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Associação de variáveis sociodemográficas e clínicas com o estadiamento inicial em homens com câncer de próstata

Associação de variáveis sociodemográficas e clínicas com o estadiamento inicial em homens com câncer de próstata

Autores:

Sérgio Riguete Zacchi,
Maria Helena Costa Amorim,
Marco Antonio Comper de Souza,
Maria Helena Monteiro de Barros Miotto,
Eliana Zandonade

ARTIGO ORIGINAL

Cadernos Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1414-462Xversão On-line ISSN 2358-291X

Cad. saúde colet. vol.22 no.1 Rio de Janeiro jan./mar. 2014

http://dx.doi.org/10.1590/1414-462X201400010014

ABSTRACT

Prostate cancer has become a Public Health problem, being the malignant neoplasm with the highest incidence rate in Brazilian men. Will be estimated, for the years of 2014 and 2015, 302,350 cases of cancer in males, of which 68,800 (22.8%) are from prostate cancer. The State of Espírito Santo is among the 7 Brazilian States with the highest incidence, with an estimated 1,580 cases of prostate cancer per year, reflecting an incidence rate of 88.72/100,000 inhabitants. In the State capital, Vitória, it is assumed that this rate is 107.21/100,000 inhabitants, representing 170 cases1. The objective of this study was to evaluate the association of sociodemographic and clinical factors with the initial staging in men with prostate cancer. An observational cross-sectional secondary data research, assessing 1,500 records of men with prostate cancer from 2000 to 2006 seen at a referral center for the treatment of prostate cancer in Vitória, Espírito Santo. For statistical treatment of the data were used χ2 test of association and logistic regression with Odds Ratios (OR). There was a predominance of men aged between 60 and 79 years (75%), non-white (61%), with incomplete primary education (65%), married (77%), using the Unified Health System (UHS) (60%), residing in the State Metropolitan Area (67%) and with clinical stage II (70%). The variables non-white (p=0.025), Gleason score ≥7 (p≤0.001) and prostate-specific antigen (PSA) >20 ng/dL (p≤0.001) were associated with late stage at diagnosis, while the undiagnosed referral without previous treatment (p≤0.001) or with diagnosis and treatment (p=0.018) were associated with a greater chance of early clinical staging. The variables that accounted for the increased risk of late stage at diagnosis can be modified by the adoption of specific public policies. With the advancement of the National Comprehensive Health Care of Men (NCHCM), it is expected that a larger number of men have access to the health care network, obtaining early diagnosis and timely treatment.

INTRODUÇÃO

Fatores como a redução da fecundidade, o processo de urbanização populacional, a industrialização das cidades e os avanços da ciência e tecnologia têm permitido uma mudança demográfica, caracterizada pelo envelhecimento da população mundial. Esse processo, associado a ações de promoção e recuperação da saúde, características do último século, proporcionou uma mudança no perfil epidemiológico de tal modo, que as doenças crônico-degenerativas superaram as infecciosas em incidência e mortalidade1 na população mundial.

O câncer de próstata acomete principalmente homens acima de 65 anos1 e sua incidência é maior em homens da raça negra que da raça branca2. A história familiar é um importante fator de risco3 para a ocorrência desta doença e o escore de Gleason da biópsia associado ao valor do antígeno prostático específico (PSA) permite estratificar o risco de recidiva e progressão da doença4. O estadiamento inicial permanece como principal fator prognóstico de sobrevida, com sobrevida de 10 anos superior a 70% em casos de tumores clinicamente localizados (estádios clínicos I e II)5.

Das neoplasias que acometem o homem, o câncer de próstata é a segunda em incidência, com cerca de 1.112.000 casos no mundo, e a quinta em mortalidade, com cerca de 307.000 mortes, dados relativos ao ano de 2012. A expectativa mundial para 2030 é de 1,7 milhão de casos novos dessa neoplasia6.

No Brasil, dos 302.350 casos de neoplasias no sexo masculino estimados tanto para 2014 como para 2015, 68.800 (22,8%) serão por câncer de próstata, a neoplasia de maior incidência nos homens depois do câncer de pele não melanoma1.

