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As ações de enfermagem frente ao direito à morte digna da criança hospitalizada

As ações de enfermagem frente ao direito à morte digna da criança hospitalizada

Autores:

Nathalia Cristine Schuengue Pimentel Cholbi,
Isabel Cristina dos Santos Oliveira,
Sandra Alves do Carmo,
Rita de Cassia Melão de Morais,
Elena de Araújo Martinez,
Luciana de Cássia Nunes Nascimento

ARTIGO ORIGINAL

Escola Anna Nery

versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465

Esc. Anna Nery vol.23 no.3 Rio de Janeiro 2019 Epub 04-Jul-2019

http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2018-0356

INTRODUÇÃO

O advento de tecnologias proporcionou grandes avanços e melhorias na assistência à saúde, entretanto permitiu a manutenção da vida a qualquer custo, comprometendo a dignidade humana.1-2 É necessário entender que a dignidade, mesmo no momento da morte, é fundamentalmente um atributo do ser humano, tornando-o merecedor de respeito e proteção, não importando sua origem, raça, sexo, idade, estado civil ou condição sócio - econômica desde a concepção .3

O conceito de dignidade humana é, principalmente, a necessidade de proteção dos interesses primordiais de qualquer pessoa por meio de condições básicas para sua existência, bem como proteção de sua autonomia pessoal.4

Os avanços científicos, em geral, e os avanços da medicina têm possibilitado o prolongamento da vida de crianças com doenças graves, até então irrecuperáveis. O fato do controle cada vez maior dos aspectos biológicos do processo saúde/doença, eventualmente, promove limitações na sensibilidade dos profissionais de saúde para admitir o fracasso do tratamento e implementar medidas de suporte e paliação mais compatíveis com os cuidados que respeitem a dignidade humana.5

Diante da complexidade dos aspectos que envolvem a promoção da dignidade humana no momento da morte e, para que haja propostas consistentes de cuidados de fim de vida para a criança e sua família, é imprescindível uma linguagem comum entre pesquisadores e profissionais de saúde acerca do conceito de morte digna6, bem como do conceito de Cuidados Paliativos.

Cuidados Paliativos "são uma abordagem para melhoria da qualidade de vida de pacientes e familiares que enfrentem uma doença ameaçadora da vida, através da prevenção e do alívio do sofrimento, através da identificação precoce e impecável avaliação e tratamento da dor e outros problemas, físicos, psicossociais e espirituais".7

Com base nos conceitos6,8-9, este estudo considerou ser uma morte digna aquela que ocorre após o alívio dos sintomas que levam ao sofrimento e instauração do máximo de conforto, tendo sido respeitadas as vontades e os desejos da criança e sua família, bem como seus aspectos culturais e espirituais, ocorrendo em um ambiente acolhedor, em que a criança não esteja sozinha.

A morte digna como um direito deve ser estudado e discutido, pois o mesmo representa um paradoxo na Constituição Federal, que salienta tão somente o direito à vida, deixando de preservar o princípio da dignidade humana em situações de morte.2

É importante ressaltar que 20º item da Resolução nº 41/1995 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) garante a toda criança e adolescente hospitalizados o direito a ter uma morte digna, junto a seus familiares quando esgotados todos os recursos terapêuticos disponíveis.10

A literatura aponta que aspectos negativos como a associação do cuidado estritamente com a cura da doença, a postura de indiferença de alguns profissionais, o sofrimento, o luto mal vivido, a falta de conhecimento teórico e prático são fatores que dificultam a garantia do direito da criança de morrer dignamente. Apesar dessa evidência, o número reduzido de estudos indica uma lacuna existente no conhecimento acerca das ações de enfermagem para atender o direito de morte digna das crianças hospitalizadas.1,11-13

Dessa forma, o estudo tem como objeto as ações de enfermagem frente ao direito à morte digna da criança hospitalizada. Os objetivos são descrever as ações de enfermagem frente o direito à morte digna da criança e, analisar as (im)possibilidades para promoção da morte digna da criança hospitalizada.

MÉTODOS

Estudo de natureza qualitativa, pautado nos conceitos de morte digna6,8-9 desenvolvido em uma unidade de internação pediátrica de um hospital pediátrico universitário localizado no Município do Rio de Janeiro.

A referida unidade possui quarenta e seis leitos, sendo trinta e dois leitos destinados às crianças com doenças agudas, assim como crianças com doenças crônicas dependentes de tecnologias, oito leitos destinados às crianças com patologias cirúrgicas e seis leitos para crianças com doenças hematológicas.

A equipe de enfermagem da Unidade de Internação Pediátrica é composta por vinte enfermeiros e setenta e dois técnicos de enfermagem. Desse quantitativo de profissionais, participaram do estudo sete enfermeiros e nove técnicos de enfermagem selecionados a partir dos critérios de inclusão e exclusão.

