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Artroplastia total de quadril e joelho: aspectos clínicos na fase perioperatória

Artroplastia total de quadril e joelho: aspectos clínicos na fase perioperatória

Autores:

Luciana Pereira Almeida de Piano,
Ricardo Prado Golmia,
Morton Scheinberg

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.8 no.3 São Paulo jul./set. 2010

http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082010ao1660

INTRODUÇÃO

A cirurgia de artroplastia de quadril e de joelho vem crescendo constantemente na última década por se tratar de procedimentos efetivos que melhoram a qualidade de vida dos pacientes e sua capacidade funcional e que diminuem a dor(17).

Embora seja um tratamento com boa relação custo-efetividade em termos de clínica e do uso das próteses, há uma grande variação nos aspectos clínicos do procedimento, desde o período perioperatório até a alta hospitalar, incluindo variações segundo região, sexo, raça ou condição socioeconômica, bem como aspectos relativos à própria técnica cirúrgica e à duração da profilaxia contra infecções e tromboembolismo venoso, entre outras. Além disso, com o aumento da prevalência da artrite, obesidade e do envelhecimento, um aumento da artroplastia de joelho e quadril pode ser antecipado(5,8,9).

A análise da evolução das artroplastias de joelho e quadril pode trazer informações sobre o futuro desenvolvimento da cirurgia, bem como sobre as características populacionais. Assim, o presente trabalho relata os achados de pacientes submetidos a artroplastias em uma instituição especializada em doenças osteoarticulares.

OBJETIVO

Conhecer o perfil dos pacientes submetidos à artroplastia de quadril e joelho durante dois anos em um hospital especializado em doenças do sistema músculo-esquelético, e comparar os dados obtidos com a literatura.

MÉTODOS

Realizou-se uma análise retrospectiva nos registros de todas as artroplastias de joelho e quadril realizadas no Hospital Abreu Sodré da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) durante o período de 2008-2009, com aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa – CEP: 90/2010. Foram coletados os dados demográficos iniciais: idade, sexo, diagnóstico, comorbidades e diagnóstico etiológico. Os dados clínicos coletados após o procedimento incluíam dias de hospitalização, perda sanguínea, infecção e tromboembolismo, comparação entre artroplastia total de joelho (ATJ) e artroplastia total de quadril (ATQ). Foram feitas análises descritivas. Não foi possível coletar dados de 23 prontuários durante esse período.

RESULTADOS

Foram revisados 323 prontuários médicos, sendo 225 (69,7%) para artroplastia de joelho e o restante para procedimentos no quadril. A tabela 1 resume os dados demográficos por tipo de procedimento. O sexo foi significantemente diferente nos dois tipos de artroplastia e as mulheres tinham idade superior aos homens. Em relação ao peso dos pacientes em ambas cirurgias, os pacientes do gênero masculino tinham peso mais elevado que as pacientes do gênero feminino, e a diferença foi estatisticamente significante (p < 0,05). A tabela 2 apresenta as indicações para artroplastia total e o tipo de cirurgia realizada. Osteoartrose foi a principal indicação para ambos os procedimentos, seguida de um pequeno número de outras causas, inclusive artrite inflamatória.

Tabela 1 Dados demográficos e tipo de artroplastia 

Características Artroplastia de joelho n=225 (69,7%) Artroplastia de quadril n=98 (30,3%)
Homens n (%) 46 (20,4) 37 (37,8)
Mulheres n (%) 179 (79,6) 61 (62,2)
Média de idade (anos + DP) 66,7 (11,5) 57,5 (16,7)
Homens 64,6 (13,5) 54,5 (14,8)
Mulheres 67,3 (10,4) 61,0 (17,1)
Peso médio (kg + DP) 77,3 (15,5) 77,7 (17,4)
Homens 85,7 (17,5) 87,4 (13,8)
Mulheres 75,1 (14,5) 74,0 (8,4)

