

AVEI: arritmias ventriculares esforço-induzidas; VD: ventrículo direito; VE: ventrículo esquerdo.

Os parâmetros laboratoriais analisados não apresentaram diferenças entre os grupos (Tabela 4). A estrutura do sono e o índice de apneia/hipopneia foram semelhantes entre os grupos (Tabela 5). O comportamento hemodinâmico durante o esforço está apresentado na tabela 6. Os dados ergoespirométricos estão expostos na tabela 7. Apesar de a saturação basal ser semelhante entre os grupos AVEI e controle (96,50 ± 1,84; 97,33 ± 1,49; respectivamente, p = 0,25) a saturação mínima observada durante o esforço foi menor no grupo que desenvolveu arritmia ventricular em comparação ao Grupo Controle (92,75 ± 3,05; 95,50 ± 1,73, respectivamente, p = 0,01).

Tabela 4 Avaliação laboratorial entre os grupos AVEI e controles 

Parâmetros laboratoriais AVEI (n = 18) Controles (n = 18) Valor de p
Hemoglobina (g/dl) 15,5 ± 2,05 15,41 ± 1,02 0,80
Hematócrito (g/dl) 44,43 ± 15,05 44,62 ± 7,05 0,78
Glicemia (mg/dl) 108,38 ± 17,14 104,43 ± 16,62 0,45
Colesterol total (mg/dl) 210,54 ± 43,23 213,90 ± 40,32 0,45
Lipoproteína de baixa densidade (mg/dl) 129,86 ± 35,95 129,64 ± 32,84 0,95
Lipoproteína de alta densidade (mg/dl) 56,25 ± 11,43 56,80 ± 14,23 0,87
Lipoproteína de muito baixa densidade (mg/dl) 27,47 ± 16,43 26,69 ± 12,53 0,66
Triglicerides (mg/dl) 149,55 ± 91,03 145,02 ± 86,98 0,62
Creatinina (mg/dl) 0,94 ± 0,17 0,91 ± 0,15 0,54
Ureia (mg/dl) 34,94 ± 6,84 36,17 ± 7,58 0,61
Sódio (mmol/l) 140,77 ± 1,92 140,11 ± 1,99 0,32
Potássio (mmol/l) 4,21 ± 0,46 4,23 ± 0,29 0,88
Ácido úrico (mg/dl) 5,25 ± 1,06 5,54 ± 1,41 0,49

AVEI: arritmias ventriculares esforço-induzidas

Tabela 5 Arquitetura do sono nos grupos AVEI e controle 

Arquitetura do sono AVEI (n = 18) Controles (n = 18) Valor de p
Tempo total de sono (min) 362,20 ± 61,37 353,02 ± 85,46 0,66
Número de despertar 90,93 ± 73,16 106,39 ± 100,99 0,54
Porcentagem estágio 1 4,87 ± 3,64 4,77 ± 5,01 0,94
Porcentagem estágio 2 51,78 ± 7,66 56,63 ± 12,59 0,13
Porcentagem SOL 22,41 ± 7,52 20,01 ± 11,95 0,43
Porcentagem REM 18,41 ± 6,45 19,78 ± 10,51 0,62
Eficiência do sono (%) 81,45 ± 11,37 82,99 ± 11,10 0,59
Saturação mínima 86,81 ± 4,15 85,15 ± 9,08 0,47
Índice de apneia/hipopneia 15,94 ± 12,85 18,67 ± 21,71 0,6

AVEI: arritmias ventriculares esforço-induzidas; SOL: sono de ondas lentas; REM: rapid eye movement.

Tabela 6 Comportamento hemodinâmico nos grupos AVEI e controle 

Comportamento hemodinâmico AVEI (n = 18) Controles (n = 18) Valor de p
PA sistólica basal (mmHg) 127,77 ± 16,28 128,82 ± 15,36 0,84
PA diastólica basal (mmHg) 85,00 ± 10,43 83,52 ± 11,14 0,68
PA sistólica pico (mmHg) 196,94 ± 35,02 191,76 ± 28,77 0,63
PA diastólica pico (mmHg) 90,27 ± 10,61 85,58 ± 8,63 0,39
PA sistólica recuperação (mmHg) 185,55 ± 35,53 177,64 ± 26,81 0,48
PA diastólica recuperação (mmHg) 88,61 ± 9,23 82,64 ± 8,31 0,24
FC basal (bpm) 76,27 ± 7,89 77,70 ± 12,19 0,68
FC pico (bpm) 158,22± 17,60 156,82 ± 27,25 0,85
FC recuperação (bpm) 124,35 ± 21,69 126,58 ± 22,01 0,76

AVEI: arritmias ventriculares esforço-induzidas; PA: pressão arterial

Tabela 7 Dados ergoespirométricos nos grupos AVEI e controle 

Dados ergoespirométricos AVEI (n = 18) Controles (n = 18) Valor de p
VO2 (ml/kg/min) 30,44 ± 9,49 33,39 ± 9,83 0,38
VCO2 (ml/kg/min) 31,47 ± 10,90 34,19 ± 10,07 0,52
Pulso O2 15,13 ± 3,70 15,96 ± 4,26 0,60
R 1,03 ± 0,12 1,03 ± 0,06 0,97
VE/VO2 25,67± 3,61 26,08 ± 2,83 0,75
VE/VCO2 24,81 ± 2,07 25,52 ± 2,96 0,47
VE pico 79,82 ± 25,39 82,00 ± 34,43 0,85
VVM 138,97 ± 34,84 107,62 ± 40,92 0,06
Saturação basal 96,50 ± 1,84 97,33 ± 1,49 0,25
Saturação pico 92,75 ± 3,05 95,50 ± 1,73 0,01