O critério de inclusão foi o tempo de experiência em assistência à criança hospitalizada na Unidade de Internação Pediátrica de pelo menos um ano, por entender que, a partir desse período, o participante teve maior probabilidade de vivenciar o processo de morrer e a morte da criança hospitalizada nesse cenário. O critério de exclusão foi a cobertura de férias, licenças e remanejamento de profissionais de outros setores para unidade de internação pediátrica, uma vez que as ações de enfermagem em outros cenários são distintas das ações desenvolvidas na unidade, cenário do estudo, e poderiam interferir na validade externa dos resultados.14

Os dados foram coletados nos meses de janeiro a abril de 2018, com a utilização do formulário de caracterização dos participantes e por meio da entrevista não diretiva em grupo. O local de escolha para a coleta dos dados foi uma sala reservada com antecedência, na unidade de internação pediátrica, cenário do estudo. Nessa sala, foi disposto um banner com as temáticas numa parede, uma mesa redonda e cadeiras organizadas em um semicírculo para melhor visualização do banner para realização da Entrevista Não Diretiva em Grupo.

Ao reunir o grupo, cada profissional recebeu duas vias do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), conforme as exigências da Resolução nº 466 de 12 de dezembro de 2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que dispõe sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. O TCLE foi lido em voz alta pela pesquisadora e, todos itens contidos no termo foram elucidados. Após a assinatura do TCLE, cada participante devolveu uma via do termo para a pesquisadora, ficando com a outra via.

Após a assinatura dos Termos de Consentimento, a pesquisadora preencheu o formulário de caracterização dos participantes que aborda três aspectos: dados de identificação, dados relacionados à formação e atividade profissional. Posteriormente, iniciaram-se as Entrevistas Não Diretivas em Grupo.

Foram realizadas cinco entrevistas, com grupos de 3 a 4 participantes, tendo ao menos um enfermeiro em cada grupo, que tiveram, em média, duração de trinta e cinco minutos e oito segundos. Nessa técnica de entrevista não há formulação de perguntas ao entrevistado, sendo apresentados temas, ao grupo de participantes, com o intuito de estimular reflexões, permitindo que os participantes desenvolvam e aprofundem suas ideias de maneira espontânea, evitando atitudes autoritárias ou paternalistas, por parte do pesquisador15.

Os temas orientadores da entrevista foram elaborados com base no marco conceitual e na revisão bibliográfica sobre a temática. Os temas foram dispostos em um painel durante as entrevistas e validados na primeira entrevista, sendo eles: atendimento das necessidades biopsicossociais da criança e sua família; ambiente acolhedor; intervenções para prolongar a vida; direito à morte digna/legislação; alívio dos sintomas incapacitantes; respeito às crenças e religião; relação de confiança com a criança, família e equipe; tomada de decisão e intervenções/ família. Vale destacar que o conceito de morte digna não foi apresentado aos participantes, antes da entrevista.

A realização de cada entrevista foi seguida da transcrição e análise temática16, o que permitiu delimitar, gradativamente, a intensidade da dimensão sociocultural das relações existentes do fenômeno estudado. A partir dos resultados obtidos com a quinta entrevista, compreendeu-se, a priori a lógica interna do objeto de estudo, bem como as conexões e interconexões existentes entre criança, família e equipe de enfermagem, que permeiam o momento final da vida da criança na unidade de internação pediátrica, optando-se por cessar a realização das entrevistas, diante do critério de saturação interna dos dados17.

O estudo respeitou as exigências formais de pesquisas com seres humanos, conforme a Resolução nº 466 de 12 de dezembro de 2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), sendo aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, cenário do estudo, por meio do parecer nº 2.420.88 (CAAEE 76061517.8.3001.5264), aprovado no dia 7 de dezembro de 2017. Os participantes foram identificados com códigos alfanuméricos de E = Enfermeiro (E1 a E7) e T = Técnico de Enfermagem (T1 a T9).

RESULTADOS

Em relação aos participantes, nove atuavam como técnicos em enfermagem e sete como enfermeiros. No que tange aos dados de identificação, foram 15 participantes do gênero feminino, possuindo idades entre 27 e 54 anos. Em relação à formação profissional14 participantes possuíam graduação em Enfermagem; quatro possuíam especialização lato sensu em Pediatria e seis em outras áreas como Terapia Intensiva, Neonatologia, Cardiologia, e Saúde da Família; cinco possuíam mestrado em áreas como Saúde da Criança e Gerência. O tempo de serviço na instituição variou de 1 a 20 anos.

Com base nos depoimentos, emergiram três unidades temáticas: Ações de enfermagem antes, durante e após a morte da criança; (Des)conhecimento da equipe de enfermagem acerca da morte digna da criança hospitalizada; e, A família e o ambiente da unidade de internação: im(possibilidades) para promoção do direito à morte digna da criança hospitalizada.

Ações de enfermagem antes, durante e após a morte da criança

Esse tópico analisa as ações de enfermagem que buscam promover uma morte digna para a criança na unidade de internação pediátrica, enfocando a minimização do sofrimento da criança; a atuação dos profissionais como agentes protetores da criança; a ampliação visitantes/acompanhantes da criança; e as estratégias da equipe de enfermagem para a configuração de um ambiente mais acolhedor.

Para minimizar o sofrimento da criança e sua família, os depoentes descreveram ações para alívio dos sintomas, em particular, o controle da dor; instalação de oxigenoterapia quando há desconforto respiratório; menor manipulação, realizando higiene corporal de forma simples, quando possível; e, promoção de conforto físico.

