versão impressa ISSN 2359-4802versão On-line ISSN 2359-5647
Int. J. Cardiovasc. Sci. vol.30 no.5 Rio de Janeiro set./out. 2017
http://dx.doi.org/10.5935/2359-4802.20170073
A Síndrome Metabólica (SM) é uma condição em que os fatores de risco para doenças cardiovasculares e diabetes melito ocorrem no indivíduo,1 representada pela combinação de pelo menos três dos cinco componentes a seguir: obesidade abdominal; hipertrigliceridemia; baixo Colesterol-Lipoproteína de Alta Densidade (HDL) e Lipoproteína de Baixa Densidade (LDL); hipertensão arterial; e hiperglicemia de jejum.2 Dentre as alterações metabólicas associadas à obesidade abdominal que contribuem para o aumento da ocorrência da SM, destaca-se o distúrbio glicêmico, que está associado ao risco de Doença Cardiovascular (DCV).3
A obesidade é definida como excesso de gordura corporal, resultante do desequilíbrio crônico entre consumo alimentar e gasto energético, que vem crescendo anualmente e adquirindo proporções alarmantes.((4
A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta a obesidade como um dos maiores problemas de saúde pública no mundo. Em 2014, mais de 1,9 milhão de adultos estavam acima do peso. Destes, 600 milhões já estão obesos. De 1980 a 2013, a obesidade e o sobrepeso, em conjunto, aumentaram 27,5% entre os adultos e 47,1% entre as crianças.5
No Brasil, a obesidade cresce cada vez mais. Alguns levantamentos apontam que mais de 50% da população está acima do peso, ou seja, na faixa de sobrepeso e obesidade.((6,7
De acordo com Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008-2009, há uma inversão de grupos na pirâmide alimentar brasileira: o grupo das frutas e hortaliças troca de lugar com os grupos dos óleos e gorduras, e dos açucares e refrigerantes, demonstrando que estes alimentos são altamente consumidos.7 O consumo insuficiente de frutas e hortaliças, e o consumo excessivo de alimentos ricos em gorduras e açúcares estão associados ao desenvolvimento e ao aumento da incidência de obesidade e de outras doenças crônicas não transmissíveis, como as DCV.7-9
As DCV são a principal causa de morte no Brasil e no mundo. Dados publicados pela OMS apontam que cerca de 27% dos registros de mortalidade no mundo foram decorrentes de DCV, enquanto, no Brasil, elas foram responsáveis por 31% das mortes.((8 Este cenário epidemiológico preocupa por implicar em diminuição da qualidade de vida das populações, além de custos elevados e crescentes para o governo, a sociedade, a família e os indivíduos.9
Diante do exposto, o presente trabalho justifica-se pela influência da ocorrência da SM no risco de desenvolvimento de DCV e pelas repercussões destas desordens no estado de saúde do indivíduo, que estão cada vez mais frequentes na população. Observa-se, então, a necessidade de estudar os parâmetros antropométricos e bioquímicos de pacientes com SM, a fim de auxiliar profissionais de saúde que trabalhem especificamente com este grupo.
O objetivo do trabalho foi avaliar a associação da obesidade central com a incidência de doenças e fatores de risco cardiovascular.
Trata-se de um estudo transversal, com pacientes atendidos no ambulatório de Síndrome Metabólica da Faculdade de Nutrição Emília de Jesus Ferreiro, da Universidade Federal Fluminense (UFF), no período de março a novembro de 2016. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Medicina da UFF, sob o número 59604916.0.0000.5243. Todos os pacientes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Foram incluídos no estudo pacientes que atendiam os seguintes critérios: ser do sexo feminino, com idade entre 18 e 59 anos, e que apresentavam índice de Massa Corporal (IMC) > 24,9 kg/m2 e os exames bioquímicos solicitados.
