Compartilhar

Assessment of the patient safety culture in primary health care

Assessment of the patient safety culture in primary health care

Autores:

Nathalia Malaman Galhardi,
Camila Eugenia Roseira,
Fabiana de Souza Orlandi,
Rosely Moralez de Figueiredo

ARTIGO ORIGINAL

Acta Paulista de Enfermagem

Print version ISSN 0103-2100On-line version ISSN 1982-0194

Acta paul. enferm. vol.31 no.4 São Paulo July/Aug. 2018

http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201800057

Resumen

Objetivo

Evaluar la percepción de los profesionales sobre la cultura de seguridad del paciente en la atención primaria a la salud.

Métodos

Investigación Cuantitativa, transversal, descriptiva del tipo survey, utilizando el cuestionario “Encuesta sobre Cultura de Seguridad del Paciente de Atención Primaria”, el cual evalúa 12 dimensiones de la cultura de seguridad del paciente. Se consideraron positivas las puntuaciones superiores o igual al 75%.

Resultados

Las dimensiones de “intercambio de información con otras instituciones” (79%), “trabajo en equipo” (79%), “monitoreo de la atención al paciente” (80%), “ seguridad del paciente y problemas de calidad” (83 (%) fueron consideradas positivas para la cultura de seguridad del paciente, mientras que el “soporte del liderazgo” (47%) se demostró como área débil. Hubo una diferencia significativa en la comparación de las variables tiempo de servicio y categoría profesional con el promedio de los porcentajes de respuestas positivas.

Conclusión

Los resultados mostraron que los profesionales de Atención Primaria a la Salud tuvieron una percepción positiva sobre las dimensiones de la cultura de seguridad del paciente, y solo el “ apoyo del liderazgo” se consideró como zona frágil.

Palabras-clave: Seguridad del paciente; Cultura organizacional; Calidad de la atención de salud; Atención primaria de salud; Enfermería

Introdução

A segurança do paciente, definida como a redução do risco de danos desnecessários para um mínimo aceitável nos cuidados em saúde, é reconhecida como dimensão fundamental para a qualidade em saúde.(1)

Considera-se a Atenção Primária à Saúde (APS) componente-chave para a Rede de Atenção à Saúde, a qual propõe ações e serviços de saúde de diferentes densidades tecnológicas a fim de garantir a integralidade do cuidado, por meio de sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão.(2)

Pode-se pensar que a APS, por não estar ligada diretamente aos procedimentos de alta tecnologia, é um ambiente protegido e seguro. Porém, sabe-se que Eventos Adversos (EAs), definidos como incidentes que resultam em algum dano para o paciente, ocorrem neste setting de saúde. Ainda há muitas lacunas do conhecimento referentes a essa temática e dificuldade de mensuração dos tipos de incidentes ocorridos. Os estudos são ainda incipientes neste campo, apesar da maior visibilidade do tema no Brasil, após a iniciativa da criação do Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP).(3,4)

Enfatiza-se este cenário, a partir de estudo realizado no Brasil, em uma unidade de Estratégia Saúde da Família (ESF), que avaliou a ocorrência de incidentes no paciente em relação ao tipo gravidade e aos fatores contribuintes para essa ocorrência. Concluiu que, embora a APS atenda aos pacientes com menor complexidade técnica, 82% dos incidentes ocasionaram dano ao paciente, sendo muitos deles com gravidade muito alta – dano permanente (25%) ou óbito (7%).(3)

Compreende-se que é necessário investir no reconhecimento da cultura de segurança do paciente, pois assim é possível examinar o quanto as percepções, comportamentos e competências de indivíduos e grupos influenciam os resultados de segurança do paciente e a qualidade do cuidado.(5)

Sendo assim, entende-se que avaliar a cultura de segurança do paciente na APS é um passo importante para a melhoria na qualidade e na segurança do cuidado, considerando a abrangência que este cenário tem na rede de atenção à saúde. O objetivo deste estudo, portanto, é avaliar a percepção dos profissionais sobre a cultura de segurança do paciente no ambiente da APS, pois acredita-se que essa avaliação possa apontar novas diretrizes para o fortalecimento da segurança do paciente neste cenário de atenção à saúde.