Muitas vezes são feitas medicações para poder controlar essa parte de dor, às vezes, um esforço respiratório. Entra com um oxigênio para dar um conforto (TE4). Acho até que, às vezes, a gente tem que intervir menos para aliviar os sintomas. Nesse momento, às vezes, esse banho no leito muito elaborado vai causar mais mal do que bem (E2). A gente tenta negociar, conversar com a equipe médica a questão de uma analgesia mais regular em alguns casos [...] (E4) O alívio dos sintomas eu acho fundamental. Não é porque a criança está morrendo que você não vai realizar os cuidados. Não tem que ter dor, não tem que ter nada. (TE6)

No tocante a analgesia da criança, os profissionais relataram o uso de dripping de morfina, entretanto salientaram os possíveis efeitos adversos:

Na verdade, o dripping de morfina não é autorizado. Você está evitando a dor, mas ele pode causar uma parada cardíaca. Mas, às vezes, acaba se usando... Nós temos a médica da dor. Quando a criança está nesse momento, a gente chama ela. Ela vem e coloca todas as coisas para não ter dor. Mas, aquela gaspiação, aquele desconforto permanece (TE7). Às vezes, a gente encontra dificuldade para fazer uma analgesia eficaz com medo daquela criança entrar numa depressão respiratória [...] Se eu for olhar para esse lado, ele não está tendo uma morte digna (E4). No momento que a criança está no momento de morte, ela recebe um dripping de morfina para aliviar o sintoma de dor, tentar aliviar um pouco o sofrimento da morte. (E6)

Foi possível identificar que os depoentes atuaram como agentes protetores da criança em vários momentos, não só quanto ao direito a não sentir dor, mas também garantindo o direito à saúde, ao brincar, à educação e à informação, mesmo que para garanti-los tenham que mediar conflitos com os outros membros da equipe de saúde.

A gente protege sim, a gente protege muito a família e a criança [...] A gente, pelo menos eu, eu sempre brigo. Brigo com todo mundo, brigo com a médica, a farmácia, assim de uma forma geral. Eu brigo para defender alguma coisa da criança como a medicação. Às vezes, o médico demora muito para vir olhar [...] então eu brigo por isso. Mas, é mesmo para proteger a criança, a mãe (TE2). Então, eu tendo o conhecimento, eu vou cercar a família tanto de informação como de cuidados diretos a essa criança.... Tentar proteger os direitos que ela tenha... Basicamente, a nossa realidade é a criança ter direito a assistência à saúde, ter direito ao brincar. Temos a classe hospitalar, elas têm direito a educação (E1). Eu vou administrar a medicação x, aí geralmente perguntam para que é, eu sempre informo se é um antibiótico, um analgésico. Eu sempre informo. (TE3)

Um participante destacou os cuidados pós-morte como sendo o último momento da assistência de enfermagem à criança e, consequentemente, a última oportunidade de atuar como agente protetor.

Eu gosto de preparar o corpo quando tem a morte porque eu acho que é a última fase de assistência que a gente pode dar aquela criança, então, eu encaro como uma forma de proteger aquele último momento. (E5)

No que tange a presença do familiar/acompanhante, foi possível constatar nos depoimentos que sete participantes não só garantem o direito ao acompanhante em tempo integral, como também amplia a presença de familiares e visitantes da criança nos momentos finais de sua vida, para que ela não vivencie o momento de sua morte sozinha.

Não só o pai e a mãe, mas também a família. A gente até estimula a família a trazer o irmão. Essa cobertura da família é fundamental e é o que vai proporcionar realmente uma morte com menos trauma (E1). Que outras pessoas importantes para a criança possam vir... Eu acredito que sim para os últimos momentos da vida da criança, ter um contato positivo com alguém que faça bem, pode ser bom (TE4). Nós até quebramos um pouco a parte burocrática, deixamos o irmão vir a hora que ele quisesse, independente do horário ele entrava, porque a gente sabia que ele ia morrer (E6). A própria visita expandida para mim é um cuidado biopsicossocial. Se você permite acompanhamento da mãe e do pai 24 horas por dia, se você permite visita [...] (TE3)

Em relação ao ambiente da unidade de internação, os participantes destacaram que não há um ambiente estruturalmente acolhedor para que a morte digna da criança aconteça, uma vez que não há privacidade para a criança e sua família vivenciarem esse momento. Entretanto, os depoentes relataram estratégias para configuração de um ambiente possivelmente acolhedor para a criança e sua família. Dentre as estratégias, destaca-se a utilização de biombos e lençóis ao redor do leito e interdição de leitos próximos, quando possível, com o objetivo de garantir a privacidade da criança e sua família.

Aqui a gente não tem específico, às vezes, a gente separa com biombo, deixa a mãe pertinho e tudo. (E3). Esse isolamento que fizemos foi com um biombo mesmo, só para as pessoas não ficarem olhando para não expor tanto a criança. (TE8). Aqui a gente até coloca biombo, às vezes, lençol. Mas, de uma forma ou de outra, acaba as crianças percebendo porque não é comum ter biombo, ter lençol pendurado. (E7) Um conforto para o paciente. De repente, interditar um leito que esteja de frente, para a família ficar mais à vontade (TE2).

