versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.110 no.1 São Paulo jan. 2018 Epub 01-Fev-2018
https://doi.org/10.5935/abc.20170177
A síndrome metabólica (SM) é condição que, associada à doença coronária e a eventos cardiovasculares, pode ser influenciada por variantes genéticas, determinando maior gravidade da aterosclerose coronária.
Avaliar a contribuição de polimorfismos genéticos para a extensão da doença coronária em indivíduos com SM e recente síndrome coronária aguda (SCA).
Pacientes (n = 116, 68% homens) com 56 (9) anos e critérios para SM foram prospectivamente selecionados no período de hospitalização após uma SCA. Parâmetros clínicos e laboratoriais, proteína C-reativa ultrassensível, substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico, adiponectina, função endothelial e o escore de Gensini foram analisados. Os polimorfismos da paraoxonase-1 (PON-1), metilenotetrahidrofolato redutase (MTHFR), óxido nítrico sintase endotelial (ENOS), enzima conversora da angiotensina (ECA), receptor tipo 1 da angiotensina II (AT1R), apolipoproteína C3 (APOC3), lipoproteína lipase (LPL) foram analisados por reação em cadeia da polimerase (PCR) seguida da identificação dos polimorfismos no comprimento do fragmento de restrição (RFLP), criando-se um escore genético. Testes paramétricos e não-paramétricos foram utilizados, conforme apropriado, com p < 0,05 considerado como significativo.
Os polimorfismos da PON-1, MTHFR e ENOS não estavam em equilíbrio de Hardy-Weinberg. O genótipo DD da LPL associou-se com lesões coronarianas mais graves e extensas. O escore genético tendeu a ser maior nos pacientes com escore de Gensini < P50 (13,7 ± 1,5 vs. 13,0 ± 1,6, p = 0,066), com correlação inversa entre o escore genético e o de Gensini (R = -0,194, p = 0,078).
O polimorfismo da LPL associou-se à maior gravidade da doença coronária em pacientes com SM e SCA. Combinação de polimorfismos genéticos associou-se à extensão da doença coronariana, sendo a doença mais grave quanto menor o escore genético.
Palavras-chave: Doencça Arterial Coronariana / genética; Polimorfismo Genético; Síndrome Metabólica; Estilo de Vida Sedentário
Metabolic syndrome (MS) is a condition that, when associated with ischemic heart disease and cardiovascular events, can be influenced by genetic variants and determine more severe coronary atherosclerosis.
To examine the contribution of genetic polymorphisms to the extension and severity of coronary disease in subjects with MS and recent acute coronary syndrome (ACS).
Patients (n = 116, 68% males) aged 56 (9) years, with criteria for MS, were prospectively enrolled to the study during the hospitalization period after an ACS. Clinical and laboratory parameters, high-sensitivity C-reactive protein, thiobarbituric acid reactive substances, adiponectin, endothelial function, and the Gensini score were assessed. Polymorphisms of paraoxonase-1 (PON-1), methylenotetrahydrofolate reductase (MTHFR), endothelial nitric oxide synthase (ENOS), angiotensin-converting enzyme (ACE), angiotensin II type 1 receptor (AT1R), apolipoprotein C3 (APOC3), lipoprotein lipase (LPL) were analysed by polymerase chain reaction (PCR) technique, followed by the identification of restriction fragment length polymorphisms (RFLP, and a genetic score was calculated. Parametric and non-parametric tests were used, as appropriate. Significance was set at p < 0.05.
Polymorphisms of PON-1, MTHFR and ENOS were not in the Hardy-Weinberg equilibrium. The DD genotype of LPL was associated with higher severity and greater extension of coronary lesions. Genetic score tended to be higher in patients with Gensini score < P50 (13.7 ± 1.5 vs. 13.0 ± 1.6, p = 0.066), with an inverse correlation between genetic and Gensini scores (R = -0.194, p = 0.078).
The LPL polymorphism contributed to the severity of coronary disease in patients with MS and recent ACS. Combined polymorphisms were associated with the extension of coronary disease, and the lower the genetic score the more severe the disease.
