versão impressa ISSN 0021-7557
J. Pediatr. (Rio J.) vol.90 no.1 Porto Alegre jan./ev. 2014
http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2013.05.005
Nos países em desenvolvimento, as infecções agudas do trato respiratório inferior (IATRIs) assumem papel de destaque na população geral, constituindo a primeira causa de mortes nos países de baixa renda e a quarta nos países de média renda, que incluem o Brasil.1
Os principais agentes etiológicos envolvidos são os vírus e as bactérias e, atualmente, técnicas diagnósticas mais sensíveis têm reforçado a teoria de que as coinfecções viral-bacterianas seriam comuns e aumentariam a gravidade dos casos de pneumonia, provavelmente devido à inibição das defesas antibacterianas pulmonares.2 Tal hipótese é corroborada pela redução na necessidade de internações por pneumonias associadas a infecções virais entre crianças vacinadas contra o pneumococo, observada em alguns países.3 , 4
Os adenovírus (ADVs) seriam responsáveis por 1%-5% de todas as infecções respiratórias,5 e por até 10% das pneumonias na infância,6 com um pico de incidência em torno dos dois anos de idade,7 , 8 podendo estar associados a casos fatais ou com sequelas que acarretam manifestações clínicas por anos, após a infecção inicial. Uma recente meta-análise de estudos relevantes publicados nos últimos 40 anos sobre sequelas maiores (doença pulmonar restritiva/ obstrutiva e bronquiectasias) e menores (inclusive asma) de pneumonias na infância concluiu que pneumonias por ADV estão associadas ao maior risco de sequelas, estabelecido, dentre outros possíveis fatores analisados, como necessidade de internação e idade abaixo dos dois anos.9
As técnicas laboratoriais para pesquisa de ADV incluem cultura em células, imunofluorescência (IF) e sorologia, mais tradicionais, além de técnicas moleculares, como a Reação em Cadeia da Polimerase (PCR), mais recentes e sensíveis em relação àquelas,10 , 11 e que nem sempre indicam infecção, mas simplesmente a presença ou excreção viral. É reconhecida a capacidade de persistência/latência dos ADVs em diferentes tecidos, incluindo as vias aéreas superiores12 e inferiores13 de crianças assintomáticas respiratórias.
Analisando alguns dados relacionados às internações de crianças menores de dois anos de idade com evidências de IATRI, procurou-se caracterizar aspectos clínicos, epidemiológicos e laboratoriais dos casos em que houve identificação somente do ADV, dentre diferentes vírus respiratórios pesquisados por PCR em amostras de aspirado nasofaríngeo (ANF), e compará-los aos dos casos com identificação somente do vírus sincicial respiratório (VSR), internacionalmente considerado o principal agente de IATRI em lactentes e crianças jovens.14 , 15
Os dados selecionados para o presente estudo descritivo foram obtidos a partir de um projeto preliminar prospectivo de vigilância de IATRIs em crianças internadas no Departamento de Pediatria e Puericultura do Hospital Central da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, entre os meses de março de 2008 e agosto de 2011, aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos da instituição.16 O serviço, situado na região central da cidade, realiza aproximadamente 60 mil atendimentos de urgência e 60 mil atendimentos de emergência/urgência ao ano, para crianças de zero a 14 anos.
