Compartilhar

Associação entre a implantação da Rede Amamenta Brasil e indicadores de aleitamento materno

Associação entre a implantação da Rede Amamenta Brasil e indicadores de aleitamento materno

Autores:

Danusa S. Brandão,
Sonia I. Venancio,
Elsa R.J. Giugliani

ARTIGO ORIGINAL

Jornal de Pediatria

versão impressa ISSN 0021-7557

J. Pediatr. (Rio J.) vol.91 no.2 Porto Alegre mar./abr. 2015

http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2014.06.009

Introdução

O Brasil vem obtendo progressos nos indicadores de aleitamento materno (AM) desde a década de 1980, graças aos esforços do governo, de organizações não governamentais, universidades, mídia, entre outros.1 No entanto, esses indicadores continuam aquém do desejado. Segundo a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS), feita em 2006, a duração mediana do AM exclusivo (AME) e do AM foi 1,4 mês e 14 meses, respectivamente,2 o que indica a necessidade de estratégias que estimulem o AME nos primeiros seis meses de vida da criança e a amamentação complementada até dois anos ou mais.

Até recentemente, as políticas de promoção, proteção e apoio ao AM no Brasil eram voltadas para a atenção hospitalar, entre elas a adoção da Iniciativa Hospital Amigo da Criança e do Método Canguru e a criação da Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano. Com vistas a preencher a falta de ações de incentivo ao AM na atenção básica, o Ministério da Saúde lançou, em 2008, a Rede Amamenta Brasil, com o objetivo de mobilizar os profissionais de saúde que atuam nesse nível de atenção e o uso de metodologia crítico-reflexiva. Essa estratégia previa a feitura de uma oficina de trabalho com duração de seis horas com toda a equipe da unidade de saúde, com a participação de pelo menos um profissional de cada categoria funcional, incluindo administrativos e terceirizados, durante a qual era discutido o processo de trabalho em relação às ações de promoção, proteção e apoio ao AM, eram expostas as dificuldades e pactuadas ações em busca de soluções a partir da realidade local.3 Previa também o acompanhamento da unidade por um tutor da rede, capacitado para incentivar e apoiar o serviço na promoção, proteção e no apoio ao AM em sua área de abrangência. Para que a unidade fosse certificada, deveria cumprir os seguintes critérios: participação de no mínimo 80% da equipe na oficina de trabalho; monitoramento contínuo dos indicadores de AM em sua área de abrangência; concretização de pelo menos uma ação pactuada na oficina; e implementação de fluxograma de atendimento à dupla mãe-bebê no período de amamentação.4

Desde o seu lançamento, diversos municípios em diferentes regiões do Brasil aderiram à Rede Amamenta Brasil (atualmente denominada Estratégia Amamenta e Alimenta Brasil, após integração com a Estratégia Nacional de Promoção da Alimentação Complementar Saudável [Enpacs] em 2011), o que resultou em unidades de saúde com diferentes status com relação a essa estratégia. Como até o momento essa estratégia não teve os seus resultados avaliados, pareceu-nos oportuna a feitura do presente estudo, que teve como objetivo estimar a associação entre a implementação dessa estratégia e as prevalências de AM e AME em um município do sul do Brasil. Partiu-se da hipótese de que as populações assistidas por serviços de saúde que aderiram ao processo de implementação da Rede Amamenta Brasil apresentariam melhores indicadores de AM.

Métodos

Esta pesquisa teve caráter transversal e foi feita em Bento Gonçalves, município da região serrana do Rio Grande do Sul, com uma população de 107.341 habitantes, Índice de Gini de 0,45, Índice de Desenvolvimento Humano de 0,87, Coeficiente de Mortalidade Infantil de 14,1 por mil nascidos vivos e cobertura de saúde suplementar de 41,7%.5 and 6 Em 2011 ocorreram 1.274 nascimentos no município.6

Bento Gonçalves conta, atualmente, com 22 unidades básicas de saúde (UBS) e um centro de referência materno-infantil (CRMI). O processo de implementação da Rede Amamenta Brasil no município foi iniciado em outubro de 2009 e foram certificadas pelo Ministério da Saúde seis UBS até o momento da coleta de dados, além do CRMI, no total sete serviços de saúde certificados. Nesse período, mais 14 UBS iniciaram o processo de implementação da rede e fizeram a oficina de trabalho, mas não haviam sido certificadas. Duas das 22 UBS e todos os serviços privados ou conveniados não foram expostos a qualquer ação da Rede Amamenta Brasil.