AVEI: arritmias ventriculares esforço-induzidas

DISCUSSÃO

Este é o primeiro estudo que avalia a ocorrência de arritmia ventricular esforço-induzida em uma população não-cardiopata, mas portadora de alto risco para cardiopatia, como os indivíduos com distúrbios do sono, em especial a AOS. O principal fator relacionado ao aparecimento dessa forma de arritmia no esforço é a queda de saturação durante o exercício. A relação entre hipóxia e ocorrência de arritmia ventricular está sendo estudada. Recentemente, o estudo MrOS(21) avaliou a associação de distúrbio respiratório do sono e a ocorrência de fibrilação/flutter atrial noturno e ectopia ventricular complexa em homens idosos. A porcentagem do tempo de sono com saturação arterial de oxigênio inferior a 90% foi relacionada à ocorrência de ectopia ventricular complexa, e aqueles nas categorias de maior hipóxia apresentavam o maior risco para essa forma de arritmia (OR = 1,62; 95%IC = 1,23-2,14). Hansel et al.(22) avaliaram o efeito da hipóxia ocasionada por meio de uma apneia voluntária máxima, na ocorrência de arritmias cardíacas. Após a interrupção voluntária da respiração por um período médio de 281 ± 73 segundos, houve significativa queda na saturação de oxigênio, aumento na frequência cardíaca e desencadeamento de arritmias cardíacas (ectopias ventriculares e atriais) em 77% dos participantes, as quais foram diretamente relacionadas à duração da apneia. Cripps et al.(23) avaliaram a ocorrência de arritmias graves e hipóxia noturna em indivíduos portadores de disfunção ventricular esquerda, demonstrando uma correlação entre a presença de arritmias e episódios de hipoxemia (episódios de hipoxemia em pacientes com arritmias severas ocorreram em 17 de 20 sujeitos (85%) versus 3 de 14 participantes que não tiveram eventos arrítmicos (p < 0,002). Os autores sugerem que iniciativas para minimizar a dessaturação noturna possam contribuir para o tratamento de indivíduos com disfunção ventricular esquerda.

Os mecanismos envolvidos no desencadeamento de arritmias ventriculares durante o esforço ainda não estão totalmente estabelecidos. Os dados deste estudo sugerem que o exercício induz hipóxia em um subgrupo de pacientes e possivelmente a arritmia ventricular é secundária à hipoxemia(2023). Nesse contexto, seria importante determinar os indivíduos propensos à hipoxemia esforço-induzida. As características espirométricas basais foram semelhantes entre os grupos com e sem AVEI. Entretanto, Ruf e Hebestreit(24) demonstraram a ocorrência de AVEI relacionada à menor saturação de oxigênio basal e no pico de esforço, e a FEV 1 < 50% do valor predito em pacientes com fibrose cística. Esses dados conflitantes na literatura possivelmente referem-se a diferentes populações analisadas e, neste estudo, foram excluídos pacientes com insuficiências cardíaca, pulmonar, renal e tabagismo.

O maior diâmetro da raiz da aorta foi relacionado à ocorrência de AVEI. Após a correção pela superfície corpórea, foi observada apenas uma tendência (p = 0,08) de associação entre a raiz de aorta e arritmia ventricular. Entretanto, esse dado merece ser considerado e pode estar relacionado a possíveis mecanismos inflamatórios e oxidativos que levariam à maior suscetibilidade à hipoxemia mediada pelo esforço e arritmia ventricular. Embora a superfície corpórea, idade e sexo sejam os principais determinantes do diâmetro da aorta torácica, a aterosclerose de aorta relacionada à inflamação também parece ser um fator menor que contribui para a dilatação aórtica(2526).

Desse modo, a avaliação basal incluindo a espirometria, a avaliação laboratorial, a polissonografia e o ecocardiograma falharam em discriminar o grupo de indivíduos que estão sob risco de desenvolver AVEI durante o esforço. Portanto, parece difícil identificar tais pacientes utilizando apenas ferramentas diagnósticas ao repouso. A utilização de oximetria de dedo pode ser considerada uma limitação do estudo, uma vez que, atualmente, existem dispositivos cranianos com sensores localizados na região frontal que avaliam melhor o comportamento da saturação no esforço. Além disso, a amostra avaliada foi representada em sua grande maioria por pacientes portadores de AOS (60%), dificultando extrapolar esses dados para outros distúrbios do sono, como insônia, síndrome das pernas inquietas, dentre outros.

CONCLUSÕES

A AVEI ocorreu em 7% da amostra e foi associada a menor saturação de oxigênio durante o esforço. A estrutura do sono e o índice de apneia/hipopneia não foram preditores de ocorrência de arritmia ventricular. Houve uma tendência de maior diâmetro da raiz de aorta no grupo com AVEI em comparação ao controle.

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