Keywords: Coronary Artery Disease / genetic; Polymorphism, Genetic; Metabolic Syndrome; Sedentary Lifestyle
A doença isquêmica do coração e o acidente vascular cerebral são responsáveis pela maior parte das mortes em todo o mundo.1 Com a progressiva urbanização, adoção de estilo de vida sedentário e maior acesso a alimentos industrializados, a população humana apresentou crescimento das taxas de obesidade e sobrepeso,2 determinando aumento de distúrbios metabólicos e maior risco cardiovascular. O conceito de síndrome metabólica (SM) foi inicialmente descrito por Reaven, relacionando resistência insulínica, hipertensão arterial, anormalidades lipídicas e obesidade visceral.3,4
A SM tem sido associada com maior taxa de eventos cardiovasculares fatais e não fatais.5,6 Sua alta prevalência na síndrome coronariana aguda (SCA) também se associa a maior grau de obstrução anatômica.7 Nosso grupo demonstrou que pacientes com SM e SCA apresentavam menor sensibilidade à insulina, maior gravidade da doença arterial coronariana (DAC) associada a níveis de proteína C-reativa (PCR) elevados e menores títulos de anticorpos IgG anti-LDL oxidada,8-10 associados à maior extensão anatômica da DAC.11
Alguns estudos têm explorado a associação de variantes genéticas com desfechos cardiovasculares.12-16 Grandes estudos de randomização Mendeliana têm possibilitado maior compreensão dos efeitos de alguns parâmetros clínicos ao longo da vida, como níveis de LDL-c, HDL-c e triglicérides sobre risco cardiovascular, bem como o efeito protetor de polimorfismos associados a menores valores da pressão arterial sistólica.17-19 Embora com implicações apenas geradoras de hipóteses, a contribuição de vários polimorfismos também tem sido associada com a extensão e gravidade da DAC.20-22
A partir de estudos menores, revisões sistemáticas e metanálises, variantes genéticas associadas com a DAC têm sido identificadas, bem como escores genéticos têm sido propostos para identificação de indivíduos sob maior risco cardiovascular,23-25 uma vez que uma série de variantes genéticas, cujo efeito individual no risco cardiovascular é modesto, pode determinar um maior impacto quando um número maior de polimorfismos genéticos é avaliado. Assim, a utilização de escores genéticos, que avaliem o possível efeito aditivo de cada uma dessas variantes genéticas analisadas pode ser relevante na identificação precoce de indivíduos com maior risco cardiovascular, em quem uma atenção diferenciada possa ser implementada.23-25
Escolhemos polimorfismos relacionados ao metabolismo lipídico, oxidação de lipoproteínas, alterações da pressão arterial e vasorreatividade para determinar sua possível associação com a gravidade da aterosclerose coronária em portadores de SM e recente SCA. Estudos de polimorfismos genéticos em portadores de SM e que desenvolvem SCA são pobremente descritos na literatura, justificando-se a importância da realização deste estudo. Assim, examinamos, de maneira isolada e combinada, a contribuição de polimorfismos genéticos de potencial importância na doença cardiovascularpor meio de um escore genético, na extensão e na gravidade da doença obstrutiva coronariana em pacientes de muito alto risco cardiovascular.26
Foram avaliados prospectivamente 116 pacientes consecutivos de ambos os sexos, com idade de 56 ± 9 anos e três ou mais critérios para SM com base na NCEP III,4 no período de hospitalização devido à SCA (infarto agudo do miocárdio ou angina instável).
Critérios de inclusão:
Homens e mulheres com idade entre 30 a 75 anos;
Compreensão e concordância em dar o consentimento livre e esclarecido por escrito.
