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Associação das condições normativas e subjetivas de saúde bucal com a insatisfação com os serviços odontológicos entre adultos brasileiros

Associação das condições normativas e subjetivas de saúde bucal com a insatisfação com os serviços odontológicos entre adultos brasileiros

Autores:

Diego Figueiredo Nóbrega,
João Gabriel Silva Souza,
Ana Camila Batista Medeiros de Assis,
Andréa Maria Eleutério de Barros Lima Martins,
Jaqueline Vilela Bulgareli

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.23 no.11 Rio de Janeiro nov. 2018

http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320182311.28892016

Abstract

The prevalence of dissatisfaction with dental services and its association with normative and subjective oral health conditions among adult Brazilians was evaluated. This cross-sectional study used data from the last Brazilian National Oral Health Survey (SBBrasil), conducted in 2010. It was considered a representative sample of the adult Brazilian population. Data were analyzed by descriptive, univariate and multiple statistics (OR / 95% CI), with correction by the design effect. Among the 4539 adults included in the study, 614 (13.4%) reported dissatisfaction with dental services. Dissatisfaction was higher among adults who had any decayed teeth (1.61 / 1.06; 2.44), adults who were dissatisfied with their teeth and mouth (2.36 / 1.39; 4.02) and adults who had reported toothache in the previous six months (1.99 / 1.29, 3.07). The conclusion drawn was that the prevalence of dissatisfaction with dental services among Brazilian adults was low and associated to normative and subjective oral health conditions.

Key words: Patient satisfaction; Adult; Cross-sectional studies; Dental care; Health evaluation

Introdução

O estudo da qualidade da assistência à saúde prestada a população tem sido adotado como uma importante ferramenta para o planejamento, avaliação e organização dos serviços de saúde, tanto em países desenvolvidos1,2, como naqueles em desenvolvimento3,4. Contudo, quando se avalia a qualidade de um determinado serviço, a opinião do usuário, sem dúvida, é um elemento determinante a ser considerado5. Dessa forma, a satisfação do usuário pode ser considerada um dos principais objetivos a ser alcançado pelos serviços de saúde, sendo, portanto, um instrumento de avaliação permanente da qualidade do serviço prestado6. A percepção/satisfação do usuário em relação ao serviço de saúde utilizado tem sido foco de estudos prévios, tanto na área da assistência médica2,7-9, como odontológica3,4,10,11. Na odontologia, o desenvolvimento de estudos focados no tema “satisfação do paciente” demonstra a preocupação crescente de uso deste indicador no processo de avaliação da qualidade da assistência3,4,10-14, uma vez que a avaliação dos serviços odontológicos sob a perspectiva dos usuários superaria as limitações de avaliações meramente técnicas, permitindo o desenvolvimento de ações mais direcionadas às reais necessidades de saúde da população.

No Brasil, o interesse pelo estudo da satisfação dos usuários com os serviços odontológicos está diretamente ligado à criação e ao fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e à ampliação da assistência odontológica pública no país, que incentiva a participação popular nos processos de planejamento e avaliação das ações de saúde, por meio do controle social15. Desde então, a satisfação dos usuários com os serviços odontológicos tem sido avaliada constantemente, por meio de inquéritos epidemiológicos nacionais sobre as condições de saúde bucal da população brasileira16,17. No levantamento de 2003, a prevalência da avaliação do serviço odontológico como “bom”, ou “muito bom” variou entre 73,6% e 83,3%, de acordo com as faixas etárias16. Já no estudo de 2010, a avaliação positiva do atendimento odontológico, variou de 83,9% a 87,3%, em função da faixa etária17. No entanto, estudos prévios para identificar fatores associados à satisfação/insatisfação com a assistência odontológica no Brasil têm sido realizados principalmente com o contingente populacional idoso3,4, salientando a necessidade de avaliação dessa problemática na população adulta brasileira, a qual possui condições de saúde bucal preocupantes17.

