versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.9 no.4 São Paulo out./dez. 2011
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082011ao2081
Endometriomas ovarianos podem ser considerados como uma invaginação do tecido endometriótico e são frequentemente tratados cirurgicamente. Dados da literatura têm sugerido que os endometriomas podem afetar a resposta à estimulação ovariana, recuperação de oócitos e implantação(1). Vários estudos têm mostrado que mulheres com endometriose têm menor resposta ovariana às gonadotrofinas(2,3). Em um estudo realizado em 2000, os autores constataram que mulheres com endometriose necessitavam de mais ampolas de gonadotrofina por ciclo, em comparação ao grupo controle de mulheres com infertilidade por fator tubário(2). Uma razão para a redução da resposta ovariana pode ser a ressecção ovariana prévia. Estudos também mostraram a diminuição da resposta ao estímulo com gonadotrofinas, possivelmente pela influência bioquímica negativa da própria presença do endometrioma, enquanto outros destacam a redução do número de oócitos recuperados(4,5).
O diagnóstico de endometrioma tem sido tradicionalmente estabelecido por meio da inspeção visual da pelve por laparoscopia ou laparotomia. O diagnóstico laparoscópico usualmente requer anestesia geral e o procedimento é associado com cerca de 3% de complicações menores (náusea, vômito e dores no ombro), e 0,5% de complicações maiores (como perfuração intestinal). Considerando os riscos potenciais, há grande interesse na realização de técnicas não invasivas, como a ultrassonografia, para a detecção de endometriose(6).
Considerando as características ecogênicas, os endometriomas podem facilmente ser distinguidos de outros cistos ovarianos. A sensibilidade e a especificidades na ultrassonografia transvaginal para detecção de endometriomas varia de 84 a 100% e 90 a 100%, respectivamente(4).
Em geral, o tratamento de eleição desses cistos é a cirurgia para cistectomia ou fenestração por meio de laparoscopia, com uma taxa de recorrência de até 20% em 5 anos(6). Em contrapartida, após o tratamento cirúrgico há uma redução da resposta ao estímulo ovariano e do número de oócitos recuperados(5) o que inspira uma terapêutica mais conservadora nas pacientes sem prole constituída. É importante ressaltar que a abordagem aos endometriomas é um dos temas mais controversos na literatura, incluindo grupos que optam por uma abordagem expectante, enquanto outros sempre tendem a realizar a cistectomia.
Dicker et al.(7) e Aboulghar et al.(8) descreveram a técnica de aspiração dos endometriomas guiada por ultrassonografia. Outra técnica relatada foi o uso da tetraciclina como agente de escleroterapia de cistos ovarianos durante a cirurgia, e posteriormente como tratamento prévio à indução da ovulação para reprodução assistida(9). Mesogitis et al.(10) relataram a aspiração seguida da injeção de metrotexato com recorrência de 5 a 20%. Noma e Yoshida(11) realizaram a redução de cisto com preservação do tecido ovariano e aumento da foliculogênese baseada na escleroterapia com etanol e observaram uma recorrência de 14,9%. A incidência de recorrência chega a variar de 9,1 a 66,7% considerando diversos estudos. Hiesh et al.(12) demonstraram uma taxa de recorrência de 13,3% quando o etanol não era aspirado contra 32,1% quando o mesmo era aspirado.
Relatar a evolução da hiperestimulação ovariana para reprodução assistida e os resultados da aspiração e alcoolização de endometriomas ovarianos recorrentes.
Este é um estudo prospectivo piloto que incluiu 21 pacientes, recrutadas no Centro de Reprodução Humana e Genética da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC), no período de março de 2007 a maio de 2010, que preencheram os critérios de inclusão neste estudo: indicação de fertilização in vitro (FIV) por ausência de gravidez após 1 ano da laparoscopia ou por dano tubário causado pela endometriose associada à presença de cistos ovarianos regulares de conteúdo denso, sugestivos de endometrioma, com tamanho maior que 3 cm de diâmetro médio.
