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Assistência em saúde bucal na percepção das pessoas com deficiência visual

Assistência em saúde bucal na percepção das pessoas com deficiência visual

Autores:

Mariana Martins Ortega,
Tânia Adas Saliba,
Artênio José Ísper Garbin,
Cléa Adas Saliba Garbin

ARTIGO ORIGINAL

Cadernos Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1414-462Xversão On-line ISSN 2358-291X

Cad. saúde colet. vol.27 no.3 Rio de Janeiro jul./set. 2019 Epub 30-Set-2019

http://dx.doi.org/10.1590/1414-462x201900030098

Abstract

Background

approximately 285 million people are visually impaired, oral health care to people with visual impairment differs due to the conditions’ limitations, which may affect the individuals’ dental care.

Objective

to evaluate the access and satisfaction of people with visual impairment to oral health services and their relationship with the economic condition.

Method

this is a cross-sectional quantitative study involving people with visual impairment of an Institute for the Blind. A semi-structured questionnaire was used to obtain data, where variables were: access to oral health services, satisfaction and socioeconomic status. After the data collection, the data were tabulated by Epi Info 7.2.

Results

of the total number of respondents (n = 72), 65.28% were males, with a mean age of 34.6 years. Regarding access to oral health services, 56.9% of the interviewees reported that the last visit to the dentist was less than one year, and the majority (84.3%) classified the treatment of the last consultation with good or very good. Access to oral health services occurred in both the public and private systems, regardless of the economic class of the respondent (p = 0.174).

Conclusion

in spite of the positive results, access and dental care for people with visual impairment requires the creation and expansion of inclusion and accessibility policies.

Keywords:  vision disorders; access to health services; social class

INTRODUÇÃO

A deficiência visual acomete aproximadamente 285 milhões de pessoas em todo o mundo, sendo que 39 milhões são cegos e 246 milhões têm baixa visão. No Brasil, essa condição está presente em 6,5 milhões de pessoas, sendo 582 mil cegas e seis milhões com baixa visão, segundo o Censo 2010. Aproximadamente 90% das pessoas com deficiência visual vivem em países em desenvolvimento1,2.

A expressão “deficiência visual” se refere ao espectro que vai da cegueira total até a visão subnormal ou baixa visão, que é caracterizada pela alteração da capacidade funcional visual3. As pessoas com deficiência visual podem encontrar desafios em diversas áreas da vida, desde barreiras físicas, adaptação ao processo educacional e inserção na sociedade até atividades da rotina diária, como vestir-se, alimentar-se e realizar a higiene pessoal4.

De acordo com o disposto na Constituição Federal do Brasil de 1988, em seu Artigo 6.º, “São direitos sociais: a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados”5. Desta forma, a Previdência Social concede o Benefício de Prestação Continuada da Lei Orgânica da Assistência Social (BPC/Loas) às pessoas com deficiência que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que, de alguma forma, impedem a participação plena na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, desde que a renda familiar desse indivíduo seja menor que um quarto do salário mínimo. Assim, algumas pessoas com deficiência visual estão aptas a receber esse benefício, que se equivale ao valor do salário mínimo vigente no Brasil6.

Pode-se classificar a maioria dos portadores de deficiência visual como pertencente à classe C2, de acordo com o Critério de Classificação Econômica Brasil (CCEB - Critério Brasil 2015), que tem a função de estimar o poder de compra das pessoas e famílias urbanas. Assim, a divisão de mercado é definida exclusivamente em classes econômicas: A, B1, B2, C1, C2, D-E7.

O SUS só foi implantado em 1988, no qual era garantido o acesso à saúde bucal para todos. Porém, esse acesso era extremamente difícil e limitado, fazendo com que as pessoas se acostumassem a só procurar atendimento odontológico em casos de dor. O principal tratamento oferecido pela rede pública era a extração dentária, perpetuando a visão da Odontologia mutiladora e do cirurgião-dentista com atuação apenas clínica. As primeiras ações de prevenção e serviços de restaurações dentárias só ocorreram por volta de 1989, no entanto, eram direcionados apenas para crianças de 6 a 12 anos. Em 2001, foi lançada a Portaria n.º 267, que considerou a ampliação do acesso da população brasileira às ações de promoção e recuperação da saúde bucal. Contudo, isso só ocorreu realmente em 2003, quando o Ministério da Saúde lançou o programa “Brasil Sorridente”, que se constitui de uma série de medidas que têm como objetivo garantir as ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde bucal dos brasileiros8.

