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Aspectos de imagens em exames de ressonância magnética de tumores hepáticos tratados com radioterapia interna seletiva transarterial com ítrio-90

Aspectos de imagens em exames de ressonância magnética de tumores hepáticos tratados com radioterapia interna seletiva transarterial com ítrio-90

Autores:

Breno Boueri Affonso,
Joaquim Maurício da Motta-Leal-Filho,
Francisco de Assis Cavalcante Jr.,
Francisco Leonardo Galastri,
Rafael Noronha Cavalcante,
Priscila Mina Falsarella,
Felipe Nasser,
Rodrigo Gobbo Garcia

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.16 no.1 São Paulo 2018 Epub 18-Dez-2017

http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082017rc4015

INTRODUÇÃO

A radioterapia interna seletiva transarterial (RIST) com ítrio-90 é uma terapia locorregional baseada na administração de microesferas carregadas com ítrio-90, via cateterismo arterial seletivo dos vasos nutridores do tumor. Tem como principal objetivo tratar pacientes portadores de lesões hepáticas primárias ou secundárias irressecáveis e não responsivas a outras terapias.(1,2)

Por meio de um cateterismo da artéria femoral comum, utiliza-se um sistema coaxial de cateteres, e realiza-se um cateterismo seletivo do tronco celíaco e, em seguida, da artéria hepática própria; então, o conjunto de micropartículas (ítrio-90) é seletivamente entregue à circulação arterial hepática (direita, esquerda ou a ambas), a qual supre o contingente neoplásico. As microesferas são de implante permanente (não são absorvidas) e usadas uma única vez em cada paciente. Elas têm um diâmetro médio de 32,5μ (20 a 60μ)(3,4)e não promovem efeito embólico, ou seja, não há oclusão dos vasos nutridores do tumor. O ítrio-90 é um radioisótopo de alta energia, que emite radiação beta com alcance máximo no tecido de 11mm (penetração média: 2,5mm) e tem meia-vida de 64,1 horas.(5)

O procedimento é executado pela equipe de radiologia intervencionista. No entanto, sucesso do tratamento requer o envolvimento de uma equipe multidisciplinar, composta por profissionais da Radiologia Diagnóstica, Medicina Nuclear e da Oncologia, com o objetivo de selecionar adequadamente os pacientes, verificar o estadia mento tumoral, pesquisar o shunt hepatopulmonar, calcular a dose do ítrio-90 e realizar o seguimento das lesões tratadas.(6)

Trata-se de uma nova tecnologia restrita a três hospitais no Brasil, porém utilizada em pacientes de todo país. Isto torna necessário demonstrar os principais aspectos de imagem das lesões hepáticas tratadas com RIST encontrados na ressonância magnética (RM), além de delinear considerações específicas de interpretação destas imagens. Assim, este relato pretende contribuir para a ampliação dos conhecimentos na área da Radiologia brasileira.

O objetivo desse estudo foi demonstrar os principais aspectos de imagem encontrados no exame de RM de lesões hepáticas irressecáveis primárias ou secundárias tratadas com RIST.

Todos os pacientes assinaram Termo de Consentimento previamente à realização do procedimento e dos exames de controle. A aprovação do Comitê de Ética para relato de caso não é necessária na nossa instituição.

Foram utilizadas imagens de RM de pacientes tratados pela técnica RIST no período de novembro de 2014 a julho de 2016 em um hospital quaternário. Neste período foram realizados 35 procedimentos de RIST com ítrio-90 e, destes, selecionamos quatro casos com imagens de RM características encontradas neste tipo de terapia.

As imagens foram adquiridas em equipamentos de RM de 3T (MAGNETOM Prisma 3T, Siemens, Berlin, Alemanha) e 1,5T (Signa HDxt 1,5T, GE Healthcare, Milwaukee, Estados Unidos). O protocolo utilizado para avaliação de lesões hepáticas incluiu as sequências: coronal T2, axial difusão, axial T2 (TE 80), axial T2 (TE 180), axial T1 gradiente Eco (em fase/fora de fase), axial T1 com saturação de gordura pré e pós (fases arterial dinâmico, portal e tardio), e coronal T1 com saturação de gordura pós-contraste. Foram realizados exames de controle 2 e 6 meses após o procedimento.