O projeto preliminar previu a inclusão de menores de dois anos de idade hospitalizados com diagnóstico sindrômico de IATRI, segundo adaptação das definições desenvolvidas pela OMS,17 incluindo relato familiar e/ou médico de tosse e/ou desconforto respiratório (dificuldade em respirar caracterizada por taquipneia, para a faixa etária, e/ou persistência de retrações da parede torácica e/ou de fúrcula esternal e/ou do uso de músculos respiratórios acessórios em uma criança calma), e/ou que apresentavam um ou mais dos seguintes diagnósticos clínicos estabelecidos pela equipe médica responsável pelo pronto atendimento e internação: bronquiolite, pneumonia, sibilância ou broncoespasmo, laringotraqueobronquite, síndrome coqueluchoide, cianose e apneia. Foram aceitas inclusões múltiplas, desde que cada caso representasse um novo episódio de IATRI (com relato médico e/ou parental de resolução completa e/ou retorno à condição basal por intervalo de tempo não especificado, antes de um novo episódio). Não foi restringido o tempo de início dos sintomas, permitindo a inclusão de portadores de patologias crônicas com manifestações clínicas recorrentes, como a tosse em cardiopatas ou asmáticos, possivelmente sobrepostas àquelas habitualmente observadas no curso de infecções respiratórias virais. Partindo-se dos casos incluídos no estudo preliminar, foram inicialmente excluídos da presente análise os que tiveram amostras de ANF coletadas após 24 horas de internação, procurando assegurar que fosse registrado o perfil de infecções virais adquiridas na comunidade.18 A partir destes casos selecionados, foram excluídos os que apresentavam resultado de hemocultura positiva para bactérias e/ou fungos no momento da comparação entre aqueles com detecção exclusiva de ADV ou VSR.
A busca por casos elegíveis, coordenada pelo pesquisador responsável pelo estudo preliminar, era desenvolvida de segunda à sexta-feira, entre 8 e 12 horas, por razões operacionais, na Unidade de Retaguarda do Pronto-socorro Pediátrico. Aceito o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelo responsável legal, o paciente era incluído no estudo, sendo preenchido um protocolo com informações relativas aos seguintes domínios: dados demográficos, sinais e sintomas, antecedentes pessoais e familiares, condições do ambiente, diagnósticos da admissão, exames complementares, tratamento inicial e evolução clínica.
As amostras foram coletadas por meio de uma sonda, adaptada a uma câmara gotejadora de equipo de soro conectada a vácuo, introduzida pela narina até a nasofaringe que seria aspirada. O equipo contendo o ANF era imediatamente guardado sob refrigeração (4°-6°C) e, em seguida, era realizado o fracionamento da amostra em três alíquotas, armazenadas em nitrogênio líquido. Semanalmente, as alíquotas eram devidamente triadas, sendo excluídas amostras repetidas inadvertidamente ou inadequadas, e transportadas para o Laboratório de Virologia Clínica e Molecular do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, onde seriam mantidas a uma temperatura de -70°C até a pesquisa viral.
Foram pesquisados os seguintes agentes virais: VSR, vírus influenza (FLU) A e B, vírus parainfluenza (PIV) 1, 2 e 3, metapneumovírus (MPV) e ADV. Utilizou-se a técnica de PCR, iniciada pela extração do material genético viral (RNA/DNA) a partir de uma fração de 500 µL de cada amostra de ANF, com utilização de um sistema automatizado de extração, segundo instruções do fabricante do tampão de lise escolhido (Nuclisens(r) Iso Kit - BioMerieux).
No caso dos vírus cujo material genético é um RNA (VSR, FLU, PIV e MPV), foi realizada a transcrição reversa com aplicação da enzima MultiScribe Reverse Transcriptase, conforme instruções do fabricante do High Capacity cDNA Archive Kit (Applied Biosystems), para obtenção do DNA complementar (cDNA). Dispondo-se do cDNA/DNA, dava-se início à PCR propriamente dita, com emprego da enzima Taq DNA Polimerase (Biotools) para amplificação em termociclador automático (GeneAmp PCR System 9700 - Applied Biosystems). Os primers usados permitiam amplificação de uma porção do gene correspondente a um dos polipeptídeos que constituem o capsídeo viral comum aos diferentes sorotipos de ADV humanos. O produto amplificado foi submetido à eletroforese em gel de agarose (Gibco - BRL) preparado com brometo de etídeo, para posterior visualização e registro das bandas de DNA no gel em transiluminador de luz ultravioleta (MacroVue UV-20 - Hoefer), comparando-as a controles conhecidos para identificação do material genético encontrado.