A prestação de cuidados com a saúde bucal à pessoa com deficiência visual difere das demais quanto ao acesso físico e às informações, e à metodologia de procedimento, bem como deficiências associadas ou condições médicas que afetam o atendimento odontológico. Indivíduos com deficiência visual podem preferir frequentar o mesmo profissional por muitos anos, pois isso faz com que as rotas e os layouts de construção possam ser aprendidos e memorizados, assim como os procedimentos realizados sempre da mesma maneira pelo mesmo profissional, para que se tornem familiares9.

A satisfação do usuário aparece como uma forma de avaliar a qualidade da assistência à saúde. Essa satisfação é um importante indicador de resultados em relação ao comportamento em saúde, além de ser determinante no uso de serviços, pois pacientes insatisfeitos podem criar uma resistência em seguir orientação profissional, levando os mesmos a evitar o retorno ou a busca pelo serviço para referências futuras10,11.

Diante das dificuldades encontradas pela pessoa com deficiência visual, o objetivo do estudo foi avaliar o acesso das pessoas com deficiência visual aos serviços de saúde bucal e a satisfação delas com o atendimento, além de verificar se há alguma relação com a condição econômica.

MÉTODO

Trata-se de um estudo quantitativo, de caráter transversal, cuja população de estudo foram pessoas com deficiência visual (cegueira total e baixa visão), de um instituto para cegos da cidade de São José do Rio Preto, interior paulista, em 2017/2018.

Para a aprovação da pesquisa, foi encaminhado um ofício ao instituto explicando os objetivos e os benefícios da mesma. Todos os frequentadores do instituto foram convidados a participar da pesquisa e, do total de 150 matriculados, 72 participaram. A pesquisa obteve a aprovação do Comitê de Ética em pesquisa pela Plataforma Brasil (Processo n.º 2.440.484).

A amostra foi selecionada por comodidade, porém de forma aleatória, ou seja: pessoas com deficiência visual de um único instituto foram avaliadas, contudo, todas eram selecionadas aleatoriamente durante a pesquisa.

O viés deve ser considerado devido ao fato de a amostra ser de um único local. Foi realizado um cálculo amostral de acordo com a população do instituto, com o nível de confiabilidade de 90% e o erro amostral considerado foi de 7%.

Os critérios de inclusão foram: capacidade de responder ao questionário, assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, e os que estavam presentes nos dias das visitas. Os critérios de exclusão foram: indivíduos que possuíam deficiência intelectual ou que não compreendiam as perguntas, e que não estavam presentes nos dias das visitas.

Um questionário semiestruturado com perguntas abertas e fechadas foi desenvolvido pelos pesquisadores com bases em outros artigos sobre o tema. As variáveis pesquisadas foram: gênero, tipo de deficiência visual, tempo dessa deficiência, dificuldades encontradas, acesso e satisfação sobre os serviços de saúde bucal, e condição socioeconômica. O questionário foi aplicado individualmente, por um examinador calibrado, o qual escrevia a resposta exatamente da forma como o pesquisado respondeu. Essa opção foi adotada devido à condição da população estudada e pela impossibilidade de transcrição do questionário para o braille, pois nem todos os pesquisados sabiam ler braille.

As perguntas abertas foram relacionadas às variáveis: tempo de deficiência e as dificuldades encontradas. O tempo de deficiência foi categorizado: em congênita e adquirida. E as dificuldades foram elencadas como um ranking, por exemplo, a mais citada.

A análise de dados foi descritiva, sob a forma de frequência relativa, absoluta e analítica, na qual foi realizada a comparação entre variáveis categóricas por meio do teste Qui-quadrado, do teste Exato de Fisher ou a razão da máxima verossimilhança, com nível de significância de 5% (p < 0,05). Os dados foram tabulados pelo Epi Info 7.2 e a análise foi realizada pelo BioEstat 5.3.

RESULTADOS

Do total de pesquisados (n=72), 65,3% são do sexo masculino, com média de idade de 34,6 anos, 50% possuem cegueira total e 62,5% têm cegueira adquirida, que é a perda da visão ao longo da vida. A maioria (87,1%) dos pesquisados pertencia às classes econômicas C, D e E. Note-se que 77,2% dos entrevistados relataram alguma dificuldade no acesso aos serviços. (Tabela 1).