Para caracterizar os serviços que aderiram ao processo de implementação da Rede Amamenta Brasil com relação à situação dessa estratégia, a pesquisadora fez entrevistas com 21 gerentes e 20 profissionais de saúde de nível superior dessas unidades. Nessa ocasião, foram coletadas informações referentes à verificação do cumprimento dos quatro critérios necessários para a certificação da UBS à rede, ao acompanhamento da unidade pelo tutor e ao atendimento às mães e bebês, incluindo o uso de protocolos e fluxogramas, manejo clínico e aconselhamento. Para essas entrevistas, foram usados os mesmos questionários da pesquisa sobre análise da implantação da Rede Amamenta Brasil.3 Esses dados permitiram a comparação entre os serviços certificados pelo Ministério da Saúde, ou seja, aqueles que cumpriam os critérios para certificação na época em que foi avaliado, e aqueles que haviam iniciado o processo de implementação da rede com a feitura da oficina de trabalho, mas que ainda não haviam sido certificados pelo Ministério da Saúde até o momento da coleta dos dados.

Para estimar a prevalência de AME e AM na população estudada, esta pesquisa teve como meta a inclusão de todas as crianças menores de um ano que comparecessem nos postos de vacinação no dia D' da segunda etapa da campanha de vacinação contra a poliomelite em 2012. Tal metodologia tem sido amplamente usada no Brasil e traz contribuições importantes para a análise da situação da amamentação no país e para a formulação de políticas e o planejamento de ações.7 Considerando que o município iniciou essa campanha nas escolas infantis públicas e privadas na semana anterior ao dia D, a coleta de dados foi ampliada para esses locais. Para evitar que a mesma criança participasse duas vezes do estudo, houve checagem de dados para detectar eventuais duplicidades.

Para testar a representatividade da amostra, foram comparadas as características das crianças que foram incluídas no estudo e as do universo de crianças menores de um ano do município, com o uso de dados do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc), referentes aos nascimentos ocorridos em 2011. Para isso, foi feito o teste qui-quadrado com correção de Yates e adotado o nível de significância de p < 0,05.

O instrumento de coleta de dados foi baseado no questionário usado na II Pesquisa de Prevalência de Aleitamento Materno (PPAM)7 e que continha questões sobre consumo de leite materno, outros tipos de leite e outros alimentos, incluindo água, chás e outros líquidos no dia anterior à entrevista, de acordo com as recomendações da OMS para inquéritos sobre amamentação.7 Além do inquérito alimentar, o questionário incluía perguntas relacionadas ao serviço de saúde que a criança costumava frequentar para acompanhamento de seu crescimento e desenvolvimento, incluindo serviços públicos, privados e conveniados. Os dados foram coletados por 40 entrevistadores recrutados em serviços de saúde e cursos de nível técnico e superior da região, devidamente treinados, distribuídos em 25 postos de vacinação espalhados pela cidade, incluindo todas as UBS.

Para caracterizar as práticas alimentares, consideramos as seguintes definições: AME, quando a criança recebeu somente leite materno sem quaisquer outros alimentos, sólidos ou líquidos, exceto medicamentos; e AM, quando a criança recebeu leite materno, independentemente de ter recebido ou não outros alimentos, incluindo líquidos.8

Para o banco de dados e a análise estatística, usou-se o programa Stata 11.0 (StataCorp LP, TX, EUA). A análise descritiva foi feita calculando-se médias e desvios padrão das variáveis quantitativas e frequência simples das variáveis qualitativas. A comparação das prevalências de AME e AM segundo local de acompanhamento foi feita com o teste do qui-quadrado de Yates corrigido e adotou-se nível de significância de 0,05.

Para testar a associação entre local de acompanhamento da criança e indicadores de AM, usou-se análise de regressão de Poisson com variância robusta, levando em consideração variáveis que, segundo a literatura, poderiam estar interferindo nos resultados. Inicialmente foram feitas regressões simples, considerando a variável dependente e cada uma das seguintes variáveis independentes: idade da criança; idade, paridade e escolaridade da mãe; coabitação com o pai e com avó da criança; área de residência (urbana ou rural); tipo de parto; amamentação na primeira hora após o parto; problemas com a amamentação; tempo que a mãe fica com a criança e uso da chupeta. Foram selecionadas para o modelo multivariado as variáveis independentes com p < 0,20, com exceção da escolaridade e idade maternas, por essas serem apontadas como fatores relevantes em outros estudos9 and 10 e apresentarem diferença significativa na distribuição da amostra. Foi adotado p < 0,05 como nível de significância para o modelo de regressão múltipla. Para o banco de dados e a análise estatística usou-se o programa Stata 11.0.