O Espírito Santo é um Estado da Região Sudeste que, em 2010, apresentava uma população de 3.512.672 habitantes. Estima-se que, para 2014 e 2015, ocorram nessa população aproximadamente 1.580 casos de câncer de próstata por ano, com uma taxa de incidência de 88,72/100.000 habitantes. Na capital do Estado, Vitória, estima-se que essa taxa seja de 107,21/100.000 habitantes, correspondendo a 170 casos1.

O objetivo deste estudo foi avaliar a associação de variáveis sociodemográficas e clínicas com o estadiamento inicial dos homens com câncer de próstata atendidos em um hospital de referência estadual em tratamento oncológico, localizado em Vitória, Espírito Santo.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo transversal de dados secundários. A população do estudo foi composta por todos os registros de diagnóstico de câncer de próstata, no período de 1º de janeiro de 2000 a 31 de dezembro de 2006, de homens que receberam atendimento no Hospital Santa Rita de Cássia - Associação Feminina de Educação e Combate ao Câncer (HSRC - AFECC), situado no município de Vitória, Espírito Santo, Brasil. O hospital é credenciado, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), como Centro de Alta Complexidade em Oncologia (CACON) e referência estadual em oncologia. Os dados foram coletados pelo pesquisador no setor de Registro Hospitalar de Câncer do HSRC, entre os meses de outubro de 2011 e março de 2012.

Como critérios de inclusão foram considerados os registros de homens com diagnóstico de câncer de próstata atendidos no HRSC no período considerado; os critérios de exclusão foram a impossibilidade de determinação do estadiamento clínico inicial e o registro de apenas uma consulta no hospital, pela não completude dos prontuários dos pacientes nesses casos.

Para a coleta dos dados, adotou-se um instrumento específico, elaborado pelo pesquisador, contendo as variáveis: ano da primeira consulta, faixa etária, raça/cor da pele (brancos e não brancos), grau de instrução, estado conjugal, procedência, origem do encaminhamento, diagnóstico e tratamento anteriores, estadiamento clínico, escore de Gleason da biópsia, PSA inicial e tipo de tratamento. As fontes dos dados foram as Fichas de Registro de Tumor e os prontuários dos pacientes. Optou-se por não incluir a variável história familiar de câncer de próstata, devido à sua baixa completude (2,8%).

O estadiamento clínico inicial seguiu a classificação da American Joint Committee on Cancer (AJCC)7 e foi categorizado pelo pesquisador, a partir da revisão de todos os prontuários dos pacientes, que se baseou nos resultados dos exames iniciais disponíveis, como o exame digital da próstata; radiografias do tórax, do esqueleto axial e apendicular; cintilografias ósseas; ultrassonografias abdominais e de vias urinárias e tomografias computadorizadas de abdome e pelve7. Os estádios clínicos I e II foram agrupados em estadiamento precoce; os estádios clínicos III e IV, em estadiamento tardio (esta será a variável binária para a regressão logística).

Aplicaram-se testes do χ2 de associação do estadiamento com as seguintes variáveis: idade, raça/cor, grau de instrução, estado conjugal, procedência, origem do encaminhamento, diagnóstico, tratamentos anteriores, PSA e escore de Gleason, todas categorizadas. Utilizou-se o nível de significância de 10% para inclusão das variáveis no modelo de regressão logística. Foram calculadas as ORs brutas e ajustadas pelo modelo de regressão logística para todas as variáveis que apresentaram p<10%. Utilizou-se o método ENTER para a escolha das variáveis no modelo, o que significa incluir e deixar todas as variáveis no modelo até o final da estimação. Procedeu-se a análise dos resíduos para o ajuste do modelo. O nível de significância adotado no modelo final foi de 5%. Os dados foram organizados e analisados por meio do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 18.0.

O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Espírito Santo, conforme a resolução nº 196, de 16 de outubro de 1996, que o aprovou sob o protocolo nº 253/11.