Todas as pacientes tinham endometriose diagnosticada por laparoscopia prévia e o grau da doença estabelecido de acordo com a classificação da American Society for Reproductive Medicine(13). Das 21 pacientes, 81% (17/21) tinham endometriose estadio IV e 19% (4/21) estadio III.
As pacientes haviam sido submetidas a até quatro intervenções cirúrgicas prévias. Todas tinham como principal indicação para tratamento por reprodução assistida o fator tuboperitoneal, que foi diagnosticado durante a cirurgia em 48% (10/21) das pacientes e/ou por meio do exame de histerossalpingografia em 52% (11/21) das pacientes.
A recorrência da endometriose foi caracterizada por imagem sugestiva de cisto ovariano endometriótico de no mínimo 3 cm de diâmetro médio ao exame ultrassonográfico transvaginal. A apresentação ecográfica típica corresponde a ecos internos de baixa densidade e difusos, que ocorrem em 95% dos endometriomas, e focos hiperecoicos na parede de cistos multiloculares(14).
Foi utilizado protocolo classicamente conhecido como longo, em que se utiliza análogo agonista de GnRH de depósito e gonadotrofinas recombinantes. Triptorelina na dose de 3,75 mg ou goserelina na dose de 3,6 mg foram aplicados para o bloqueio hipofisário na fase lútea prévia ao início da estimulação ovariana.
Vinte dias após a aplicação do análogo de GnRH, com a confirmação ultrassonográfica do bloqueio hipofisário (endométrio de aspecto linear e menor que 5 mm e ovários sem folículos maiores que 10 mm), os endometriomas eram aspirados com agulha guiada por ultrassonografia transvaginal, pelo sistema manual de aspiração com seringa de 20 mL. Sem que a agulha fosse removida, injetava-se prontamente o correspondente a 70% do volume do líquido endometriótico aspirado em álcool absoluto. Aguardava-se por 5 minutos a ação do álcool dentro da cavidade cística e em seguida aspiravase o volume injetado. Ta l procedimento era realizado sob sedação anestésica com propofol. Em todos os casos foi realizado antibioticoprofilaxia com azitromicina 1 g via oral no dia anterior a punção.
Uma semana após a aspiração com alcoolização as pacientes eram reavaliadas por meio da ultrassonografia transvaginal e o estímulo controlado da ovulação era iniciado com hormônio folículo estimulante (FSH) recombinante - Folitropina (Puregon®), nos casos em que não se identificava mais a presença de endometrioma.
A dose de gonadotrofina usada foi de 100 U/dia em nove pacientes e de 200 U/dia nas pacientes que tinham apenas um ovário ou idade ≥ 38 anos (12/21). Quando o maior folículo atingia o mínimo diâmetro médio de 18 mm, era administrado hCG urinário 5000 U (Choriomon®). A punção ovariana com aspiração folicular guiada por ultrassonografia transvaginal foi realizada de 34 a 36 horas após a administração do hCG e os oócitos fertilizados no mesmo dia, priorizando a FIV convencional. A técnica de injeção intracitoplasmática de espermatozoide (ICSI) foi indicada apenas para os casos de fator masculino grave associado.
O suporte da fase lútea foi realizado com progesterona micronizada na dose de 600 mg/dia via vaginal, sendo iniciado no dia seguinte à punção. A dosagem sérica de ßhCG quantitativo foi realizada no 12o. dia após a transferência embrionária para diagnóstico de gravidez. Confirmando-se a gestação a progesterona foi mantida até a 11a. semana de gestação na mesma dose.
Os dados clínicos das pacientes estudadas foram coletados somente após a explicação dos objetivos do estudo e assinatura pelos participantes do consentimento informado livre e esclarecido, aprovado pelo comitê de ética local.