A partir dos casos inicialmente selecionados para o presente estudo, foram criados dois grupos para análise (ambos com hemoculturas negativas), segundo o resultado da PCR: o grupo Gadv, que incluiu os casos com PCR positiva exclusivamente para ADV; e o grupo Gvsr, que incluiu os casos positivos exclusivamente para VSR, em relação aos demais vírus pesquisados.
Na análise bivariada foi utilizado o teste de Qui-Quadrado ou o Exato de Fisher para trabalhar as variáveis qualitativas, e o teste t de Student, ou o teste de Mann-Whitney, para as variáveis quantitativas. Dispôs-se do programa SPSS para Windows(r) versão 13.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA) e estabeleceu-se o nível de significância estatística em 5%.
O estudo preliminar incorporou 1.121 amostras de ANF. Após excluir amostras repetidas ou inadequadas e aplicar o critério de inclusão somente daquelas coletadas até 24 horas da admissão, foram selecionadas, inicialmente, 813/1.121 correspondentes a diferentes episódios de suposta IATRI ocorridos em 712 crianças. Destas, 633/712 (88,9%) foram incluídas apenas uma vez.
Dentre os casos conclusivos inicialmente selecionados, 50,3% (403/811) tiveram amostras positivas para ao menos um dos vírus pesquisados, com o VSR presente em 27,3% (222/813), ADV em 15,8% (128/810), PIV em 7,3% (59/812), MPV em 4,8% (39/812) e FLU em 4,6% (37/812) dos casos pesquisados. Um total de 637/689 (92,5%) casos pesquisados tiveram resultado de hemocultura negativo, tendo sido incluídos 58 deles no grupo Gadv e 134 no grupo Gvsr.
Os aspectos clínicos e epidemiológicos dos grupos Gadv e Gvsr são comparados na tabela 1, enquanto a figura 1 exibe a distribuição dos casos por faixas etárias, em ambos os grupos.
Tabela 1 Aspectos clínicos e epidemiológicos dos casos dos grupos Gadv e Gvsr analisados
Gadv presente/ | % | Gvsr presente/ | % | p | |
---|---|---|---|---|---|
analisados | analisados | ||||
Dados demográficos | |||||
Sexo masculino | 32/58 | 55,2 | 86/134 | 64,2 | 0,239a |
Idade média ± DP | 9,4±5,4 | 7,1 ± 5,5 | 0,009b | ||
Pródromos | |||||
Coriza | 34/52 | 65,4 | 116/128 | 90,6 | < 0,001a |
Sinais de conjuntivite | 7/54 | 13 | 15/129 | 11,6 | 0,800a |
Diarreia | 5/53 | 9,4 | 16/130 | 12,3 | 0,580a |
Sinais e sintomas | |||||
Tosse | 52/55 | 94,5 | 131/133 | 98,5 | 0,150c |
Taquipneia | 49/54 | 90,7 | 131/132 | 99,2 | 0,008c |
Outros sinais de desconforto respiratório | 49/54 | 90,7 | 130/133 | 97,7 | 0,046c |
Sibilância | 42/54 | 77,8 | 121/131 | 92,4 | 0,005a |
Febre | 36/54 | 66,7 | 92/131 | 70,2 | 0,633a |
Febre = 39°C | 16/42 | 38,1 | 27/117 | 23,1 | 0,060a |
Termos diagnósticos mais comuns | |||||
Bronquiolite | 22/58 | 37,9 | 90/134 | 67,2 | < 0,001a |
Broncoespasmo | 21/58 | 36,2 | 33/134 | 24,6 | 0,101a |
Pneumonia | 21/58 | 36,2 | 32/134 | 23,9 | 0,079a |
Antecedentes | |||||