RESULTADOS

No período de 2000 a 2006, foram atendidos no HSRC 1.500 homens com diagnóstico de câncer de próstata. Foram excluídos 174 homens (11,6%), por não fornecerem as informações necessárias para a realização do estadiamento clínico inicial, e outros 6 (0,4%), por apresentarem dados de uma única consulta. A população do estudo foi de 1.320 homens.

Ao longo do período estudado, observou-se o aumento do número de casos de câncer de próstata, porém uma diminuição percentual dos que apresentavam estadiamento tardio em relação ao precoce (p=0,035). A Figura 1 apresenta os resultados quanto ao ano da primeira consulta e aponta que os anos de 2005 e 2006 corresponderam a 41,0% dos registros.

Figura 1. Percentual dos casos de estadiamento precoce e tardio ao longo dos anos de 2000 a 2006 no Hospital Santa Rita de Cássia, Vitória, Espírito Santo 

A idade média dos homens no momento do diagnóstico foi de 69,3 (desvio-padrão - DP=8,7) anos. Concernente às variáveis sociodemográficas, observa-se na Tabela 1 que houve predominância de homens na faixa etária entre 60 e 79 anos (75%), de raça/cor não branca (61%), que não haviam completado o primeiro grau (65%), casados (77%) e com encaminhamento proveniente do Sistema Único de Saúde (SUS) (60%). Quanto à procedência, o maior número de homens residia na Região Metropolitana (67%), seguidos por aqueles residentes na Região Central (16%). Homens procedentes de outros Estados, como Bahia, Minas Gerais, Rondônia e Amazonas, corresponderam a 2%. O estadiamento II foi predominante em 70% da amostra, seguido do IV em 19%, do III em 10% e do I em 1% dos homens atendidos no hospital.

Tabela 1. Distribuição da amostra quanto às variáveis sociodemográficas e ao estadiamento precoce e tardio dos homens com câncer de próstata atendidos no Hospital Santa Rita de Cássia de janeiro de 2000 a dezembro de 2006 

Variável Total % Estadiamento Valor p
Precoce (I e II) Tardio (III e IV)
n % n %
Idade na primeira consulta 0,184
30 a 39 anos 1 0 0 0,0 1 0,3
40 a 49 anos 13 1 10 1,1 3 0,8
50 a 59 anos 144 11 110 11,7 34 9,0
60 a 69 anos 451 34 308 32,8 143 37,8
70 a 79 anos 542 41 387 41,2 155 41,0
80 anos e mais 167 13 125 13,3 42 11,1
Cor da pele 0,025
Branca 507 39 380 40,6 127 34,0
Não branca 802 61 555 59,0 247 66,0
Grau de instrução 1,000
Analfabeto 201 16 144 16,4 57 16,4
Primeiro grau incompleto 600 49 429 48,9 171 49,1
Primeiro grau completo 251 20 181 20,6 70 20,1
Segundo grau completo 126 10 90 10,3 36 10,3
Superior 48 4 34 3,9 14 4,0
Estado conjugal 0,978
Casado 1011 77 721 76,8 290 77,1
Solteiro 133 10 95 10,1 38 10,1
Separado, divorciado, desquitado 53 4 37 3,9 16 4,3
Viúvo 118 9 86 9,2 32 8,5
Origem do encaminhamento 0,340
SUS 639 60 469 61,2 170 58,0
Não SUS 420 40 297 38,8 123 42,0
Diagnóstico e tratamentos anteriores 0,001
Sem diagnóstico e sem tratamento 187 14 109 11,6 78 20,7
Com diagnóstico e sem tratamento 957 73 710 75,4 247 65,5
Com diagnóstico e com tratamento 175 13 123 13,1 52 13,8
Macrorregião (ES) 0,265
Metropolitana 875 67 610 65 265 70
Norte 134 10 94 10 40 11
Central 205 16 156 17 49 13
Sul 76 6 59 6 17 5
Outros Estados 25 2 19 2 6 2

SUS: Sistema Único de Saúde.

Pode-se observar ainda a associação entre as variáveis sociodemográficas e clínicas com o estadiamento inicial. Houve significância estatística para a variável raça/cor da pele (p=0,025) e diagnóstico e tratamento anteriores (p=0,001).