Métodos

Trata-se de pesquisa quantitativa, transversal, descritiva do tipo survey realizada na APS, em um município com população estimada em 298.701 habitantes, no interior do Estado de São Paulo.

A rede de APS do município é composta por 32 Centros de Saúde da Família (CSF), sendo 17 dessas unidades mistas, ou seja, atendem como Unidade Básica de Saúde (UBS) e como Estratégia Saúde da Família (ESF).

Dos 564 profissionais que desempenham funções assistenciais nestes CSF, 106 foram excluídos por estarem em férias e/ou licença para tratamento da saúde ou maternidade, no período de coleta de dados (de dezembro de 2016 a março de 2017). Foram convidados, portanto, 458 profissionais, sendo que 240 aceitaram participar do referido processo. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Carlos (Parecer nº 1.818.070), e a resolução 466/12 foi respeitada integralmente.

Para tal, utilizou-se a aplicação do questionário “Pesquisa sobre Cultura de Segurança do Paciente para Atenção Primária”,(6) versão brasileira do Medical Office Survey on Patient Safety Culture, criado pela Agency for Healthcare Research and Quality. O uso do instrumento adaptado e validado para o Brasil(6) foi autorizado pelas autoras.

A abordagem aos profissionais foi realizada, em sua maioria, em grupo, exceto aos que estavam em atendimento no momento, convidados posteriormente de forma individual. Isso possibilitou a extensão do convite ao maior número de pessoas e mínima interferência na rotina do serviço. A entrega do questionário e do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ocorreu em data acordada com a equipe.

O instrumento é composto por 52 itens, com opções de resposta por meio de escala tipo Likert que permite avaliar doze dimensões da cultura de segurança do paciente: comunicação aberta, comunicação sobre o erro, troca de informações com outras instituições, padronização dos processos, aprendizagem organizacional, percepção geral de segurança do paciente e qualidade, suporte da liderança para segurança do paciente, acompanhamento do cuidado, segurança do paciente e problemas de qualidade, treinamento da equipe, tabalho em equipe e pressão e ritmo de trabalho.(6)

Os dados foram organizados e armazenados em planilhas do programa Microsoft Excel®. Para o tratamento e a análise, foi utilizado o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 22.0.

Para análise descritiva dos dados, foi calculada a frequência de resposta para cada item e a média para cada dimensão. Seguindo a recomendação do instrumento original,(7) estas foram classificadas como fortes, quando 75% ou mais dos participantes responderam concordo totalmente/concordo ou frequentemente/sempre para as perguntas formuladas positivamente; e discordo totalmente/discordo ou nunca/raramente para as perguntas formuladas negativamente. Foram classificadas como fracas, quando 50% ou mais dos sujeitos responderam negativamente, optando por discordo totalmente/discordo ou nunca/raramente para perguntas formuladas positivamente, ou usando concordo totalmente/concordo, sempre/ frequentemente para perguntas formuladas negativamente.(7)

Para testar a confiabilidade das respostas, foi calculado o alfa de Cronbach para cada dimensão e para o instrumento como um todo. Os resultados iguais ou superiores a 0,7 foram considerados satisfatórios.(8)

Realizou-se o teste de Kolmogorov-Smirnov, que indicou ausência de normalidade dos dados. Desta forma, utilizou-se o Teste de Kruskal-Wallis para avaliação da comparação das médias das porcentagens de respostas positivas referentes às variáveis “categoria profissional” e “tempo de serviço”. Para o teste estatístico foi adotado o nível de significância de 5% (p ≤ 0,05).

Resultados

Houve adesão de 52% (240) dos profissionais composto por: médico (18), enfermeiro (14), odontólogo (6), assistente social (2), psicólogo (2), farmacêutico (4), fisioterapeuta (1), fonoaudiólogo (1), gerente (15), equipe administrativa (20), Agente Comunitário de Saúde (ACS) (83), auxiliar de enfermagem (9), auxiliar de farmácia (6) e auxiliar de saúde bucal (1).