Para avaliação do estado nutricional, foram utilizados peso, estatura e circunferência abdominal, obtidos na consulta de rotina. O peso foi aferido em uma balança eletrônica Even(r) com capacidade total de 300 kg. Para a aferição da altura, foi utilizado estadiômetro com capacidade total de 200 cm e capacidade mínima de 100 cm. A partir destas medidas, foi calculado o IMC [peso (kg)/estatura (m)²]. Para avaliação do IMC, foi utilizada a classificação segundo a OMS: eutrofia se entre 18,5 a 24,9 kg/m2; sobrepeso se entre 25,0 a 29,9 kg/m2; e obesidade se entre 30,0 a 34,9 kg/m2.7
A obesidade abdominal foi definida a partir do ponto de corte da circunferência abdominal para o risco cardiovascular aumentado em mulheres (≥ 80 cm) definido pela American Heart Association (AHA).10 Para Razão da circunferência Abdominal/Estatura (RCE), o ponto de corte utilizado foi a mediana encontrada na amostra (percentil 50) de 0,65.11 O Volume de Gordura Visceral (VGV) foi estimado por equação preditiva, que utiliza como variáveis independentes a RCE e a Glicemia de Jejum (GJ). Foi considerado, para o VGV, o ponto de corte de 100 cm2.12 O índice de conicidade foi calculado pela fórmula de Valdez, e o valor de 1,18 foi considerado como o melhor ponto de corte.13
Foi avaliada a GJ considerando os pontos de corte de adequação de até 99 mg/dL para indivíduos saudáveis e foram classificados com diabetes aqueles indivíduos com GJ ≥ 126 mg/dL(14 ou que fizessem uso de hipoglicemiantes; Triglicerídeos (TG), considerando adequados valores até 150 mg/dL.15 Foram utilizados como referência os valores adotados pela American Heart Association16 para HDL ou seja, valores adequados se > 50 mg/dL para mulheres; o cálculo da LDL, pela fórmula de Friedwald,17 considerados valores adequados abaixo de 160 mg/dL.15,16 Pacientes com valores acima dos preestabelecidos ou que estivessem em uso de hipolipemiantes foram considerados com dislipidemia.
Foram classificadas como hipertensas pacientes que tiveram diagnóstico médico de hipertensão e que faziam uso das classes de medicamentos anti-hipertensivos, definidos para o tratamento medicamentoso da hipertensão: diuréticos, inibidores adrenérgicos, vasodilatadores diretos, bloqueadores dos canais de cálcio, Inibidores da Enzima Conversora da Angiotensina (IECA), bloqueadores do receptor AT1 e inibidor direto da renina.18 Foram excluídas da amostra pessoas que não tinham diagnóstico prévio de hipertensão e que não faziam uso de medicamentos anti-hipertensivos.
Os resultados são expressos por estatística descritiva, como média ± desvio padrão, e a normalidade foi verificada pelo teste de Shapiro-Wilk. Por conta do uso de medicação, optou-se por usar dados categóricos (diagnóstico), para verificar a associação entre as medidas antropométricas com a presença de diabetes, hipertensão ou dislipidemia, por meio do teste exato de Fisher, para que o uso das medicações não influenciassem na análise, calculando as Razões de Chance (RC) para verificar as associações entre índices antropométricos e fatores de risco para doenças cardiovasculares. Devido ao tamanho da amostra, optamos por não utilizar as razões de prevalência. Os resultados foram considerados significativos quando p < 0,05. Para estas análises, foi utilizado o software GraphPad Prism 5.0.
O ambulatório atendeu 98 pacientes no período estudado; destes, 60 eram mulheres, porém apenas 39 atendiam todos os critérios de inclusão preestabelecidos e concordaram em assinar o Termo de Consentimento Livre Esclarecido.
De acordo com o IMC, 30% (n = 12) das pacientes apresentaram estado nutricional de sobrepeso e 70% (n = 27) eram obesas, e 63% das pacientes obesas tinham mais de 40 anos. A tabela 1 apresenta os dados antropométricos desta população.
Tabela 1 Caracterização geral da amostra
Característica | Média ± DP | Mín-Máx |
---|---|---|
Idade, anos | 44,18 ± 14,42 | 18-60 |
Peso, kg | 90,48 ± 20,25 | 52,4-132,2 |
Estatura, m | 159,6 ± 7,1 | 150-175 |
IMC, kg/m2 (sobrepeso) | 27,67 ± 1,44 | 25,1-29,44 |
IMC, kg/m2 (obesidade) | 37,78 ± 8,03 | 31,5-54,32 |
Circunferência abdominal, cm | 110 ± 16,07 | 80,0-140,0 |
Relação cintura/estatura | 0,69 ± 0,1 | 0,55-0,88 |
Volume de gordura visceral, m3 | 96,8 ± 90,1 | 63,2-492,1 |
Índice de conicidade | 1,34 ± 0,09 | 1,16-1,57 |
Valores expressos em números absolutos. DP: desvio padrão; IMC: índice de massa corporal.