(Des)conhecimento da equipe de enfermagem acerca da morte digna da criança hospitalizada

Esse tópico descreve o (des)conhecimento da equipe de enfermagem para lidar com a morte da criança e a comunicação da equipe com a família.

O desconhecimento dos depoentes para lidar com a morte da criança perpassa pela dificuldade em entenderem a criança em outras dimensões, para além da esfera biomédica. Dessa forma, os profissionais afirmaram o despreparo para lidar com a morte da criança, o que influenciou diretamente nos cuidados dispensados a ela e na realização de intervenções para prolongar a vida.

Até que ponto nós estamos preparados realmente para entender. Será que é devido a visão do modelo biomédico? Tratar a doença somente? Ou ver a criança como um todo, estando a família também incluída nesse cuidado [...] eu acho que a gente não está conseguindo atender como um todo as necessidades biopsicossociais por conta do despreparo para lidar (E4). Intervenções para prolongar a vida eu vejo aqui constante, porque a gente vê crianças sem a menor perspectiva, qualidade de vida e mesmo assim tem todo um investimento (TE9). Ali, no momento, a equipe não está preparada para isso. Você não sai preparada para decidir se vai ter que prolongar uma vida ou não reanimar aquela criança. A gente sai preparada para salvar vidas, independentemente de qualquer outra coisa. Com o passar do tempo e a experiência, a gente vai começando a entender. Mas, no início, eu não entendia, foi um dos maiores conflitos meus. (E5)

Por outro lado, os profissionais reconheceram a necessidade de estarem capacitados para vivenciar esse momento ao lado da criança, uma vez que afirmaram a importância de construírem protocolos, e realizarem discussões, reflexões e pesquisas sobre esse momento.

Se a gente não discutir esse assunto, nunca vai ser mais tranquilo a gente tomar esse tipo de decisão. Por isso, eu acho importante a gente conversar sobre isso. (E2) Equipe dos momentos finais. Um médico que seja responsável só pela dor, entendeu? Uma equipe de enfermagem que fosse orientada para isso, que tivesse um protocolo. Aqui tem tanta pesquisa, podia fazer uma pesquisa dessa, de fazer um grupo desse. Porque aqui tem pesquisa de tudo. Tem pesquisa de tanta doença, deveria ter uma pesquisa só sobre esse momento. São aqui que os sonhos começam. Com as pesquisas. (TE7)

Falar sobre a morte da criança com a família, também se configura como um grande desafio para os profissionais de enfermagem, como evidenciado nos depoimentos. Os profissionais relataram que desconhecem a maneira como devem abordar o assunto com a família e que, por vezes, esse cuidado foi realizado apenas pela Comissão de Cuidados Paliativos.

Como conversar com uma família de uma criança terminal? O que que eu vou dizer? Não me ocorre exatamente as melhores palavras, eu acho que se a gente está exposto a isso, a gente deveria já saber uma melhor maneira de falar sobre isso, para não ser algo que na hora você não sabe o que dizer (TE4) Esse tipo de coisa acaba ficando para a comissão mesmo. Porque são eles que abordam, eles que falam. Eu não sei se eu teria autoridade para conversar esse tipo de coisa com a família, eu queria que pelo menos alguém me desse um respaldo. (E7) Às vezes, a criança morre, e a mãe vem falar com a gente e, muitas vezes, a gente não tem nem palavras diante de uma situação dessa [...] Eu, muitas vezes, como profissional de saúde não sei lidar. Eu não sei o que falar, como falar, como abordar na hora. É muito difícil. (TE3) Eu vou ser sincera, para eu conversar com a criança e com a família sobre isso, é muito difícil. Tendo uma comissão eu fico mais tranquila, porque eu sei que ela está sendo assistida nesse sentido[...] A gente sabe o que está acontecendo, a família sabe o que está acontecendo, mas eu não tenho muito o que falar, eu vou falar o quê? Falar sobre a morte claramente eu nunca falei. (E6)

Por outro lado, alguns profissionais destacaram a comunicação entre a equipe de enfermagem e a família, principalmente no que tange as informações referentes ao estado geral da criança e aos cuidados prestados.

Chegar e falar[...] sabe o que está acontecendo? Até quando você quer que eu pare, até onde você quer que eu vá? Você quer que eu use medicação na sua filha ainda, você quer que eu use o respirador? (E3) De tudo que existe, de todo o conhecimento e tecnologia de saúde, a gente já fez tudo que podia fazer pelo seu filho. A próxima vez que parar a gente queria saber o que você pensa (E2). Quando a gente conversa adequadamente com a família, explicando realmente o processo da doença e esse processo de morrer, onde a criança não tem mais a possibilidade de viver. É importante que a equipe possa conversar e passar essa noção para a família. Passar realmente o que está acontecendo, ser franco. Fica melhor para gente estabelecer esse contato. (E1)

A família e o ambiente da unidade de internação: im(possibilidades) para promoção do direito à morte digna da criança hospitalizada.