A análise estatística foi feita com software SPSS versão 11.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, USA). Foi utilizado o teste t e os valores de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significantes.
Das 21 pacientes estudadas, 80,9% (17/21) foram operadas uma única vez, 9,5% (2/21) duas vezes e 4,7% (1/21) quatro vezes (Tabela 1). Seis delas (28,6%) tinham ovário único devido às intervenções cirúrgicas.
Tabela 1 Características clínicas das pacientes estudadas
Características | Média ± DP | % | |
---|---|---|---|
Idade (anos) | 33,86 ± 3,56 | ||
Duração da infertilidade (anos) | 4,85 ± 3,51 | ||
IMC (kg/m2) | 24,03 ± 2,55 | ||
Número de laparoscopias prévias | 1,33 ± 0,79 | ||
Ovário único | 28,57 | ||
Endometrioma | |||
Unilateral | 85,71 | ||
Bilateral | 14,28 | ||
Tamanho (cm) (USTV) | 4,68 ± 1,42 | ||
Volume cístico aspirado (mL) | 52,38 ± 12,72 |
IMC: índice de massa corporal; DP: desvio padrão; USTV: ultrassonografia transvaginal
A média de idade foi de 33,8 ± 3,5 anos; o tempo médio de infertilidade foi de 4,8 ± 3,5 anos e o índice de massa corpórea (IMC) de 24,0 ± 2,5 kg/m2 (Tabela 1).
As imagens ultrassonográficas inicialmente tinham em média 4,7 ± 1,4 cm (Figura 1). Em 18 casos eram unilaterais e em três casos, bilaterais (Tabela 1). Em nenhum caso a imagem se refez durante a indução da ovulação. Não houve nenhum episódio de infecção ou sangramento importante decorrente da aspiração dos endometriomas.
Figura 1 Formação cística ovariana de 3,3 x 3,8 cm de ecotextura homogênea e hipoecogênica, com ecos internos difusos de baixa ecogenicidade
A captação oócitária ocorreu em média após 11 ± 1,7 dias de indução da ovulação sem diferença estatística significante entre o grupo que usou 100 U/d e 200 U/d de FSH recombinante com 5,04 ± 3,78 folículos e 3,95 ± 3,30 ovócitos por ciclo, respectivamente, também sem diferença estatística (Tabela 2).
Tabela 2 Resposta ao uso de gonadotrofinas
Resposta | 100 U/dia | 200 U/dia | Valor p |
---|---|---|---|
Dias de indução | 11 ± 1,9 | 11 ± 1,7 | 0,8415 |
Número de folículos | 5,6 ± 2,4 | 6,1 ± 4,1 | 0,4031 |
Número de oócitos | 3,6 ± 1,9 | 4,5 ± 4,2 | 0,2225 |
Houve transferência embrionária em 71,42% (15/21) das pacientes, e a taxa de gravidez por transferência foi de 20% (3/15).
Existem muitas opções terapêuticas na abordagem aos endometriomas. Dentre elas, a abordagem expectante, o tratamento medicamentoso e a cirurgia (laparotômica ou laparoscópica) constituem os tratamentos tradicionais. Mais recentemente a aspiração do endometrioma guiada por ultrassonografia transvaginal, com ou sem escleroterapia, passou a ser uma proposta de tratamento, ainda que questionada sua efetividade por alguns autores(11,12,15).
A cistectomia laparoscópica para remover endometriomas ovarianos é um procedimento efetivo, porém não há consenso da sua utilização rotineira, principalmente em mulheres com infertilidade(15). Em um estudo recente realizado por Benaglia et al.(16), os autores consideraram que o dano ovariano grave ocorrido em gônadas operadas por endometrioma não é um evento raro. A presença de aderências pélvicas ou estágio avançado da doença podem dificultar a visualização das estruturas anatômicas, levando a ressecção incompleta e frequente recorrência cística(12).