Os homens atendidos no hospital que chegaram sem diagnóstico e sem tratamento, em sua maioria, vieram do SUS; dos que chegaram com diagnóstico e com tratamento, a maioria originava-se da rede de convênios e de médico particular. Para aqueles atendidos com diagnóstico e sem tratamento, a proporção foi semelhante (Tabela 2).

Tabela 2. Associação entre a origem do encaminhamento e o diagnóstico e tratamentos anteriores dos homens com câncer de próstata atendidos no Hospital Santa Rita de Cássia de janeiro de 2000 a dezembro de 2006 

Diagnóstico e
tratamentos anteriores
Origem do encaminhamento Total
SUS Não SUS
Sem diagnóstico e sem tratamento 90 38 128
14,1% 9,0% 12,1%
Com diagnóstico e sem tratamento 471 304 775
73,7% 72,4% 73,2%
Com diagnóstico e com tratamento 78 78 156
12,2% 18,6% 14,7%
Total 639 420 1059
100,0% 100,0% 100,0%

Teste do ?2; p=0,001

SUS: Sistema Único de Saúde

Em relação às variáveis clínicas, o escore de Gleason 6 esteve presente em 54% das biópsias; o escore 7 em 25%; e o escore ≥8 em 21%. O valor do PSA foi inferior a 10 ng/dL em 30% dos homens; entre 10 ng/dL e 20 ng/dL em 24%; entre 20 ng/dL e 50 ng/dL em 20%; e >100 ng/dL em 17%. As variáveis clínicas que se apresentaram significativas quando associadas ao estadiamento inicial foram o escore de Gleason (p≤0,001) e o PSA (p≤0,001) (Tabela 3).

Tabela 3. Frequência absoluta e percentual do total e dos estadiamentos precoce e tardio das variáveis clínicas dos homens com câncer de próstata atendidos no Hospital Santa Rita de Cássia de janeiro de 2000 a dezembro de 2006 

Variável n % Estadiamento Valor p
Precoce (I e II) Tardio (III e IV)
n % n %
Escore de Gleason
Até 6 702 54 582 62,5 120 32,7 0,001
7 328 25 220 23,6 108 29,4
8 150 12 88 9,5 62 16,9
9 99 8 37 4,0 62 16,9
10 19 1 4 0,4 15 4,1
PSA
<10 356 30 324 37,8 32 9,3 0,001
10 |--- 20 282 24 243 28,4 39 11,4
20 |--- 50 244 20 176 20,5 68 19,8
50 |--- 100 112 9 61 7,1 51 14,9
100 ou mais 206 17 53 6,2 153 44,6

PSA: antígeno prostático específico.

A maioria dos homens recebeu hormonioterapia exclusiva (50%). Um percentual de 15% foi tratado com uma combinação de radioterapia com hormonioterapia e 11% foram submetidos à cirurgia. Não apresentaram metástases a distância 76% dos casos. Dos que apresentaram metástase, a óssea foi a mais comum, acometendo 18% dos homens.

Para as variáveis sociodemográficas e clínicas que apresentaram p<0,10 quando associadas ao estadiamento inicial, calcularam-se ORs brutas e ajustadas pelo modelo de regressão logística (Tabela 4). Foram consideradas como referência as classes de variáveis que apresentaram valor igual a 1. A OR ajustada demonstrou maior risco de ser diagnosticada em estadiamento tardio nos homens com PSA>20 ng/dL (OR: 2,97; p≤0,001; IC: 1,83−4,83); naqueles com PSA>100 ng/dL, esse risco foi ainda maior (OR: 22,27; p≤0,001; IC: 13,26−37,41). Quanto ao escore de Gleason, o risco de estadiamento tardio esteve associado aos homens com resultado ≥ a 7 (OR: 1,93; p≤0,001; IC: 1,34−2,80). Naqueles com escore 9, o risco aumentou em 5,41 (p≤0,001; IC: 3,72−11,06) em relação àqueles com escore de Gleason menor ou igual a 6.

