versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756
J. bras. pneumol. vol.44 no.1 São Paulo jan./fev. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/s1806-37562016000000331
O tabagismo é a causa mais comum de morte evitável no mundo, pois aumenta o risco de morte por doenças como câncer, doença isquêmica do coração, DPOC, entre outras.1) No Brasil, pesquisas científicas permitem concluir que a prevalência de tabagismo na população adulta diminuiu ao longo das últimas décadas.2,3 Dados obtidos por inquérito telefônico pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde apontam para uma redução da prevalência de adultos fumantes no Brasil de 15,6% para 11,3% no período entre 2006 e 2013.3
Essa tendência verificada entre os adultos não tem sido identificada entre os jovens brasileiros.4 Dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), aplicada em diversos anos, mostrou que não houve uma diminuição da prevalência dos jovens que referiram haver fumado nos 30 dias anteriores ao inquérito, observando que a prevalência de fumantes desses está mantida em cerca de 6,0%.4
Diversas estratégias foram implantadas no Brasil buscando reduzir a oferta e o consumo do tabaco. Essas estratégias incluem políticas públicas nas áreas de propaganda, publicidade, patrocínio, advertências sanitárias, tabagismo passivo, tratamento de fumantes, comércio ilegal, preços e impostos.2,5 Especificamente no que se refere à legislação que visa a proteger a população da exposição à propaganda do tabaco, destaca-se a Lei Federal no. 10.167/2000,6 que proibiu a publicidade de produtos derivados do tabaco em revistas, jornais, televisão, rádio e outdoors. Proibiu, também, a propaganda por meio eletrônico, inclusive internet, a propaganda indireta contratada e a publicidade em estádios, pistas, palcos ou locais similares; ainda, vetou o patrocínio de eventos esportivos internacionais e culturais pelas indústrias do tabaco a partir de 2003. A Lei Federal no. 12.546/2011, regulamentada pelo decreto no. 8.262/2014, proibiu a propaganda dos produtos de tabaco nos pontos de venda, o que significou um importante avanço na legislação nacional; entretanto, ainda é permitida no país a exposição das embalagens nos pontos de venda.7,8
A indústria do tabaco reage à evolução do controle do tabagismo com diferentes estratégias: destacam-se os expositores de maços de cigarros, cada vez mais elaborados, as embalagens atrativas dos produtos, bem como o posicionamento privilegiado dos produtos nos pontos de venda, próximos a outros produtos atrativos para crianças e jovens.9
É nesse contexto que se justifica o presente estudo, que teve por objetivo verificar a associação entre a exposição a maços de cigarros nos pontos de venda e a susceptibilidade ao tabagismo entre adolescentes brasileiros.
Para tanto, foi realizado um estudo transversal, com uma amostra composta por escolares de 14 a 17 anos matriculados em um dos três anos do Ensino Médio, no período diurno, em escolas públicas estaduais de cinco capitais (Brasília, São Paulo, Manaus, Curitiba e Salvador). Todos os estudantes dos anos escolares selecionados que estavam presentes no dia da aplicação do questionário foram convidados a participar do estudo. A coleta de informações foi feita por meio de um questionário autoaplicável e anônimo, com a supervisão de equipe de campo previamente treinada.
As variáveis estudadas foram sexo, idade, ano escolar, tabagismo dos pais, tabagismo do respondente, exposição ao tabagismo, susceptibilidade ao tabagismo no ano seguinte da participação no estudo e exposição aos maços de cigarros e à sua propaganda em pontos de venda (como padarias, minimercados, lojas de conveniência e supermercados).
Foram classificados como susceptíveis a fumar os escolares não fumantes que responderam que provavelmente ou definitivamente iniciariam a fumar no ano seguinte.10,11 Foram classificados como expostos ao tabagismo os escolares que informaram frequentar pelo menos um dos pontos de venda e visualizar os maços de cigarros. Foram classificados como não expostos ao tabagismo os escolares que informaram não frequentar nenhum dos pontos de venda citados nem visualizar os maços de cigarros expostos nesses locais. Aqueles que responderam ter fumado pelo menos uma vez nos 30 dias anteriores ao inquérito foram considerados fumantes.
Foi usado o teste do qui-quadrado de Pearson para verificar associações entre as variáveis independentes, sendo admitidos como significância estatística valores de p < 0,05.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis (SC), conforme o Parecer no. 552.940, e por Johns Hopkins School of Public Health Institutional Review Board, em Baltimore (MD) EUA, segundo o Processo no. 00005015.
Foram entrevistados 11.086 escolares, sendo 5.964 (53,8%) do sexo feminino. Os escolares foram classificados em três grupos no que se refere ao tabagismo: nunca fumantes, experimentadores e fumantes. As proporções encontradas na amostra foram, respectivamente, de 69,0%, 21,3% e 9,7%.
A prevalência de 9,7% (IC95%: 9,4-10,5) de fumantes observada no presente estudo foi maior do que aquela observada na PeNSE 2012,12 na qual 5,1% (IC95%: 3,9-6,2) dos estudantes das 26 capitais dos estados e do Distrito Federal foram identificados como fumantes regulares. Destaca-se que, no presente estudo, foram incluídos escolares de 14 a 17 anos matriculados no Ensino Médio de escolas públicas, enquanto a PeNSE compreendeu escolares que cursaram o nono ano do Ensino Fundamental, em escolas públicas e privadas, sendo que tais opções metodológicas podem ter contribuído para a diferença observada na prevalência de fumantes.12
Frente à pergunta se alguma vez já tentou ou experimentou fumar cigarros, mesmo que uma ou duas tragadas, 3.407 estudantes (30,7%) responderam afirmativamente. Dentre os experimentadores e fumantes, 10,3% fumaram o primeiro cigarro inteiro antes dos 10 anos de idade.