Esta pesquisa foi aprovada pela Secretaria Municipal de Saúde de Bento Gonçalves e pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Todos os entrevistados assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

Das 20 UBS que fizeram a oficina de trabalho, 45% (n = 9) fazem parte da Estratégia de Saúde da Família (ESF), 30% (n = 6) não fazem acompanhamento de puericultura e 40% (n = 8) não fazem atendimento pré-natal. Em relação aos locais certificados, todas as unidades básicas de saúde, com exceção do CRMI, fazem parte da ESF. As oficinas de trabalho nos serviços de saúde que iniciaram o processo de implementação da rede foram feitas, em média, 24 meses antes da feitura desse estudo para aqueles certificados (DP = 6,17) e 17 meses para os não certificados (DP = 4,16).

A caracterização dos serviços de saúde de acordo com a adequação aos critérios de certificação e acompanhamento da unidade no momento da coleta de dados está apresentada na tabela 1.

Tabela 1 -  Caracterização dos serviços de saúde de acordo com os critérios de certificação da Rede Amamenta Brasil e acompanhamento da unidade - Bento Gonçalves, 2012 

Critérios de certificação da Rede Amamenta Brasil Serviço certificado (n = 7) Serviço com oficina de trabalho, não certificado (n = 14)
n Frequência n Frequência
Mínimo 80% dos funcionários/equipe atual participaram da Oficina, com pelo menos um profissional de cada categoria funcional, incluindo administrativos e terceirizados 0 0% 0 0%
Monitoramento dos indicadores de AM por no mínimo três meses consecutivosa 7 100% 4 28,6%
Existência de um fluxograma de atendimento à dupla mãe-bebê no período de amamentação, construído coletivamente por toda equipe de atenção básica 7 100% 6 42,9%
Implantação de no mínimo uma ação do plano elaborado e pactuado na oficina 7 100% 6 42,9%
Acompanhamento do serviço pelo tutor
Visitas regulares (com intervalo mínimo de três meses) 0 0% 0 0%
Visitas não regulares (com intervalo superior a três meses) 7 100% 3 14,2%
Sem registro de visitas 0 0% 11 52,3%

aInformação referente aos meses de abril, maio e junho de 2012.

Foi verificado que 47,5% (n = 153) dos 322 profissionais de saúde que atuavam na época da coleta dos dados nos 21 serviços que iniciaram o processo de implementação da Rede Amamenta Brasil ingressaram na unidade após a feitura da oficina de trabalho. Não foram oferecidas outras oficinas para os novos funcionários até aquele momento. Aproximadamente um quarto dos 41 profissionais entrevistados (26,8%) mostrou desconhecimento da existência do fluxograma de atendimento à dupla mãe-bebê no período de amamentação. Quanto ao uso de protocolos de manejo do AM, foi verificada a inexistência do uso de tais protocolos em 95,2% das unidades (n = 20).

Foram obtidas informações sobre AM, AME e local de acompanhamento do crescimento e desenvolvimento de 405 crianças menores de um ano, o que representou 31,7% da população de menores de um ano residente no município. Dessas, 191 (47,2%) eram acompanhadas na rede de atenção básica do SUS e 214 (52,8%) em servidos privados/conveniados. Do total das crianças avaliadas, 181 (das quais 94 eram menores de seis meses) eram acompanhadas em unidades que aderiram ao processo de implementação da Rede Amamenta Brasil e 224 (102 menores de seis meses) em serviços que não aderiram a essa estratégia. Com essa amostra, para o estudo da associação entre implementação da Rede Amamenta Brasil e prevalências de AM e AME, considerando nível de confiança de 95% e poder do estudo de 80%, seria possível detectar diferenças em torno de 12% na prevalência de AM em menores de um ano e de 14% na prevalência de AME em menores de seis meses, partindo-se das prevalências encontradas na população não exposta à implementação da rede (38% para o AME e 70% para o AM).