Ressalta-se que diferentes fatores têm sido associados à satisfação/insatisfação dos usuários, tais como condições sociodemográficas2,4,7,18-20, comportamentos3,4,21 e desfechos em saúde bucal3,4,21,22. Os desfechos em saúde bucal podem ser divididos em condições normativas e subjetivas. As condições normativas são medidas objetivas do estado de saúde bucal avaliadas pelo profissional. Por outro lado, as condições subjetivas dizem respeito a julgamentos pessoais, ou seja, a situação de saúde bucal autopercebida pelos indivíduos23. A associação entre satisfação/insatisfação com desfechos em saúde bucal na população brasileira, tem sido encontrada apenas para condições subjetivas de saúde bucal3,4,21. Portanto, não tem sido bem esclarecida na literatura a possibilidade de associação das condições normativas de saúde bucal com a insatisfação do usuário, principalmente ao considerar uma amostra representativa da população brasileira.

Ao considerar os diferentes fatores que podem estar associados à avaliação da qualidade dos serviços de saúde, destaca-se na literatura o modelo teórico proposto por Andersen e Davidson24, que organiza as variáveis independentes nos subgrupos: ambiente externo, características individuais, comportamentos e desfechos (objetivos e subjetivos) relacionados à saúde. Assim, os determinantes primários da saúde bucal (características do ambiente externo e características individuais da população e do serviço de saúde) influenciariam nos comportamentos. Os comportamentos, por sua vez, teriam influência nos desfechos objetivos e subjetivos de saúde bucal. No entanto, há de se considerar o dinamismo do modelo, uma vez que os determinantes primários e comportamentais além de serem preditores, também podem ser vistos como uma consequência dos desfechos em saúde (fenômeno de retroalimentação)24. Ou seja, os desfechos podem ser determinados, mas também determinariam os comportamentos em saúde bucal.

Considera-se que a percepção da população adulta brasileira sobre os serviços odontológicos é de fundamental interesse para a avaliação e planejamento em saúde. Além disso, não têm sido relatado na literatura estudos prévios que tenham relacionado a insatisfação da população adulta brasileira com os serviços odontológicos e os principais desfechos em saúde bucal (condições normativas e subjetivas). Dessa forma, o objetivo do presente trabalho foi estimar a prevalência da insatisfação com os serviços odontológicos em uma amostra representativa dos adultos brasileiros e se esta avaliação está associada às condições normativas e subjetivas de saúde bucal. Considerou-se o modelo teórico proposto por Andersen e Davidson24.

Metodologia

Trata-se de um estudo transversal que utilizou dados da Pesquisa Nacional de Saúde Bucal (SBBrasil 2010), disponibilizados publicamente pelo Ministério da Saúde17. A pesquisa incluiu exames bucais e entrevistas domiciliares de uma amostra representativa da população brasileira nas faixas etárias índices recomendadas pela OMS25, nas cinco macrorregiões brasileiras. Foram avaliadas as condições de saúde bucal, demográficas e socioeconômicas, uso de serviços odontológicos e questões subjetivas de saúde bucal. No presente estudo foi considerada apenas a amostra representativa da população adulta (35-44 anos).

Utilizou-se a amostragem probabilística por conglomerados, em múltiplos estágios, com probabilidade proporcional ao tamanho e considerando um efeito de desenho (deff) igual a 2,0. Cada capital das unidades federativas mais o Distrito Federal (n = 27) e uma amostra de municípios do interior de cada macrorregião brasileira (n = 5) foram consideradas domínios da pesquisa (total = 32). Os municípios e setores censitários foram sorteados pela técnica de Probabilidade Proporcional ao Tamanho26.

Os exames e entrevistas foram realizados por cirurgiões-dentistas previamente treinados e calibrados pela técnica do consenso, sendo o valor mínimo aceitável de kappa para cada examinador, grupo etário e agravo estudado igual a 0,6526,27. As entrevistas foram realizadas com auxílio de computador de mão (Personal Digital Assistant). No total foram examinados e entrevistados, em seus domicílios, 9.564 adultos (de 35 a 44 anos). Neste estudo, foi utilizado um recorte do banco de dados, sendo incluídos aqueles adultos que haviam consultado o dentista há menos de um ano e que responderam a questão relativa a avaliação da consulta odontológica.