Esse tópico enfoca a família diante da morte da criança em relação ao (des) preparo para lidar com esse momento; a decisão compartilhada; o estabelecimento de vínculo e confiança com a equipe; a religiosidade e o apoio espiritual, bem como os aspectos inerentes ao ambiente da unidade de internação pediátrica.

Diante da condição de terminalidade da criança, os depoentes destacaram a importância das ações multidisciplinares e dos cuidados paliativos para o preparo da criança e sua família frente à morte. A preparação propicia o fortalecimento da família para o momento da despedida.

Começa todo um preparo da família e da criança por uma qualidade de vida, na verdade. A família consegue se despedir melhor. ela se sente mais fortalecida a participar desse momento de partida da criança. Você vê a diferença que é esse processo de morrer de uma criança que tem esse preparo e sua família e aquela que não tem. (E1) Eu acho que a família tinha que ter um apoio psicológico para poder entender, ela só tem noção do que e vivo. (TE6) A gente tenta ser o mais transparente possível, mas a questão do diagnóstico médica não é nossa competência e isso fica falho por ele não entender o que é realmente um cuidado paliativo e o que é um preparo para a morte (E4).

Os depoentes destacaram situações as quais a criança e os familiares expressaram vontades e desejos, principalmente relacionadas a não realização de intervenções para prolongar a vida e transferência para a Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica, evidenciando a tomada de decisão compartilhada e, consequentemente, a possibilidade da promoção da morte digna da criança.

A mãe, às vezes, toma a decisão de não querer que faça mais nada nele, não coloca mais, tira, desliga tudo. E tem alguns pacientes que até pedem, não querem ir para o CTI. Que querem ficar aqui. (TE2) A criança perguntou para a médica, você é minha amiga? Se você é minha amiga, então me deixa morrer. Então, essa decisão tem que com certeza a família estar participando disso. É uma decisão que tem que estar atrelado ao entendimento dos pais e, às vezes, até da criança. (E2)

Por outro lado, as famílias que não são preparadas para vivenciar esse momento, não entendem o final da vida de seus filhos e expressam o desejo da equipe médica de estabelecer medidas que prolonguem a vida, tornando impossível a promoção de uma morte digna à criança hospitalizada. Além disso, as famílias expressam sentimento de culpa, sofrimento e desamparo.

A mãe se ilude muito porque a equipe não explica. E diz, eu não sabia disso, que meu filho ia morrer. Porque quando essa criança chega no momento e acontece, a mãe arruma o culpado. (TE2) Os pais ainda não entendem que aquela criança precisa de conforto para morrer. Mas, eles não entendem porque é o filho. Eles vão querer investir. Mas, porque também não foi elucidado para ele a real situação e prognóstico da criança. (E4)

Outro aspecto importante que possibilita a promoção da morte digna é a confiança e o vínculo estabelecido entre criança, família e equipe, uma vez que, segundo os depoimentos, quando há vínculo e confiança, a família entende melhor acerca dos cuidados a serem realizados, o sofrimento da criança e sua família diminuem, o processo de morrer se torna menos traumático, facilita o preparo da família para a morte e o luto, além de ajudar a família a aceitar a morte da criança, ou seja, aspectos que possibilitam a criança a vivenciar uma morte digna.

Só através do estabelecimento da confiança com a equipe, eu acho que a gente pode implementar ações de enfermagem acerca do direito a morte digna. O que eu vejo normalmente é que, apesar do entendimento deles, sempre que vem a morte no ato eles se sentem um pouco inseguros, então a relação de confiança é primordial. (E5) Isso é fundamental para uma morte digna, o estabelecimento desse vínculo para a equipe poder conversar[...] Porque quando a gente passa essa noção adequadamente, a família adquire uma confiança na gente. Quando se tem uma boa relação com a família, quando tudo está bem explicado, tudo bem compreendido, esse processo de morrer se torna mais leve[...] O estabelecimento da relação é fundamental para o preparo da família e da criança também. (E1) Isso é uma coisa muito importante, acho que faz muita diferença na morte. A partir do momento que a família ou o próprio paciente sentem que podem falar, contar, confiar isso melhora muito a resposta do paciente [....] Quando a criança consegue perceber na equipe alguém que ela confie, facilita porque ela sofre menos. (TE4) Eu acho que isso facilita até a família aceitar que a criança morreu. Porque se você confia na equipe, você acredita que tudo que poderia ter sido feito pelo seu filho, foi feito. (E2)

Por outro lado, os depoentes mencionaram que, em muitas situações, apesar da relação de confiança e de vínculo estabelecida, os pais se sentem inseguros e desesperados, o que compromete tanto a sua integridade para permanecerem ao lado da criança, como também a possibilidade da criança de vivenciar uma morte tranquila e digna.

Eu acho que mesmo a gente estabelecendo essa relação de confiança, fazendo de tudo para ter essa confiança com a família e a criança, no momento da morte eles abstraem isso, passam a desconfiar[...] Será que fizeram tudo o que deveria ser feito? (TE6) Eu acho muito complicado, eu acho que a mãe e o pai, eles não confiam, eles ficam completamente inseguros e com medo do que vai acontecer. (TE7)

A religiosidade e o apoio espiritual à criança e sua família também foram destacados nos depoimentos como aspectos importantes que auxiliam a família na assimilação da morte da criança. Diante disso, os depoentes relataram respeitar a presença de líderes religiosos e as manifestações de fé dos familiares, e assumir uma posição de neutralidade diante da religiosidade das famílias.

