versão impressa ISSN 1414-462Xversão On-line ISSN 2358-291X
Cad. saúde colet. vol.24 no.4 Rio de Janeiro out./dez. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/1414-462x201600040092
To characterize the assistance to prenatal care, labor and post-partum, taking into account sociodemographic variables in Campina Grande, Paraíba.
Cross-sectional study performed during the 2010 Immunization Campaign. The survey collected information about sociodemographic characteristics and health care of 633 mothers of children younger than one year in Campina Grande. We considered indicators about prenatal care, regarding to labor and post-partum.
The prenatal adequacy was of 79.2% according to the number of appointment, and of 55.5% according to the time of the first appointment. Only 24.3% of deliveries occurred in the assigned maternity hospital; 20.8% parturient peregrinated; 48.0% of deliveries were by C-section and 31.1% of women had the right of a companion during childbirth. Higher maternal schooling showed significant association with the first prenatal appointment before 3 months, cesarean delivery and the presence of a companion in the post-partum. C-section was less frequent for the beneficiaries of Bolsa Família and black-skinned mothers.
Health service inefficiencies were evidenced, since the majority of women were not admitted in the referral maternity hospital and the right to have a companion during labor was not granted.
Keywords: prenatal care; labor; post-labor period; healthcare services; services accessibility; quality of health care
A assistência adequada à gestação e ao parto é essencial para reduzir os índices de morbimortalidade materno-infantil. Estima-se que um quarto dos óbitos infantis e a quase totalidade dos óbitos maternos decorram da prestação de cuidados inadequados desde o início da gestação até o pós-parto imediato1-3. Nesse contexto, vislumbra-se fortalecer os sistemas de saúde e melhorar a qualidade do atendimento recebido por mulheres e crianças para que haja progresso com relação aos resultados obtidos4.
Nas últimas duas décadas, houve, por parte do setor público brasileiro, importante investimento na assistência básica em saúde, com destaque à atuação da Estratégia Saúde da Família, o que levou a um substancial aumento da cobertura da atenção pré-natal, sobretudo nas áreas mais carentes. Entretanto, sugere-se que a assistência oferecida às gestantes tem sido de baixa qualidade. Um estudo que avaliou os óbitos em menores de 1 ano no Brasil no período de 1997-2006, utilizando a lista de mortes evitáveis por intervenções do Sistema Único de Saúde, encontrou redução de todas as mortes evitáveis, exceto daquelas relacionadas a uma adequada atenção pré-natal2.
Em relação ao parto, a situação assemelha-se à da assistência pré-natal, cobertura adequada e problemas na qualidade da atenção ofertada. Nesse sentido, destaca-se a desorganização do sistema de saúde na oferta de leitos obstétricos e neonatais, assim como a precariedade na infraestrutura hospitalar e as limitações técnicas relacionadas ao atendimento obstétrico e perinatal5.
A gravidez, o parto e o nascimento, além de serem influenciados pela organização e pelas práticas dos serviços de saúde, associam-se a fatores socioeconômicos e demográficos, tais como: escolaridade, trabalho, renda, situação conjugal, idade e raça6-9. Nessa conjuntura, as políticas sociais brasileiras, entre elas a da saúde, apresentam como característica marcante o privilegiamento dos grupos sociais mais favorecidos em detrimento dos segmentos de maior vulnerabilidade social10, de modo que as iniquidades em saúde entre grupos e indivíduos representam uns dos traços mais marcantes da situação da saúde do Brasil11.
Assim, a redução das desigualdades em saúde é, atualmente, alvo da atenção de organizações internacionais e do governo brasileiro. Uma das iniciativas brasileiras é o Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal na região Nordeste e na Amazônia Legal. O Pacto tem seis eixos prioritários, englobando a qualificação da atenção ao pré-natal, ao parto e ao recém-nascido12,13. Nesse contexto, a Chamada Neonatal surgiu como ferramenta de avaliação da qualidade do atendimento à saúde no pré-natal, parto e puerpério, na perspectiva de direcionar as ações com a finalidade de reduzir as desigualdades regionais na atenção à saúde da gestante e da criança.