Quanto ao tempo de serviço na unidade, houve variação dos resultados sendo que 87 profissionais trabalham de dois meses a menos de três anos; 80, de três a menos de 11 anos e 41, há 11 anos ou mais; apenas 3, há menos de 2 meses e 21 não responderam. Desses, 158 (76%) possuem carga horária de trabalho de 33 a 40 horas semanais.

Com relação à confiabilidade das respostas, o valor geral do Coeficiente Alfa de Cronbach obtido foi de 0,93. Sendo assim, excluíram-se as dimensões: “comunicação aberta” (α=-0,17), “comunicação sobre o erro” (α=0,48), “padronização dos processos” (0,55), “treinamento da equipe” (α=0,56) e “pressão e ritmo de trabalho” (α=0,59).

As dimensões analisadas estão representadas na tabela 1 que indica aqueles que obtiveram o coeficiente alfa de Cronbach satisfatório por percentual da percepção positiva.

Tabela 1 Percepção positiva associadas aos itens das dimensões da cultura de segurança do paciente 

Itens por dimensão da cultura de segurança do paciente Percepção positiva n(%)
1. Trabalho em equipe (α=0,670)
C1: Quando alguém está muito ocupado, outros colegas ajudam 191(80)
C2: Há uma boa relação entre os médicos e demais profissionais 205(86)
C5: Tratamos uns aos outros com respeito 188(79)
C13: Valorizamos o trabalho em equipe no cuidado aos pacientes 161(71)
2. Acompanhamento do cuidado (α=0,754)
D3: Os pacientes são avisados quando precisam agendar uma consulta de rotina 208(90)
D5: Registramos a maneira como os pacientes crônicos seguem o tratamento 160(76)
D6: O serviço faz acompanhamento quando não recebe um relatório de outro 123(65)
D9: Acompanhamos os pacientes que precisam de monitoramento 200(89)
3. Suporte da liderança (α=0,712)
E1R: Não estão investindo recursos suficientes para melhorar a qualidade 52(26)
E2R: Eles ignoram erros que se repetem no cuidado aos pacientes 113(58)
E3: Eles dão prioridade à melhoria dos processos de atendimento aos pacientes 119(59)
E4R: Decisões são baseadas no que é melhor para o serviço não para o paciente 89(46)
4. Aprendizagem organizacional (α=0,702)
F1: Quando há um problema avaliamos se é necessário fazer alguma mudança 179(86)
F5: O serviço é eficiente em modificar processos e prevenir mesmos problemas 130(63)
F7: Após realizarmos mudanças, avaliamos se funcionam 145(72)
5. Percepção geral da segurança do paciente e qualidade do serviço (α=0,724)
F2: Nossos processos de trabalho são adequados para prevenir erros 146(70)
F3R: Acontecem erros com mais frequência do que deveriam 137(68)
F4R: É apenas por acaso que não cometemos mais erros 148(74)
F6R: A quantidade de atividades é mais importante do que a qualidade 131(67)
6. Problemas de segurança do paciente e qualidade (α=0,842)
A1: Um paciente não conseguiu consulta em até 48h para um problema sério 148(77)
A2: No atendimento de um paciente foi utilizado o prontuário de outro 173(89)
A3: O prontuário de um paciente não estava disponível quando necessário 167(82)
A4: Informações de um paciente foram arquivadas no prontuário errado 167(90)
A5: Um equipamento necessário ao atendimento não funcionou adequadamente 152(82)
A6: O paciente retornou à unidade para esclarecer/corrigir a prescrição 154(72)
A7: Os medicamentos utilizados pelo paciente não foram revisados na consulta 123(90)
A8: Os exames laboratoriais/imagem não foram realizados quando necessário 131(82)
A9: Os resultados de exames laboratoriais não estavam disponíveis 147(78)
A10: Um resultado anormal de um exame não foi avaliado em tempo hábil 132(90)
7. Troca de informações com outras instituições (α=0,901)
B1: Problemas com centros de Imagem/laboratório da rede 165(78)
B2: Problemas com outros serviços de saúde da rede de atenção 169(76)
B3: Problemas com farmácias 170(79)
B4: Problemas com hospitais 134(82)

(%) - percentual

O percentual da média geral de respostas positivas das dimensões que obtiveram o coeficiente alfa de Cronbach satisfatório constam na tabela 2.

