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As reivindicações da ABRASCO para as ações de controle do Aedes aegypti no Brasil

As reivindicações da ABRASCO para as ações de controle do Aedes aegypti no Brasil

Autores:

Eduardo Dias Wermelinger

ARTIGO ORIGINAL

Cadernos Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1414-462Xversão On-line ISSN 2358-291X

Cad. saúde colet. vol.24 no.4 Rio de Janeiro out./dez. 2016

http://dx.doi.org/10.1590/1414-462x201600040064

Abstract

In face of a complex epidemiological scenario with cases of zika, microcephaly, chikungunya and dengue in Brazil, the Brazilian Association of Collective Health (ABRASCO) presented concrete claims for Aedes aegypti control. This study argues that these claims do little to improve these actions because i) do not propose feasible technical or methodological changes that can improve the control of actions, ii) except in incontestable propositions already known, the claims are not supported by the literature and iii) do not problematize important social and environmental determinants which hinder the effectiveness of control measures in Brazil's cities.

Keywords:  control; Aedes aegypty; analysis; public health policy

INTRODUÇÃO

Diante do aumento nos casos de zika, microcefalia, chikungunya e dengue, torna-se ainda mais urgente rever as políticas oficiais de controle do mosquito vetor, o Aedes aegypti, reconhecidamente incapazes de impedir a disseminação das epidemias. Causam preocupação, no entanto, a manutenção e a continuidade dos programas de controle do vetor, assim como a confiança acrítica nas soluções tecnológicas heterodoxas, como liberar mosquitos estéreis ou infectados com a bactéria Wolbachia, porque não há comprovação que podem oferecer resultados profiláticos efetivos e porque não existem garantias nem indícios de exequibilidade dessas tecnologias no sentido de obter resultados profiláticos duradouros nos amplos e descontínuos espaços urbanos das cidades brasileiras, o que, objetivamente, é o que a sociedade espera.

Nesse cenário, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) emitiu nota técnica1 alertando para o uso indiscriminado dos inseticidas com reivindicações concretas para alterar as ações de controle do A. aegypti no Brasil. Considerando a estratégica posição da ABRASCO no âmbito da saúde púbica brasileira, é relevante fazer uma análise dessas reivindicações, porque, de certa forma, avalia a capacidade do meio acadêmico brasileiro em formular e propor soluções factíveis para essas ações – capacidade esta que mede a possibilidade do poder público de rever e alterar os ineficazes programas de controle do A. aegypti.

AS REIVINDICAÇÕES

É razoável considerar que a possibilidade de uma reivindicação melhorar de forma efetiva as ações de controle depende de observar os seguintes critérios: i) do teor inovador não se restringindo a reiterar as incontroversas ações notoriamente necessárias e conhecidas, em particular relacionadas aos crônicos problemas ambientais urbanos; ii) da exequibilidade, ou seja, da reivindicação poder ser executável na prática; iii) de problematizar e contornar os obstáculos sociais e ambientais que comprometem a eficácia das ações de controle; iv) da adequação com o conhecimento científico, em particular com o paradigmático princípio do controle ou manejo integrado de vetores.

A primeira reivindicação consiste na “imediata revisão do modelo de controle vetorial”, enfatizando que o “o foco deve ser a eliminação do criadouro”. A reivindicação refere-se a um “modelo químico de controle vetorial” ao traduzir a dependência e uso abusivo dos inseticidas. Contudo essa tradução não é adequada, tampouco esse “modelo químico” existe na literatura. Desde o Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD), em 2002, preconiza-se o incontroverso princípio do controle integrado com ênfase em priorizar o combate aos criadouros nos serviços de controle e nas ações de saneamento do meio ambiente. Desde então, pode-se dizer que o manejo ou o controle integrado tem sido o modelo de controle declarado e pretendido, e reivindicar a mudança desse modelo não encontra sustentação na literatura. No entanto, é evidente que as atuais ações para o controle do A. aegypti precisam ser reformuladas como no uso excessivo dos paliativos inseticidas. O problema não é com o modelo, e sim na execução ineficaz ou insuficiente das ações de controle que não satisfazem os objetivos do modelo, cujo principal objetivo está, principal e justamente, em reduzir a utilização e dependência dos inseticidas. A reivindicação mais adequada seria, ao contrário, buscar ações integradas eficazes para, na prática, atender ao modelo da ação integrada em suas diretrizes, como assegurar eficaz vigilância, eliminar os criadouros e reduzir a utilização dos inseticidas.

