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Associação entre dor lombar e aspectos cinético-funcionais em surfistas: incapacidade, funcionalidade, flexibilidade, amplitude de movimento e ângulo da coluna torácica e lombar

Associação entre dor lombar e aspectos cinético-funcionais em surfistas: incapacidade, funcionalidade, flexibilidade, amplitude de movimento e ângulo da coluna torácica e lombar

Autores:

Natacha Verônica Bazanella,
José Guilherme Zanella D’Almeida Garrett,
Anna Raquel Silveira Gomes,
Luiz Fernando Novack,
Raul Osiecki,
Raciele Ivandra Guarda Korelo

ARTIGO ORIGINAL

Fisioterapia e Pesquisa

versão On-line ISSN 2316-9117

Fisioter. Pesqui. vol.23 no.4 São Paulo out./dez. 2016

http://dx.doi.org/10.1590/1809-2950/16168723042016

RESUMEN

La práctica del surf puede ocasionar dolor lumbar crónica. Pero todavía no se sabe si la lumbalgia está asociada con los aspectos cinéticos y funcionales. En este trabajo se asoció la presencia del dolor lumbar con los aspectos cinético y funcional en surfistas con distintos tiempos de práctica. Del estudio de corte transversal participaron 66 surfistas del litoral de Paraná, Brasil. Se dividieron a los participantes en tres grupos según su tiempo, en años, de práctica deportiva: G1 (hasta 4,9 años), G2 (de 5 a 9,9 años) y G3 (más de 10 años). Se evaluaron: el índice de masa corporal, el nivel de actividad física, la presencia de dolor lumbar, la intensidad y periodicidad del dolor, la incapacidad lumbar, la funcionalidad lumbar, la flexibilidad lumbar, la amplitud del movimiento lumbar, el ángulo torácico y lumbar. Para analizar la asociación de los aspectos cinético y funcional con el dolor lumbar se empleó la prueba de chi-cuadrado de Pearson para los datos categóricos y para los datos nominales la prueba ANOVA con post-hoc, de Bonferroni (p<0,05). El mayor tiempo de práctica deportiva (G3) fue asociado con la presencia (p=0,05) y mayor intensidad del dolor lumbar (p=0,01). El grupo que practicaba de 5 a 9,9 años (G2) este deporte presentó mayor ángulo lumbar (p=0,04). Se concluye que la presencia de dolor lumbar crónica en surfistas estuvo asociada con la intensidad del dolor, el ángulo de la columna lumbar y el tiempo de práctica del surf.

Palabras clave Deportes; Dolor Lumbar; Curvaturas de la Columna Vertebral; Traumatismos en Atletas; Lordosis

INTRODUÇÃO

O surf é uma modalidade esportiva intermitente que exige que o praticante alterne atividades de alta, moderada e baixa intensidades1. O esporte é realizado por pessoas de diferentes idades e requer, além de períodos prolongados de prática, elevado nível de habilidade neuromuscular e equilíbrio, envolvendo movimentos dos membros superiores, inferiores e da coluna vertebral2. Assim, com o decorrer do tempo de prática, podem aparecer dores e desconfortos, associadas às exigências musculares do gesto desportivo3),(4.

Dentre as disfunções musculares crônicas, a dor lombar se destaca em surfistas de diferentes países3),(5),(6, podendo causar intolerância ou desistência do esporte. No Brasil, acredita-se que a lombalgia crônica afeta três a cada dez atletas praticantes de surf7. O maior acometimento de lombalgias recorrentes em surfistas em comparação a um grupo de sedentários8 revela a necessidade de atenção profissional especializada, na busca dos fatores cinético-funcionais exigidos pelo esporte.

Surfistas profissionais que realizam treinamento por maior período de tempo apresentam melhor controle postural, especialmente em superfícies instáveis9. Da mesma forma, a prática do surf recreativo de longo prazo pode causar adaptações benéficas na função neuromuscular, com menores taxas de oscilação postural na posição em pé, com os olhos fechados e em superfície macia2. No entanto, ao comparar surfistas amadores com indivíduos ativos praticantes de diferentes modalidades esportivas, não há diferença no controle de equilíbrio10. Assim, conclui-se que a dor lombar em surfistas não é decorrente da instabilidade postural, uma vez que maiores taxas de oscilação podem estar relacionadas à lombalgia11.