Tabela 2 Dimensão da cultura de segurança do paciente associada ao percentual da média geral de respostas positivas 

Dimensões Média geral de respostas positivas (%)
Segurança do paciente e problemas de qualidade 83*
Acompanhamento do cuidado do paciente 80*
Trabalho em equipe 79*
Troca de informações com outras instituições 79*
Aprendizagem organizacional 74
Percepção geral de segurança do paciente e qualidade 70
Suporte da liderança 47

*Dimensão forte para a cultura de segurança do paciente; Dimensão fraca

Para a variável “tempo de serviço” apresentaram diferença significativa “aprendizagem organizacional” e “suporte da liderança”, onde quanto menor o tempo de serviço maior a percepção positiva (Tabela 3). Quanto à categoria profissional, o médico foi o que mais apresentou percepção positiva nas dimensões “segurança do paciente e problemas de qualidade” e “trabalho em equipe” (Tabela 3).

Tabela 3 Respostas positivas de cada dimensão da cultura de segurança do paciente 

Variáveis Aprendizagem organizacional n(%) Suporte da liderança n(%) Segurança do paciente n(%) Trabalho em equipe n(%)
1. Tempo de serviço
Menos de 2 meses 2(100) 2(87) 120(50) 221(92)
2 meses a 3 anos 87(84) 87(59) 163(68) 194(81)
3 a 11 anos 166(69) 144(60) 151(63) 187(78)
11 anos ou mais 199(83) 108(45) 168(70) 202(84)
Valor de p* 0,031 0,033 0,535 0,643
2. Categoria profissional
Médico 18(85) 18(61) 17(80) 18(100)
Equipe de Enfermagem 38(78) 37(47) 49(72) 49(81)
Gerente 15(80) 1(75) 14(74) 15(72)
Equipe Administrativa 14(78) 11(66) 16(56) 18(71)
ACS 64(80) 65(60) 79(68) 81(77)
Outros 15(76) 11(59) 22 (48) 23(84)
Valor de p* 0,831 0,169 0,008 0,001

*Teste de Kruskal-Wallis; ACS - Agente Comunitário de Saúde; Outros – odontólogo, assistente social, psicólogo, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, auxiliar de enfermagem, auxiliar de farmácia, auxiliar de saúde bucal

Discussão

Criar uma cultura positiva que promova a segurança do paciente é um dos principais desafios enfrentados pelas organizações de saúde.(5) Para isso, destaca-se a importância da participação de toda a equipe de saúde para a promoção de uma cultura de segurança positiva.

Considerando a falta de tradição, no Brasil, em avaliação da cultura de segurança, particularmente na APS, pode-se considerar satisfatória a taxa de respostas obtida de 52%. Outro ponto favorável foi a participação de 15 diferentes categorias profissionais, assegurando que a avaliação da cultura de segurança fosse ampla. Neste sentido, afirma-se a importância do envolvimento de todos, pois a cultura de uma organização influencia o estilo de gestão adotado e, consequentemente, determina mudanças organizacionais.(9)

Devido à escassez de publicações referentes ao tema, no Brasil, as comparações desta investigação foram baseadas em publicações internacionais. Embora o formato da APS seja muito diverso no mundo, foi utilizado um instrumento padronizado, permitindo que aspectos semelhantes fossem comparados, reforçando a importância do uso dos instrumentos validados para a realidade brasileira.