Isso é importante para a própria assimilação da morte. Cada um com a sua religião, com o que acredita, muitas vezes, ajuda a compreender a morte. Sempre teve muito respeito independente da religião. (E1) A gente sempre respeita, seja espírita, seja católica, seja evangélico. A gente respeita a decisão da família. Respeita o gosto de cada um. Que a pessoa tem preferência. Tem gente que não prefere nada. Acho que em todos os lugares, quando se trata da morte. (TE2) Vai mais ou menos naquela situação de abrir ao que faz bem para o paciente, a visita de algum líder religioso, algum pastor. Algo para trazer um conforto para o paciente se ele tiver uma prática religiosa mais intensa, mais ativa, tanto para criança quando pra família. (TE4) Se permite que a mãe mantenha uma fitinha pendurada no braço... Além do atendimento que a gente dá para saúde física, tem essas questões psicossociais também. (TE3) O profissional deve ser neutro, ele não pode expor a sua religião para a família. Ele tem que apoiar qualquer religião que a família tenha. (TE7)

O ambiente da unidade de internação foi mencionado nos depoimentos diante das nuances de impossibilidades para promoção da morte digna da criança. Os depoentes consideraram o ambiente da unidade de internação pediátrica inadequado, uma vez que não proporciona privacidade e conforto à criança e sua família, não possui um espaço reservado para os familiares receberem notícias difíceis, e tampouco permite que a criança e sua família desfrutem de um momento de despedida de maneira tranquila, sem a presença de outros familiares.

A criança morre dentro da enfermaria, e aqui ela não tem uma privacidade. (E9) Não tem um local que a gente possa reunir essa família para chamar a assistente social, a gente mesmo para dar uma palavra de apoio nesse momento. (TE3) As mães não têm privacidade. Não tem aquele momento da despedida. Depois que a criança morre, aquela oportunidade da mãe se despedir, da mãe conversar. (E7).

Entretanto, os depoentes destacaram o conforto, a privacidade e a humanização, como sugestões para particularidades de um ambiente acolhedor, o que possibilitaria a criança vivenciar a sua morte dignamente. Além das particularidades do ambiente acolhedor, os depoentes destacaram a importância da existência de um leito separado das outras crianças para acomodar a criança durante os momentos finais de sua vida.

O ambiente acolhedor é aquele ambiente onde a gente proporciona um conforto, tanto para o paciente quanto para o familiar. O ambiente acolhedor é um ambiente que tem privacidade (E1) Talvez, separar e dar uma liberdade maior, podem ficar os pais aqui, visitar qualquer pessoa que seja importante para aquela criança ou pro paciente, que possa entrar. Que seja mais humanizado. Talvez, um leito separado para esse momento, seria uma boa possibilidade de tornar esse momento mais acolhedor. (TE4) Seria um ambiente mais reservado, seria o que a gente poderia oferecer com maior privacidade. (TE9) A gente podia ter mesmo uma sala para a criança nesse momento né? É muito complicado. Podia ter uma antessala. Pelo menos assim, já que não vai fazer nada, para pelos menos ficar com a família. (E5)

As contradições acerca da morte da criança na unidade de internação também são fundamentadas em diagnósticos médicos. Os depoentes mencionaram que a grande maioria das crianças que morrem na unidade de internação, cenário do estudo, possuem doenças hematológicas. Entretanto, crianças em processo de morrer com outros diagnósticos médicos são transferidos para a Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica.

E as nossas crianças que estão morrendo aqui, não estão levando mais para o CTI porque vão morrer, estão ficando aqui. Teve uns três óbitos ano passado na hematologia porque não podia levar para o CTI. (TE7). Na hemato é que ainda fica por aqui, não são todos, mas a maioria morre na enfermaria. Você vê que o maior número de experiência com óbito que a gente tem aqui é na hematologia. Porque nas outras enfermarias, quando agrava, realmente elas vão para o CTI. (TE9)

DISCUSSÃO

A equipe de enfermagem acredita que para proporcionar uma morte digna, deve-se priorizar o bem-estar da criança, realizando medidas farmacológicas e não farmacológicas que aliviam sintomas, promovem conforto e, minimizam o sofrimento. É necessário que a equipe de saúde dispense cuidados que estejam focados na qualidade de vida da criança, e não vislumbrem a cura da doença, o que permite que a família e a criança compreendam melhor a situação a ser vivenciada. A qualidade de vida é um atributo do conceito de morte digna5 que impera sobre o prolongamento fútil da vida e do sofrimento.