Pelo menos dois de três critérios de SCA, incluindo dor no peito, elevação enzimática e alteração eletrocardiográfica;
Possuírem pelo menos três critérios para SM;4
LDL-c < 130 mg/dL, HDL- c < 40 mg/dL nas primeiras 24 horas da internação;
Critérios de exclusão:
Uso de hipolipemiantes nos últimos 30 dias;
Hipotiroidismo não controlado (TSH > 8,0 µU/mL);
Infecção, doenças inflamatórias, doença hepática ou renal ativa;
Gestantes ou pacientes com programação de cirurgias, incluindo revascularização miocárdica nas próximas seis semanas ou que tenha ocorrido durante a internação.
O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (CEP UNIFESP) sob o número de protocolo CEP 0283/11 e o estudo foi conduzido em consonância à Declaração de Helsinki. Todos os pacientes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido antes de qualquer procedimento do estudo.
Estudo prospectivo que incluiu pacientes na fase hospitalar após uma SCA. Foram avaliados polimorfismos genéticos relacionados ao metabolismo dos lípides e lipoproteínas, estresse oxidativo, função endotelial e pressão arterial.
A avaliação clínica e a coleta de sangue para as dosagens laboratoriais foram realizadas dentro dos três primeiros dias após a alta hospitalar. Foram obtidos dados demográficos, fatores de risco, história médica, exame clínico, com dados antropométricos (peso, estatura e medida da circunferência da cintura), medidas da pressão arterial sistólica e diastólica.27,28
O sangue foi obtido em jejum de 12 horas e os exames laboratoriais foram realizados no Laboratório AFIP (Associação Fundo de Apoio à Psicobiologia). Os testes genéticos foram realizados no Laboratório de Biologia Molecular do Setor de Lípides, Aterosclerose e Biologia Vascular.
O perfil lipídico (colesterol total, LDL-c, HDL-c, triglicérides) foi analisado por método automatizado (ópera, Bayer, Alemanha), a glicemia por reação colorimétrica (ADVIA 1650 Chemistry System, EUA), e a hemoglobina glicada (HbA1c) por cromatografia líquida de alto desempenho (HPLC, em aparelho Tosoh A1c 2,2 plus, EUA). A média da insulina em jejum nos tempos -15, -5 e 0 minutos, foi analisada por método de quimiluminescência direta (ADVIA Centaur, EUA), com valores expressos em µU/mL. As apolipoproteínas AI, B, Lp(a) foram analisadas por nefelometria (Array 360 da Beckmann), a proteína C-reativa ultra-sensível (PCR-us) pela técnica de imunoensaio por nefelometria (R100 analyzer da Behringer). A adiponectina foi analisada por ELISA (enzyme-linked immunosorbent assay), utilizando kit Human Adiponectin/Acrp30 Immunoassay - Quantiquine da R&D Systems, em leitora de ELISA Biotech ELX 800, com valores expressos em ng/mL.
A dosagem da albuminuria foi analisada em amostras de urina noturna (12h) por imunoturbidimetria (ADVIA 1650, Chemistry System, EUA), com resultados expressos em mg/L.
O estresse oxidativo do plasma foi analisado pela técnica dos TBARS (substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico, do inglês Thiobarbituric acid reactive substances), descrito por Ohkawa et al.,29 com leitura em espectrofotômetro (Genesys 2, Spectronic), e resultados expressos em nanomoles de malondialdeido (MDA) por mililitros de plasma (hmoles/mL plasma).
O exame da vasodilatação dependente (FMD, flow-mediated dilation, ou dilatação fluxo-mediada) e independente do endotélio (RVEI, relaxamento vascular independente do endotélio) foi realizado pela manhã, após jejum de 12 horas, por um ultrassonografista experiente, conforme recomendações da Diretriz da Força Tarefa Internacional dos estudos de reatividade da artéria branquial.30 Utilizou-se um sistema de ultrassom (Sonos 5500; Hewlett-Packard-Phillips, Palo Alto, CA), equipado com software vascular para imagens bidimensionais, Doppler colorido e espectral, com monitoração interna do eletrocardiograma e transdutor linear (com frequência variando entre 7,5 e 12,0 MHz). A aquisição de imagens, a medida da FMD e do RVEI com dinitrato de isossorbida (5 mg; sublingual) foram obtidos. As variações percentuais no diâmetro do vaso foram calculadas para determinar a FMD e a RVEI, sendo expressas em %. Os coeficientes de variação intra- e inter-observador foram < 1 e 2%, respectivamente.