As perguntas sobre o hábito de frequentar pontos de venda de cigarros revelaram que a grande maioria dos estudantes (98,9%) frequentara pelo menos um dos pontos de venda mencionados no questionário no período estudado, sendo que praticamente todos os escolares (99,2%) referiram visualizar os maços de cigarro expostos (Tabela 1).
Tabela 1 Distribuição do número e proporção de escolares segundo os itens do questionário “frequenta pontos de venda de cigarros” e “percebe os maços de cigarros nos pontos de venda” de acordo com o status tabágico. Brasil, 2014.
Status tabágico | Itens do questionário | |||
---|---|---|---|---|
Frequenta pelo menos um dos pontos de venda | Frequenta algum ponto de venda de maços de cigarros e os percebe/visualiza em exposição | |||
n | % | n | % | |
Nunca fumantes | 7.561 | 98,9 | 7.561 | 100,0 |
Experimentadores | 2.317 | 99,3 | 2.278 | 98,8 |
Fumantes | 1.076 | 98,1 | 1.051 | 97,9 |
TOTAL | 10.954 | 98,9 | 10.961 | 99,2 |
Entre os meninos, 67,9% nunca fumaram, 21,3% já haviam experimentado cigarros, e 10,8% eram fumantes. Entre as meninas, essas proporções foram de, respectivamente, 69,9%, 21,1% e 9,0% (Tabela 2).
Tabela 2 Distribuição do número e proporção de escolares segundo sexo, ano escolar, idade e status tabágico. Brasil, 2014.
Variáveis | Status tabágico | Total | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Nunca fumante | Experimentador | Fumante | ||||||
n | % | n | % | n | % | n | % | |
Sexo | ||||||||
Masculino | 3.285 | 67,9 | 1.030 | 21,3 | 520 | 10,8 | 4.835 | 100,0 |
Feminino | 4.143 | 69,9 | 1.247 | 21,1 | 533 | 9,0 | 5.923 | 100,0 |
Ano escolar | ||||||||
1 | 4.267 | 70,5 | 1.175 | 19,4 | 607 | 10,0 | 6.049 | 100,0 |
2 | 2.115 | 67,0 | 710 | 22,5 | 332 | 10,5 | 3.157 | 100,0 |
3 | 1.052 | 66,5 | 399 | 25,2 | 132 | 8,3 | 1.583 | 100,0 |
Idade, anos | ||||||||
14 | 375 | 73,5 | 69 | 13,5 | 66 | 12,9 | 510 | 100,0 |
15 | 2.491 | 74,0 | 612 | 18,2 | 263 | 7,8 | 3.366 | 100,0 |
16 | 2.474 | 67,3 | 804 | 21,9 | 398 | 10,8 | 3.676 | 100,0 |
17 | 2.069 | 64,5 | 797 | 24,8 | 343 | 10,7 | 3.209 | 100,0 |
Entre os escolares expostos que visualizaram os maços de cigarros nos pontos de venda, 18,9% eram susceptíveis ao tabagismo, enquanto entre os estudantes não expostos, 12,9% eram susceptíveis ao hábito de fumar. De acordo com essa distribuição, foi observada uma associação estatisticamente significante entre a exposição aos maços de cigarro nos pontos de venda e a susceptibilidade ao tabagismo (OR = 1,56; IC95%: 1,04-2,35; p = 0,029).
Mackintosh et al.,13 em estudo realizado em 2008 no Reino Unido com jovens de 11 a 16 anos, identificaram uma elevada proporção de jovens expostos aos expositores de maços de cigarro (81,0%), sendo que os autores também identificaram uma associação estatisticamente significativa entre a exposição aos maços de cigarros nos pontos de venda e a susceptibilidade ao tabagismo (OR = 1,77; IC95%: 1,15-2,73; p = 0,029).
Outros estudos identificaram que crianças e adolescentes expostos aos maços de cigarros nos pontos de venda têm maior probabilidade de serem susceptíveis a fumar.14-16 Em uma revisão sistemática recentemente publicada, cujo objetivo era examinar a relação entre a promoção de produtos de tabaco em pontos de venda e a susceptibilidade ao tabagismo, entre outros, os autores concluíram que as evidências atuais apoiam a existência de uma associação positiva entre a exposição à promoção de produtos de tabaco nos pontos de venda e a susceptibilidade ao tabagismo.16
Como limitação do estudo, é importante destacar que a presente pesquisa é representativa dos adolescentes que frequentavam classes diurnas de escolas públicas e que estavam presentes no dia de aplicação do questionário em cinco capitais brasileiras.
Conclui-se que, com base em nossos resultados, a exposição aos maços de cigarros nos pontos de venda está associada à susceptibilidade ao tabagismo entre adolescentes brasileiros. Assim, os achados do presente estudo reforçam a importância de proibir a exposição de maços de cigarros nos pontos de venda.