RELATOS DE CASOS

Caso 1

Paciente do sexo masculino, 56 anos, com diagnóstico de adenocarcinoma de pâncreas em março de 2014 associado à metástase hepática multinodular. Iniciou quimioterapia com FOLFIRINOX por 4 meses (interrompeu por toxicidade sistêmica), alterada para quimioterapia para gencitabina por mais 4 meses. Apresentou resposta parcial do tumor pancreático, progressão das lesões hepáticas e piora dos marcadores tumorais (CA19.9 de 2.100 para 18.000U/mL).

RM de abdome após segunda linha de quimioterapia sistêmica evidenciou crescimento das lesões hepáticas secundárias nos segmentos II, IVa ( Figura 1 A), VII ( Figura 1 B) e VI ( Figura 1 C), apesar do tratamento quimioterápico. Em reunião multidisciplinar de Oncologia, foi decidido realizar RIST.

Figura 1 Ressonância magnética de abdome superior em T1 com saturação de gordura pós-contraste, na fase portal, no plano axial, evidenciando lesões secundárias hepáticas nos (A) segmentos II e IVa (setas brancas), (B) segmento VII (seta branca) e (C) no segmento VI (setas brancas). Ressonância magnética de abdômen superior em T1 com saturação de gordura pós-contraste, na fase portal, no plano axial, evidenciando necrose completa das lesões secundárias hepáticas nos (D) segmentos II e IVa (setas brancas), (E) segmento VII (seta branca) e (F) no segmento VI (setas brancas). Notam-se áreas de necrose nas quais não se evidenciavam lesões em estudo prévio: imagens D e E (setas brancas descontínuas) e imagem E, área de hiperrealce no segmento VII (linha branca) 

Três meses após RIST, observou-se necrose praticamente completa das lesões observadas na RM prévia ( Figura 1 D a 1 F). Foram notadas também áreas de necrose nas quais não se evidenciavam lesões previamente ( Figura 1 D a 1 E). Tais achados devem corresponder à necrose de lesões secundárias recentes ou do parênquima hepático. Destaca-se área de hiperrealce em formato de cunha em torno da lesão do segmento VII ( Figura 1 E).

Caso 2

Paciente do sexo feminino, 66 anos, diagnosticada com múltiplas metástases hepáticas de adenocarcinoma de sítio primário indeterminado, por biópsia hepática percutânea. Apresentava antecedente de câncer de mama tratado adequadamente há 6 anos.

Realizou RM de abdômen evidenciando volumoso contingente tumoral hepático ocupando preferencialmente o lobo hepático direito (linha branca), sem acometimento da veia porta, porém irressecável ( Figura 2 A). Havia heterogeneidade difusa das lesões coalescentes, com áreas centrais sugestivas de necrose ( Figura 2 A). Apesar da volumosa massa tumoral, não tinha acometimento superior a 60% do volume hepático total, permitindo a realização de RIST.

Figura 2 (A) Ressonância magnética de abdômen superior em T2 sem saturação de gordura, no plano coronal, evidenciando volumoso contingente tumoral hepático (metástases) localizado, preferencialmente, no lobo hepático direito (linha branca). Heterogeneidade difusa das lesões coalescentes, com áreas centrais de mais alto sinal (setas brancas). (B-E) Ressonância magnética de abdômen superior em T1 com saturação de gordura, pós-contraste, nos planos axial e coronal: em B e C, antes da RIST, observa-se volumoso contingente tumoral hepático (metástases) localizado, preferencialmente, no lobo hepático direito. Em D e E, 2 meses após RIST, observam-se extensas áreas de necrose das lesões infiltrativas no lobo hepático direito (setas brancas). Destaca-se a necrose completa da lesão tumoral no leito da vesícula biliar (seta branca descontínua) 

Após 60 dias, foi realizada RM, que evidenciou extensas áreas de necrose nas lesões infiltrativas no lobo hepático direito, além da necrose completa da lesão no leito da vesícula biliar ( Figuras 2 B e 2 E).

Caso 3

Paciente do sexo masculino, 57 anos, recebeu em 2012 o diagnóstico de carcinoma de células uroteliais no rim esquerdo com acometimento linfonodal, após iniciar quadro de hematúria macroscópica. Foi submetido à nefroureterectomia seguida de quimioterapia sistêmica com protocolo MVAC (metotrexato, vimblastina, doxorrubicina e cisplatina) durante 6 meses. Permaneceu 22 meses sem evidência de doença.

Em março de 2015, foi evidenciada metástase hepática única em RM, tendo realizado radiocirurgia (SBRT) e quatro ciclos de quimioterapia com gencitabina e carboplatina, permanecendo 6 meses sem evidência de doença. Em dezembro de 2015, durante RM de controle, observaram-se metástases hepáticas multinodulares ( Figura 3 A), além de acometimento de linfonodos retroperitoneais. Em reunião multidisciplinar de Oncologia, decidiu-se utilizar MVAC e realizar RIST para a doença hepática.

Figura 3 Ressonância magnética de abdômen superior em T1 com saturação de gordura, pós-contraste, na fase portal, no plano coronal. (A) dois nódulos viáveis no segmento VI, do lobo hepático direito (setas). (B) necrose completa das lesões tumorais do segmento VI hepático (setas). Nota-se aumento das dimensões das lesões (inflamação), porém surgiram áreas exuberantes de necrose (C e D). Imagem de abdômen superior, em plano axial, na sequência difusão, evidencia, (C) antes da RIST, lesão hepática no segmento VI com restrição à difusão (seta), confirmada no mapa de coeficiente de difusão aparente (não representado aqui), indicando lesão neoplásica de alta celularidade (tumor viável). Em D, após RIST, está o desaparecimento da imagem com restrição à difusão na mesma topografia descrita previamente (seta branca) 

Após 2 meses da RIST, a RM evidenciou aumento das dimensões das lesões tumorais e exuberantes áreas de necroses ( Figura 3 B). As imagens de RM, na sequência difusão, são excelentes para avaliação de viabilidade tumoral (evidenciando restrição à difusão pré-tratamento “tumor viável'- ( Figura 3 C). Neste caso, restrição a difusão esteve ausente (ausência de tumor) no pós-tratamento com RIST ( Figura 3 D).

Caso 4

Paciente do sexo masculino, 71 anos, portador de hepatite C, cirrose hepática e carcinoma hepatocelular avançado com trombose tumoral da veia porta, não passível de transplante ou ressecção cirúrgica. RM evidenciou formação expansiva compatível com carcinoma hepatocelular de padrão infiltrativo acometendo quase todo o lobo direito, diversas lesões satélites ( Figura 4 A) e trombose tumoral do ramo direito e tronco da veia porta ( Figura 4 B). Decidiu-se, em reunião multidisciplinar de oncologia, realizar RIST.

Figura 4 Ressonância magnética de abdômen superior em T1 com saturação de gordura, pós-contraste, na fase arterial, no plano axial. (A) formação expansiva compatível com carcinoma hepatocelular de padrão infiltrativo acometendo grande parte do lobo hepático direito, associada a diversas lesões satélites (setas brancas). (B) Note, ainda, trombose tumoral do tronco e do ramo direito da veia porta (seta branca descontínua). (C) Ressonância magnética de abdômen superior em T1 com saturação de gordura, pós-contraste, na fase arterial, no plano axial, evidencia involução da lesão tumoral infiltrativa no lobo hepático direito (seta preta) e necrose do tumor infiltrativo do ramo portal direito (seta branca). Note, ainda, atrofia do lobo hepático direito (seta preta) e leve hipertrofia paradoxal do lobo hepático esquerdo (seta branca continua) 

RM após 6 meses da RIST, foram evidenciadas acentuada involução tumoral e necrose do tumor inflitrativo da veia porta. Neste caso, foram observados dois efeitos colaterais da RIST, a saber: a atrofia do lobo hepático direito e leve hipertrofia do lobo hepático esquerdo (hipertrofia paradoxal) ( Figura 4 C).