Portador de alguma comorbidade | 23/53 | 43,4 | 49/128 | 38,3 | 0,522a |
Prematuridade < 37 semanas | 9/55 | 16,4 | 24/129 | 18,6 | 0,717a |
Cardiopatia congênita | 5/54 | 9,3 | 6/131 | 4,6 | 0,303c |
Displasia broncopulmonar | 2/54 | 3,7 | 6/128 | 4,7 | > 0,999c |
Antecedente familiar de atopia | 28/47 | 59,6 | 73/118 | 61,9 | 0,785a |
Familiar com tosse | 28/48 | 58,3 | 81/120 | 67,5 | 0,261a |
Aglomeração = 5 pessoas por domicílio | 27/52 | 51,9 | 68/123 | 55,3 | 0,683a |
Tabagismo passivo | 13/48 | 27,1 | 54/124 | 43,5 | 0,047a |
Frequência à creche | 12/51 | 23,5 | 14/126 | 11,1 | 0,035a |
Gravidade e evolução clínica | |||||
Oximetria de pulso < 90% na admissão | 17/48 | 35,4 | 37/112 | 33 | 0,770a |
Cianose | 7/53 | 13,2 | 20/129 | 15,5 | 0,692a |
Internação em UTI | 6/46 | 13 | 16/117 | 13,7 | 0,915a |
Necessidade de ventilação mecânica | 6/46 | 13 | 16/117 | 13,7 | 0,915a |
Prescrição de antibiótico | 30/50 | 60 | 44/124 | 35,5 | 0,003a |
Mediana do tempo de internação | 5 dias | 5 dias | 0,902d |
DP, desvio-padrão
Gadv, grupo associado à detecção exclusiva do adenovírus, dentre os vírus pesquisados
Gvsr, grupo associado à detecção exclusiva do vírus sincicial respiratório, dentre os vírus pesquisados
m, meses
UTI, unidade de terapia intensiva.
a Teste de Qui-Quadrado.
b t de Student.
c Exato de Fischer.
d Mann-Whitney.
Figura 1 Distribuição por faixas etárias dos casos dos grupos Gadv (n = 58) e Gvsr (n = 134)a. Gadv, grupo associado à detecção exclusiva do adenovírus, dentre os vírus pesquisados; Gvsr, grupo associado à detecção exclusiva do vírus sincicial respiratório, dentre os vírus pesquisados. a p = 0,040 pelo teste de Qui-Quadrado.
Na figura 2 são comparadas as medianas dos valores dos marcadores inflamatórios pesquisados nos grupos Gadv e Gvsr.
Figura 2 Distribuição dos valores dos marcadores inflamatórios coletados de casos dos grupos Gadv e Gvsr. Gadv, grupo associado à detecção exclusiva do adenovírus, dentre os vírus pesquisados; Gvsr, grupo associado à detecção exclusiva do vírus sincicial respiratório, dentre os vírus pesquisados; pCr, proteína C-reativa; VHS, velocidade de hemossedimentação. a Teste Mann-Whitney.
A figura 3 apresenta a distribuição sazonal de todos os casos que apresentaram resultado da PCR positiva para ADV ou VSR e do total de amostras de ANF coletadas.
Figura 3 Distribuição mensal do total de amostras de ANF coletadas para pesquisa viral por PCR e das amostras positivas para adenovírus e para vírus sincicial respiratório, sozinhos ou em codetecções, em crianças internadas com suposta IATRI no Hospital Central da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, entre março de 2008 e agosto de 2011. ADV, amostras positivas para adenovírus; ANF, aspirado nasofaríngeo; IATRI, infecção aguda do trato respiratório inferior; PCR, reação em cadeia da polimerase; VSR, amostras positivas para vírus sincicial respiratório.