Assim como este, estudo realizado na Turquia fez a comparação entre a variável “categoria profissional” e as respostas positivas, mostrando que o profissional médico apresenta maior percepção positiva para as dimensões “comunicação aberta” (p<0,01) e “comunicação sobre o erro” (p<0,01).(10) Paralelamente a isto, investigação iraniana mostrou que o gerente foi o que apresentou os escores mais elevados para todas as dimensões (p<0,001).(11)

Em contrapartida, estudo brasileiro não encontrou diferença entre categorias: técnicos de enfermagem, enfermeiros e ACS, quanto às atitudes de segurança.(12)

Quanto à comparação das dimensões referentes ao tempo de serviço, diferente deste, estudo iraniano não encontrou relação entre as mesmas.(11)

Por sua vez, estudo espanhol que avaliou os residentes de medicina familiar e comunitária encontrou que os residentes do primeiro ano apresentaram os escores positivos mais elevados para as dimensões “troca de informações com outras instituições” (p=0,007), “comunicação aberta” (p=0,01), “treinamento de pessoal” (p=0,009) e “percepções gerais sobre segurança do paciente e a qualidade” (p=0,02).(13)

Sobre a baixa confiabilidade das respostas para as dimensões “comunicação aberta”, “comunicação sobre o erro”, “padronização dos processos”, “treinamento da equipe” e “pressão e ritmo de trabalho”, cabe destacar o fato de que todas essas dimensões se inter-relacionam e estão ligadas às questões de comunicação, educação e processo de trabalho, sugerindo possíveis fragilidades nesses aspectos do ambiente de trabalho.

Das outras dimensões avaliadas, o trabalho em equipe consiste na modalidade de trabalho coletivo que se contrapõe ao modo independente e isolado com que os profissionais de saúde usualmente executam seu trabalho.(14) É considerado essencial para o funcionamento adequado do processo de trabalho na APS, na qual o diálogo deve propiciar a aproximação entre os diferentes atores, tendo-se a clareza de que todo o conhecimento parcial só ganha significado quando compartilhado no coletivo.(15)

Neste estudo, a dimensão “trabalho em equipe” foi avaliada como forte para a cultura de segurança do paciente, atingindo a média de percentual de respostas positivas de 79%. Outras investigações, que avaliaram o trabalho em equipe dentro das unidades e entre as unidades, também obtiveram escores positivos elevados.(10,13,16) Estudo brasileiro das atitudes de segurança também identificou o trabalho em equipe como elemento forte para cultura de segurança do paciente.(12)

Estas pesquisas sugerem que o trabalho em equipe é reconhecido como um elemento forte para a cultura de segurança, na busca das mudanças e melhorias na qualidade da segurança do paciente.

Segundo a literatura,(17) há quatro modos de aprendizagem dentro das organizações: aprender com os outros, a partir dos erros, a partir dos dados obtidos e através das respostas inesperadas.

Aprender com os outros se dá através das experiências reveladas em conversas ou em publicações. Por sua vez, aprender a partir dos erros acontece na identificação e análise dos dos próprios erros. Já, aprender com o uso dos dados obtidos é aproveitar os resultados para fornecer feedback e conduzir o desempenho da organização. Por fim, aprender a partir das respostas inesperadas acontece quando há constante vigilância e prevenção aos acontecimentos. Desta maneira, atentando-se para os modos menos desenvolvidos de aprendizagem organizacional, é possível promover um progresso mais rápido na segurança do paciente.(17)

Apesar da percepção positiva da dimensão “aprendizagem organizacional”, quando o tema é a não culpabilidade pelo erro, estudos demonstram escores positivos baixos para resposta não punitiva ao erro, evidenciando fragilidade nesse aspecto.(10,13,16)

Embora a dimensão “comunicação sobre o erro” não tenha atingido confiabilidade satisfatória neste estudo, destaca-se o item “a equipe deste serviço acredita que os erros possam ser usados contra si”, pois 49% dos participantes concordaram com a afirmação, revelando que a cultura do medo está presente. Situação semelhante ocorreu em estudo sobre atitudes de segurança, em que a variável “erro” foi a que obteve menor relevância para os profissionais, mostrando a fragilidade deste aspecto.(12)