Contudo, a posição de hiperextensão isométrica durante a remada7 e o gesto pop-up (movimento rápido para mudança da posição de remar para de pé sobre a prancha) (12 foram citados como causas prováveis do aparecimento de dor na região lombar. Dessa forma, hipotetizamos que alterações cinético-funcionais torácicas e lombares poderiam estar associadas ao aparecimento de algia nessa região.

Até o presente momento não identificamos nenhum estudo que tenha investigado a associação entre a lombalgia e fatores cinético-funcionais em surfistas. Portanto, o objetivo deste trabalho foi investigar a relação entre a presença de dor lombar e sua intensidade com algumas das variáveis da condição cinético-funcional da região - como a incapacidade lombar gerada pela dor, a funcionalidade e a flexibilidade lombar, a amplitude de movimento e o ângulo da coluna torácica e lombar - em surfistas do litoral do Paraná com diferentes tempos de prática esportiva.

METODOLOGIA

Participaram deste estudo de corte transversal praticantes há pelo menos seis meses de surf, entre profissionais, amadores ou recreacionais, do litoral do Paraná, de ambos os sexos e com idade entre 18 e 42 anos. Foram excluídos indivíduos com comorbidades neurológicas e vasculares periféricas, com histórico de cirurgias na coluna há menos de um ano, hérnia de disco e/ou fraturas na coluna.

Para o cálculo amostral, assumiu-se a proporção de surfistas em 1,47%13),(14 (2.803.770) do total da população brasileira (190.732.694), segundo dados do último Censo/IBGE 2010. Assumindo esses parâmetros, baseado na fórmula de estudo anterior14, o resultado foi de 62 surfistas, sendo selecionados 66 (Figura 1). Os participantes foram alocados em três diferentes grupos experimentais, de acordo com o tempo, em anos, de prática de surf: grupo 1 (G1, até 4,9 anos de prática, n=22), grupo 2 (G2, de 5 a 9,9 anos de prática, n=17) e grupo 3 (G3, acima de 10 anos de prática, n=27). As características dos participantes estão apresentadas na Tabela 1. Todos os procedimentos realizados neste estudo foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa (Parecer nº 335.941).

Figura 1 Design experimental 

Tabela 1 Características dos surfistas nos três diferentes grupos experimentais 

Características Grupos experimentais
Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3
0 a 4,9 anos 5 a 9,9 anos Acima de 10 anos
(n=22) (n=17) (n=27)
Idade (anos, média ± DP) 23,6 (4,2) 23,6 (5,5) 29,9 (5,8)
Gênero
Feminino (n, %) 8 6 2
Masculino (n, %) 14 11 25
IMC (kg/m2, média ± DP) 22,8 (3,6) 22,9 (3,1) 23,8 (2,6)
Classificação segundo IMC
Baixo peso (n, %) 3 (13,64) 1 (5,9) 0 (0)
Eutrófico (n, %) 16 (72,72) 13 (76,47) 19 (70,4)
Sobrepeso (n, %) 2 (9,1) 3 (17,64) 8 (29,6)
Obeso (n, %) 1 (4,54) 0 (0,0) 0 (0,0)
Categoria esportiva
Recreacional (n, %) 19 (86,4) 12 (70,6) 12 (44,4)
Amador (n, %) 3 (13,6) 4 (23,5) 8 (29,7)
Profissional (n, %) 0 (0) 1 (5,9) 7 (25,9)
Horas diárias de treinamento (média ± DP) 2,1 ± 1,0 2,5 ± 1,1 2,6 ± 1,3
Número de dias/semana de treinamento (média ± DP) 3,3 ± 1,6 3,8 ± 1,8 3,4 ± 1,5
Nível de atividade física
Muito ativo (n, %) 8 (36,4) 12 (70,6) 21 (77,8)
Ativo (n, %) 14 (63,6) 4 (16,7) 6 (22,2)
Suficientemente ativo (n, %) 0 (0,0) 1 (5,9) 0 (0,0)

Os procedimentos deste estudo foram realizados individualmente por um único avaliador.

Para caracterização dos participantes foi utilizado um questionário demográfico, no qual foram avaliados: idade, sexo, categoria esportiva no surf, anos de prática esportiva de surf, horas diárias e frequência semanal de treinamento de surf.

O índice de massa corporal (IMC) foi obtido pela divisão da massa corporal pelo quadrado da estatura (Kg/m²) e os participantes foram classificados em baixo peso, eutrófico, sobrepeso e obeso15.

O nível de atividade física foi investigado pelo International Physical Activity Questionnaire (IPAQ, versão longa) (16, e os participantes foram classificados em sedentários, insuficientemente ativos, ativos e muito ativos.