O escore de Gensini foi utilizado para avaliar a gravidade da doença coronariana pela cineangiocoronariografia. O escore de Gensini é calculado levando em consideração a magnitude das lesões e o miocárdio em risco, dando pontuações aos diferentes graus de obstrução e aos diversos segmentos acometidos. As lesões que causam obstrução de 25% recebem o escore de 1, 50%, 2, 75%, 4, 90%, 8, 99%, 16, 100%, 32. Em relação à localização: tronco da coronária esquerda: 5 pontos; artéria descendente anterior proximal: 2,5 pontos; artéria descendente anterior 1/3 médio 1,5 pontos; artéria descendente anterior distal 1 ponto; artéria primeira diagonal 1 ponto; artéria segunda diagonal 0,5 ponto; artéria circunflexa proximal 2,5 pontos; artéria circunflexa distal 1 ponto; primeiro e segundo ramos marginais da artéria circunflexa proximal 1 ponto e distal 0,5 ponto; artéria coronária direita proximal, distal e ramo descendente posterior 1 ponto. O escore de Gensini é o resultado da soma dos escores de cada lesão, multiplicando o grau de estenose pela localização da lesão, sendo expresso em unidades arbitrárias (UA).11,31
Foram analisados os polimorfismos dos genes paraoxonase-1 (PON-1), metilenotetrahidrofolato redutase (MTHFR), óxido nítrico sintase endotelial (ENOS), enzima conversora da angiotensina (ECA), receptor tipo 1 da angiotensina II (AT1R), apolipoproteína C3 (APOC3), lipoproteína lipase (LPL) foram analisados a partir de amostras de sangue total colhido com EDTA (ácido etilenodiaminotetracético), por técnica da reação em cadeia da polimerase (Polymerase Chain Reaction, PCR), seguida da identificação dos polimorfismos no comprimento do fragmento de restrição (Restriction Fragment Length Polymorphisms, RFLP), nas condições descritas na Tabela 1. O escore genético foi calculado assumindo-se o modelo de dominância dos polimorfismos, considerados como variáveis dicotômicas, binárias.
Tabela 1 Condições de amplificação e digestão dos polimorfismos estudados
Polimorfismo | Iniciadores | Temperatura de anelamento | Ciclos | Enzima de restrição |
---|---|---|---|---|
PON-1 | Forward: 5'-TATTGTTGCTGTGGGACCTGAG-3' | 61º C | 35 | Alw I |
Q192R | Reverse: 5'-CACGCTAAACCCAAATACATCTC-3' | |||
MTHFR | Forward: 5'-GAAGCAGGGAGCTTTGAGG-3' | 63º C | 32 | Hinf I |
C677T | Reverse: 5'-ACGATGGGGCAAGTGATG-3' | |||
ENOS | Forward: 5'-CTGGAGATGAAGGCAGGAGAC-3' | 56°C | 35 | Ban II |
G894T | Reverse: 5'-CTCCATCCCACCCAGTCAATC-3' | |||
ECA | Forward: 5'-CTGGAGACCACTCCCATCCTTTCT-3' | 55°C* | 32 | - |
I/D | Reverse: 5'-GTCTCGATCTCCTGACCTCGTG-3' | |||
AT1R | Forward: 5'-AATGCTTGTAGCCAAAGTCACCT-3' | 59°C | 35 | Dde I |
A1166C | Reverse: 5'-GGCTTTGCTTTGTCTTGTTG-3' | |||
LPL | Forward: 5'-AAAATCAAGCAACCCTCAAG-3' | 57°C* | 35 | Taq I |
D9N | Reverse: 5'-TAGGGCAAATTTACTTGCGA-3' | |||
APOC3 | Forward: 5'GGTGACCGATGGCTTCAGTT-3' | 58°C | 30 | Sst I |
SST I | Reverse: 5'-CAGAAGTGGATAGAGCGCT-3' |
*para os genes ECA e LPL, foi usado o protocolo touchdown PCR.