O presente estudo teve por objetivo caracterizar a assistência ao pré-natal, ao parto e ao pós-parto, considerando variáveis sociodemográficas maternas, em Campina Grande, no Estado da Paraíba, com base nos dados da Chamada Neonatal.
Este trabalho é parte da pesquisa Chamada Neonatal desenvolvida pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/FIOCRUZ) e objetivou obter informações sobre a morbidade materna, a morbidade infantil e as ações do Pacto pela Redução da Mortalidade Infantil em uma amostra de mães e crianças menores de 1 ano residentes nos 256 municípios incluídos no Pacto e que compareceram à primeira etapa da campanha nacional de vacinação no dia 12 de junho de 2010. Trata-se de um estudo com delineamento transversal aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da ENSP/FIOCRUZ (CAE: 0058.0.031.000-10).
Fizeram parte do estudo da Chamada Neonatal 252 municípios (98%) dos 256 signatários do Pacto pela Redução da Mortalidade Infantil, envolvendo 17 unidades federativas. O método, incluindo o cálculo do tamanho da amostra e dos fatores de expansão, o processo de amostragem, o treinamento, os instrumentos de coleta dos dados, os aspectos da logística, o controle de qualidade e as perdas amostrais, é descrito detalhadamente na publicação oficial: “Avaliação da atenção ao pré-natal, ao parto e aos menores de um ano na Amazônia Legal e no Nordeste, Brasil, 2010”14 (p. 19-25).
A pesquisa possibilitou produzir estimativas próprias de todas as capitais participantes e ainda estimativas do conjunto de municípios do interior de cada Estado. O desenho amostral para o município de Campina Grande foi definido de forma a produzir estimativas próprias, com tamanho amostral de 618 pares de mãe e filho para desenho por conglomerado, com sorteio em dois estágios, como nas capitais. Ainda houve um acréscimo de 20% para compensar possíveis perdas, o que resultou em 738 pares de mãe e filho.
Dirigido às mães de crianças menores de 1 ano, o questionário incluiu informações sobre características das famílias, atenção pré-natal, atenção ao parto e puerpério. A assistência ao pré-natal foi avaliada considerando as informações sobre o número de consultas de pré-natal (menos que seis consultas e seis ou mais consultas) e idade gestacional à época da primeira consulta de pré-natal (até três meses e mais que três meses). A assistência ao parto foi analisada considerando as seguintes informações: parto realizado no local indicado, peregrinação, parto cesariano e presença de acompanhante no parto. Para a assistência ao pós-parto, a análise considerou a presença de acompanhante, a mamada na primeira hora, o alojamento conjunto e a suplementação da mãe com vitamina A. A distribuição desses indicadores foi analisada segundo as características sociodemográficas maternas: anos de estudo (ensino fundamental incompleto ou completo, ensino médio incompleto ou completo e ensino superior), cor da pele (branca, parda, negra, indígena/amarela), chefe de família mulher (sim e não) e recebimento do benefício do Programa Bolsa Família (sim e não).
Na abordagem analítica, foi realizada análise bivariada, utilizando-se o teste de qui-quadrado de Pearson para verificar possíveis associações existentes entre as variáveis dependentes (variáveis da assistência ao pré-natal, parto e pós-parto) e as independentes (variáveis sociodemográficas maternas). Considerou-se um nível de significância p<0,05 e intervalo de confiança (IC) de 95%. Utilizou-se o software SPSS versão 16 (PASW Inc. Chicago, Estados Unidos) para a análise dos dados.
No município de Campina Grande, a amostra total do estudo constituiu-se de 633 pares de mãe e filho. Foi, portanto, superior ao valor calculado para a amostra considerando o desenho do estudo, representando 55,5% das 1.141 crianças menores de 1 ano vacinadas no dia da campanha de vacinação.