A variável dependente – avaliação da consulta odontológica - foi construída a partir da seguinte pergunta “O que o sr(a) achou do tratamento na última consulta? (1-Muito Bom; 2-Bom; 3-Regular; 4-Ruim; 5-Muito Ruim)”. Esta variável foi dicotomizada conforme estudos prévios em “insatisfeito” (péssimo ou ruim ou regular) ou “satisfeito” (bom ou ótimo)3,4. As demais variáveis independentes foram reunidas em cinco grupos principais, de acordo com o modelo proposto por Andersen e Davidson24: ambiente externo, características individuais, comportamentos e desfechos em saúde, esta última considerando condições normativas e subjetivas de saúde bucal.

As características do ambiente externo estudadas foram: localização geográfica (capital ou interior) e local da consulta (Particular/Plano de saúde/Convênios/Outros ou Serviço público – SUS). Com relação às características individuais da população, foram consideradas a idade (35-39 ou 40-44 anos - agrupada de acordo com a mediana); raça autodeclarada (Branco ou Negro/Amarelo/Pardo/Indígena); escolaridade (0-4 ou 5 ou mais anos) e renda familiar (até 500 reais ou mais de 500 reais). No que diz respeito aos comportamentos em saúde, considerou-se a variável motivo da consulta, classificada em “rotina” (Revisão/Prevenção) ou “tratamento” (Dor/Extração/Tratamento/Outros).

Com relação aos desfechos em saúde, as condições normativas de saúde bucal avaliadas foram: Presença de cárie (“não”- nenhum dente cariado, ou “sim”- 1 ou mais dentes cariados); Perda dentária (“não”- nenhum dente perdido, ou “sim”- 1 ou mais dentes perdidos); e Condição Periodontal (“Não comprometida”- Hígido, ou “Comprometida”- Presença de Sangramento/Cálculo/Bolsa Periodontal). Já as condições subjetivas de saúde bucal foram: Autopercepção da necessidade de tratamento; Dor de dente nos últimos 6 meses e Satisfação com dentes e boca, classificada em “Satisfeito” (Muito Satisfeito/Satisfeito) ou “Insatisfeito” (Nem satisfeito nem insatisfeito/Insatisfeito/Muito insatisfeito).

Na análise dos dados, empregou-se o software SPSS® Statistics 18.0. Como o estudo envolvia uma amostragem complexa por conglomerados, utilizou-se a correção pelo efeito de desenho amostral, levando em consideração o efeito dos conglomerados e a atribuição de ponderações desiguais aos elementos amostrados. Para as variáveis categóricas, a análise descritiva incluiu a frequência absoluta (n), a frequência relativa com correção pelo efeito de desenho (%*) e erro padrão (EP). Na análise bivariada e na regressão logística, conduzidas para identificar fatores associados à variável dependente, foram feitas estimativas com a correção pelo efeito do desenho amostral. Foram estimados odds ratio e intervalos de confiança de 95% (OR/IC 95%) e o valor “p”. O nível de significância adotado foi de 20% (p ≤ 0,20) nas análises bivaridas (para seleção das variáveis independentes que iriam compor o modelo múltiplo) e de 5% (p ≤ 0,05) na análise múltipla/regressão logística. O modelo múltiplo final foi ajustado, mantendo-se somente as variáveis independentes associadas à variável dependente. O levantamento epidemiológico “SB Brasil 2010” foi conduzindo, respeitando os princípios éticos da Resolução do Conselho Nacional de Saúde n°196/96, sendo aprovado e registrado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).

Resultados

Dos 9.564 adultos examinados no SB Brasil 2010, 4.539 satisfizeram os critérios de inclusão estabelecidos. Destes, 614 (13,4%) relataram a insatisfação com os serviços odontológicos utilizados. A idade média dos participantes foi de 39,58 anos (EP 0,14), enquanto a escolaridade média foi de 9,51 anos de estudo (EP 0,23). Quanto à distribuição da amostra, a maioria dos adultos era do sexo feminino, tinha entre 40 e 44 anos de idade, se autodeclarou como branco, havia estudado por mais de 5 anos, declarou renda per capita maior do que R$ 500,00 e residia predominantemente no interior. O sistema de atenção à saúde mais utilizado foi o particular e o principal motivo da procura por atendimento odontológico foi para tratamento (Tabela 1).