Em relação aos fatores de risco, 38% (n = 15) da amostra apresentou hipertensão; 26% (n = 10), diabetes; e 79% (n = 31) apresentavam dislipidemia (Tabela 2). É possível observar que 95% (n = 37) da população estudada apresentava circunferência abdominal ≥ 80 cm, e quase metade da amostra (48%; n=19) apresentou os níveis de TG acima de 150 mg/dL.
Tabela 2 Fatores de risco encontrados na população estudada, por grupos
Fator | N | % | Média ± DP | Mín-Máx |
---|---|---|---|---|
Sobrepeso | 11 | 30 | 27,67 ± 1,45 | 25,1-29,45 |
Obesidade | 28 | 70 | 37,78 ± 8,04 | 31,5-54,32 |
Circunferência abdominal ≥ 80 cm | 37 | 95 | 110,19 ± 15,88 | 89-142 |
Triglicerídeos > 150 mg/dL | 19 | 48 | 153,72 ± 7,07 | 151-394 |
HDL < 50 mg/dL | 14 | 36 | 47,97 ± 11,95 | 29-48 |
LDL > 160 mg/dL | 2 | 5 | 182,5 ± 30,4 | 161-204 |
Glicemia de jejum > 126 mg/dL | 10 | 26 | 188,6 ± 116 | 129-396 |
Hipertensão | 15 | 38 | - | - |
Dislipidemia | 31 | 79 | - | - |
A análise estatística evidenciou associação entre RCE e os achados de hipertensão (p = 0,007). Em relação aos outros parâmetros, diabetes e dislipidemia, não foram encontrados resultados significativos (Tabela 3).
Tabela 3 Associação entre relação cintura/estatura e hipertensão, diabetes e dislipidemia
Ponto de corte | ≥ 0,65 | < 0,65 | Valor de p | RC |
---|---|---|---|---|
Hipertenso | 12 | 2 | 0,007* | 8,7 |
Não hipertenso | 9 | 18 | ||
Diabéticos | 6 | 15 | 0,26 | 2,9 |
Não Diabéticos | 3 | 17 | ||
Dislipidêmicos | 13 | 6 | 1 | 0,9 |
Não dislipidêmicos | 15 | 7 |
Valores expressos em números absolutos.
*Teste exato de Fischer (p < 0,05). RC: razão de chance.
A associação entre o VGV e os achados de hipertensão, diabetes e dislipidemia estão apresentados na tabela 4. Foi encontrada associação significativa (p = 0,01) entre o VGV e diabetes, mas não foi encontrada associação significativa quando outros parâmetros foram analisados.
Tabela 4 Associação entre o volume de gordura visceral e hipertensão, diabetes e dislipidemia
Ponto de corte | ≥ 100 cm2 | < 100 cm2 | Valor de p | RC |
---|---|---|---|---|
Hipertenso | 12 | 1 | 0,09 | 8,4 |
Não hipertenso | 10 | 7 | ||
Diabéticos | 15 | 1 | 0,01* | 15 |
Não diabéticos | 7 | 7 | ||
Dislipidêmicos | 16 | 2 | 0,07 | 6,6 |
Não dislipidêmicos | 6 | 5 |
Valores expressos em números absolutos.
*Teste exato de Fischer (p < 0,05). RC: razão de chance.
A associação entre o índice conicidade e os achados de hipertensão (p = 0,009) e diabetes (p = 0,006) apresentou resultados significativos. Apesar de não ter sido encontrada associação em relação à dislipidemia, segundo a razão de risco, foi possível observar chance aumentada em 6,6 vezes na população estudada para o desenvolvimento de dislipidemia (Tabela 5).
Tabela 5 Associação entre o índice de conicidade e hipertensão, diabetes e dislipidemia
Ponto de corte | ≥ 1,33 | ≤ 1,33 | Valor de p | RC |
---|---|---|---|---|
Hipertenso | 12 | 9 | 0,009* | 7,1 |
Não hipertenso | 3 | 16 | ||
Diabéticos | 11 | 10 | 0,006* | 9,9 |
Não diabéticos | 2 | 18 | ||
Dislipidêmicos | 16 | 6 | 0,06 | 3,6 |
Não dislipidêmicos | 8 | 11 |
Valores expressos em números absolutos.