Tabela 2 Doença articular antes da artroplastia e tipo de prótese 

Doenças/Cirurgia Artroplastia de joelho n (%) Artroplastia de quadril n (%)
Doença
Osteoartrose 218 (96,9) 91 (92,4)
Osteonecrose 2 (0,9) 4 (4,1)
Artrite inflamatória 6 (2,7) 2 (2)
Fratura de quadril 1 (0,4) 4 (4,1)
Falhas em osteossíntese 1 (0,4) 2 (2)
Tipo de prótese
Cimentada 224 (99,55) 47 (48)
Não cimentada 1 (0,5) 50 (51)

A tabela 3 mostra as variáveis relacionadas ao procedimento em si e as comorbidades que podem afetar os desfechos nos períodos perioperatório e pós-operatório imediato. Hipertensão arterial foi a doença associada prevalente entre os pacientes operados na instituição, tanto para cirurgia de joelho como de quadril. A perda de sangue foi mais frequente nas cirurgias de joelho em comparação às de quadril. Não foram observadas grandes diferenças com relação a outros fatores sociais e de morbidade, como diabetes, tabagismo, anemia e complicações por infecção. O tempo médio de hospitalização foi semelhante para ambas as articulações. Todos pacientes receberam heparina de baixa dose e baixo peso molecular, e não houve registro de eventos trombóticos imediatos. A figura 1 mostra uma avaliação preliminar desta população conforme número de artroplastias.

Tabela 3 Variáveis relacionadas ao procedimento e comorbidades no período perioperatório e pós-operatório 

Dados Joelho n (%) Quadril n (%)
Comorbidades
Osteoporose 13 (5,8) 1 (1)
Diabetes 11 (4,9) 9 (9,2)
Hipertensão arterial sistêmica 63 (28) 45 (45,9)
Cardiopatia 11 (4,9) 9 (9,2)
Tabagismo 6 (2,7) 13 (13,3)
Complicações
Infecção 5 (2,2) 1 (1,0)
Revisão 10 (4,4) 7 (7,1)
Febre 2 (0,9) 0
Perfil hematológico/trombótico
Hb (DP) 11,1 (1,5) 10,4 (1,5)
Ht (DP) 32,9 (4,5) 30,4 (4,6)
Eventos trombóticos 1 (0,4) 0
Perda de sangue (drenagem – ml/24 horas) (DP) 452,6 (278,9) 356,2 (303)
Uso de corticoides 15 (6,7) 4 (4,1)
Tempo de internação (dias) (DP) 5,3 (2,9) 5,5 (4)

Figura 1 Doenças articulares antes da artroplastia 

DISCUSSÃO

São poucos os estudos que avaliaram exclusivamente o período perioperatório de ATJ e ATQ. Os achados do presente artigo indicam alguns pontos de interesse em relação a outros relatos da literatura.

As artroplastias de joelho e quadril foram sistematicamente mais frequentes em mulheres do que em homens neste hospital. A proporção de mulheres/homens para os dois procedimentos foi semelhante à descrita por Culliford et al.(10), que analisaram as tendências temporais em artroplastia no Reino Unido, de 1991 a 2006. Entretanto, em sua pesquisa, a taxa de ATJ foi consideravelmente menor do que a de ATQ, ao contrário do presente estudo(10). Tais diferenças podem estar relacionadas a variações amostrais. Outra hipótese seria que a população de pacientes deste estudo provém de empresas de planos de saúde, ao passo que, no Reino Unido, outras regulamentações do Serviço Nacional de Saúde se aplicam aos pacientes encaminhados para artroplastias.

Apesar de mais pesados do que as mulheres, os pacientes do gênero masculino sofreram menos artroplastias e o diagnóstico de osteoartrose foi mais frequente entre as pacientes do gênero feminino do que na população em geral. A idade da população estudada foi semelhante à de estudos anteriores. Como mencionado acima, a prevalência de ATQ sobre ATJ não foi corroborada por outras publicações(10,11). Neste estudo, a artroplastia de joelho foi duas vezes mais frequente do que os procedimentos de quadril em um determinado período.