Por outro lado, não há controvérsias quanto à importância de priorizar a eliminação dos criadouros. Entretanto, cabem algumas considerações específicas aos obstáculos sociais e ambientais para as ações na eliminação dos criadouros. Infelizmente, na literatura são poucos os estudos relatando e mensurando os obstáculos sociais e ambientais para alcançar a totalidade dos criadouros nos centros urbanos brasileiros, e, possivelmente, esses obstáculos são os principais responsáveis pelo histórico de fracassos nas ações de controle no país. Por exemplo, na rotina dos serviços de vigilância e controle, pendências de 20% (imóveis fechados, abandonados ou quando o acesso não é permitido) podem ser absolutamente normais, o que significa que os criadouros dentro de um entre cinco imóveis não são alcançados e, portanto, desconhecidos pelos serviços de vigilância e controle. Só isso é suficiente para comprometer a eficácia dos serviços de controle. As pendências aumentam dramaticamente nas áreas de influência do crime organizado ou em cidades de veraneio. Notemos que, nos logradouros onde um único agente de saúde não consegue entrar, uma tropa inteira de militares também não conseguirá sem o devido consentimento por determinação constitucional (Art. 5º, inc. XI, CF). Os dispositivos legais elaborados para permitir a entrada pela força2 são, no mínimo, inócuos, para não dizer que soam como piada nas áreas onde o Estado historicamente é pouco presente ou ausente. E essas áreas não são pequenas nem poucas. Além disso, ao arrombar e entrar à força em uma casa na busca de focos, violando o artigo constitucional, é perfeitamente possível os agentes não encontrarem um único criadouro. A saída para esse impasse não pode ser pela força, mas sim com políticas que, ao contrário, afirmem a cidadania e promovam ações negociadas e maleáveis, visando medidas locais de manejo ambiental, factíveis e realistas, para a eliminação dos criadouros.

Adicionalmente, o acesso à totalidade dos criadouros também é bem mais complicado do que faz parecer a mídia. Há vários espaços urbanos que oferecem dificuldades de acesso a potenciais criadouros, tais como caixas d’água suspensas ou em telhados, sótãos, lajes, poços, fossos, cisternas, calhas altas, entulhos domésticos em quintais, terrenos baldios ou encostas com matagais e utensílios jogados fora (eletrodomésticos linha branca, mobiliários, peça automotivas etc.), galerias e espaços subterrâneos etc.

Para o profissional do serviço de controle contornar cada obstáculo, incluindo as pendências, e alcançar esses espaços, ele precisa de capacitação, equipamento, preparo, paciência e capacidade de dialogar para realizar adequada vistoria, tratamento ou eliminação do foco. Dialogar significa contornar conflitos, resistências (medos e preconceitos) e entender as limitações comuns dos moradores para não alcançarem esses espaços, como idade (idosos), peso (obesidade), deficiências físicas ou problemas psicológicos. Infelizmente, os atuais agentes de saúde não são capacitados, equipados nem orientados para atuar dessa forma, e a reivindicação da ABRASCO não problematiza esses obstáculos ao preconizar a eliminação dos criadouros.

Motivada pelos conhecidos problemas que os inseticidas acarretam e, principalmente, pelas históricas práticas inadequadas na sua utilização, a reivindicação mais enfática e polêmica é a:

imediata suspensão do uso malathion ou qualquer outro organofosforado, carbamato, piretróide ou organopersistente, seja em nebulização aérea ou em cortinados tratados com veneno (mosquiteiros impregnados).