Tabela 1 Caracterização das pessoas com deficiência visual do Instituto de Cegos de São José do Rio Preto-SP, Brasil (2017/2018) 

Variáveis n %
Gênero
Masculino 47 65,3
Feminino 25 34,7
Nível de deficiência
Cegueira total 36 50,0
Baixa visão 36 50,0
Tipo de deficiência
Congênita 27 37,5
Adquirida 45 62,5
Classe Econômica
Classe B 09 12,5
Classe C 38 53,8
Classe D-E 24 33,3
Não respondeu 01 1,4
Dificuldades encontradas
Não 16 22,2
Sim 56 77,8
Total 72 100,0

n = número de indivíduos entrevistados; % = porcentagem de indivíduos entrevistados

Em relação ao acesso aos serviços de saúde bucal, 56,9% dos entrevistados relataram que a última visita ao dentista fazia menos de um ano e 20,8%, entre um e dois anos. A pergunta acerca do local onde foi realizada a última consulta resultou nos seguintes dados: 47,1% no serviço público e 52,9% no particular. Em relação ao motivo de ter ido ao dentista, 42,9% alegaram ter ido realizar uma revisão e 37,1%, tratamentos gerais. A maioria (84,3%) classificou o tratamento da última consulta como bom ou muito bom (Tabela 2).

Tabela 2 Análise das variáveis relacionadas ao acesso a serviços de saúde bucal. São José do Rio Preto-SP, Brasil (2017/2018) 

Variáveis n %
Quando foi a sua última visita ao dentista?
Nunca foi 02 2,8
Menos de 1 ano 41 56,9
De 1 ano a 2 anos 15 20,8
De 3 anos ou mais 14 19,4
Total 72 100,0
Local da última consulta
Serviço Público 33 47,1
Particular 37 52,9
Motivo da consulta
Revisão 30 42,9
Dor 05 7,1
Tratamento Geral 26 37,1
Tratamento Ortodôntico 04 5,7
Outros 05 7,1
O que você achou do tratamento da última consulta?
Muito ruim 02 2,9
Ruim 01 1,4
Regular 08 11,4
Bom 35 50,0
Muito bom 24 34,3
Total 70 100,0

n = número de indivíduos entrevistados; % = porcentagem de indivíduos entrevistados

Não foi encontrada significância estatística nos cruzamentos entre classe econômica e local do último atendimento, ou seja, pode-se dizer que o acesso aos serviços de saúde ocorreu tanto no serviço público quanto no privado, independentemente da classe econômica do pesquisado (p=0,174) (Tabela 3).

Tabela 3 Comparação do local da última consulta com classe econômica, classificação do tratamento e motivo do tratamento. São José do Rio Preto-SP, Brasil (2017/2018) 

Variáveis Onde foi a última consulta? p-valor
Serviço Público Serviço Particular
n % n %
Classe Econômica 0,174**
Classe B 3 9,1 6 16,7
Classe C 16 48,5 22 61,1
Classe D-E 14 42,4 8 22,2
O que você achou do tratamento?
Última consulta?
0,444
Muito ruim / Ruim / Regular 5 15,2 6 16,2
Bom 19 57,6 16 43,2
Muito bom 9 27,3 15 40,5
Motivo 0,663**
Revisão 16 48,5 14 37,8
Dor 2 6,1 3 8,1
Tratamento Geral / Ortodo / Outros 15 45,5 20 54,1

**Razão da Máxima Verossimilhança;

n = número de indivíduos entrevistados; % = porcentagem de indivíduos entrevistados

Não houve diferença estatisticamente significante entre a classificação do tratamento e o local da última consulta (p=0,444), ou seja, no serviço público ou particular, todos os tratamentos foram considerados bons ou muito bons (Tabela 3).

Não foi encontrada relação estatisticamente significante entre o motivo do tratamento e a classificação do tratamento (p=0,386), ou seja, o motivo do tratamento não interfere se o atendimento foi bom, regular ou ruim (Tabela 4).

Tabela 4 Comparação do motivo da consulta com a classificação do atendimento. São José do Rio Preto-SP, Brasil (2017/2018) 

Variáveis O que você achou do tratamento? p-valor
Muito ruim / Ruim / Regular Bom Muito bom
n % n % n %
Motivo 0,386**
Revisão 02 18,2 18 51,4 10 41,7
Dor 01 9,1 02 5,7 02 8,3
Tratamento Geral / Ortodo / Outros 08 72,7 15 42,9 12 50,0

**Razão da Máxima Verossimilhança;

n = número de indivíduos entrevistados; % = porcentagem de indivíduos entrevistados

A locomoção e a impossibilidade de sair sozinho foram as maiores dificuldades encontradas no acesso aos serviços de saúde bucal pelos entrevistados.