Quando a amostra foi comparada com o universo de crianças menores de um ano no município, não houve diferença estatisticamente significativa quanto a sexo, tipo de parto e escolaridade. No entanto, houve diferença quanto à idade da mãe. Na amostra, houve menor frequência de mães adolescentes (6,3% versus 10,6% na população de referência; p = 0,03).

A tabela 2 apresenta as características da amostra, segundo local de acompanhamento de saúde das crianças. Entre as acompanhadas em locais em que não houve implementação da Rede Amamenta Brasil, houve maior proporção de crianças nascidas por parto cesáreo, de mães acima de 35 anos e com escolaridade igual ou maior do que 12 anos e de primíparas.

Tabela 2 -  Características das crianças menores de um ano, segundo adesão ao processo de implementação da Rede Amamenta Brasil nos locais de acompanhamento de seu crescimento e desenvolvimento - Bento Gonçalves, 2012 

Locais que aderiram ao processo de implementação da rede (na = 181) Locais que não aderiram ao processo de implementação da rede (n = 224)
Variável n Frequência n Frequência pb
Área
Urbana 172 95% 207 92,4% 0,747
Rural 9 5% 17 7,5%
Sexo
Masculino 97 53,6% 115 51,3% 0,123
Feminino 84 46,4% 109 48,6%
Parto
Normal 99 55% 50 22,7% 0,000
Cesarea 81 45% 170 77,2%
Idade da criança
0 a 90 dias 47 26% 48 21,4% 0,611
91 a 180 dias 47 26% 54 24,1%
181 a 270 dias 41 22,6% 58 25,8%
271 a 365 dias 46 25,4% 64 28,5%
Usa chupeta 102 57,6% 147 67,7% 0,095
Idade da mãe
11 a 19 anos 16 11% 5 2,6% 0,000
20 a 34 anos 109 75,2% 137 71,7%
35 anos ou mais 20 13,8% 49 25,6%
Escolaridade
1 a 7 anos 30 20,5% 17 8,9% 0,000
8 a 11 anos 102 69,9% 95 49,7%
12 anos ou mais 14 9,6% 79 41,4%
Tempo com a criança
Tempo integral 94 65,3% 107 56,6% 0,080
Um turno durante o dia e à noite 10 6,9% 27 14,2%
Apenas à noite 40 27,8% 55 29,1%
Orientação AME e AM durante o pré-natal 135 92,5% 182 95,7% 0,143
Primeiro filho 67 46,2% 120 62,8% 0,001
Problemas durante a amamentação 40 27,4% 53 30,1% 0,340
Reside com o pai da criança 129 89,6% 176 93,1% 0,170

AME, aleitamento materno exclusivo; AM, aleitamento materno.

an = número de crianças.

bTeste qui-quadrado corrigido de Yates.

A prevalência de AME entre menores de seis meses foi de 38,8%, com duração mediana de 54,5 dias. Já a prevalência de AM entre menores de um ano foi de 71,9%, com duração mediana de 157 dias. Se considerarmos apenas a rede privada/conveniada, essas prevalências foram 36,2% e 70,1%, respectivamente.

A tabela 3 apresenta as prevalências de AME e AM segundo local de acompanhamento. A análise bivariada não mostrou diferença estatisticamente significativa para as prevalências de AME e AM entre crianças acompanhadas por unidades que aderiram à Rede Amamenta Brasil (certificadas ou em processo de certificação) e as que frequentam serviços que não aderiram à rede. Esse resultado foi confirmado na análise de regressão de Poisson com variância robusta, bruta e ajustada (tabela 4).

Tabela 3 -  Prevalências de aleitamento materno exclusivo e aleitamento materno segundo local de acompanhamento da criança - Bento Gonçalves, 2012 

AME entre menores de 6 meses (na = 196) AM entre menores de 1 ano (n = 405)
Local de acompanhamento n Frequência pb n Frequência pb
Locais que aderiram ao processo de implementação da rede 39a 43,3% 0,328 134a 74% 0,485
- Locais certificados 17 37,7% 58 69,8%
- Locais com oficina de trabalho não certificados 22 48,8% 76 77,5%
Locais que não aderiram ao processo de implementação da rede 37b 38,1% 157b 70,4%

AME, aleitamento materno exclusivo; AM, aleitamento materno.

a n = número de crianças.

b Teste qui-quadrado corrigido de Yates comparando a e b.