*Teste exato de Fischer (p < 0,05). RC: razão de chance
A associação entre o IMC e os achados de hipertensão, diabetes e dislipidemia está apresentada na tabela 6, não sendo evidenciada associação entre os parâmetros analisados. Porém, pelo cálculo da razão de risco, foi possível observar uma chance aumentada na população estudada, para o desenvolvimento de hipertensão (3,6 vezes), diabetes (2,5 vezes) e dislipidemia (3,3 vezes).
Tabela 6 Associação entre o índice de massa corporal e hipertensão, diabetes e dislipidemia
Ponto de corte | Sobrepeso | Obesidade | Valor de p | RC |
---|---|---|---|---|
Hipertenso | 2 | 12 | 0,15 | 3,6 |
Não hipertenso | 9 | 15 | ||
Diabéticos | 2 | 9 | 0,44 | 2,5 |
Não diabéticos | 7 | 18 | ||
Dislipidêmicos | 3 | 13 | 0,17 | 3,3 |
Não dislipidêmicos | 10 | 3 |
Valores expressos em números absolutos.
* Teste exato de Fischer (p < 0,05). RC: razão de chance.
Não foi encontrada associação entre a circunferência abdominal e os achados de hipertensão, diabetes e dislipidemia no ponto de corte utilizado (≤ 80 cm e ≥ 80 cm).
A população analisada no estudo, em sua maioria, foi classificada como obesa segundo a média de IMC apresentada, além de apresentar valores médios de circunferência abdominal, índice de conicidade e RCE maiores que os pontos de corte estabelecidos para a avaliação da obesidade abdominal. Apesar disto, apresentaram média de VGV inferior a 100 cm².
A prevalência da obesidade no estudo (70% da população) chama atenção, por se tratar de uma população relativamente jovem e que ainda é ativa, o que mostra o reflexo dos atuais hábitos alimentares no impacto a saúde. Pode-se observar que 95% da amostra apresentou obesidade abdominal, que é um importante fator de risco para DCV e outras morbidades associadas.
Achados similares foram observados por Petribú et al.,19, que observaram população com 517 mulheres com mediana de idade de 29 anos, sendo 32,5% da população com sobrepeso e mais da metade da amostra com obesidade abdominal e não visceral, quando analisados circunferência de cintura, RCE e VGV. Os autores alertam para o fato de que mulheres tendem a um aumento de gordura subcutânea na região abdominal, podendo justificar os achados.
A literatura mostra que a prevalência de obesidade abdominal tem aumentado nos últimos anos e, atualmente, é maior que a prevalência de obesidade global, principalmente em mulheres.20 Isto também pode ser observado no nosso estudo, no qual foi encontrada prevalência de 70% de obesidade global e 95% de obesidade abdominal, segundo a circunferência abdominal.
Foi observado que 48% das pacientes estudadas apresentaram dislipidemia e, destas, 46% eram obesas. Este fato pode ser explicado pelo acúmulo do tecido adiposo e pela liberação de ácidos graxos livres, os quais são facilmente direcionados para o fígado para uma maior produção de TG e Lipoproteína de Muito Baixa Densidade (VLDL).(15,21 Assim, é possível relacionar esta complicação com o risco aumentado de desenvolvimento de DCV, que está diretamente ligado à obesidade.20,22
Houve um aumento na prevalência de obesidade abdominal na população. Nas mulheres, isto poderia ser atribuído à maior concentração de gordura corporal comumente relatada no sexo feminino, por conta de gestações e das diferenças hormonais. Isto soma-se ao fato de que o processo de envelhecimento ocasiona um declínio do hormônio do crescimento, da taxa metabólica basal e da redução natural do nível de atividade física, além da piora dos hábitos saudáveis na alimentação, aumentando, desta forma, a redistribuição progressiva da gordura; assim, as mulheres passam a acumular mais gordura abdominal.20-22
A RCE tem sido apontada como uma boa forma de discriminar a obesidade abdominal relacionada a fatores de riscos cardiovasculares.((11,23
No presente estudo, fez-se necessária a utilização de outros pontos de corte para o RCE, além dos sugeridos pela literatura, pois foi observado que a maior parte da amostra estava acima desta faixa, sendo adotado o ponto de corte de 0,65 para RCE, que representa o percentil 50 da amostra.