DISCUSSÃO

No Brasil, o acesso a serviços de saúde bucal era difícil e apenas depois do Programa “Brasil Sorridente” foi que esse acesso melhorou; porém, ele ainda não consegue atender a todos e, com isso, o atendimento no setor privado também é procurado12. Devido às dificuldades diárias encontradas pelas pessoas com deficiência visual, é de extrema importância avaliar o acesso dessas pessoas aos serviços de saúde bucal4.

Neste estudo, há uma maior prevalência do gênero masculino para a deficiência visual, corroborando com outros estudos13,14. Os pesquisados foram divididos em cegueira total e baixa visão, o que resultou em metade com cegueira total, ao contrário do que pode ser observado no estudo de Zhang et al.15, no qual a maioria dos pesquisados possuía baixa visão ou visão subnormal. Ainda neste estudo, em relação à deficiência ser congênita ou adquirida, podemos ressaltar que a adquirida foi a mais frequente, devido à prevalência da deficiência adquirida ser cerca de dez vezes maior que a deficiência congênita16.

Conforme prevê a Lei n.º 8.080 de 19 de setembro de 1990, em seu Artigo 2.º, “[...] a saúde é um direito fundamental do ser humano [...]” e o Parágrafo 1.º prevê que “[...] é dever do Estado garantir a saúde [...] e estabelecer condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços de saúde para a sua promoção, proteção e recuperação [...]17”. Apesar de o acesso aos serviços de saúde bucal público ser um direito de todo indivíduo, deve-se ressaltar que os serviços privados também são oferecidos para a população, o que gera uma divisão no uso dos serviços.

Neste estudo, a maioria dos pesquisados pertence às classes C e D-E, de acordo com o CCEB7. Note-se que o mesmo pode ser observado no estudo de Oliveira et al.18, que avaliaram o perfil socioeconômico, a formação profissional e o estado de saúde de pessoas com deficiência visual, resultando em uma maior prevalência destas pertencentes à classe C, mesmo porque boa parte das pessoas com deficiência visual não pode ou não tem a oportunidade de trabalhar e elas acabam precisando do benefício para poder sobreviver. Tal situação é demonstrada no estudo de Almeida et al.19, que, ao entrevistarem pessoas com deficiência, estas relataram que o processo de inserção do deficiente no mercado de trabalho tem se dado com ressalvas, pois faltam informações sobre como inseri-los nas empresas.

Apesar de, no presente estudo, as pessoas com deficiência visual pertencerem a classes econômicas baixas, estes tiveram acesso aos serviços odontológicos tanto no serviço público quanto no particular, independentemente da sua classe econômica. Porém, outros estudos20,21 mostram que geralmente as classes mais baixas utilizam o serviço público com mais frequência. Essa diferença pode ser explicada devido ao aumento das clínicas populares e a difusão dos convênios odontológicos, que oferecem serviços por um custo mais baixo e acessível, tornando-se opções para essas pessoas22,23.

No presente estudo, nota-se uma alta prevalência do uso de serviços odontológicos entre portadores de deficiência visual, em que a maioria foi ao dentista havia menos de dois anos. O mesmo pode ser demonstrado no Programa Nacional de Saúde Bucal (SB Brasil 2010), no qual a maioria havia ido ao dentista há menos de dois anos24. Desta forma, verifica-se que a frequência de visita ao cirurgião-dentista das pessoas com deficiência visual foi semelhante à população em geral. Isso pode ser explicado devido à existência dos programas de prevenção e promoção de saúde promovidos pelas Equipes de Saúde Bucal (ESBs) na Estratégia Saúde da Família (ESF)25.

O fato de as pessoas com deficiência visual procurarem o dentista regularmente demonstra que os mesmos, por não enxergarem, apresentam uma maior necessidade de ir ao cirurgião-dentista periodicamente, pois eles não conseguem perceber a real condição da sua saúde bucal. Isso pode ser confirmado pelo o estudo de Cericato e Lamha26 sobre os hábitos de saúde bucal de portadores de deficiência visual no contexto da saúde coletiva, no qual os deficientes visuais afirmaram ter procurado o dentista a cada seis meses.