A positividade de 50,3% para ao menos um dos oito vírus pesquisados é equivalente ao achado de estudos semelhantes, enquanto a elevada frequência de detecção do ADV, presente em 15,8% dos casos, logo atrás do VSR, se destaca. Recentemente, no Paraguai, também foi registrada uma taxa elevada de 18% (9/50) de detecção do ADV por PCR em amostras de ANF de crianças internadas com sintomas de infecção respiratória aguda (IRA) grave, sendo 77,8% das amostras positivas provenientes de menores de dois anos.19 Khamis et al.,20 que utilizaram a PCR para pesquisar a ocorrência de 12 vírus em amostras de ANF de menores de cinco anos internados com IRAs, obtiveram positividade geral de 50% (130/256), com VSR em 21,9% e ADV em 7,8% dos casos pesquisados. Na cidade de São Paulo, Thomazelli et al.21 relataram taxa de positividade geral de 55,6% (187/336), com VSR em 24,1% e ADV em 6,8% dos casos pesquisados por PCR para algum dos mesmos oito vírus respiratórios aqui pesquisados, porém em crianças de até cinco anos de idade internadas por suspeita de IRA. A elevada positividade para ADV observada no presente estudo poderia ser resultado de uma convergência de diferentes fatores, como por exemplo, o grande número de casos internados incluídos, talvez devido à maior abrangência de diagnósticos aceitáveis como critério de inclusão, a faixa etária mais jovem, que coincidiria com um provável pico de ocorrência de doença associada ao ADV,7 , 8 , 19 ou ainda a análise exclusiva de amostras de ANF coletadas nas primeiras 24 horas da admissão, que conteriam maiores títulos virais. A pesquisa do ADV por PCR qualitativa é um teste de difícil interpretação, uma vez que não necessariamente o indica como agente causador da patologia investigada. Kuypers e cols. compararam taxas de positividade viral por IF e PCR em tempo real (qualitativa e quantitativa) e observaram que a maioria dos vírus que não foram detectados pela IF, incluindo o ADV, encontrava-se em baixas cargas virais, provavelmente abaixo do nível de detecção pela IF, situação mais compatível com estados de persistência/latência.22
A positividade para VSR por faixas etárias diminuiu com o aumento da idade dos casos analisados, em concordância com outras pesquisas que evidenciam o VSR como principal responsável por infecções respiratórias seguidas de hospitalização em lactentes jovens. Wolf et al.23 registraram queda na frequência de VSR frente a índices relativamente constantes para ADV ao longo dos dois primeiros anos de vida, a partir da análise de mais de mil amostras de ANF de crianças com diagnóstico radiológico de pneumonia. Khamis et al.20 também verificaram maior propensão do VSR por afetar os mais jovens em relação a outros vírus, inclusive o ADV, tendo observado ocorrência de VSR apenas nos menores de dois anos de sua coorte, que incluiu crianças com até cinco anos de idade. Thomazelli et al.21 observaram medianas de idade dos pacientes com detecção de ADV e VSR próximas das que encontramos, sete e quatro meses, respectivamente.
Com relação aos antecedentes, a influência da idade poderia justificar as diferenças encontradas entre os grupos analisados quanto às condições de higiene do ambiente. O grupo Gvsr é representado por crianças mais jovens, que possivelmente ainda não frequentariam a creche pela pouca idade e sofreriam mais com exposição à fumaça de cigarros, devido à imaturidade imunológica e do aparelho respiratório, elevando a chance de internações.
Taquipneia, outros sinais de desconforto respiratório (dificuldade em respirar caracterizada por persistência de retrações da parede torácica e/ou de fúrcula esternal e/ou do uso de músculos respiratórios acessórios em uma criança calma) e sibilância foram mais frequentes entre os casos do grupo Gvsr, que contou com média de idade inferior à observada no grupo Gadv. O VSR, tradicionalmente, é causador de patologia das vias aéreas inferiores em lactentes jovens, mais propensos à insuficiência respiratória, inclusive pelo pequeno calibre das vias aéreas e maior complacência da caixa torácica, que favorecem o colapso pulmonar e a obstrução brônquica.24 O mesmo raciocínio explicaria a maior frequência do diagnóstico de admissão de bronquiolite entre os casos do grupo Gvsr (67,2%), conforme constatado por outros trabalhos semelhantes, como o de Khamis et al.20 (57%) e o de Thomazelli et al.21 (54%).
A febre acima de 39°C ocorreu em 38,1% dos casos do grupo Gadv, enquanto Tabain et al.25 relataram frequência de 85,7% entre 135 crianças (71,1% abaixo dos dois anos) internadas com IRAs associadas ao isolamento de ADV por cultura celular. Vale lembrar que técnicas menos sensíveis, como a cultura, são capazes de detectar ADV somente a partir de determinada carga viral mais elevada e, possivelmente, mais sintomática.