Dentre as mulheres estudadas, 79,2% fizeram seis ou mais consultas de pré-natal, com média de 7,4 (± 2,8). O primeiro atendimento realizou-se até o terceiro mês para 55,5% das gestantes, com média de início de 2,5 (± 1,3) meses. A Tabela 1 apresenta informações sobre a assistência pré-natal segundo as características sociodemográficas maternas. A época de início do pré-natal esteve associada à escolaridade materna. Assim, a maior proporção de mães com primeira consulta até o terceiro mês foi representada por aquelas com ensino médio completo (86,9%) e ensino superior (84,4%) – única diferença significativa observada.
Tabela 1 Indicadores de adequação da assistência pré-natal segundo as características sociodemográficas maternas, em Campina Grande, no Estado da Paraíba, em 2010
Características sociodemográficas | Número de consultas de pré-natala | p | Idade gestacional à época da primeira consulta pré-natalb | p | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
<6 | ≥6 | até 3 meses | 3 meses ou mais | |||||||
n | % | n | % | n | % | n | % | |||
Escolaridade materna | 0,20 | 0,001 | ||||||||
Ensino fundamental incompleto | 37 | 23,7 | 119 | 76,3 | 141 | 80,6 | 34 | 19,4 | ||
Ensino fundamental completo | 5 | 16,7 | 25 | 83,3 | 25 | 80,6 | 6 | 19,4 | ||
Ensino médio incompleto | 21 | 28,0 | 54 | 72,0 | 56 | 67,5 | 27 | 32,5 | ||
Ensino médio completo | 42 | 18,7 | 182 | 81,3 | 213 | 86,9 | 32 | 13,1 | ||
Ensino superior | 12 | 15,8 | 64 | 84,2 | 65 | 84,4 | 12 | 15,6 | ||
Cor da pele | 0,32 | 0,75 | ||||||||
Branca | 22 | 17,6 | 103 | 82,4 | 115 | 83,9 | 22 | 16,1 | ||
Parda | 75 | 22,4 | 260 | 77,6 | 296 | 81,5 | 67 | 18,5 | ||
Negra | 13 | 16,9 | 64 | 83,1 | 68 | 80,0 | 17 | 20,0 | ||
Indígena/amarela | 6 | 22,2 | 21 | 77,8 | 24 | 82,8 | 5 | 17,2 | ||
Chefe da família mulher | 0,45 | 0,43 | ||||||||
Sim | 33 | 20,2 | 130 | 79,8 | 150 | 83,8 | 29 | 16,2 | ||
Não | 85 | 21,2 | 316 | 78,8 | 352 | 80,9 | 83 | 19,1 | ||
Benefício do Programa Bolsa Família | ||||||||||
Sim | 33 | 22,6 | 113 | 77,4 | 0,18 | 123 | 79,9 | 31 | 20,1 | 0,70 |
Não | 85 | 20,2 | 335 | 79,8 | 381 | 82,5 | 81 | 17,5 | ||
Total | 118 | 20,8 | 448 | 79,2 | 342 | 55,5 | 274 | 44,5 |
an=566;
bn=616. Valores que diferem do total devem-se a perdas nas categorias de análise
A assistência ao parto de acordo com as características sociodemográficas encontra-se descrita na Tabela 2. Observa-se que a maioria dos partos não foi realizada no local indicado (24,3%), que quase metade ocorreu na modalidade cesariana (48%) e sem a presença de acompanhante (31,1%). A realização de parto cesáreo apresentou diferenças estatísticas, pois foi maior nas escolaridades mais altas, porém menos prevalente nas mulheres de pele negra e entre as beneficiárias do Programa Bolsa Família.