O tamanho amostral foi estimado para comparações de proporções, considerando-se o modelo de dominância dos polimorfismos, um erro a de 5%, um poder b de 80%, um nível de confiança de 95%, e uma proporção esperada de 50%. Assim, o tamanho amostral estimado foi de 90 participantes. Todas as análises foram realizadas utilizando-se o programa SPSS 22.0 para Mac. As variáveis categóricas foram expressas como n (%) e comparadas entre os genótipos pelo teste do qui-quadrado de Pearson ou teste exato de Fisher, conforme apropriado. Para analisar se a distribuição das frequências genotípicas observadas e esperadas estava de acordo com o equilíbrio de Hardy-Weinberg, utilizou-se o teste do qui-quadrado de Pearson. As variáveis numéricas foram expressas como média ± desvio padrão (DP) ou mediana e intervalo interquartil (IQ). O teste de Kolmogorov - Smirnov foi utilizado para avaliar se as variáveis apresentavam distribuição normal. A estatística descritiva utilizou teste t de Student ou o teste de Mann-Whitney para amostras não relacionadas, caso as variáveis não apresentassem distribuição gaussiana. Utilizou-se o coeficiente de correlação de Pearson para avaliar as correlações entre o escore genético e o escore de Gensini. Considerou-se nível de significância para valores de p < 0,05.
Foram avaliados 116 pacientes, cujas características basais são apresentadas na Tabela 2.
Tabela 2 Características demográficas e clínicas dos participantes
Variável | n = 116 |
---|---|
Sexo masculino (%) | 74 (68) |
Idade (anos) | 56 ± 9 |
Hipertensão (%) | 104 (90) |
Tabagismo (%) | 35 (30) |
Diabetes mellitus (%) | 36 (31) |
IAM (%) | 55 (47) |
Angina instável (%) | 61 (53) |
AVC (%) | 9 (8) |
DVP (%) | 12 (10) |
IMC (Kg/m2) | 30,2 ± 4,7 |
Circunferência da cintura (cm) | 104,4 ± 10,8 |
Pressão arterial sistólica (mmHg) | 132 ± 24 |
Pressão arterial diastólica (mmHg) | 86 ± 16 |
Frequência cardíaca (bpm) | 68 ± 13 |
Escore de Gensini (ua) | 21 (0-36) |
Gensini ≥ mediana (%) | 42 (51) |
FMD (%) | 13,7 ± 8,6 |
RVEI (%) | 14,9 (7,3-18,8) |
Variáveis categóricas expressas como N (%); variáveis numéricas expressas como média ± desvio padrão, ou mediana e intervalos interquartis. AVC: acidente vascular cerebral; DVP: doença vascular obstrutiva periférica; FMD: dilatação mediada pelo fluxo; IAM: infarto do miocárdio; IMC: índice de massa corpórea; RVEI: relaxamento vascular independente do endotélio; UA: unidades arbitrárias.
A Tabela 3 apresenta a distribuição das frequências alélicas e genotípicas para os polimorfismos estudados. Os genes PON-1, MTHFR e ENOS não se encontravam em equilíbrio de Hardy-Weinberg na população estudada.