Desta forma, é possível identificar que o modo aprendizagem a partir do erro necessita de melhorias. É preciso conscientizar os profissionais que a ocorrência do erro e a culpa podem ser alternativas para transformá-lo em uma nova chance de discutir, melhorar o cuidado e prevenir que novos eventos relacionados à mesma causa aconteçam.(12)

A dimensão “acompanhamento do cuidado” deve ser compreendida como uma área de destaque para a APS. Em estudo de revisão conceitual sobre a longitudinalidade, as autoras afirmam que o acompanhamento do paciente, ao longo do tempo, por profissionais da equipe de APS é característica central deste nível assistencial.(18)

Na presente investigação, esta dimensão obteve escore de 80% de respostas positivas, sendo classificada como área forte para cultura de segurança. Resultado foi semelhante ao do estudo espanhol em que a taxa de respostas positivas foi de 71%.(13) Apenas um resultado diferente foi encontrado na cidade de Al-Mukala – Yemen, que identificou fragilidade nesta dimensão e concluiu que os pacientes não eram acompanhados/monitorizados, quando necessário.(19)

Fragilidades no acompanhamento/monitorização do paciente podem levar a buscas em outras unidades de saúde para atendimento de rotina e problemas de qualidade dos registros que dificultam o atendimento do vínculo longitudinal.(18)

Outra característica importante para garantir o bom funcionamento do cuidado na APS é a troca de informações entre instituições de forma completa, precisa e pontual. Esta foi considerada como uma área forte no presente estudo, porém em outros dois(13,16) foram classificadas como fragilidades, atingindo apenas 47% de respostas positivas.

Quanto às situações que afetam a segurança do paciente, 83% dos profissionais tiveram percepção positiva e acreditam que ocorrem poucos problemas relacionados ao acesso, identificação do paciente, prontuários, registros, equipamentos, medicamentos e diagnósticos.

Porém, oposto à percepção dos profissionais desta pesquisa, estudo brasileiro identificou que os tipos de incidentes mais comuns na APS foram associados aos erros de medicamentos e de diagnósticos.(20)

No que tange ao acesso, em estudo realizado em uma grande cidade no Estado de São Paulo, os usuários descrevem-no como algo burocrático e demorado, tanto para o agendamento, como para o atendimento no serviço, relacionando-o à falta de profissionais médicos e à alta rotatividade dos mesmos nas UBS.(21)

Outro estudo sobre a percepção dos profissionais de uma ESF com relação à qualidade dos serviços prestados, em uma cidade do Espirito Santo – Brasil, levantou que os referidos profissionais percebem que a atenção ofertada é feita de maneira positiva, contribuindo para o fortalecimento e humanização da APS.(22)

Neste aspecto, apesar dos estudos comparados serem conduzidos de maneiras diferentes, desperta-se a reflexão do quanto a percepção do usuário pode ser diferente da percepção do profissional de saúde, em relação à qualidade do serviço prestado, e o quanto isso pode influenciar a qualidade da segurança do paciente.

Diante disso, considera-se que os resultados positivos obtidos no presente estudo possam estar relacionados aos baixos índices de reportagem de eventos. Estudos que perguntaram a frequência de relatório de eventos identificaram que apenas 12% a 32% dos profissionais mencionaram que os erros foram relatados.(10,11,16)

Como estratégias para sanar a lacuna referente ao conhecimento, visto o medo de punição e comunicação informal que ocasionam subnotificações dos EA, encontram-se a comunicação e a prática educativa, que melhoram a interação entre líderes e profissionais,(23) corroborando com os achados do presente trabalho, cuja dimensão “suporte da liderança” para a cultura segurança do paciente foi considerada crítica. Necessita-se então de melhorias com urgência, uma vez que apenas 47% dos participantes tiveram percepção positiva a respeito do tema.

A liderança na APS é tida como competência fundamental para o desenvolvimento das mudanças, considerando seu potencial para direcionar o processo de trabalho em equipe. Além disso, observou-se que, na atual realidade, há principalmente atuação dos enfermeiros como supervisores, assumindo esta posição.(24) Fato semelhante ao município estudado, onde maior parte dos coordenadores das unidade eram enfermeiros.