Tabela 2 Indicadores de adequação da assistência ao parto segundo as características sociodemográficas maternas, em Campina Grande, no Estado da Paraíba, em 2010
Características sociodemográficas |
Parto realizado no local indicadoc | p | Admitida para o parto sem peregrinaçãod | p |
Parto cesarianoe |
p | Presença de acompanhantef | p | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n | % | N | % | n | % | n | % | |||||
Escolaridade materna | 0,73 | 0,09 | 0,001 | 0,31 | ||||||||
Ensino fundamental incompleto | 18 | 24,7 | 143 | 80,8 | 65 | 36,7 | 47 | 28,7 | ||||
Ensino fundamental completo | 4 | 36,4 | 24 | 75,0 | 10 | 31,3 | 8 | 27,6 | ||||
Ensino médio incompleto | 10 | 29,4 | 58 | 70,7 | 39 | 48,8 | 20 | 25,0 | ||||
Ensino médio completo | 26 | 24,1 | 209 | 82,9 | 138 | 55,0 | 78 | 32,6 | ||||
Ensino superior | 7 | 18,4 | 58 | 73,4 | 44 | 55,7 | 29 | 39,7 | ||||
Cor da pele | 0,48 | 0,51 | 0,001 | 0,52 | ||||||||
Branca | 13 | 21,0 | 113 | 80,7 | 69 | 49,3 | 41 | 31,8 | ||||
Parda | 38 | 24,5 | 285 | 77,4 | 175 | 47,8 | 105 | 30,5 | ||||
Negra | 8 | 21,6 | 74 | 84,1 | 38 | 43,7 | 31 | 36,0 | ||||
Indígena/amarela | 5 | 41,7 | 23 | 82,1 | 17 | 60,0 | 6 | 21,4 | ||||
Chefe da família mulher | 0,24 | 0,39 | 0,28 | 0,14 | ||||||||
Sim | 21 | 29,6 | 137 | 77,0 | 77 | 43,3 | 60 | 35,7 | ||||
Não | 44 | 22,6 | 357 | 80,0 | 220 | 49,7 | 123 | 29,4 | ||||
Benefício do Programa Bolsa Família | 0,07 | 0,49 | 0,01 | 0,51 | ||||||||
Sim | 44 | 21,7 | 377 | 79,9 | 57 | 37,3 | 48 | 33,3 | ||||
Não | 21 | 32,8 | 119 | 77,3 | 242 | 51,5 | 135 | 30,4 | ||||
Total | 65 | 24,3 | 496 | 79,2 | 299 | 48,0 | 183 | 31,1 |
cn=267 (gestante que recebeu indicação);
dn=626 (gestante atendida no primeiro serviço de saúde que buscou);
en=623;
fn=588 (acompanhante no momento do parto). Valores que diferem do total devem-se a perdas nas categorias de análise
Conforme evidenciado na Tabela 3, que trata da assistência pós-parto segundo as características sociodemográficas maternas, a presença de acompanhante apresentou diferença estatística significante conforme a escolaridade materna, com maior proporção entre mães que possuíam escolaridade mais elevada. Situação similar à anterior constatou-se para as mães de famílias não beneficiadas pelo Programa Bolsa Família. A amamentação na primeira hora apresentou diferenças condicionadas pela cor da pele da mãe, com maior proporção nas mulheres negras, enquanto a suplementação de vitamina A foi mais frequente quando a mãe identificou-se como chefe de família (p=0,01).
Tabela 3 Indicadores de adequação da assistência ao pós-parto segundo as características sociodemográficas maternas, em Campina Grande, no Estado da Paraíba, em 2010
Características sociodemográficas |
Presença de acompanhanteg | p | Mamada na primeira horah | p | Alojamento conjuntoi | p | Suplementação da vitamina Aj | p | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | n | % | n | % | |||||
Escolaridade materna | 0,03 | 0,42 | 0,42 | 0,65 | ||||||||
Ensino fundamental incompleto | 140 | 83,8 | 131 | 74,0 | 161 | 91,0 | 120 | 76,4 | ||||
Ensino fundamental completo | 29 | 90,6 | 19 | 61,3 | 25 | 80,6 | 21 | 72,4 | ||||
Ensino médio incompleto | 69 | 86,3 | 61 | 74,4 | 75 | 92,6 | 54 | 81,8 | ||||
Ensino médio completo | 229 | 93,1 | 171 | 67,9 | 224 | 89,2 | 162 | 80,2 | ||||
Ensino superior | 69 | 92,0 | 57 | 72,2 | 69 | 89,6 | 49 | 83,1 | ||||
Cor da pele | 0,28 | 0,04 | 0,43 | 0,13 | ||||||||