A aspiração guiada por ultrassonografia transvaginal foi proposta em 1991(7,8) como uma opção para pacientes que se negavam a ser operadas ou se a cirurgia fosse contraindicada. Trata-se de um procedimento menos invasivo, mais rápido e menos dispendioso que o tratamento cirúrgico(17), porém com maior taxa de recorrência, o que tem restringido sua maior aplicação. Atualmente, tem sido proposta a utilização de substâncias esclerosantes após a aspiração, como por exemplo, tetraciclina(9), metrotexato(10), interleucina 2(18) e etanol(11).
A escleroterapia foi originalmente utilizada para tratar tuberculose e é atualmente usada por oncologistas para tratar derrame pleural em decorrência de cânceres. Os mecanismos envolvidos na escleroterapia de cistos ovarianos não são plenamente conhecidos, mas aparentemente as células epiteliais de revestimento teriam um papel relevante no processo. Quando o adequado contato entre o agente esclerosante e a parede do cisto é atingido, ocorre a ativação da cascata de coagulação, a produção de mediadores inflamatórios e a fibrose das células epiteliais de revestimento, levando a aderência da parede do cisto(12). A escleroterapia com etanol é um procedimento considerado por muitos autores como seguro e efetivo, podendo ser indicado para quase todos os casos de endometrioma(11,12).
As características ultrassonográficas do cisto somados ao diagnóstico histopatológico prévio de endometriose proporcionam grande segurança para realização da punção e escleroterapia.
Um tópico sem consenso é a remoção do endometrioma antes da FIV(19–21), porém, existem evidências de que uma cirurgia extensa ou a reabordagem cirúrgica podem danificar a reserva ovariana(22–26), comprometendo o sucesso de uma subsequente FIV(27). A taxa de ovulação tem repetidamente se mostrado reduzida nas gônadas operadas em comparação as gônadas intactas(24,28). Em ciclos de FIV/ICSI há menor resposta ao estímulo ovariano controlado nos ovários previamente operados(23,25).
Além disso, há indícios de que a presença do endometrioma por si só pode influenciar negativamente a função ovariana(16,24), além de poder dificultar a aspiração oocitária durante o tratamento da FIV/ICSI(16).
Várias são as vantagens prováveis do tratamento de endometriomas por meio da punção seguida de escleroterapia, em relação ao tratamento convencional da ressecção por videolaparoscopia, primordialmente em situações de recorrência. Destaca-se o fato de a técnica ser menos invasiva, ter menor custo e permitir a preservação do tecido ovariano e da foliculogênese, podendo ser usada antes da indução da ovulação em programas de FIV Além disso, a alcoolização parece reduzir de forma significativa os sintomas associados ao endometrioma, com menor risco de formação de aderências, uma vez que o procedimento é intratumoral(29).
O presente estudo demonstrou a remissão efetiva do volume do endometrioma após a aspiração e alcoolização em todos os casos relatados, e em nenhum deles a imagem se refez durante os controles ultrassonográficos realizados para indução da ovulação. É importante salientar que se trata de um estudo piloto e por isso com pequeno número de pacientes. Além disso, o tempo de observação do estudo considerou apenas o momento até o término do ciclo de FIV. Deve ser considerado que devido ao tratamento com análogos agonistas de GnRH de depósito, o eixo hipofisário estaria bloqueado nesse período.
No atual estudo, o objetivo foi apenas avaliar a segurança do procedimento e o resultado da intervenção nos resultados da FIV. O seguimento posterior dessas pacientes com a análise da taxa de recidiva de endometriomas, da reserva ovariana posterior a escleroterapia, além da comparação com um grupo controle em um estudo randomizado são pontos a serem considerados.
A escleroterapia de endometriomas recidivados com etanol não apresentou complicações, tendo havido sucesso no tratamento da FIV após a sua realização. A confirmação dos resultados obtidos neste estudo necessita ser obtido a partir da realização de um estudo caso controle.