As mulheres do estudo com RCE acima do ponto de corte apresentaram maior frequência de hipertensão, quando comparadas com aquelas abaixo do ponto de corte. Este achado corrobora estudos atuais, que demonstram que o acúmulo de gordura visceral tende a comprimir a mecânica renal, determinante de maior absorção de sódio nos segmentos proximais do néfron, o que provocaria a ativação do sistema renina-angiotensina aldosterona na molécula densa, no sentido de preservação do fluxo plasmático renal e taxa de filtração glomerular. Por meio deste mecanismo, haveria retenção hidrossalina, e aumento pressórico e das pressões intraglomerulares.((24
Com relação ao índice de conicidade, alguns autores sugerem variação entre 1,0 (um cilindro perfeito) a 1,73 (um cone duplo perfeito) nos pontos de corte; o aumento nos valores estão de acordo com a deposição de gordura na região central do corpo, ou seja, quanto mais próximo de 1,73, maior a deposição de gordura central.25-27
Segundo Andrade et al.,25, que estudaram o índice de conicidade em mulheres e sua associação com hipertensão e diabetes melito, mulheres com altos valores de índice de conicidade tiveram 72 e 75% mais chance de ter diabetes melito e hipertensão, respectivamente.
Pitanga e Lessa27 sugeriram 1,18 como o melhor ponto de corte em mulheres brasileiras em idade fértil para o índice de conicidade, apresentando valores de sensibilidade (73,39%) e especificidade (61,15%), e área sob a curva Característica de Operação do Receptor (ROC) de 0,75 (Intervalo de Confiança de 95% - IC 95% = 0,70-0,80). Os autores concluíram que o índice de conicidade pode ser utilizado para discriminar o risco cardiovascular, mesmo que a sensibilidade e a especificidade não sejam muito altas. No entanto, classificações incorretas são possíveis, o que leva a um maior número de resultados falso-positivos.((27
No presente estudo, utilizamos 1,33, valor da mediana da amostra, como ponto de corte para o índice de conicidade, pois apenas 4% (n = 1) da população apresentou índice < 1,18. Este parâmetro se associou com hipertensão (p = 0,009) e diabetes (p = 0,006), que são fatores de risco para DCV. Estes achados corroboram o encontrado por Ghosh et al.,28 que compararam a associação de indicadores de obesidade e hábitos alimentares com fatores de risco metabólicos para a doença cardíaca, e encontraram associação entre alto índice de conicidade com glicemia, TG e colesterol total elevados.
Este fato pode ser explicado porque o tecido adiposo recebe a influência de diversos sinais, como da insulina, do cortisol e de catecolaminas, e, em resposta, secreta outras substâncias que atuam tanto local como sistemicamente, participando de diversos processos metabólicos; algumas destas substâncias secretadas, como a leptina, adiponectina, Fator de Necrose Tumoral Alfa (TNF-a), entre outras, apresentam papel fundamental na resistência à insulina, sendo a gordura abdominal a que tem maior impacto neste processo. Este fato propõe que este é um indicador consistente na associação da distribuição da gordura corporal com fatores de risco cardiovascular.28,29
A literatura relata ainda que existe uma menor tendência nas mulheres em apresentar área de tecido adiposo visceral, se comparadas aos homens. Entretanto, elas possuem maior área de gordura subcutânea.((12,19,29
O comportamento metabólico da gordura visceral difere do tecido adiposo subcutâneo. O primeiro é mais sujeito à lipólise, expressando maior número de receptores de glicocorticoides e é mais sensível às catecolaminas, apresentando menor expressão de IRS-1, o que leva a maior deterioração da sensibilidade à insulina, e ao aumento de pressão arterial e do processo arteroesclerótico. Por estes motivos, é de importância a quantificação do VGV, pois o perfil de deposição de gordura visceral está mais associado a DCV.((29
Destacam-se a tomografia computadorizada, a ressonância nuclear magnética e a ultrassonografia como os melhores métodos de quantificação do VGV, porém são métodos que apresentam desvantagens como o alto custo.((30,31
Vários estudos desenvolveram equações preditivas para estimar o VGV, pela facilidade de aplicação e baixo custo. A maioria deles foi realizada em populações muito diferentes da brasileira e em homens.((19,30-32 A equação desenvolvida por Petribú et al.19 é a que mais se aproxima da população estudada.
Na presente pesquisa, o VGV apresentou altas chances de risco para diabetes melito e leve chance para hipertensão arterial sistêmica. No entanto, a amostra teve média de 96 cm((2 de VGV, ou seja, esteve abaixo do ponto de corte estabelecido.
Piernas Sánchez et al.31 obtiveram dados similares em seu estudo, no qual aplicaram uma equação preditiva, em uma população de mulheres, com idade média de 39 ± 2 anos e IMC médio de 29 ± 5 kg/m2. Os autores observaram que, mesmo com o sobrepeso, porcentual de gordura corporal elevados e alto risco cardiovascular, segundo a circunferência de cintura, as mulheres tinham gordura subcutânea, e não visceral, segundo o VGV.
Estes autores chamam a atenção para o fato de que mulheres tendem a ganhar mais gordura subcutânea na região abdominal do que visceral, o que poderia justificar os resultados encontrados.
Quando analisado o IMC com os fatores de risco para doenças cardiovasculares, não foi observada nenhuma associação com tais parâmetros. O IMC é a medida mais popular entre os profissionais da área da saúde para se diagnosticar a obesidade, devido à facilidade de sua aplicação. Porém, este índice não prevê a distribuição de gordura corporal e não distingue massa magra de massa gorda, devendo estar associado a outros parâmetros antropométricos de distribuição de gordura corporal, a fim de se estabelecer risco aumentado de desenvolvimento de DCV, que está diretamente ligada à deposição de gordura central.32,33
Em relação à medida da circunferência abdominal, a amostra estudada pode ser diagnosticada com obesidade abdominal e risco aumentado para DCV, apresentando média de 110 ± 16,07 cm. Entretanto, esta medida não mostrou associação com os fatores de risco analisados, destacando-se apenas uma leve chance de risco para dislipidemia. Tal achado pode ser explicado pelo fato de que a idade é um dos importantes fatores de risco para o desenvolvimento de DCV19,20,30 e a população estudada tinha idade média de 44,18 ± 14,42 anos, sugerindo que as mulheres que fizeram parte deste estudo ainda não apresentavam algumas das morbidades avaliadas, pois estavam em idade fértil (10 a 49 anos).34,35 Na menopausa, as mudanças na distribuição da gordura corporal elevam o risco cardiovascular e de doenças metabólicas.35,36
Em estudo realizado na África com 169 mulheres pós-menopáusicas, a circunferência abdominal foi correlacionada com hipertensão arterial sistêmica. Os resultados podem ser explicados pelas alterações hormonais típicas da menopausa, mais prevalentes nesta idade, em que as mulheres são mais vulneráveis às doenças metabólicas, como dislipidemia e hipertensão arterial sistêmica, e podem aumentar o risco de DCV.36
Outras pesquisas demonstram resultados parecidos. Moraes et al.((37 encontraram elevado porcentual das participantes com risco aumentado para DCV. Silva38 encontrou 91,6% do sexo feminino com circunferência abdominal e o IMC alterados. Cristóvão et al.((4 investigaram mulheres frequentadoras da Estratégia Saúde da Família no leste de São Paulo e observaram 57,4% das participantes com valores acima de 80 cm.
A multiplicidade de indicadores antropométricos para estimar a obesidade contribui para que a escolha de um deles levasse em consideração critérios como população estudada, sexo, idade e, principalmente, as evidências baseadas em pesquisas populacionais ou intervenções clínicas. Cabe ressaltar que há necessidade de instrumentos para aferição das medidas necessárias, que devem estar sempre disponíveis e ser viáveis. Mediante os resultados apresentados neste estudo, sugere-se que todos os indicadores antropométricos utilizados apresentaram diferentes desempenhos para diferenciar o risco cardiovascular em mulheres.
Este estudo apresenta como limitações o pequeno número de participantes da amostra, resultado da limitação de recursos, da não avaliação da etnia das participantes e da ausência dos pacientes a consulta. Além disto, o diagnóstico de hipertensão arterial e/ou diabetes foi relatado pelos participantes de acordo com o conhecimento por consultas médicas prévias.
Sobrepeso e obesidade foram manifestados na população estudada, que teve maior acúmulo de gordura na região abdominal, associada a doenças como hipertensão arterial sistêmica, diabetes melito e dislipidemias. Estes são fatores preocupantes, visto que estão associados ao risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares, aumento de complicações metabólicas e outros problemas de saúde.