Tabela 4 -  Resultado da análise multivariada que testou a associação entre prevalências de AME em menores de seis meses e AM em menores de um ano e locais de acompanhamento da criança segundo adesão à Rede Amamenta Brasil - Bento Gonçalves, 2012 

Aleitamento materno exclusivo Aleitamento materno
Variável RP bruta IC RP ajustada IC RP bruta IC RP ajustada IC
Local de acompanhamento
Locais que aderiram ao processo de implementação da rede 1 - 1 - 1 - 1 -
Locais que não aderiram ao processo de implementação da rede 0,78 0,50-1,23 0,87 0,53-1,41 0,95 0,75-1,19 1,03 0,79-1,33
Idade da criança
0 a 90 dias 1 - 1 - 1 - 1 -
91 a 180 dias 0,38 0,26-0,61 0,42 0,25-0,71 0,91 0,67-1,21 0,97 0,70-1,34
181 a 270 dias - - - - 0,64 0,47-0,87 0,77 0,53-1,09
271 a 365 dias - - - - 0,58 0,42-0,80 0,59 0,40-0,85
Idade materna
11 a 19 anos 0,52 0,15-1,77 0,51 0,14-1,76 0,73 0,40-1,33 0,79 0,42-1,46
20 a 34 anos 0,72 0,41-1,24 0,80 0,45-1,42 0,89 0,66-1,19 0,94 0,69-1,28
35 anos ou mais 1 - 1 - 1 - 1 -
Tempo com a criança
Tempo integral 1 - 1 - 1 - 1 -
Um turno durante o dia e à noite 0,15 0,03-0,63 0,51 0,12-2,15 0,86 0,57-1,30 1,17 0,75-1,84
Apenas à noite 0,02 0,00-0,21 0,17 0,02-1,31 0,72 0,54-0,97 0,97 0,67-1,41
Escolaridade
1 a 7 anos 1,13 0,53-2,40 0,72 0,33-1,55 0,91 0,60-1,36 0,81 0,53-1,24
8 a 11 anos 0,99 0,56-1,73 0,87 0,49-1,55 0,97 0,73-1,29 0,90 0,67-1,21
12 anos ou mais 1 - 1 - 1 - 1 -
Uso de chupeta
Sim 0,50 0,32-0,79 0,68 0,43-1,07 0,61 0,49-0,76 0,73 0,57-0,95
Não 1 - 1 - 1 - 1 -
Problemas durante a amamentação
Sim 0,50 0,26-0,96 0,45 0,23-0,87 0,69 0,50-0,93 0,71 0,51-0,96
Não 1 - 1 - 1 - 1 -
Primeiro filho
Sim 0,71 0,44-1,13 0,80 0,49-1,29 0,95 0,74-1,21 1,04 0,81-1,35
Não 1 - 1 - 1 - 1 -

RP, razão de prevalência; IC, intervalo de confiança.

Discussão

Contrariando a nossa hipótese, não houve diferença estatisticamente significativa nas prevalências de AME e de AM entre as crianças acompanhadas por serviços que aderiram à Rede Amamenta Brasil (certificadas e não certificadas) e as que frequentavam serviços que não foram expostos às ações da estratégia no município de Bento Gonçalves. Esse resultado pode ter relação com as dificuldades encontradas na implementação da rede nesse município, tais como descontinuidade do cumprimento dos critérios de certificação da Rede Amamenta Brasil das unidades já certificadas, devido à alta rotatividade de funcionários; baixo grau de cumprimento dos critérios pela maioria das unidades que iniciaram o processo de certificação na rede, mas que ainda não haviam sido certificadas na época da coleta dos dados; e desconhecimento dos profissionais da existência de fluxograma de atendimento à dupla mãe-bebê no período de amamentação nos locais, inclusive onde ele foi construído. O não uso de protocolos de manejo do AM, inclusive nas unidades certificadas, também pode ter contribuído para a ausência de associação entre a implementação da Rede Amamenta Brasil e os indicadores de AM.