Relacionando-se cultura organizacional, comportamento da liderança e satisfação com o emprego, há significante correlação positiva entre esses elementos, sugerindo que a boa interação entre as lideranças e os profissionais contribui para o estímulo em favor do alcance dos objetivos definidos pela instituição.(25)

Desta forma, o resultado encontrado neste estudo revela a fragilidade do suporte da liderança para a cultura de segurança do paciente, o que pode levar à reflexão de que isto pode influenciar atitudes e comportamentos relacionadas ao assunto, demonstrando a importância que os líderes têm em identificar os aspectos apontados e implementar ações, visando à segurança do paciente.

Diante do exposto, cabe salientar a relevância de envolver todos os profissionais no processo de melhoria da segurança do paciente. Ações eficazes, baseadas em atitudes, precisam ser desenvolvidas, em que a atitude e a cultura dos profissionais de saúde da linha de frente devem induzir a mudanças comportamentais desejáveis para melhorar a segurança do paciente.(26)

Quanto às limitações do estudo, entende-se que foi utilizada apenas a percepção do profissional envolvido, não incorporando outros aspectos como análise de registros, observações da prática profissional, percepção do usuário, entre outros. Também devido ao compartilhamento do espaço físico entre UBS e USF, não foi possível comparar os dados entre estes serviços. Somado a isso, devido à incipiência de pesquisas desta natureza na APS, considera-se que as respostas podem ter sido realizadas mediante pouca reflexão sobre o tema.

Conclusão

Os resultados mostraram que os profissionais da APS tiveram percepções positivas quanto às dimensões da cultura de segurança do paciente e qualidade do serviço. Porém, revelou-se que a dimensão “suporte da liderança” necessita de melhorias, para que aspectos referentes à cultura de segurança do paciente ocorram de modo efetivo, baseando-se em práticas educativas e não punitivas. A fim de identificar as percepções dos profissionais sobre a cultura do paciente, é importante apontar que, ao se observarem as diferentes categorias presentes nesses serviços de saúde, a equipe médica teve maior percepção positiva para as dimensões “percepção geral da segurança do paciente” e “trabalho em equipe” e que quanto menor o tempo de serviço maior a percepção positiva para “aprendizagem organizacional” e “suporte da liderança”. Com isso, salienta-se que, embora incipiente, a avaliação da percepção dos profissionais acerca da cultura de segurança do paciente na APS faz-se necessária, a fim de que os serviços possam identificar domínios e variáveis que necessitem de atenção, mediante um diagnóstico situacional individualizado, a fim de que estratégias possam ser traçadas para efetivação destes componentes nesta rede de cuidado.