Não existe hipótese consistente para responsabilizar o fracasso no controle do A. aegypti no país ao uso, mesmo indiscriminado, dos inseticidas, assim como não há na literatura científica proposta séria e fundamentada que daria suporte a essa reivindicação. À luz da boa racionalidade, o uso errado dos inseticidas não elimina os notórios benefícios e vantagens que eles podem proporcionar. Nesses tempos de tríplice epidemia viral, não é inteligente desconsiderar essa valiosa arma. A literatura preconiza utilizar os inseticidas, mas de forma responsável e criteriosa dentro no contexto do controle integrado – diretriz essa recentemente reafirmada pela Organização Mundial da Saúde3. Trata-se, portanto, de uma reivindicação inovadora, mas sem sustentação na literatura.

É sensato e factível reivindicar a suspensão do uso de qualquer produto químico ou biológico em água potável, mas, para ser exequível, é necessário contextualizá-la nas ações de controle e condicionantes. Caixas d’água, cisternas e recipientes devem proteger a água do acesso das fêmeas do A. aegypti para evitar que sejam tratadas com produtos. Assim, é muito mais importante possuir reservatórios capazes de proteger a água, independente de onde ela for captada, do que ter um fornecimento contínuo e regular. Contudo, é preciso criar soluções para as famílias de baixa renda que possuem dificuldades de adquirir reservatórios de qualidade.

Outra reivindicação é: “Que as ações de controle vetorial no ambiente seja uma atribuição dos órgãos de saneamento e de controle ambiental municipais, estaduais e nacional”.

Não há evidências que no país os serviços de controle vetorial serão mais eficazes se conduzidos pelos órgãos de saneamento e controle ambiental, mas é consenso a importância de se assegurar a qualidade nas ações de vigilância e de controle, o que depende de profissionais capacitados, valorizados e experientes nas específicas técnicas e procedimentos entomológicos. Adicionalmente, a relação entre saneamento básico e controle de vetores pode ser conflitante4.

A nota reivindica ainda “auditoria nos modelos de controle vetorial” que satisfaz interesses mercadológicos e provoca a utilização exagerada dos inseticidas no país. Não deve existir controvérsia da necessidade de condenar esse exagero, contudo a reivindicação não contribui, na prática, para aprimorar as ações de controle do mosquito.

CONCLUSÃO

As análises e as ponderações apresentadas apontam para a conclusão de que as reivindicações da ABRASCO para as ações de controle do A. aegypti pouco contribuem para uma efetiva mudança e melhora dessas ações, porque i) não propõem alterações técnicas ou metodológicas exequíveis que possam aprimorar as ações de controle, ii) exceto nas proposições incontestáveis já conhecidas, as reivindicações não são respaldadas pela literatura e iii) não problematizam importantes obstáculos sociais e ambientais que, na prática, comprometem a eficácia das ações de controle nos centros urbanos brasileiros.

REFERÊNCIAS

1 Associação Brasileira de Saúde Coletiva. Nota técnica sobre microcefalia e doenças vetoriais relacionadas ao Aedes aegypti: os perigos das abordagens com larvicidas e nebulizações químicas – fumacê [Internet]. Rio de Janeiro: Abrasco; 2016 [citado em 2016 fev 19]. Disponível em:
2 Brasil. Ministério da Saúde. Programa Nacional de Controle da Dengue, Suporte Legal à execução das ações de campo. Brasília: Ministério da Saúde, Fundação Nacional de Saúde; 2002.
3 World Health Organization. ZIKA – strategic response framework & joint operations plan [Internet]. Genebra: WHO; 2016 [citado em 2016 fev 19]. Disponível em:
4 Wermelinger ED. Saneamento básico, vetores e pragas urbanas: uma relação controversa [Internet]. Vetores & Pragas. 2011;28:27-9 [citado em 2016 fev 19]. Disponível em: