versão On-line ISSN 2317-6431
Audiol., Commun. Res. vol.20 no.2 São Paulo abr./jun. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/S2317-64312015000200001517
O aleitamento materno é uma estratégia isolada que previne a morbidade e a mortalidade infantil, além de promover a saúde física, mental e psíquica da criança e da mulher que amamenta, desde a primeira fase da vida humana(1,2). Este ato garante o vínculo intenso entre a mãe e o bebê.
A Organização Mundial de Saúde e o Ministério da Saúde recomendam o aleitamento materno nos seis primeiros meses de vida e orientam as mães para que, se possível, amamentem a criança por até dois anos ou mais, complementando, então, a alimentação com outros alimentos saudáveis. Partindo desta cláusula, as autoridades sanitárias do Brasil vêm desenvolvendo, desde 1981, um conjunto de atividades pró-amamentação, coordenadas pelo Ministério da Saúde(3-5).
A profissionalização de sujeitos para apoiar e instruir a nutriz em todo o processo de aleitamento materno ocorre por meio do acompanhamento pré-natal e após nascimento, uma estratégia que influencia positivamente o prolongamento do aleitamento materno(4-6). Segundo o Ministério da Saúde, com a implantação da Rede Amamenta Brasil (2008), os dias de mamada tendem a elevar-se juntamente com o aumento da licença maternidade para seis meses, visto que as mães terão tempo para dedicar seus conhecimentos aos filhos(3).
A ação de amamentar parece ser simples e objetiva, um instinto natural, mas para seu êxito, necessita de instruções e uma complexa unidade de condições interacionais no âmbito social da mãe e do bebê, ou seja, a família é a influência desse ato(7). Para muitos pesquisadores que estudam a relação entre amamentação e aspectos psicológicos, o ato do aleitamento materno é uma ação que estimula o aumento do vínculo entre a mãe e o bebê(2,8).
Estudos apontam que o conhecimento das mães sobre amamentação natural não se distingue em nível socioeconômico, grau de escolaridade, raça e idade(6,9,10). Quando questionadas sobre aspectos variados do aleitamento materno, um percentual significativo das mães demonstra pouco conhecimento, ainda que assinalem que foram previamente informadas sobre o tema por profissionais de serviços de atenção básica, pediatras, em grupos de gestantes e etc(6). As ações educativas devem preconizar a importância do aleitamento materno em todos os níveis de atendimento, para todas as mães, aumentando seus conhecimentos sobre esse ato(3-5).
No Brasil, apesar das práticas e incentivos ao aleitamento materno terem sofrido incremento nos últimos anos, essa conduta ainda é pouco prevalente(11).
A amamentação não é um comportamento completamente intuitivo e a técnica correta para sua prática, em muitos casos, necessita ser aprendida(12). Em um ensaio clínico com 405 puérperas do sul do Brasil, constatou-se que intervenções simples no período pós-parto podem aumentar o nível de conhecimento do aleitamento materno e, possivelmente, as taxas de amamentação(10).
As iniciativas a favor do aleitamento materno são benéficas, tanto em países em desenvolvimento, como nos países desenvolvidos.
No Brasil, observa-se que, em regiões mais desenvolvidas, o padrão de aleitamento é semelhante ao dos países desenvolvidos, ou seja, mulheres com maior grau de instrução e com melhor nível socioeconômico amamentam por mais tempo(8).
A literatura sobre o tema é ampla, ainda que a nomenclatura utilizada varie consideravelmente e formas variadas de amamentação são estudadas, tais como: aleitamento materno, amamentação natural, amamentação, amamentação natural exclusiva e amamentação mista. Essas variações dificultam as comparações dos achados.
O objetivo do presente estudo foi averiguar o conhecimento de puérperas, ainda na maternidade, sobre o aleitamento materno e sua relação com a história materna e gestacional.
Trata-se de estudo analítico desenvolvido com puérperas e realizado ainda na maternidade.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade Nossa Senhora de Fátima, (processo nº 214/08). Foram adotadas todas as recomendações da resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
Para o cálculo da amostra considerou-se todas as puérperas que estiveram internadas na maternidade no período de um ano, totalizando 630 gestantes. A amostra calculada foi de 71 mães, selecionadas consecutivamente, com parto realizado na maternidade, no ano de 2013, considerando um nível de confiança de 95% e uma margem de erro de 9%. Foram excluídas da coleta de pesquisa mães de recém-nascidos que não estavam sendo amamentados naturalmente.
O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi lido, explicado verbalmente e, em seguida, assinado pelas puérperas que aceitaram participar do estudo. Após a assinatura do termo, as mães que se encontravam em leito hospitalar responderam a dois questionários padronizados e estruturados para este estudo, a partir do levantamento de dados da literatura especializada(8,10). O primeiro questionário era composto por perguntas objetivas, relacionadas a questões socioeconômicas, visando à obtenção das seguintes informações: identificação materna e contato telefônico, idade materna e paterna, escolaridade materna, estado civil, renda per capita, beneficio da licença maternidade, se os pais trabalhavam, número de filhos, utilização de mamadeira e bicos, modelo de bico, tempo de amamentação de filhos anteriores, quando presentes, atendimento pré-natal, número de consultas, orientação sobre aleitamento materno durante as visitas pré-natais, participação da mãe em algum grupo de gestantes, tipo de parto e gênero do recém-nascido.
O segundo questionário apresentava oito perguntas objetivas para averiguar as informações demonstradas pelas mães sobre o aleitamento materno. As perguntas abordavam os seguintes tópicos: necessidade do uso de água e/ou chá durante a amamentação exclusiva, intervalo de tempo entre mamadas, duração da amamentação, existência de leite materno fraco, proteção do leite humano contra doenças na criança, intervenção da mamadeira na amamentação bem sucedida, influência do estado emocional da mãe na produção de leite e o uso de pílulas anticoncepcionais na diminuição da produção de leite. Neste questionário, para cada pergunta respondida corretamente, as mães recebiam um ponto, possibilitando um escore total de oito pontos. Esta pontuação foi analisada e transformada em porcentagem. Para a análise das respostas foram pesquisados alguns conceitos e considerações do Ministério da Saúde (2011) em relação ao tema “aleitamento materno”.
A formulação dos questionários baseou-se em dados de estudos sobre o tema, validados a partir de estudo piloto prévio(10). Os dados foram tabulados e processados por meio do aplicativo SPSS, na versão 17.0. Para a descrição dos dados qualitativos, foram realizadas as análises de frequência absoluta e relativa. Para os quantitativos, foi aplicada a média e o desvio padrão (distribuição simétrica) ou mediana e amplitude interquartílica (distribuição assimétrica). Para comparar médias, foi aplicado o teste t-Student ou a análise de variância (ANOVA). Em caso de assimetria, foram utilizados os testes de Mann-Whitney ou Kruskal-Wallis.
Para avaliar a associação entre as variáveis quantitativas e o percentual de acertos, os testes da correlação de Pearson (distribuição simétrica) ou Spearman (distribuição assimétrica) foram utilizados.
Foi considerada significância estatística os testes que apresentarem valor de p≤0,05.
As características da população estudada encontram-se na Tabela 1.
Tabela 1 Caracterização da amostra estudada
Variáveis | n# | Estatística descritiva |
---|---|---|
Média (DP) | ||
Idade da mãe (anos) | 70 | 28,3±6,0 |
Grau de escolaridade | n (%) | |
1º grau incompleto | 4 (5,7) | |
1º grau completo | 12 (17,1) | |
2º grau incompleto | 13 (18,6) | |
2º grau completo | 21 (30,0) | |
Superior incompleto | 10 (14,3) | |
Superior completo | 10 (14,3) | |
Situação conjugal atual | 70 | n (%) |
Casada/com companheiro | 63 (90,0) | |
Solteira | 7 (10,0) | |
Mediana (P25-P75) | ||
Renda mensal (reais) | 54 | 2000 (1500-3075) |
n (%) | ||
Licença maternidade | 69 | 47 (68,1) |
Mãe trabalho | 70 | 51 (72,9) |
Consulta pré-natal | 70 | 69 (98,6) |
Média (DP) | ||
Consultas pré-natal | 63 | 10,6±4,2 |
n (%) | ||
Participou de grupo de gestantes | 68 | 10 (14,7) |
Recebeu orientação sobre AM | 69 | 48 (69,6) |
Fez parto cesárea | 71 | 65 (91,5) |
Gênero do bebê feminino | 71 | 41 (57,7) |
Primigesta | 71 | 41 (58,6) |
Utilizou mamadeira em filhos anteriores | 29 | 20 (69,0) |
Utilizou chupeta em filhos anteriores | 30 | 17 (56,7) |
Tipo de chupeta | 17 | |
Normal | 9 (52,9) | |
Ortodôntica | 8 (47,1) | |
Mediana (P25-P75) | ||
Tempo de amamentação de filhos anteriores (meses) | 27 | 9 (3-19) |
# análise realizada somente com os dados disponíveis, de forma que, para cada variável, há um n diferente
Legenda: DP = desvio padrão; P25-P75 = percentil 25 – percentil 75
Para as oito perguntas referentes aos conhecimentos sobre aleitamento materno, a maioria das mães puérperas obteve escore de 82,7 (DP=18,7) nas respostas e média total de 6,6 acertos (Tabela 2).
Tabela 2 Conhecimento demonstrado pelas puérperas em relação ao aleitamento materno
Questões | n | n (%) |
---|---|---|
Leite materno suficiente | 67 | 44 (65,7) |
Bebê amamentado quando tiver vontade | 68 | 61 (89,7) |
Bebê amamentado tempo que desejar | 69 | 62 (89,9) |
Leite materno fraco | 66 | 10 (15,2) |
Mamar no peito pega menos doenças | 70 | 70 (100) |
Mamadeira prejudicial à amamentação bem sucedida | 64 | 59 (92,2) |
Estado emocional da mãe influencia quantidade de leite | 69 | 64 (92,8) |
Algumas pílulas podem diminuir produção de leite | 58 | 55 (94,8) |
| ||
Média (±DP) | ||
| ||
Nº de acertos* | 71 | 6,6 (±1,5) |
Percentual de conhecimento* | 71 | 82,7 (±18,7) |
*Quando a puérpera não respondeu às questões, foi considerado erro
Legenda: DP = desvio padrão
Houve associação positiva entre o percentual de conhecimento sobre aleitamento materno e a renda familiar (r=0,268; p=0,05), ou seja, puérperas com maior renda familiar tenderam a ter um maior percentual de acertos (Figura 1).
Cotejando os resultados deste estudo com outras pesquisas publicadas previamente, verificou-se que o nível de informação das mães a respeito do aleitamento materno é satisfatório(6,9,10,13-15).
O percentual de 82,7% de acerto para 92,8% das puérperas entrevistadas demonstra que a maioria reconheceu que o estado emocional da mãe pode interferir no volume de leite produzido. A literatura aponta que algumas mães desistem da amamentação natural quando estão estressadas, devido à escassez ou ausência de seu leite materno. Diante dessa situação, adotam outras maneiras de alimentar a criança(16).
Em um estudo realizado com mães de crianças prematuras verificou-se que um dos principais passos para dar assistência à mãe que amamenta é avaliar seu sentimento a respeito do aleitamento(17). Os autores desse estudo relataram a importância de um estreito relacionamento entre a nutriz, sua família e a equipe interdisciplinar, para que haja segurança, confiança e consequente sucesso nesse processo. Além disso, salientaram a relevância da continuidade desse apoio após a alta hospitalar, o que ainda é um grande desafio na atuação fonoaudiológica.
No presente estudo, 65,7% das mães acreditavam que o aleitamento materno exclusivo é suficiente até os 6 meses de idade, concordando com o que é divulgado mundialmente, desde a década de 1970, preconizando-se que o leite materno é ideal para o crescimento e desenvolvimento da criança(18). Apesar das mães acreditarem na suficiência da amamentação exclusiva, ainda nota-se que muitas delas utilizam mamadeiras ou outros complementos, o que contribui para o desmame precoce(19).
O aleitamento materno sob livre demanda ainda é um aspecto pouco conhecido das mães entrevistadas. Além disso, mesmo com as informações sobre todos os fatores ligados à amamentação em campanhas e programas sobre aleitamento materno, a casuística investigada ainda mostrou que 15,2% das mães acreditam que exista leite materno fraco.
As mães entrevistadas informaram que a criança que mama no peito terá menos oportunidades de adquirir doenças, o que está em consonância com a literatura pesquisada, que atribui esse achado ao nível de maior conhecimento das mães na atualidade, trazendo, como consequência, maior promoção da saúde infantil(20).
Na literatura, há menção da relação entre o uso de pílulas anticoncepcionais e o desmame precoce, fato reconhecido pelas mães entrevistadas neste estudo(6).
Além dos efeitos negativos conhecidos, a mamadeira interfere na técnica da amamentação bem sucedida(21). Neste estudo, 92,2% das mães referiram que o uso da mamadeira prejudica a amamentação no peito. Entretanto, das mães que já tiveram outros filhos, 69% ofereceram a eles mamadeiras e 56,7%, chupeta. Dos tipos de chupeta utilizada, 52,9% eram normais e 47,1% eram ortodônticas. Ainda que observemos uso equilibrado entre os tipos de chupeta, a literatura aponta que a chupeta ortodôntica é mais adequada para as crianças, sendo menos prejudicial ao desenvolvimento craniofacial que outros tipos de chupeta(22).
A associação positiva entre o percentual de conhecimento e a renda familiar coincide com o estudo da literatura que afirma que puérperas com maior renda familiar apresentaram maior conhecimento sobre aleitamento(23). Apesar de as mães com maior escolaridade terem demonstrado conhecer mais sobre aleitamento materno, este dado, curiosamente, não foi significativo para este estudo, ainda que fatores como o número de consultas pré-natais possam ter influenciado positivamente nas informações que as mães forneceram sobre aleitamento(6).
A maioria das mães entrevistadas demonstrou conhecimento sobre os aspectos investigados. Houve associação positiva entre o percentual de conhecimento e a renda familiar.