Tabela 3 Distribuição das frequências alélicas e genotípicas para os polimorfismos dos genes que codificam a PON-1, MTHFR, ENOS, ECA, AT1R, APOC3 e LPL
Gene | Frequência alélica | Frequência genotípica (%) | Valor de p (Hardy Weinberg) | |||
---|---|---|---|---|---|---|
PON-1 | Q | R | QR | RR | ||
0,63 | 0,37 | 36 (31) | 76 (65) | 4 (4) | 0,0004 | |
MTHFR | C | T | CC | CT | TT | |
0,61 | 0,39 | 35 (30) | 72 (62) | 9 (8) | 0,0131 | |
ENOS | G | T | GG | GT | TT | |
0,43 | 0,57 | 10 (9) | 80 (69) | 26 (22) | 0,0006 | |
ECA | I | D | II | ID | DD | |
0,33 | 0,67 | 17 (15) | 42 (36) | 57 (49) | 0,1955 | |
AT1R | A | C | AA | AC | CC | |
0,75 | 0,25 | 70 (60) | 35 (30) | 11 (10) | 0,2351 | |
APOC3 | S1 | S2 | S1S1 | S1S2 | S2S2 | |
0,16 | 0,84 | 2 (2) | 33 (28) | 81 (70) | 0,8310 | |
LPL | D | N | DD | DN | NN | |
0,34 | 0,66 | 17 (15) | 45 (39) | 54 (46) | 0,3095 |
PON-1: paraoxonase-1; MTHFR: metilenotetrahidrofolato redutase; ENOS: óxido nítrico sintase endotelial; ECA: enzima conversora da angiotensina; AT1R: receptor tipo 1 da angiotensina II; APOC3: apolipoproteína C3; LPL: lipoproteína lipase. p < 0,05, teste do qui-quadrado. Frequências genotípicas esperadas vs. observadas não estavam em equilíbrio de Hardy-Weinberg na população estudada.
Os resultados foram analisados de acordo com os polimorfismos genéticos estudados. Os resultados detalhados são apresentados na versão eletrônica nas Tabelas Suplementares 1-14 (acesse o link: http://www.arquivosonline.com.br/2018/11001/pdf/Tabelas_suplementares_Port.pdf). Para fins didáticos, os dados são apresentados de acordo com o genótipo, considerando-se o alelo R da PON-1, o T da MTHFR, o T da ENOS, o D da ECA, o C do AT1R, o S1 da APOC3 e o N da LPL, como alelos de risco.
Para o gene PON-1, valores de PCR-us (mg/dL) foram maiores no genótipo QQ, comparado a QR/RR [12,8 (6,7-24,1) vs. 7,0 (4,8-16,5), p = 0,029] (Tabelas Suplementares 1 e 2) (acesse o link: http://www.arquivosonline.com.br/2018/11001/pdf/Tabelas_suplementares_Port.pdf). Para o gene MTHFR, valores de HbA1-c (%) e adiponectina (ng/mL) foram maiores no genótipo CT/TT comparado ao CC [6,0 (5,5-7,3) vs. 5,7 (5,2-6,6); p = 0,031 e 6996 ± 5032 vs. 4990 ± 3165; p = 0,015] (Tabelas Suplementares 3 e 4). Para o gene da ENOS, a prevalência de diabetes foi maior nos genótipos GT/TT comparada ao GG (34% vs. 0%; p = 0,026); o RVEI (%) tendeu a ser maior no genótipo GG vs. GT/TT [18,2 (15,2-24,0) vs. 14,0 (8,5-20,0); p = 0,050]. Além disso, a glicemia (mg/dL), a HbA1c (%) e os níveis de adiponectina (ng/mL) foram maiores nos genótipos GT/TT vs. GG [(127 ± 48 vs. 106 ± 12, p = 0,001; 6,6 ± 1,9 vs. 5,9 ± 0,6, p = 0,028; 5010 (2688-10139) vs. 2148 (1912-3435), p = 0,011] (Tabelas Suplementares 5 e 6) (acesse o link: http://www.arquivosonline.com.br/2018/11001/pdf/Tabelas_suplementares_Port.pdf). Para o gene ECA, a frequência cardíaca (bpm) foi maior entre os ID/DD comparada aos II (71 ± 13 vs. 65 ± 11, p = 0,042) (Tabelas Suplementares 7 e8) (acesse o link: http://www.arquivosonline.com.br/2018/11001/pdf/Tabelas_suplementares_Port.pdf). Os polimorfismos do gene AT1R não influenciaram variáveis clínicas ou laboratoriais (Tabelas Suplementares 9 e 10) (acesse o link: http://www.arquivosonline.com.br/2018/11001/pdf/Tabelas_suplementares_Port.pdf).