Branca | 122 | 89,7 | 92 | 66,2 | 123 | 88,5 | 96 | 87,3 | ||||
Parda | 311 | 88,4 | 258 | 70,1 | 326 | 89,6 | 240 | 77,4 | ||||
Negra | 79 | 90,8 | 73 | 83,0 | 83 | 94,3 | 55 | 75,3 | ||||
Indígena/amarela | 27 | 100,0 | 18 | 64,3 | 24 | 85,7 | 17 | 77,3 | ||||
Chefe da família mulher | 0,06 | 0,74 | 0,74 | 0,01 | ||||||||
Sim | 150 | 85,7 | 128 | 71,9 | 161 | 90,4 | 133 | 86,4 | ||||
Não | 389 | 90,9 | 414 | 70,6 | 395 | 89,6 | 275 | 76,0 | ||||
Benefício do Programa Bolsa Família | 0,04 | 0,97 | 0,17 | 0,14 | ||||||||
Sim | 124 | 84,9 | 109 | 70,8 | 141 | 92,8 | 100 | 74,6 | ||||
Não | 416 | 90,8 | 334 | 70,9 | 417 | 88,9 | 309 | 80,7 | ||||
Total | 540 | 89,4 | 443 | 70,9 | 558 | 89,9 | 409 | 65,3 |
gn=604 (acompanhante no período do pós-parto);
hn=625;
in=621;
jn=626. Valores que diferem do total devem-se a perdas nas categorias de análise
A proporção de mães do presente estudo com seis ou mais consultas de pré-natal (79,2%) foi similar à evidenciada para a região Nordeste, de 77,9%, segundo os resultados da Chamada Neonatal a partir do estudo de 9.243 mulheres de todos os Estados nordestinos14. Outros inquéritos transversais recentes desenvolvidos em cidades dessa mesma região mostraram proporções semelhantes, com 82,4% em município do interior da Paraíba15 e 81,5% em dois municípios do Piauí16. No entanto, pesquisas de âmbito nacional encontraram resultados bem mais baixos no Nordeste: 65,6% segundo a pesquisa Nascer no Brasil, de 2011, em uma amostra nacional de 23.940 mulheres17 e 63,8% segundo estudo de base hospitalar, em 2011 e 2012, com 23.894 mulheres18. Esses resultados mostram disparidades que ainda persistem em relação à adequação pré-natal.
Quanto ao início precoce do acompanhamento pré-natal, a situação de Campina Grande foi insatisfatória quando comparada a outras realidades2,15,16. Igualmente inferiores foram os resultados desta pesquisa na sua comparação com o perfil regional: enquanto, no presente estudo, 55,5% das mulheres realizaram a primeira consulta no primeiro trimestre de gravidez, essa proporção foi de 79,2% na Chamada Neonatal para o Nordeste14. De modo similar, a pesquisa Nascer no Brasil apontou 73,7% das gestantes nessa região com início do pré-natal nesse mesmo período17. Esses resultados podem ter repercussões negativas para as gestantes de Campina Grande, pois o início do pré-natal oportuno possibilita identificar antecipadamente gestações de risco, bem como a realização do número de consultas e exames pré-natais necessários à preservação da saúde materno-infantil15.
No contexto anterior, preocupante também é a constatação, evidenciada aqui, da associação inversa entre a escolaridade materna e o início do pré-natal, corroborando os resultados de outros estudos 17,19-22. Em pesquisas de âmbito nacional que utilizaram indicadores compostos, a adequação do pré-natal também se associou à melhor situação da escolaridade materna18,23. O atendimento diferenciado de acordo com a escolaridade da mãe revela uma distorção na assistência prestada ao parto, mais ligada, ao que parece, a fatores extratécnicos, como os econômicos, do que às questões relacionadas à saúde do binômio mãe-filho24. Essas circunstâncias podem ter consequências negativas, por exemplo, prematuridade, baixo peso ao nascer e problemas perinatais, inclusive mortalidade, particularmente nas regiões Norte e Nordeste, que são as menos desenvolvidas economicamente18,19,23.