Tabela 1 Distribuição da amostra, segundo as variáveis estudadas em adultos brasileiros de 35 - 44 anos, 2010 (n = 4539). 

Variável Distribuição da amostra

Variável Dependente n %* EP
Avaliação do serviço odontológico
Satisfeito 3925 86,6
Insatisfeito 614 13,4 1,2
Ambiente Externo
Localização geográfica
Capital 3510 33,8
Interior 1029 66,2 3,7
Local da consulta a
Particular 2974 67,8
SUS 1563 32,2 2,7
Características Individuais
Idade
35-39 2408 48,9
40-44 2131 51,1 2,3
Sexo
Masculino 1398 34,0
Feminino 3141 66,0 1,8
Raça autodeclarada
Branco 2122 52,8
Negro/Amarelo/Pardo/Indígena 2417 47,2 2,5
Escolaridade a
0-4 anos 574 15,0
5 ou mais 3945 85,0 1,8
Renda familiar a
Mais de 500 reais 3927 88,2
Até 500 reais 511 11,8 1,1
Comportamentos
Motivo do uso a
Rotina 1289 28,0
Tratamento 3249 72,0 1,7
Desfechos de Saúde
Condições Normativas
Dentes com cárie a
Não 2536 61,4
Sim 1906 38,6 1,9
Dentes perdidos a
Não 734 22,1
Sim 3708 77,9 2,0
Condição periodontal a
Não comprometida 984 31,4
Comprometida 2136 68,6 2,3
Condições subjetivas
Autopercepção da necessidade de tratamento a
Não 1180 27,8
Sim 3298 72,2 1,9
Satisfação com dentes e boca a
Satisfeito 2092 47,7
Insatisfeito 2433 52,3 2,3
Dor de dente nos últimos 6 meses a
Não 3353 69,5
Sim 1178 30,5 2,1

a – variação no número de respondentes. * correção pelo efeito de desenho. Em 2010 R$ 1,00 real era igual a $1,88 dólares e o valor do salário mínimo era R$ 510,00. EP = erro padrão.

Na análise bivariada (Tabela 2), verificou-se que a avaliação negativa dos serviços odontológicos esteve associada estatisticamente (p ≤ 0,20) a variáveis pertencentes às condições sociodemográficas (escolaridade e renda familiar), comportamentais (motivo do uso), normativas (presença de cárie e doença periodontal) e subjetivas em saúde bucal (autopercepção da necessidade de tratamento; satisfação com dentes e boca e dor de dente).

Tabela 2 Análise bivariada dos fatores associados à insatisfação com o serviço odontológico em adultos brasileiros de 35 - 44 anos, 2010. 

Variável Distribuição da amostra
Ambiente Externo Insatisfeito % OR (IC95%) p

Localização geográfica
Capital 14,2 1,00
Interior 13,0 0,90 (0,64-1,28) 0,558
Local da consulta
Particular 12,5 1,00
SUS 15,2 1,25 (0,87-1,80) 0,233
Características Indiviuais
Idade
35-39 13,9 1,00
40-44 12,9 0,92 (0,62-1,37) 0,694
Sexo
Masculino 15,3 1,00
Feminino 12,4 1,28 (0,80-2,03) 0,297
Raça autodeclarada
Branco 12,5 1,00
Amarelo/Pardo/Negro/Indígena 14,4 1,18 (0,85-1,64) 0,330
Escolaridade
0-4 anos 17,3 1,00
5 ou mais 12,8 0,70 (0,42-1,17) 0,168
Renda familiar
Mais de 500 reais 12,5 1,00
Até 500 reais 21,1 1,88 (1,17-3,03) 0,008
Comportamentos
Motivo do uso
Rotina 10,5 1,00
Tratamento 14,5 1,45 (0,95-2,22) 0,079
Desfechos de Saúde
Condições Normativas
Dentes com cárie
Não 10,3 1,00
Sim 18,7 2,02 (1,33-3,07) 0,001
Dentes perdidos
Não 11,6 1,00
Sim 14,1 1,25 (0,74-2,11) 0,410
Condição periodontal
Não comprometida 9,6 1,00
Comprometida 13,9 1,51 (0,90-2,55) 0,118
Condições Subjetivas
Autopercepção da necessidade de tratamento
Não 6,1 1,00
Sim 16,0 2,92 (1,69-5,03) < 0,001
Satisfação com dentes e boca
Satisfeito 7,2 1,00
Insatisfeito 19,2 3,04 (1,84-5,03) < 0,001
Dor de dente nos últimos 6 meses
Não 9,6 1,00
Sim 21,9 2,63 (1,76-3,92) <0,001