Os pacientes submetidos à artroplastia total apresentam maior risco de tromboembolismo venoso. Contudo, quando a profilaxia é adequada, como a que foi utilizada neste estudo, esse risco diminui consideravelmente. No Hospital Abreu Sodré – AACD, a frequência de eventos tromboembólicos durante o período de avaliação foi muito baixa (menos de 1%). Em diversos estudos, a trombose venosa foi descrita em aproximadamente 19% dos casos antes da profilaxia(12,13). Nesta série, apenas um paciente teve tromboembolismo venoso durante a internação. Há relatos de que os pacientes submetidos à ATJ têm maior tendência a apresentarem tromboembolismo venoso do que os que fazem ATQ. Essa diferença não pôde ser avaliada nesta investigação, já que apenas um paciente teve tal complicação. White et al.(14) sugeriram profilaxia prolongada após a cirurgia de joelho. Em nosso estudo, não houve diferenças no pós-operatório imediato nas duas articulações em relação à frequência de trombose venosa profunda. A maioria dos casos publicados ocorreu após a alta hospitalar, mas neste estudo esse dado não seria coletado, mesmo com os pacientes em profilaxia para trombose por até seis dias após a cirurgia e em uso de heparina de baixa dose e baixo peso molecular durante a internação e sob cuidados médicos. Sugere-se realizar um estudo prospectivo para avaliar eventos tromboembólicos em períodos pós-operatórios mais longos, além de outros parâmetros.

O Hospital Abreu Sodré – AACD é um centro de referências não-acadêmico para doenças osteoarticulares. Uma comparação anterior realizada em instituições acadêmicas e não-acadêmicas não mostrou diferenças em termos de tempo de internação e desfechos perioperatórios para artroplastia de joelho e quadril(9). Porém, a hospitalização neste estudo foi quase dois dias mais curta do que a descrita por Fortin et al.(1). Ao confrontar a série atual com uma instituição acadêmica, as condições de saúde foram semelhantes nos dois procedimentos e aparentemente não influenciaram no desfecho imediato. Em contraste com uma publicação anterior de March et al.(8), a artrite inflamatória e a não-inflamatória não puderam ser avaliadas, pois o número de pacientes com artrite reumatoide foi significantemente menor no presente estudo. A tendência atual é uma queda considerável no número de artroplastias após a introdução de terapia biológica, e apenas 2% dos casos apresentaria artrite inflamatória(15,16). Uma avaliação preliminar na população estudada pareceu confirmar tais observações.

Não foram encontrados problemas na ferida cirúrgica nos pacientes em ambos os procedimentos. Naylor et al. descreveram uma alta frequência destes eventos(17). No presente estudo, os pacientes receberam antibiótico-profilaxia, o que pode explicar algumas das diferenças em relação a outras publicações.

Alguns aspectos demográficos foram semelhantes aos descritos por Ghandi e Tso(9), mas a etiologia das doenças neste estudo foi bem diferente. Os custos não foram analisados e poderão ser incluídos em futuras pesquisas; porém há relatos de que hospitais não-universitários, como o deste estudo, tendem a ter menor custo em consumo de recursos para cirurgias artroplásticas. A população do presente estudo, como já citado, incluía principalmente pacientes com osteoartrose, e estudos recentes sugerem custos semelhantes para procedimentos em casos de osteoartrose e artrite reumatoide(8,18,19).

Alguns autores citam que os desfechos perioperatórios de artroplastia de joelho são piores do que os de ATQ(18). Esses dados não puderam ser confirmados nesta série, porque os resultados pós-operatórios foram semelhantes nos dois procedimentos (ATQ e ATJ).

Embora algumas publicações sejam da década passada, a melhoria nos cuidados hospitalares pode explicar a diferença dos resultados atuais em relação aos da literatura(17,1921). Além disso, os resultados podem depender de outros fatores que não foram descritos de forma clara em artigos prévios, como as características individuais e o próprio sucesso da operação(22,23).

CONCLUSÕES

Este estudo mostrou que, no período perioperatório, o perfil dos pacientes submetidos à artroplastia total melhorou substancialmente nos últimos dez anos em comparação a relatos anteriores, em termos de menor tempo de internação, menor risco de eventos tromboembólicos e ausência de infecção imediata.

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