DISCUSSÃO

A RIST é uma terapia realizada em poucos hospitais no mundo e gera achados de imagens peculiares na RM após o tratamento − alguns dos quais podendo suscitar dúvidas com relação à resposta terapêutica. Neste trabalho, foram destacadas as imagens características da resposta ao tratamento, porém incomuns com relação ao encontrado na literatura em outras modalidades de terapia locorregional.

Entre os achados frequentemente observados na RM após RIST está o hiperrealce perilesional, que corresponde à área de inflamação do parênquima hepático traduzido por distúrbio perfusional, conforme representado no caso 1. Este achado pode ser confundido com viabilidade tumoral caso estivéssemos diante de uma RM após controle de quimioembolização.

As partículas administradas na RIST podem ser captadas em lesões subcentimétricas ainda não visíveis na RM pré-procedimento, podendo aparecer no controle áreas de necrose em regiões não alvo, como observado no caso 2.

Após RIST, com frequência, observa-se aumento volumétrico das lesões tumorais, sobretudo se o controle de imagem for realizado nos primeiros 30 dias, podendo gerar falsas interpretações diagnósticas, como evidenciado no caso 3. Este crescimento paradoxal ocorre pelo surgimento de uma área de necrose além das margens tumorais vistas na RM prévia, e não corresponde necessariamente a má resposta ao procedimento. Portanto, a recomendação é que o controle de imagem seja realizado pelo menos 60 dias após RIST, para se observar a real resposta do tratamento.

A hipertrofia paradoxal do lobo hepático contralateral à RIST, como observado no caso 4, é condição observada que simula a hipertrofia do futuro fígado remanescente após a embolização da veia porta, podendo aumentar o lobo hepático contralateral em até 29%.(7)

Diante de RM realizada para controle de tumor hepático primário ou secundário após realização de RIST, e a fim de evitar má interpretação dos resultados, os seguintes achados de imagens devem ser lembrados: surgimento de áreas de necrose em locais não esperados, crescimento paradoxal do volume tumoral, hipertrofia paradoxal do lobo hepático contralateral e atrofia do lobo hepático submetido à RIST.

REFERÊNCIAS

1. Vente MA, Wondergem M, van der Tweel I, van der Bosch MA, Zonnenberg BA, Lam MG, et al. Yttrium-90 microsphere radioembolization for the treatment of liver malignancies: a structured meta-analysis. Eur Radiol. 2009; 19(4):951-9.
2. Kennedy AS, Salem R. Radioembolization (yttrium-90 microspheres) for primary and metastatic hepatic malignancies. Cancer J. 2010;16(2):163-75. Review.
3. Salem R, Thurston KG. Radioembolization with 90Yttrium microspheres: a state-of-the art brachytherapy treatment for primary and secondary liver malignancies. Part 1: Technical and methodologic considerations. J Vasc Interv Radiol. 2006;17(8):1251-78. Review. Erratum in: J Vasc Interv Radiol. 2006;17(10):1594.
4. Kennedy A, Nag S, Salem R, Murthy R, McEwan AJ, Nutting C, et al. Recommendations for radioembolization of hepatic malignancies using yttrium-90 microsphere brachytherapy: a consensus panel report from the radioembolization brachytherapy oncology consortium. Int J Radiat Oncol Biol Phys. 2007;68(1):13-23.
5. Kalva SP, Thabet A, Wicky S. Recent advances in transarterial therapy of primary and secondary liver malignancies. Radiographics. 2008;28(1):101-17. Review.
6. Kennedy AS, Ball D, Cohen SJ, Cohn M, Coldwell DM, Drooz A, et al. U.S. patients receiving resin 90Y microspheres for unresectable colorectal liver metastases: a multicenter study of 506 patients. J Clin Oncol. 2012; 15(Suppl):3590.
7. Garlipp B, de Baere T, Damm R, Irmscher R, van Buskirk M, Stübs P, et al. Left-liver hypertrophy after therapeutic right-liver radioembolization is substantial but less than after portal vein embolization. Hepatology. 2014;59(5):1864-73.