Já na análise múltipla (Tabela 3), observou-se que a prevalência de insatisfação com o atendimento odontológico, independentemente das demais variáveis, foi maior entre os adultos que apresentavam algum dente cariado, que relataram insatisfação com seus dentes e boca e que haviam relatado dor de dente nos últimos 6 meses (p ≤ 0,05).

Tabela 3 Análise múltipla dos fatores associados à insatisfação com o serviço odontológico em adultos brasileiros de 35 - 44 anos, 2010. 

Variável Distribuição da amostra
Desfechos de Saúde OR (IC95%) p

Condições Normativas
Dentes com cárie
Não 1,00
Sim 1,61 (1,06-2,44) 0,026
Condições Subjetivas
Satisfação com dentes e boca
Satisfeito 1,00
Insatisfeito 2,36 (1,39-4,02) 0,002
Dor de dente nos últimos 6 meses
Não 1,00
Sim 1,99 (1,29-3,07) 0,002

Discussão

De uma forma geral, a prevalência da insatisfação com os serviços odontológicos na amostra de adultos brasileiros avaliada foi baixa (13,4%). Este resultado está de acordo com aquele encontrado para a população adulta no levantamento nacional de 2003 (13,9%)16 e em estudo prévio com indivíduos maiores de 18 anos de idade (7,9%)28. Resultados semelhantes também foram identificados entre idosos brasileiros, onde a avaliação negativa dos serviços odontológicos variou entre 7,9% e 14,7%3,4. De fato, a baixa prevalência da insatisfação dos usuários com os serviços de saúde em geral é um fenômeno esperado, pois tem sido relatado tanto no Brasil20,29-31, quanto na literatura internacional2,7,8,32. Alguns autores classificam esse fenômeno como “elevação” das taxas de satisfação, sendo observado mesmo quando as expectativas dos usuários em relação aos serviços são negativas33,34. De acordo com estes autores, os pacientes sentem-se satisfeitos independentemente da qualidade do cuidado recebido e a insatisfação só é relatada em eventos extremamente negativos. Além disto, a baixa prevalência de insatisfação pode estar relacionada ao “viés de gratidão”, uma vez que os pacientes, seja por medo de perder o acesso, ou pela relação de dependência que têm junto aos profissionais de saúde, evitariam criticar os serviços35,36. Por outro lado, a baixa prevalência de insatisfação encontrada pode ser um indicativo de que o serviço odontológico prestado é resolutivo e eficiente, além de ser um indicador positivo de qualidade. Entretanto, a caracterização dos insatisfeitos é importante para o aprimoramento da assistência odontológica no país.

Com relação aos fatores que influenciaram a avaliação negativa dos serviços odontológicos, a análise múltipla demonstrou que, dos cinco grupos sugeridos por Andersen e Davidson24, apenas as variáveis relacionadas aos desfechos em saúde bucal (condições normativas e subjetivas) estiveram associadas.

A insatisfação com o atendimento odontológico foi maior entre os adultos que apresentavam algum dente cariado no momento do exame clínico. Teoricamente, tem sido descrito na literatura9,24 a possibilidade dos desfechos clínicos de saúde bucal influenciarem na satisfação/insatisfação dos pacientes em relação ao serviço prestado. No entanto, esta associação não havia sido comprovada anteriormente por estudos epidemiológicos em adultos brasileiros e foi confirmada no presente estudo. Tal associação pode indicar uma não resolutividade do serviço, seja no tratamento clínico das lesões de cárie (ação terapêutica), assim como no incentivo a mudanças de comportamentos (ação preventiva) com intuito de controlar os fatores determinantes da doença (acúmulo de biofilme e exposição à açúcar). Portanto, estes fatores devem ser considerados no atendimento do paciente com o intuito de resolver o problema identificado e a consequente melhoria do serviço prestado. Ressalta-se que, as condições normativas de saúde bucal, tais como número de dentes cariados tem influência negativa na autopercepção da saúde bucal37-39, sendo o comprometimento desta associado com a insatisfação com os serviços odontológicos4,21.