Para o gene APOC3, a FMD (%) foi maior entre os portadores do genótipo S2S2 comparado aos S1S1/S1S2 (14,7 ± 9,6 vs. 11,5 ± 5,2, p = 0,026) (Tabelas Suplementares 11 e 12) (acesse o link: http://www.arquivosonline.com.br/2018/11001/pdf/Tabelas_suplementares_Port.pdf) e para o gene LPL, a pressão arterial diastólica (mmHg) foi menor no genótipo DD comparado a DN/NN (79 ± 15 vs. 87 ± 16, p = 0,043). Observou-se ainda maior grau de aterosclerose coronária, avaliada pelo escore de Gensini > mediana (%) entre os portadores do genótipo DD comparado a DN/NN (77% vs. 46%, p = 0,039) (Tabelas Suplementares 13 e 14) (acesse o link: http://www.arquivosonline.com.br/2018/11001/pdf/Tabelas_suplementares_Port.pdf).
Assumiu-se o modelo de dominância e uma pontuação de 1 a 3 para os genótipos isoladamente, com valores de 1 para a ausência do alelo de risco, 2, para a presença de um alelo de risco e 3, para a presença de 2 alelos de risco do mesmo gene. Assim, foi atribuído o valor 1 aos genótipos QQ da PON-1, CC da MTHFR, GG da ENOS, II da ECA, AA do AT1R, S2S2 da APOC3 e DD da LPL. Foi atribuído valor 2 para os genótipos QR da PON-1, CT da MTHFR, GT da ENOS, ID da ECA, AC do AT1R, S1S2 da APOC3 e DN da LPL. Foi atribuído valor 3 para os genótipos RR da PON-1, TT da MTHFR, TT da ENOS, DD da ECA, CC do AT1R, S1S1 da APOC3 e NN da LPL.
A soma dos valores atribuídos a cada gene (valores de 7 a 21) resultou em um escore genético. Esse escore foi avaliado em valores absolutos, e também em relação à mediana (acima ou abaixo). Foram feitas correlações entre os escores genético e de Gensini, quer de maneira absoluta ou categorizados pela mediana. Os resultados são apresentados na Tabela 4 e na Tabela Suplementar 15 (acesse o link: http://www.arquivosonline.com.br/2018/11001/pdf/Tabelas_suplementares_Port.pdf). Tanto o escore genético como o escore de Gensini apresentaram distribuição normal.
Tabela 4 Distribuição do escore genético utilizando todos os polimorfismos dos genes da PON-1, MTHFR, ENOS, ECA, AT1R, APOC3 e LPL
Escore genético | |
---|---|
N | 116 |
Média | 13,3 |
Mediana | 13,5 |
Desvio padrão | 1,58 |
Mínimo | 10 |
Máximo | 17 |
Assimetria | -0,263 |
Curtose | -0,146 |
P25 | 12,0 |
P75 | 14,0 |
PON-1: paraoxonase-1; MTHFR: metilenotetrahidrofolato redutase; ENOS: óxido nítrico sintase endotelial; ECA: enzima conversora da angiotensina; AT1R: receptor tipo 1 da angiotensina II; APOC3: apolipoproteína C3; LPL: lipoproteína lípase.
O escore genético teve tendência a ser maior nos pacientes com escore de Gensini < P50 (13,7 ± 1,5 vs. 13,0 ± 1,6, p = 0,066, teste t de Student para amostras independentes).
O escore de Gensini não diferiu entre os escores genéticos acima ou abaixo da mediana (P50) [26 (0,00-44,00) vs. 18 (0,25-33,70), p = 0,329]. Nessa população de pacientes com SCA recente e SM, houve fraca correlação inversa entre o escore genético e o de Gensini (R = -0,194, p = 0,078, coeficiente de correlação de Pearson).