Embora o acompanhamento da unidade por meio de visitas regulares do tutor capacitado para exercer essa função não seja critério para certificação, o Ministério da Saúde, ao propor a Rede Amamenta Brasil, enfatizou a importância desse acompanhamento para o sucesso da estratégia e sugeriu um intervalo mínimo de três meses entre as visitas.4 Foi verificado que o município apresentou dificuldades de seguir essa rotina de acompanhamento, pois nenhum local recebeu a visita do tutor trimestralmente. As visitas aconteceram prioritariamente nas unidades certificadas, embora com intervalo superior aos três meses recomendados. Considerando que o tutor da Rede Amamenta Brasil tem como papel incentivar e apoiar a unidade de saúde nas ações de promoção, proteção e apoio ao AM, a insuficiência do acompanhamento pelo tutor encontrada em Bento Gonçalves pode ter contribuído substancialmente para a falta de associação dessa estratégia com as prevalências de AM.

Algumas dificuldades encontradas na implantação da Rede Amamenta Brasil no município de estudo já haviam sido apontadas em estudo sobre análise de implantação da Rede Amamenta Brasil feito em 2011 em três municípios brasileiros (Ribeirão Preto-SP, Corumbá-MT e Porto Alegre-RS), tais como dificuldade na manutenção do monitoramento dos indicadores, alta rotatividade de profissionais e ausência de protocolos de manejo do AM.3

É importante comentar o fato de que as prevalências de AM e AME foram semelhantes entre os serviços certificados e os que fizeram a oficina de trabalho, mas ainda não certificados no momento da pesquisa. Houve até maiores prevalências, embora sem significância estatística, desses indicadores nos locais não certificados. A expectativa era que os indicadores de AM entre as crianças acompanhadas nos serviços certificados fossem mais favoráveis do que entre as demais. Esse resultado reforça a hipótese de dificuldades na implementação plena da estratégia como ela foi idealizada e sugere a necessidade de reavaliação dos critérios adotados para a certificação e recertificação.

A prevalência de AME entre menores de seis meses no presente estudo (38,8%) mostrou-se um pouco menor do que a prevalência nacional encontrada na II Pesquisa de Prevalência de Aleitamento Materno (41%), mas semelhante à encontrada em Porto Alegre, capital do estado (38,2%),7 e na PNDS feita em 2006 (38,6%).2

A prevalência de AM em crianças menores de 12 meses encontrada nesta pesquisa (68,5%) foi discretamente inferior à prevalência encontrada no mesmo município em um estudo feito em 2008 (71,1%),11 o que sugere que não houve melhoria dos indicadores de AM com a implementação da Rede Amamenta Brasil até o momento desta pesquisa. Embora não seja o objetivo do estudo investigar fatores associados ao AME e AM, ressaltamos que os fatores encontrados neste estudo tanto para o AME (idade da criança e problemas na mama durante a amamentação) quanto para o AM (idade da criança, uso de chupeta e problemas na mama durante a amamentação) já foram descritos em outras pesquisas.7 , 12 , 13 , 14 , 15 , 16 and 17

Como limitações do estudo, pode-se apontar número insuficiente de crianças para detectar diferenças pequenas nas prevalências de AM entre crianças acompanhadas em UBS que aderiram e não aderiram à rede, como o que ocorreu nesse estudo (5,2% para o AME e 3,6% para o AM). Com o uso de parâmetros amostrais clássicos (nível de confiança de 95% e poder do estudo de 80%) seria possível apenas detectar diferenças maiores do que as encontradas neste estudo, porém encontradas em diversas intervenções mais bem-sucedidas no Brasil18 and 19 e em outros países.20 and 21 O fato de haver menor frequência de mães adolescentes na amostra, quando comparada com a população de menores de um ano do município, poderia superestimar a prevalência de AME, haja vista alguns estudos mostrarem associação entre pouca idade materna e menores prevalências de AME.7 and 16 No entanto, essa característica não se mostrou associada com AME ou AM e foi incorporada no modelo de análise multivariado, o que minimiza essa possível limitação. Outra possibilidade de viés seria o fato de a maioria das crianças acompanhadas em serviços que não aderiram à Rede Amamenta Brasil ser acompanhada na rede privada/conveniada, frequentada por mães com mais escolaridade. A PNDS-20062 mostrou que a duração do AME e do AM das mulheres mais escolarizadas é menor e a II Pesquisa de Prevalência do Aleitamento Materno nas Capitais Brasileiras7 confirmou esse achado para o AM, mas mostrou resultado contrário para o AME. Acreditamos que essa possibilidade de viés seja pequena em nosso estudo, pois pesquisa anterior feita no mesmo município não mostrou associação entre prevalências de AME e escolaridade materna, renda familiar ou local do acompanhamento pré-natal (SUS ou não SUS).11 Além disso, o modelo estatístico incluiu a escolaridade da mãe e minimizou assim um eventual viés. Como mérito deste estudo salientamos o fato de ser o primeiro a avaliar a associação entre a implementação da Rede Amamenta Brasil e as prevalências de AM em menores de um ano e de AME em menores de seis meses de um município brasileiro. O único estudo sobre a efetividade dessa rede feito até então avaliou apenas os índices de AME em menores de seis meses no município de Ribeirão Preto, SP, em 2011.22