A coriza, pródromo clássico nas bronquiolites virais, teve ocorrência maior no grupo Gvsr, enquanto outros pródromos pesquisados tiveram frequências semelhantes nos dois grupos. Uma recente publicação peruana, que analisou aspectos clínicos e epidemiológicos associados a 656 casos com detecção de ADV por cultura celular dentre mais de vinte mil amostras de secreção respiratória de pacientes de todas as idades (mediana de três anos) com infecções respiratórias diversas, também não verificou maior ocorrência de conjuntivite nos casos positivos exclusivamente para o ADV, em relação aos outros vírus pesquisados.26
Em concordância com a associação verificada entre detecção de ADV e prescrição de antibióticos (60%), Tabain et al.,25 supracitados, registraram administração de antimicrobianos para 76% (101/133) dos casos estudados, uma proporção tão elevada quanto a de 72% (139/193) encontrada no estudo de Alharbi et al.27 Mais uma vez, ambos os autores se basearam em métodos diagnósticos menos sensíveis e, por isso mesmo, possivelmente associados a maiores cargas virais.
O tempo de internação, com mediana de cinco dias para os casos do grupo Gadv, foi semelhante ao observado por Alharbi et al.27 em seu estudo de IATRIs associadas a ADVs detectados por cultura celular em crianças de zero a quatro anos, não tendo sido verificada diferença estatística significante entre os grupos Gadv e Gvsr. A mortalidade de 3,4% no grupo Gadv foi compatível com a faixa descrita por outro grande trabalho conduzido na Argentina, baseado em 916/48.544 amostras de ANF de crianças internadas por IATRI positivas para ADV por IF (1,1% a 5,3%, conforme o sorotipo).28
Segundo Peltola et al.,29 as medianas dos valores da contagem total de leucócitos e da pCr em infecções bacterianas invasivas são mais elevadas do que aquelas relacionadas a infecções virais, tendo documentado ainda um padrão distinto de elevação destes marcadores inflamatórios em crianças com IRA associada ao ADV. Diversos estudos sugerem que as infecções por ADV poderiam mimetizar quadros bacterianos, acarretando maior elevação de marcadores inflamatórios, como o de Tabain et al.,25 que observou leucocitose (>15,0 × 109/L) em 77%, pCr > 40,0 mg/L em 56% e VHS > 30 mm/h em 71% das crianças com IRA associada ao ADV, e o de Ruuskanen et al.,30 que verificou pCr > 40 mg/L em 38% das crianças internadas com infecção associada ao ADV e em apenas 13% daquelas com infecção associada ao VSR. No presente estudo, foram registradas medianas dos valores de pCr e da contagem total de leucócitos mais elevadas no grupo Gadv, embora abaixo dos níveis sugestivos de infecção bacteriana descritos, talvez pelo fato de, diferentemente das pesquisas citadas, ter-se utilizado uma técnica molecular qualitativa de pesquisa viral, que também identifica casos de persistência/ latência destituídos de resposta imune.
O ADV mostrou um padrão de ocorrência epidêmico sem, no entanto, apresentar uma sazonalidade definida, enquanto os casos positivos para VSR concentraram-se entre os meses de março a junho dos anos estudados, como em outras pesquisas realizadas no Brasil.11 , 21
A principal limitação deste estudo talvez esteja relacionada ao fato de representar um perfil da instituição na qual foi realizado e, com isso, ao interpretá-lo, faz-se necessário atentar para a inclusão de patologias crônicas, a não delimitação do tempo de início dos sintomas e a ausência de análise multivariada. A verdadeira relevância do achado de ADVs associados a quadros compatíveis com IATRIs, que poderia conduzir a uma revisão das indicações da vacina disponível, ainda requer esclarecimentos, possivelmente alcançados com o emprego de técnicas modernas, como a PCR em tempo real, a um maior número de casos em pesquisas futuras.