Tabela 4. Frequência absoluta e percentual do total por estadiamento precoce e tardio e frequência ajustada das variáveis sociodemográficas, clínicas e de acesso dos homens com câncer de próstata atendidos no Hospital Santa Rita de Cássia, de janeiro de 2000 a dezembro de 2006 

Variável OR bruta OR ajustada
Valor p OR LI LS Valor p OR LI LS
Cor da pele
Branca 1,00 1,00
Não branca 0,025 1,33 1,04 1,71 0,790 0,96 0,69 1,32
Diagnóstico
(D) e tratamentos anteriores (T)
Sem D e sem T 1,00 1,00
Com D e sem T 0,001 0,49 0,35 0,67 0,044 0,65 0,43 0,99
Com D e com T 0,018 0,59 0,38 0,91 0,910 1,03 0,58 1,83
Escore de Gleason
Até 6 1,00 1,00
7 0,001 2,38 1,76 3,22 0,001 1,93 1,34 2,80
8 0,001 3,42 2,34 5,00 0,001 2,19 1,38 3,50
9 0,001 8,13 5,17 12,77 0,001 6,41 3,72 11,06
10 0,001 18,19 5,93 55,76 0,011 5,63 1,49 21,36
PSA
<10 1,00 1,00
10 |--- 20 0,055 1,62 0,99 2,67 0,088 1,57 0,94 2,62
20 |--- 50 0,001 3,91 2,47 6,19 0,001 2,97 1,83 4,83
50 |--- 100 0,001 8,47 5,03 14,24 0,001 6,50 3,75 11,28
100 ou mais 0,001 29,23 18,10 47,19 0,001 22,27 13,26 37,41

OR: Odds Ratio

LI: limite inferior

LS: limite superior

PSA: antígeno prostático específico

A mesma análise apontou menor risco para os homens encaminhados ao hospital com diagnóstico e sem tratamento (OR: 0,65; p≤0,001; IC95%:0,43−0,99). A variável raça/cor não apresentou significância estatística no modelo ajustado.

DISCUSSÃO

Neste estudo avaliou-se a associação de algumas variáveis sociodemográficas e clínicas com o estadiamento clínico inicial de homens com câncer de próstata que foram atendidos em um hospital de referência estadual. A mediana relativa à idade destes homens é similar à encontrada na literatura8, em que a idade média, ao diagnóstico, foi de 72 a 74 anos e 85% se apresentaram acima dos 65 anos. Quando estudados os homens do Estado de São Paulo, observou-se idade média de 68 anos, com desvio-padrão de 8,09. Segundo Gonçalves et al.10, 45% dos homens com câncer de próstata atendidos entre 2000 e 2003 no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu situavam-se na faixa etária entre 69 e 73 anos.

Quanto à variável estadiamento, detectaram-se no Estado de São Paulo 69,4% dos casos em EC I e II, 20,2% em EC III e 10,4% em EC IV9, enquanto em homens do Reino Unido os EC I e II representaram 74-76%, o EC III, 6-7% e o EC IV, 16-19% de homens brancos e negros, respectivamente11. Os resultados desta pesquisa mostraram proporção semelhante de homens em estádios precoces; entretanto, dados americanos3indicaram que, ao diagnóstico, 81,0% dos homens se apresentaram nos EC I e II, 12,0% no EC III e 4% no EC IV. Tais dados refletem a política de rastreamento adotada nos Estados Unidos da América, instrumento que permite maior detecção de tumores em estádios mais precoces quando comparado ao Brasil.

Nardi et al.9 trabalharam com uma amostra de 80,7% de homens brancos e 19,3% de homens não brancos e, apesar de não encontrarem diferença estatisticamente significante para associação com metástases, a cor da pele influenciou o tipo de tratamento nesse estudo, com redução da chance de intervenção cirúrgica em negros que receberam atendimento em instituições públicas e privadas do Estado de São Paulo entre os anos de 2004 e 2005.