Vários estudos demonstraram que intervenções educativas de promoção e apoio ao AM melhoram significativamente os indicadores de AM.23 , 24 , 25 , 26 and 27 Sendo assim, seria de se esperar uma associação positiva significativa entre a implementação da Rede Amamenta Brasil e maiores prevalências de AM e AME, o que não ocorreu. No entanto, é preciso cautela na interpretação desse resultado. A mesma estratégia, quando avaliada no município de Ribeirão Preto, SP, obteve resultados positivos. Nesse local, a prevalência de amamentação exclusiva em menores de seis meses foi significativamente maior (RP = 1,41 e IC = 1,01;1,95) entre as crianças acompanhadas em unidades de saúde que fizeram a oficina da Rede Amamenta Brasil.22

Esse resultado sugere que a rede pode ser uma estratégia efetiva para aumentar os índices de AME. Além disso, como já mencionado anteriormente, foram observadas várias dificuldades na implementação da estratégia no município do presente estudo. Essas dificuldades devem ser analisadas no contexto do sistema de saúde brasileiro atual: carência de recursos materiais e humanos, excesso de atribuições dos profissionais de saúde, ausência de um plano de carreira atraente para fixar os profissionais em seus locais de trabalho, descontinuidade de programas e adoção de novos programas a cada mudança de gestão, o que resulta, muitas vezes, na desmotivação do profissional de saúde.

Nesse cenário, implementar a Rede Amamenta Brasil tal como ela foi idealizada no modelo assistencial vigente torna-se um desafio. A análise sobre a implantação da rede feita pelo Ministério da Saúde em 2011 já apontava baixa priorização da rede nos planos estaduais de saúde, dificuldades no processo de discussão sobre sua implementação no nível municipal e concorrência com projetos e programas de governo já existentes como dificultadores do processo de adesão e manutenção da rede nas unidades de saúde. Essa avaliação mostrou também que as boas experiências em relação à implementação dessa estratégia não estavam relacionadas à motivação ou atuação isolada de pessoas, mas sim articuladas a um projeto institucional, com apoio da gestão municipal.3

Assim, acreditamos que a inclusão da promoção, da proteção e do apoio da amamentação na lista de prioridades em saúde nas três esferas de gestão (federal, estadual e municipal) e uma reflexão sobre a ausência de associação entre a implementação da Rede Amamenta Brasil e os indicadores de AM aqui descrita podem auxiliar no planejamento e fortalecimento de ações que visam a melhores práticas alimentares de impacto na saúde da criança.