Além disso, é importante ressaltar que ao realizarem ações de enfermagem que minimizam o sofrimento e aliviam a dor, os depoentes assumiram o papel de agente protetor da criança, uma vez que garantem o direito da criança a "não sentir dor, quando existam meios para evitá-la".10 As ações multidimensionais desenvolvidas pela equipe de enfermagem com vistas a garantir os direitos da criança hospitalizada buscam, sobretudo, garantir o direito à vida e à dignidade. Considerando que a criança possui vulnerabilidades e não tem a noção plena dos seus direitos, torna-se imprescindível que os profissionais de enfermagem exerçam ações de advocacia, garantindo que a criança, ainda que esteja hospitalizada, seja sujeito de direito.18

O desejo de realizar cuidados ao corpo da criança revela a capacidade do enfermeiro em reconhecer a morte como uma etapa natural da vida. Esse reconhecimento permite que a morte seja vista sob uma ótica positiva, como um momento de alívio, de descanso e, sobretudo, um momento de cessação do sofrimento da criança.19

Ao ver a morte com tranquilidade, é possível garantir dignidade em todos os momentos finais da vida da criança, inclusive após a sua morte. Nessa perspectiva, ocorre a preservação dos princípios da bioética, imprescindíveis para a garantia da morte digna da criança.6

Para vivenciar uma morte menos traumática, é necessário que a criança esteja próxima de sua família, assim como de seus objetos pessoais. Nesse sentido, ao reconhecer o momento final de vida da criança, a equipe de enfermagem infringe normas e rotinas da instituição e amplia o número de visitantes e acompanhantes da criança. Além disso, a equipe de enfermagem encoraja a presença dos pais e outros membros da família, permitindo que a criança não esteja sozinha.

Conforme o conceito de morte digna6, a morte da criança deve ocorrer em um ambiente acolhedor, o qual sejam a assegurados conforto e privacidade. Dessa forma, embora a equipe de enfermagem identifique aspectos no ambiente da unidade de internação que o tornam estruturalmente inadequado, o desenvolvimento de estratégias relacionadas ao ambiente reforça a preocupação da equipe em garantir a dignidade no momento da morte da criança.

Apesar de realizarem ações que buscam promover a morte digna a criança na Unidades de Internação Pediátrica, os depoentes relataram desconhecer o modo como devem lidar com a morte diante da dificuldade em entenderem a criança em outras dimensões, para além da esfera biomédica. Nesse sentido, o despreparo para lidar com a morte da criança, influencia diretamente nos cuidados dispensados a ela e na realização de intervenções para prolongar a vida.

Lidar com a morte implica em saber superar os sentimentos de tristeza, insegurança e culpa, além de gerenciar os conflitos pessoais acerca da qualidade do cuidado. O desconhecimento e, consequentemente, o despreparo profissional para lidar com a possibilidade da morte da criança, acarretam insegurança para interromper o tratamento e as medidas de intervenção, que somente prolongam o processo de morrer e o sofrimento da criança e sua família, ferindo os princípios bioéticos e humanos que permeiam o cuidado.11

Entretanto, os depoentes reconheceram a necessidade de estarem capacitados para assistir a criança em seu momento final de vida. É essencial que os profissionais reconheçam a sua importância, para que sejam capazes de fazerem a diferença na vida do outro, sobretudo no momento de sua morte. À medida que compreendem o processo de morrer, passam a aceitar e conduzir a morte da forma mais natural possível.20

A comunicação aberta também se configura como um grande desafio, uma vez que deve comtemplar a transmissão de informações verdadeiras a todos os envolvidos, cuidado que se estende também a criança que vivencia o seu processo de terminalidade. Metaforicamente, "o que mata é a doença, e não a verdade sobre ela (...) A palavra que mata é a palavra mal utilizada".20

Por outro lado, ao estabelecerem uma comunicação efetiva, os profissionais de enfermagem permitem que a família seja protagonista do cuidado e participe ativamente dos momentos finais da vida da criança. Nessa circunstância, os profissionais ajudam os pais a aceitarem a finitude da vida de seus filhos.21 A abertura do canal de comunicação com a família é uma importante intervenção do enfermeiro, uma vez que a morte digna da criança só ocorre quando existe cumplicidade e veracidade entre todos os envolvidos no cuidado.20

Comunicar-se adequadamente com a criança e sua família requer habilidades dos profissionais de saúde para transmitir informações honestas, verdadeiras e congruentes. Além de estabelecer uma comunicação efetiva para atender ao processo de decisão compartilhada, é necessário incluir a criança e a família nas reuniões da equipe.6

É possível promover a morte digna quando a criança, de acordo com sua capacidade de entendimento, bem como seus familiares estão cientes sobre a completa situação de saúde, a partir da comunicação aberta, e tomam decisões em conjunto com a equipe multidisciplinar.20 Respeitar as vontades e desejos da criança e sua família significa garantir sua autonomia e, consequentemente, preservar os princípios bioéticos que antecedem o conceito de morte digna da criança.6

Considerar as vontades e desejos fortalece a relação de confiança e o vínculo com a criança e a família, bem como auxiliam a família a manter o equilíbrio e a segurança emocional, e a capacidade de cuidar da criança no momento final de sua vida. Entretanto, a família apresenta sentimentos ambíguos nos momentos finais da vida da criança e, principalmente, após a morte, quando possuem um relacionamento com a equipe, cujo o vínculo é frágil ou foi interrompido.13