A diferença observada em estadiamento clínico inicial no presente estudo deve-se, provavelmente, ao agrupamento dos homens em brancos e não brancos, devido ao grande número de relacionamentos/casamentos inter-raciais não só no Espírito Santo mas também nos demais Estados do Brasil, com pardos mais próximos das características dos negros. Dados do Surveillance, Epidemiology, and End Results (SEER)3 mostram distribuição semelhante dos estádios Precoce e Tardio entre homens brancos e afro-americanos.

Dados similares aos encontrados neste estudo quanto ao grau de instrução foram os apresentados por Gonçalves et al.10, para quem, dos homens que se submeteram a exame de rastreamento em Botucatu, São Paulo, 89,01% tinham o primeiro grau completo ou incompleto e 5,5% eram analfabetos. Esse perfil deve ser reflexo do grau de instrução do homem sexagenário em geral, uma vez que, em 2000, 65,1% da população brasileira não haviam completado o ensino fundamental ou eram analfabetos e apenas 4,4% tinham concluído o ensino superior12.

Nesta pesquisa, o estado conjugal reflete a realidade confirmada por outro estudo nacional9 que apresentou 80% dos homens casados, fato que não se relacionou à apresentação clínica inicial. Kravdal13 desenvolveu um modelo estatístico que apontou um aumento de 45,0% no risco de morte para homens noruegueses divorciados e de 24% para os solteiros; no entanto, não observou aumento desse risco para viúvos. Em um estudo com homens submetidos a tratamento cirúrgico, Abdollahe et al.14 observaram que divorciados, solteiros e viúvos apresentaram um risco 1,1 vez maior de apresentar câncer de próstata localmente avançado em relação aos homens casados e que a mortalidade câncer específica desses homens foi 1,3 vez maior que a dos homens casados. Os autores justificam que os homens não casados podem ter menos apoio para se submeterem a um tratamento curativo, um estilo de vida menos comedido e alterações imunológicas, pelo estado conjugal.

Ao ser avaliado o acesso ao hospital de referência, observou-se que os homens que chegaram com diagnóstico e sem tratamento têm uma redução significativa de chance de o quadro apresentar-se em estádio tardio, fato que funciona como um fator de proteção, enquanto os homens que chegam ao hospital sem diagnóstico e sem tratamento tendem a apresentar estádios clínicos mais tardios, são internados já sintomáticos para investigação diagnóstica, submetidos à biópsia e têm seu tratamento iniciado na instituição.

Um estudo9 realizado no Estado de São Paulo com homens diagnosticados com câncer de próstata atendidos pelos sistemas público e privado demonstra que o perfil dos que são do SUS é composto por idosos e negros, com valor de PSA mais elevado e maior probabilidade de doença metastática do que os da rede privada e, ainda, com menor probabilidade de receber tratamento cirúrgico. Uma das hipóteses dos autores do estudo é de que o tratamento nos homens da rede pública normalmente ocorre após eles serem referenciados por diferentes localidades para os centros de intervenção. Isso pode estar associado a um atraso no início do tratamento após o diagnóstico. Além disso, a compreensão da gravidade do caso e da necessidade de cuidados específicos pode ser diferente em relação à dos homens da rede privada. Neste estudo, o fato de não ter sido encontrada diferença estatística no estádio clínico de apresentação dos pacientes com a variável SUS e não SUS pode estar relacionado às características do hospital, que recebe homens provenientes das redes de convênio e particulares para a realização de radioterapia ou hormonioterapia (com diagnóstico e tratamento anteriores), sendo os casos mais favoráveis encaminhados para tratamento em outros hospitais da rede de saúde. Nota-se ainda que os pacientes procedentes do SUS têm probabilidade maior de chegar ao hospital sem diagnóstico e sem tratamento anterior, o que aumenta a chance de o quadro evoluir para estádio clínico tardio.

Os dados da distribuição geográfica coincidem com os que são encontrados no Espírito Santo, com a maior proporção da população concentrando-se na Região Metropolitana e na Macrorregião Central. A Macrorregião Sul apresenta menor representação na amostra, provavelmente pela existência de hospital terciário de referência local, além da proximidade de centros de referência regionais do Estado do Rio de Janeiro.