REFERÊNCIAS

1. Rea MF. Reflexões sobre a amamentação no Brasil: de como passamos a 10 meses de duração. Cad Saude Publica. 2003;19:37-45.
2. Brasil, Ministério da Saúde Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher-PNDS 2006: dimensões do processo reprodutivo e da saúde da criança. Brasília: Ministério da Saúde; 2009.
3. Brasil, Ministério da Saúde Análise de implantação da Rede Amamenta Brasil. Brasília: Ministério da Saúde; 2013.
4. Brasil, Ministério da Saúde Rede Amamenta Brasil: os primeiros passos (2007-2010). Brasília: Ministério da Saúde; 2011.
5. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Atlas do desenvolvimento humano no Brasil. [cited 11 Mar 2012]. Available from: http://www.pnud.org.br/atlas/
6. Bento Gonçalves, Secretaria Municipal de Saúde. Relatório Epidemiológico: natalidade. 6a revisão. Bento Gonçalves, 2011. [cited 15 Nov 2011]. Available from:
7. Brasil. Ministério da Saúde II. Pesquisa de Prevalência de Aleitamento Materno nas Capitais Brasileiras e Distrito Federal. Brasília: Ministério da Saúde; 2009.
8. World Health Organization. Indicators for assessing infant and young child feeding practices: conclusions of a consensus meeting held 6-8 November 2007 in Washington D.C., USA. Geneva: WHO; 2009.
9. Faleiros FT, Trezza EM, Carandina L. Aleitamento materno: fatores de influência na sua decisão e duração. Rev Nutr. 2006;19:623-30.
10. Espírito Santo LC, de Oliveira LD, Giugliani ER. Factors associated with low incidence of exclusive breastfeeding for the first 6 months. Birth. 2007;34:212-9.
11. Beche N, Halpern R, Stein AT. Prevalência do aleitamento materno exclusivo em um município serrano do Rio Grande do Sul, Brasil. Rev AMRIGS. 2009;53:345-53.
12. Chaves RG, Lamounier JA, César CC. Fatores associados com a duração do aleitamento materno. J Pediatr (Rio J). 2007;83:241-6.
13. Scott JA, Binns CW, Oddy WH, Graham KI. Predictors of breastfeeding duration: Evidence from a cohort study. Pediatrics. 2006;117:646-55.
14. Howard CR, Howard FM, Lanphear B, Eberly S, deBlieck EA, Oakes D, et al. Randomized clinical trial of pacifier use and bottle-feeding or cupfeeding and their effect on breastfeeding. Pediatrics. 2003;111:511-8.
15. Salustiano LP, Diniz AL, Abdallah VO, Pinto Rde M. Fatores associados à duração do aleitamento materno em crianças menores de seis meses. Rev Bras Ginecol Obstet. 2012;34:28-33.
16. Vieira GO, Martins CC, Vieira TO, Oliveira NF, Silva LR. Factors predicting early discontinuation of exclusive breastfeeding in the first month of life. J Pediatr (Rio J). 2010;86:441-4.
17. França GV, Brunken GS, da Silva SM, Escuder MM, Venancio SI. Determinantes da amamentação no primeiro ano de vida em Cuiabá, Mato Grosso. Rev Saude Publica. 2007;41:711-8.
18. Coutinho SB, Lira PI, Lima MC, Ashworth A. Comparison of the effect of two systems for the promotion of exclusive breastfeeding. Lancet. 2005;366:1094-100.
19. Bica OC, Giugliani ER. Impact of counseling session on the prevalence of breastfeeding in the first year of life: a randomized clinical trial with adolescent mothers and grandmothers. Birth. 2014;41:39-45.
20. Guise JM, Palda V, Westhoff C, Chan BK, Helfand M, Lieu TA. The effectiveness of primary care-based interventions to promote breastfeeding: systematic evidence review and metaanalysis for the US Preventive Services Task Force. Ann Fam Med. 2003;1:70-80.
21. Kramer MS, Chalmers B, Hodnett ED, Sevkovskaya Z, Dzikovich I, Shapiro S, et al. Promotion of breastfeeding intervention trial (PROBIT): a randomized trial in the Republic of Belarus. JAMA. 2001;285:413-20.
22. Passanha A. Padrão de aleitamento materno em menores de seis meses do município de Ribeirão Preto, segundo apoio recebido nas maternidades e no acompanhamento ambulatorial [dissertation]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Saúde Pública; 2012. [cited 09 Jun 2013]. Available from: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/6/6138/tde-21082012-134251/
23. Dyson L, McCormick FM, Renfrew MJ. Interventions for promoting the initiation of breastfeeding. Cochrane Database Syst Rev. 2005;2:CD001688.
24. Oliveira MI, Camacho LA. Impacto das unidades básicas de saúde na duração do aleitamento materno exclusivo. Rev Bras Epidemiol. 2002;5:41-51.
25. Albernaz E, Victora CG. Impact of face-to-face counseling on duration of exclusive breast-feeding: a review. Rev Panam Salud Publica. 2003;14:17-24.
26. Oliveira MI, Camacho LA, Tedstone AE. Extending breastfeeding duration through primary care: a systematic review of prenatal and postnatal interventions. J Hum Lact. 2001;17: 326-43.
27. Oliveira LD, Giugliani ER, Espírito Santo LC, Nunes LM. Impact of a strategy to prevent the introduction of nonbreast milk and complementary foods during the first 6 months of life: a randomized clinical trial with adolescent mothers and grandmothers. Early Hum Develop. 2012;88:357-66.