O estudo demonstrou que os polimorfismos genéticos examinados, em pacientes com SM e recente SCA tiveram associação discreta com a gravidade da doença coronariana obstrutiva. Apenas o genótipo DD do polimorfismo D9N da LPL se associou, isoladamente, com maior prevalência de lesões coronarianas de maior gravidade. Quando analisamos o escore genético, a combinação dos polimorfismos estudados apresentou tendência de correlação negativa com a extensão anatômica da doença coronária, sugerindo que nesses pacientes com SM, a doença coronariana possa ser primariamente relacionada a outros mecanismos, com forte influência ambiental.
Vários dos polimorfismos estudados estiveram associados com variáveis clínicas ou laboratoriais, como frequência cardíaca, pressão arterial diastólica, PCR, HbA1c e adiponectina.
Estudo envolvendo seis polimorfismos da LPL, incluindo o D9N, demonstrou que a gravidade das lesões obstrutivas, avaliada pelo escore de Gensini, foi associada com haplótipos da LPL.32 Corsetti et al.33 demonstraram interação entre o polimorfismo D9N e o Taq1B da CETP, sendo preditor de subgrupo de mulheres de maior risco. Além disso, polimorfismos da LPL têm se associado a aumento nas concentrações de triglicérides;34 em nosso estudo, houve tendência para valores mais elevados para o genótipo DD vs. DN/NN (p = 0,07), possivelmente devido à alta prevalência de sobrepeso/obesidade, além de alterações no metabolismo glicêmico nesta população de pacientes com SM.
O polimorfismo da APOC3 tem papel relevante no metabolismo de lipoproteínas ricas em triglicérides, influenciando o desenvolvimento de DAC, sobretudo na SM e diabetes, havendo associação dos haplótipos no cluster gênico AI-C3-AIV com doença coronária.35
Os polimorfismos relacionados com o sistema renina angiotensina (I/D da ECA e AT1R) não se associaram com a gravidade da DAC em nosso estudo. No entanto, o gene ECA associou-se a maiores concentrações da ECA entre coronarianos nos indivíduos DD em um estudo prévio,36 o que não se confirmou com casuística maior.
Em nosso estudo, o alelo 192R da PON-1 associou-se a maiores níveis de PCR, biomarcador de risco de desfechos cardiovasculares. Em amplo estudo (n = 3668 indivíduos) com seguimento de três anos, apenas a atividade arilesterase, mas não os níveis de paraoxonase ou o polimorfismo da PON-1, apresentou relação com desfechos cardiovasculares.37
Para o polimorfismo C677T da MTHFR, metanálise (n = 6912) mostrou associação com DAC prematura,38 sendo os níveis de homocisteína maiores em presença do alelo T.39 Em nosso estudo, os indivíduos CT/TT apresentaram HbA1c e adiponectina maiores em relação aos portadores do genótipo CC.
Polimorfismos da ENOS são implicados na disfunção endotelial. O alelo T do polimorfismo G894T mostrou menores níveis de óxido nítrico e associação com DAC.40 Já a variante -786T (na região promotora), foi associada à DAC em metanálise.41
O escore genético se associou inversamente à maior extensão e gravidade da DAC. Sugere-se que, nesta população com SM, os fatores ambientais tenham um impacto na modulação da expressão de genes relacionados ao metabolismo lipídico, oxidação de lipoproteínas, função endotelial e níveis de pressão arterial, influenciando o processo de aterogênese.
Os polimorfismos estudados tiveram pequena contribuição para a extensão da DAC. Apenas o polimorfismo D9N da LPL associou-se à extensão da DAC em pacientes com SM e recente SCA. Análise combinada de polimorfismos genéticos apresentou fraca associação com a extensão da doença coronariana, sendo o escore genético inversamente associado à extensão e gravidade da DAC.
O tamanho amostral do estudo e seu desenho transversal podem ser limitações do nosso estudo. No entanto, o estudo teve objetivo exploratório de identificar polimorfismos genéticos que possam contribuir na identificação de maior gravidade da doença aterosclerótica nesta população de portadores de SM e recente SCA. Seus resultados contribuem para a escolha de polimorfismos genéticos a serem testados em estudos prospectivos envolvendo maior casuística.