Sabe-se que as condições subjetivas relacionadas à saúde bucal também podem influenciar o desfecho da avaliação dos serviços de saúde24. Das 3 condições avaliadas no presente estudo, duas foram associadas à insatisfação com o atendimento odontológico. Observou-se maior insatisfação com os serviços odontológicos entre aqueles adultos que haviam relatado insatisfação com seus dentes e boca. Este resultado corrobora com os achados de estudos anteriores, que também encontraram associação entre a satisfação/insatisfação com os serviços odontológicos e a autopercepção de saúde bucal3,4,28, demonstrando a importância que a percepção do indivíduo sobre a sua própria saúde exerce no momento de avaliar a qualidade dos serviços prestados. Além disso, considera-se que esta autopercepção reflete, em parte, as condições normativas de saúde bucal desses indivíduos, podendo ser esta última consequência da qualidade da assistência prestada. Assim, é possível que a experiência prévia de cárie influencie na insatisfação dos usuários com seus dentes e boca e vice-versa.

Outra condição subjetiva de saúde bucal que esteve diretamente associada com a avaliação negativa dos serviços odontológicos foi a presença de dor de dente nos últimos 6 meses. Este resultado está em concordância com os achados de outros trabalhos, que encontraram associação entre o relato de dor de dente por parte dos usuários e a satisfação com o atendimento odontológico4, ou com a autopercepcão da saúde bucal38,40. Este dado é preocupante, pois se levarmos em consideração que apenas 28% dos adultos procuraram o atendimento odontológico para procedimentos de rotina, fica evidente que a busca pelos serviços odontológicos para tratamento de urgência é comum41, e que consequentemente este é um dos fatores que geram insatisfação. Além disto, quando a procura pelo atendimento se dá por dor, pouca interação é esperada entre paciente e cirurgião-dentista quanto à educação, instrução e controle de placa bacteriana42. Diante disto, sugere-se que os serviços de saúde bucal procurem conduzir abordagens educativas e preventivas após o alívio da sensação dolorosa, possibilitando assim uma maior interação entre pacientes e profissionais, para que esses pacientes possam se apropriar de conhecimentos e hábitos de vida mais saudáveis.

No que diz respeito às limitações deste estudo, deve-se considerar que se trata de uma pesquisa transversal e, portanto, apresenta as limitações inerentes a este tipo de estudo. Neste sentido, não foi possível avaliar o dinamismo das associações entre insatisfação e variáveis independentes (fenômeno de retroalimentação), pois as causas e efeitos mudam ao longo do tempo e, por se tratar de um estudo transversal, a direção dessas associações não pode ser determinada. Existe ainda a limitação relacionada à construção da variável dependente, pois a satisfação dos entrevistados em relação ao serviço odontológico foi definida a partir de uma única pergunta. No entanto, ressalta-se que os resultados aqui apresentados são relevantes, pois foram obtidos em uma amostra probabilística por conglomerados representativa da população adulta brasileira. Além disto, utilizou-se a correção pelo efeito de desenho na análise dos dados, procedimento extremamente recomendado em estudos com amostras complexas43.

Conclusão

Constatou-se baixa prevalência de insatisfação com os serviços odontológicos entre adultos brasileiros. Além disto, identificou-se associação da insatisfação com o serviço odontológico e condições normativas (presença de cárie) e subjetivas (insatisfação com dentes e boca e sensibilidade dolorosa) de saúde bucal. A identificação do perfil do usuário insatisfeito pode subsidiar a reformulação de estratégias de saúde que visem a melhoria da qualidade do serviço odontológico prestado.

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