Outro aspecto preocupante relacionado aos resultados deste estudo foi a baixa proporção de mulheres que realizaram o parto no serviço indicado durante o pré-natal. Esses achados são concordantes com os da Chamada Neonatal, que apontou taxa geral de 18%14 e de 8,6% para as mulheres que realizaram o parto em serviços públicos23. Esses dados mostram a violação do direito da gestante de conhecer e estar vinculada à maternidade onde receberá assistência no âmbito do Sistema Único de Saúde25, situação que parece mais marcada quando se depende dos serviços públicos.
Observou-se, no presente estudo, 48% dos partos na modalidade cesariana, comparável com a proporção de 48,6% registrada na Chamada Neonatal Nordeste17. A pesquisa Nascer no Brasil, ao analisar as gestantes de risco obstétrico habitual nessa mesma região26, encontrou uma proporção de cesarianas de 44,8%. Os dados do presente estudo, portanto, são condizentes com as tendências regionais e nacionais de intervenções desnecessárias no parto.
A escolaridade materna foi condição associada ao tipo de parto, indicando-se, similarmente a resultados anteriores21,22,24,26, a maior frequência de parto cesáreo entre mulheres com mais escolaridade. Essa hipótese pode explicar ainda o incremento nas taxas de parto cesáreo verificado nas mães que não eram inscritas no Programa Bolsa Família, de melhor nível educacional e de renda. Esses fatores estimulam a decisão por um parto não natural22.
Neste estudo, encontrou-se proporção significativamente menor de cesarianas em mulheres negras (43,7%). Vários autores apontam que a chance de realizar parto cesariano entre mulheres brasileiras negras é menor do que entre as mulheres de outra raça/cor26-28.
Evidencia-se, assim, a necessidade de um melhor entendimento das condições promotoras do aumento de partos cesarianos no Brasil, pois estes se encontram acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde29, representando riscos e/ou desvantagens, tais como: um período de recuperação mais longo; maior morbidade materna, incluindo maior risco de parada cardiorrespiratória pós-cirurgia; hematoma de incisão; histerectomia; infecção puerperal e complicações anestésicas; risco aumentado de problemas respiratórios neonatais (síndrome da angústia respiratória e taquipneia transitória do recém-nascido)30. Verifica-se ainda que, em mulheres submetidas à cesariana, a probabilidade de início e manutenção do aleitamento materno exclusivo é inferior31. Destarte, como comentado por outros pesquisadores, políticas públicas dirigidas à redução das taxas de cesarianas no país são urgentes e necessárias27.
Em relação à presença de acompanhante, a minoria (31,1%) dos partos de Campina Grande ocorreu nessa condição, tendência (29,8%) que também se encontrou entre as parturientes da região Nordeste da Chamada Neonatal14. A pesquisa Nascer no Brasil, ao analisar 23.879 gestantes brasileiras, encontrou proporção de 32,7%32. Verifica-se, portanto, a violação desse direito garantido por lei no Brasil33, podendo contribuir, dentre outros, com o aumento de cesarianas, menor satisfação materna e valores inadequados do escore de Apgar no quinto minuto para o recém-nascido34. Nesse sentido, há que ressaltar a importância paterna, cuja participação se associa a benefícios como: diminuição do tempo de trabalho de parto, do uso de medicações e de cesáreas; aumento do Apgar do bebê e do tempo de amamentação; vínculo afetivo com a mulher e filho, o que favorece a saúde deles35.
No que concerne à assistência ao pós-parto, observou-se diferença significante relacionada à amamentação na primeira hora segundo a cor da pele da mãe, com maior percentual de mães autodeclaradas negras que indicaram amamentar o bebê na primeira hora após o parto. Estudos desenvolvidos em outras localidades do Brasil também têm encontrado associação entre a etnia materna e as condições da amamentação36-38, com diversidade de resultados. Na pesquisa Nascer Brasil, por exemplo, as mães indígenas amamentaram mais na primeira hora, seguidas das que se declararam negras39. A etnia constitui um importante fator de desigualdade social que condiciona a forma de viver e de vulnerabilidade do ponto de vista de inserção social40. No entanto, outros pesquisadores argumentam o pouco poder de decisão das mães no que se refere à amamentação, ficando reféns das práticas institucionais e dos profissionais envolvidos no parto41,42, fatos que podem estar relacionados com os resultados contrapostos sobre a probabilidade de uma determinada raça influenciar a amamentação.