Conforme observado nesta pesquisa, um estudo nacional9 encontrou 53,8% de homens com escore de Gleason ≤ 6, 32,1% de escore=7 e 13,3% de escore ≥ 8. Aqueles com escore de Gleason ≥ 7 apresentaram maior probabilidade de doença metastática.

O estudo do efeito do escore de Gleason sobre a mortalidade dos homens submetidos a rastreamento bienal de câncer de próstata observou que homens na faixa etária de 50 a 59 anos, com escore de Gleason <7, =7 e >7, apresentaram taxas de 0,0, 31,0 e 72,0%, respectivamente, de probabilidade de morrer em decorrência do câncer de próstata, enquanto aqueles na faixa etária de 70 a 74 anos apresentaram taxas de 2,0, 9,0 e 28%, respectivamente, para essa mesma probabilidade15.

O valor do PSA apresentou-se como importante fator prognóstico. Valores entre 10,1 e 20,0 ng/dL aumentaram a chance de doença em estádio tardio em 3,91 vezes; entre 50,1 e 100 ng/dL, em 8,47 vezes; e maiores que 100 n/dL, em 29,23 vezes, resultados que vão ao encontro dos obtidos num estudo multicêntrico16 que encontrou risco elevado de metástases naqueles homens com PSA>35 ng/dL.

Após análise multivariada, permaneceram com significância estatística as variáveis diagnóstico e tratamento anteriores, escore de Gleason >7 e PSA>20. Essas variáveis podem refletir a dificuldade de acesso de alguns homens à atenção primária, seja por desconhecimento ou preconceito, ou até mesmo por falta de disponibilidade de recursos médicos locais, o que favorece uma evolução da doença, que será diagnosticada em casos avançados, fora da janela de rastreamento, impossibilitando o diagnóstico e tratamento precoces com intenção curativa. Um estudo americano17 mostrou que, tanto para homens brancos quanto para afro-americanos, a distância até o centro médico de referência urológico está associada a um aumento na detecção de tumores de alto risco e que, para cada milha, esse aumento é de 9,0% para negros e de 2,0% para brancos. Para 10 milhas de distância, o risco relativo de metástases é de 1,63 e 1,34 vezes maior para negros e brancos, respectivamente.

Observou-se neste estudo um aumento na incidência de câncer de próstata ao longo dos anos de 2000 a 2006, porém a proporção de homens que chegaram a um estádio tardio tem decrescido. Isso se deve provavelmente à maior divulgação da doença pela mídia em campanhas de detecção precoce e ao maior acesso ao sistema de saúde no Estado. A expectativa é de que os dados recentes mostrem avanços ainda maiores, podendo relacionar-se com a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH)18, implementada a partir de agosto de 2008, com o objetivo de orientá-lo quanto à necessidade de cuidar de sua saúde e da de sua família, além de garantir os meios para que possa fazê-lo.

Este estudo, por ser retrospectivo e não contar com a totalidade dos casos incidentes no Estado do Espírito Santo, pode conter vieses de informação. Um ponto a ser ressaltado é que, por se tratar de um hospital terciário de referência, o HSRC conta com toda a estrutura para o atendimento integral ao homem portador de câncer de próstata, por isso os casos de diagnóstico mais tardio podem ser referenciados com maior frequência, ocorrendo um viés de amostragem, com possibilidade de a incidência na população em geral ser um pouco menor que na amostra estudada.

CONCLUSÃO

Na população estudada, os fatores identificados nos homens que se apresentaram com estadiamento tardio foram PSA>20, escore de Gleason > 6 e ausência de diagnóstico e tratamentos anteriores à admissão no serviço de referência pesquisado. Fica evidenciado que as variáveis que representaram risco aumentado de estadiamento tardio ao diagnóstico são passíveis de modificações mediante a adoção de políticas públicas específicas. Nota-se que, a partir de 2005, mais homens têm sido diagnosticados em estádios mais precoces e espera-se que, com o avanço da PNAISH, mais homens tenham maiores possibilidades de acesso à rede de saúde, recebendo diagnóstico precoce e tratamento oportuno.

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