REFERÊNCIAS

1. Runciman W, Hibbert P, Thomson R, Van Der Schaaf T, Sherman H, Lewalle P. Towards an International Classification for Patient Safety: key concepts and terms. Int J Qual Health Care. 2009;21(1):18-26.
2. Arruda C, Lopes SG, Koerich MH, Winck DR, Meirelles BH, de Mello AL. Health care networks under the light of the complexity theory. Esc Anna Nery. 2015;19(1):169-73.
3. Marchon SG, Mendes Junior WV, Pavão AL. Characteristics of adverse events in primary health care in Brazil. Cad Saúde Pública. 2015;31(11):2313–30.
4. Mesquita KO, Silva LC, Lira RC, Freitas CS, Lira GV. Patient safety in primary health care: An integrative review. Cogitare Enferm. 2016;21(2):1–8.
5. Al Doweri HF, Al Raoush AT, Alkhatib AJ, Batiha MA. Patient’s Safety Culture: Principles and Applications: Review Article. Eur Sci J. 2015;11(15):83–94.
6. Timm M, Rodrigues MC. Cross-cultural adaptation of safety culture tool for Primary Health Care. Acta Paul Enferm. 2016;29(1):26–37.
7. Sorra J, Gray L, Famolaro T, Yount N, Behm J. AHRQ Medical Office Survey on Patient Safety Culture: User’s Guide [Internet]. Rockville, MD: Agency for Healthcare Research and Quality; June 2016. (AHRQ Publication No. 15(16)-0051-EF (Replaces 08(09)-0059). [cited 2018 Jul 29]. Available from:
8. de Souza AC, Alexandre NM, Guirardello EB. Psychometric properties in instruments evaluation of reliability and validity. Epidemiol Serv Saúde. 2017;26(3):649-59.
9. Garcia AB, Maziero VG, Rocha FL, Bernardes A, Gabriel CS. Influence of organizational culture on participatory management in health organizations. J Res Fundam Care Online. 2015;7(2):2615-27.
10. Bodur S, Filiz E. A survey on patient safety culture in primary healthcare services in Turkey. Int J Qual Health Care. 2009;21(5):348–55.
11. Tabrizchi N, Sedaghat M. The First Study of Patient Safety Culture in Iranian Primary Health Centers. Acta Med Iran. 2012;50(7): 505-10.
12. Paese F, Sasso TM. Patient safety culture in primary health care. Texto Contexto Enferm. 2013;22(2):302-10.
13. Rodríguez-Cogolloa R, Paredes-Alvaradoa IR, Galicia-Floresa T, Barrasa-Villarb JI, Castán-Ruizc S. [Patient safety culture in family and community medicine residents in Aragon]. Rev Calid Asist. 2014;29(3):143-9. Spanish.
14. Navarro AS, Guimaraes RL, Garanhani ML. [Teamwork and its meaning to professionals working in the family health strategy program]. Rev Min Enferm. 2013;17(1):69-75. Portuguese.
15. Santos RR, Lima EF, Freitas PS, Galavote LS, Rocha SE, Lima RC. [The role of teamwork in Primary Health Care]. Rev Bras Pesq Saúde. 2016;18(1):130-39. Portuguese.
16. Ghobashi MM, El-ragehy HA, Ibrahim HM, Al-Doseri FA. Assessment of Patient Safety Culture in Primary Health Care Settings in Kuwait. Epidemiol Biostat Public Health. 2014;11(3):e9101-1-9.
17. Edwards MT. An Organizational Learning Framework for Patient Safety. Am J Med Qual. 2017;32(2)148-55.
18. Cunha EM, Giovanella L. [Longitudinality/continuity of care: identifying dimensions and variables to the evaluation of Primary Health Care in the context of the Brazilian public health system]. Ciênc Saúde Coletiva. 2011;16(1):1029-42. Portuguese.
19. Webair HH, Al-Assani SS, Al-Haddad RH, Al-Shaeeb WH, Bin Selm MA, Alyamani AS. Assessment of patient safety culture in primary care setting, Al-Mukala, Yemen. BMC Fam Pract. 2015;16(1):136.
20. Marchon SG, Mendes WV Junior. Patient safety in primary health care: a systematic review. Cad Saúde Pública. 2014;30:1815-35.
21. Onocko-Campos RT, Ferrer AL, Gama CA, Campos GW. Trapé TL, Dantas DV. [Assesment of quality of access in primary care in a large Brazilian city in the perspective of users]. Saúde Debate. 2014;38(Spe):252-64. Portuguese.
22. Lima EF, Sousa AI, Leite FM, Lima RC, Souza MH, Primo CC. Evaluation of the Family Healthcare Strategy from the Perspective of Health Professionals. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2016;20(2):275-80.
23. Siman AG, Cunha SG, Brito MJ. The practice of reporting adverse events in a teaching hospital. Rev Esc Enferm. USP. 2017;51:e03243.
24. Farah BF, Dutra HS, Sanhudo NF, Costa LM. [Perception of nurse supervisors on leadership in primary care]. Rev Cuid. 2017;8(2):1638-55. Portuguese.
25. Ritcher JP, McAlearney AS, Pennell ML. Evaluating the effect of safety culture on error reporting: a comparison of managerial and staff perspectives. Am J Med Qual. 2014;30(6):550-8.
26. Chakravarty BA. A survey of attitude of frontline clinicians and nurses towards adverse events. Medic J Armed Forces India. 2013;69(4):335-40.