Essa procura por atendimento odontológico, neste estudo, foi um pouco maior no serviço privado, porém não houve diferença significante entre os dois tipos de serviço, o que não foi encontrado no estudo de Moimaz et al.27, que avaliaram o acesso de crianças aos serviços de saúde e observaram que a maioria teve acesso ao serviço público. Pode ser observada maior procura pelo serviço privado, pois as pessoas com deficiência visual gostam de rotina, ou seja, preferem ser atendidas sempre pelo mesmo profissional, o que tende a ser mais comum no serviço privado, já que os cirurgiões-dentistas no serviço público tendem a fazer horários de plantões9.

A procura pelo cirurgião-dentista é sempre motivacional e esta pode ser por prevenção, tratamento geral, dor, entre outros. Neste estudo, tivemos uma semelhança entre revisão e prevenção, e tratamentos gerais, o que ressalta que a pessoa com deficiência visual dá importância à sua saúde bucal, pois a falta da visão gera uma insegurança em relação à mesma, fazendo com que as pessoas com deficiência visual procurem o dentista para revisão ou prevenção frequentemente. Essa condição também é retratada no SB Brasil 201024, no qual a revisão e os tratamentos gerais foram indicados como os maiores motivos de procura do cirurgião-dentista, mostrando que a população em geral também se preocupa com a saúde bucal. Esses dados mostram a eficiência do programa “Brasil Sorridente”, em que as pessoas têm se preocupado mais com a sua saúde bucal e buscado o cirurgião-dentista para prevenções e tratamentos12.

Neste estudo, as pessoas com deficiência visual procuram o cirurgião-dentista por revisão e/ou prevenção com frequência, porém programas de educação em saúde bucal para esses indivíduos ainda são necessários, pois há uma necessidade de reforçar as técnicas de escovação, orientar sobre dieta cariogênica e tirar dúvidas frequentes sobre a saúde bucal4,28,29.

Além de avaliar o acesso, é preciso saber se o serviço utilizado foi satisfatório para o usuário e, no presente estudo, a maioria dos pesquisados avaliou o tratamento da última consulta como muito bom ou bom, o que corrobora com vários outros estudos24,27,30. Vale a pena ressaltar que essa satisfação independe do local de atendimento, ou seja, tanto o serviço público quanto o privado promoveram um serviço bom ao usuário, na percepção dos mesmos. O motivo da consulta também não interferiu na satisfação do usuário, pois geralmente um tratamento odontológico tende a trazer maior insegurança ao paciente. Isso demonstra que os usuários estão satisfeitos com os serviços odontológicos prestados, seja ele público ou particular.

Apesar de terem avaliado os serviços odontológicos como bom ou muito bom, neste estudo, os entrevistados relataram que a maior dificuldade no acesso é a locomoção e o fato de não poderem ir às consultas sozinhos. A necessidade de um acompanhante pode ser explicada pela falta de segurança em transitar no meio social sozinho, pela presença de possíveis barreiras arquitetônicas e sociais, ou pelo fato de uma atitude bastante frequente em relação às pessoas com deficiência visual: o sentimento de pena e a superproteção por parte dos cuidadores e familiares31. Mesmo com todos esses desafios, nem o acesso e nem a satisfação em relação aos serviços de saúde bucal foram afetados.

A satisfação das pessoas com deficiência visual em relação aos serviços de saúde bucal demonstra que as mesmas se sentem acolhidas e humanizadas nesses estabelecimentos, já que, às vezes, elas são discriminadas por sua condição na maioria dos lugares32,33.

Conclui-se que, apesar de as pessoas com deficiência visual terem acesso e estarem satisfeitas com os serviços de saúde bucal oferecidos a elas, são necessárias políticas de inclusão e de acessibilidade mais intensas para essas pessoas, para que elas continuem cuidando da sua saúde bucal. Conclui-se também que o acesso ao serviço de saúde bucal independe da condição financeira das pessoas com deficiência visual.

Como limitação do estudo, destaca-se a amostra ser de um único local − o que pode gerar viés na pesquisa – e a falta de um grupo controle, assim como a ausência de artigos sobre o tema na literatura. Com isso, novos estudos devem ser realizados para um melhor aprofundamento sobre o tema, principalmente em referência aos locais de acesso e se o tratamento realizado pelo profissional é humanizado em relação às condições do paciente, a fim de melhorar a saúde bucal e a qualidade de vida de pessoas com deficiência visual.

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