As desigualdades sociais se associaram com as disparidades quanto ao acompanhamento no período pós-parto entre as mulheres estudadas de Campina Grande segundo a escolaridade materna e o recebimento de benefício do Programa Bolsa Família. Corroborando as associações estatísticas encontradas, Soares e Schor43 apontaram em seu estudo que um maior grau de instrução e a melhor condição socioeconômica permitem às pessoas um entendimento adequado das informações que envolvem sua saúde e a correta utilização dos serviços disponibilizados.
Nesse sentido, acrescenta-se que condições estruturais e organizacionais inadequadas dos hospitais, ausência de uma política institucional de humanização efetiva e o desconhecimento por parte das mulheres e dos próprios acompanhantes sobre seus direitos dificultam a presença do acompanhante. Sendo assim, a escolaridade materna é, portanto, fator preponderante à medida que influencia a aquisição de conhecimentos e oferece à mãe entendimento para buscar seus direitos e usufruir deles44.
Neste estudo, as mulheres tidas como chefes de família foram as que mais receberam suplementação com vitamina A no pós-parto. Apesar de a literatura consultada não abordar associação semelhante, Chagas et al.45 defendem que as mães chefes de família dispõem, a seu favor, de poder para utilizar, controlar e alocar recursos disponíveis para garantir um adequado cuidado à saúde da criança.
As diferenças na utilização dos serviços de saúde podem gerar desvantagens na assistência à saúde, com piores indicadores para as mulheres atendidas nos serviços públicos46. Isso implica a necessidade de ações para melhorar a assistência pública de saúde, pois o seu público apresenta maiores limitações de acesso e problemas de saúde3.
Possíveis limitações do presente estudo podem derivar-se do erro de recordatório e do viés de seleção. A captação de participantes em dia de multivacinação é afetada por viés de seleção, pois há mães que não vão ao serviço de saúde em busca desse serviço, que também é oferecido outros dias. Ainda, a limitação do período de entrevistas apenas em um dia pode gerar vieses nos resultados.
Os autores declaram não possuir conflitos de interesse em relação às posições aqui apresentadas, não mantendo nenhum vínculo com instituições de execução ou regulação relacionadas às unidades de saúde.
O estudo evidenciou lacunas na organização dos serviços de saúde, sobretudo na assistência ao parto. Na grande maioria dos casos, a vinculação da gestante ao local do parto não ocorreu. Além disso, inúmeras parturientes peregrinaram por mais de um hospital até serem atendidas e o direito à presença do acompanhante durante o parto não foi garantido. Esses aspectos – direitos das gestantes que devem ser garantidos por lei – foram ignorados, constituindo-se, assim, em violações no acesso à maternidade segura em Campina Grande.
Conclui-se também que, apesar da universalização do acesso das gestantes ao pré-natal, parto e pós-parto, as desigualdades na assistência à sua saúde e do concepto manifestam-se segundo estrato social e econômico, com marcada influência da escolaridade materna. Assim sendo, torna-se fundamental intensificar o processo educativo das gestantes, independente do nível social, cultural e econômico, visando a uma assistência de qualidade de maneira a repercutir nos riscos de morbimortalidade.
Os resultados apresentados no presente estudo servem de alerta aos gestores e profissionais de saúde sobre a necessidade de capacitação e reorganização da assistência ao pré-natal, parto e puerpério no município. Nesse sentido, torna-se fundamental a instituição de uma rede de cuidados que assegure às mulheres o direito ao planejamento reprodutivo e à atenção humanizada à gravidez, ao parto, ao puerpério, e o direito ao nascimento e ao desenvolvimento saudável das crianças, como instituído na estratégia da Rede Cegonha do Ministério da Saúde.