A minimização do sofrimento da criança e sua família também perpassa pelo conforto proporcionado pelos aspectos culturais, que incluem valores, crenças e tradições religiosas. Ao permitirem a presença de líderes religiosos, bem como manifestações de fé, a equipe de enfermagem garante que a criança e sua família sejam respeitadas em outras dimensões, para além da dimensão biológica. A religião e a espiritualidade são mecanismos que auxiliam na melhor aceitação da condição de saúde da criança, do seu processo de morrer e de sua morte, além de atenuar aspectos estressores.21

O ambiente da unidade de internação foi considerado inadequado e, dessa forma, traduz impossibilidades diante da promoção da morte digna da criança. Nessa perspectiva, o ambiente deve ser considerado mediante as possibilidades de eventos de morte, não só pelos profissionais de saúde, mas, principalmente, pelos órgãos responsáveis pela implementação de políticas públicas. É imprescindível que sejam realizadas medidas que transformem a estrutura física do ambiente da unidade de internação em um local acolhedor e que, sobretudo, resguarde o direito a morte digna da criança hospitalizada.

O ambiente hospitalar pediátrico deve considerar e respeitar os valores culturais, a autonomia, a privacidade, a individualidade e os modos de vida de quem se cuida, priorizando o bem estar físico e psíquico da criança e sua família, além de ser acolhedor, harmônico e humano.22 Nesse sentido, os depoentes destacaram o conforto, a privacidade e a humanização, como particularidades de um ambiente acolhedor que possibilitam a criança vivenciar a sua morte dignamente.

Além disso, só é possível promover a morte digna da criança quando se reconhece a condição de irreversibilidade do quadro clínico de qualquer condição que ameace a sua vida, diante do prognóstico e das limitações terapêuticas.6

CONCLUSÃO

Os resultados da pesquisa permitiram evidenciar que a promoção da dignidade da criança nos momentos finais de vida e morte possui aspectos altamente complexos diante da representatividade e dos significados da morte na sociedade. A inconsistência do conceito de morte digna da criança na unidade de internação pediátrica dificulta a consolidação de um modelo de assistência que promova qualidade de vida e garanta o direito a uma morte digna a todas as crianças hospitalizadas.

O estudo descreveu as ações de enfermagem frente ao direito à morte digna da criança hospitalizada, a partir de três conceitos de morte digna construídos na Unidade de Terapia Intensiva, e, adaptados para a realidade da Unidade de Internação Pediátrica, o que permitiu analisar as (im)possibilidades para promoção do direito à morte digna da criança hospitalizada, e discutiu as respectivas implicações das ações de enfermagem para promoção desse direito.

Ficou claro que, a assistência de enfermagem à criança antes, durante e após a sua morte é baseada em ações dependentes e independentes. Aliviar a dor e outros sintomas, a partir de medidas farmacológicas, bem como instalar oxigenoterapia são ações que dependem de prescrição médica.

Por outro lado, evidenciou-se que reduzir a manipulação da criança, encorajar a presença de familiares e objetos pessoais, assim como promover a privacidade e conforto ao ambiente da unidade de internação são ações de enfermagem que independem de outros profissionais de saúde.

Apesar de ainda não existir um modelo de cuidado à criança em condições de fim de vida na unidade de internação, as ações dependentes e independentes revelam que os depoentes buscam promover a dignidade humana antes, durante e após a morte da criança, de acordo com suas convicções de dignidade.

A equipe de enfermagem acredita que a morte digna é possível quando ocorre o preparo da criança e da família para vivenciar esse momento; as decisões são tomadas de maneira compartilhada; o relacionamento com a equipe é de confiança e vínculo; os aspectos religiosos são respeitados; a morte ocorre em um ambiente confortável, privativo e humano; e, o quadro clínico irreversível é reconhecido e respeitado pela equipe de saúde.

Dessa maneira, a família permanece mais fortalecida para o momento de despedida; os princípios éticos são preservados, garantindo a autonomia da criança e família; o processo de morrer e o luto se tornam menos traumático, com melhor aceitação da morte da criança; os aspectos estressores são atenuados; o ambiente é acolhedor; e, a criança vivencia os momentos finais de vida e morte ao lado da família.

Porém, observa-se a dificuldade de garantir esse direito devido à dificuldade da equipe de enfermagem em lidar com a morte, em comunicar más notícias, controlar sintomas e a falta de ambiente hospitalar que mantenha a privacidade no fim da vida e morte.

As limitações do estudo estão relacionadas às especificidades dos cenários de pesquisa, e a natureza qualitativa do estudo, na perspectiva dialética, que interpreta os aspectos subjetivos que envolvem os participantes inseridos num contexto socioeconômico e cultural com base na recorrência dos achados obtidos sem preocupação com as generalizações estatísticas.

Nesse sentido, a temática da assistência de enfermagem antes, durante e após a morte da criança, bem como a garantia do direito a morte digna da criança hospitalizada na unidade de internação pediátrica precisam ser abordados no âmbito do ensino e pesquisa, com desenvolvimento de novos estudos, que permitam compreender outras realidades e construir modelos de cuidado fundamentados no conceito de morte digna e que garantam todos os direitos da criança hospitalizada, inclusive o direito a ter uma morte digna, junto a seus familiares, quando esgotados os recursos terapêuticos disponíveis.

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