A dor lombar aguda foi analisada por meio de questionamento sobre a ocorrência de pelo menos um episódio de dor lombar aguda nas últimas quatro semanas, sendo sua intensidade avaliada por meio do 11-point pain intensity numerical rating scale (PI-NRS) (17, que consiste em 11 números, de 0 (sem dor) a 10 (pior dor), sob uma linha horizontal de 10 cm.

A dor lombar crônica foi avaliada por meio do Nordic Musculoskeletal Questionnaire (NMQ) (18, no qual se questionou sobre a ocorrência de dor lombar crônica por período superior a quatro semanas, nos últimos 12 meses. O participante também relatou se a dor estava associada à prática esportiva de surf.

A incapacidade lombar foi investigada pelo Quebec Back Pain Disability Scale Questionnaire19, sendo possível o participante avaliar o grau de dificuldade na realização de 20 atividades de vida diária. Os escores dos itens foram somados, totalizando escore entre 0 e 100, sendo que, quanto mais alto o escore, maior o nível de incapacidade.

A funcionalidade lombar foi averiguada pelo Back Performance Scale (BPS) (20 que consiste na realização de cinco testes para avaliar o desempenho físico da região lombar em diferentes atividades de vida diária. A pontuação foi realizada somando as notas individuais de cada teste, sendo que os maiores escores representaram o pior desempenho.

A flexibilidade lombar foi mensurada por meio do teste de Schober21, sendo considerada normal a variação igual ou maior que 5 cm.

A amplitude de movimento da coluna lombar foi avaliada por goniometria21, sendo solicitada a capacidade máxima de amplitude articular ativa, em graus, dos movimentos de flexão e extensão da coluna lombar. Foram considerados dentro da normalidade a liberdade de movimento de 0 a 95o para flexão lombar e de 0 a 35o para extensão lombar21.

Os ângulos torácico e lombar foram mensurados por meio do instrumento flexicurva, em graus. Evidências anteriores22 indicam que o método apresenta forte correlação com o procedimento padrão-ouro realizado por radiografia. O método22 consiste na palpação e marcação dos processos espinhosos, moldagem da régua flexível de 80 cm (flexicurva) sobre a sétima vértebra cervical (C7) à primeira sacral (S1) e desenho dos contornos em papel milimetrado, sendo o ângulo determinado em algoritmo desenvolvido no software Matlab por um polinômio de terceira ordem. A mensuração foi realizada em três repetições, por um único avaliador que apresentava coeficiente de correlação intraclasse de: ICC lombar=0,83, p=0,003; e ICC torácica=0,82, p=0,004. Foram considerados normais valores entre 20 a 60o na angulatura torácica e 22 a 54o para curvatura lombar. Valores abaixo da referência foram considerados retificações da curvatura, e acima, hipercifose torácica ou hiperlordose lombar, respectivamente.

A análise estatística procedeu-se com a utilização do Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) software, versão 21.0. Em sua totalidade, os dados foram submetidos à análise de normalidade e homogeneidade de variâncias, por meio dos testes de Kolmogorov-Smirnov e Levene, respectivamente. As variáveis nominais e/ou ordinais foram descritas em frequência e percentual, já as variáveis numéricas foram descritas em média e desvio padrão.

Para análise dos dados categóricos, utilizou-se o teste qui-quadrado de Pearson. Para as variáveis numéricas, foi utilizada ANOVA entre grupos com post hoc de Bonferroni. Para todas as análises o nível de significância foi fixado em p<0,05. O tamanho do efeito foi determinado pelo cálculo do ômega, sendo considerado ω=0,01 como pequeno efeito, ω=0,06 como efeito moderado e valores acima de 0,14 como grande efeito23.

RESULTADOS

Presença de dor lombar, periodicidade e associação com a prática de surf

A Tabela 2 apresenta que houve associação significativa entre a presença de dor lombar crônica e a prática de surf: χ2 (1)=5,97 (p=0,05). No entanto, não houve diferença estatisticamente significativa entre os três grupos do estudo para a presença de dor lombar (aguda ou crônica) ou para sua periodicidade.

Tabela 2 Presença de dor lombar aguda ou crônica, periodicidade da dor e associação com a prática do surf, nos três diferentes grupos experimentais 

Características Grupos experimentais χ2 p-valor Φ
Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3 Total
0 a 4,9 anos 5 a 9,9 anos Acima de 10 anos (n=66)
(n=22) (n=17) (n=27)
Dor lombar aguda (últimas 4 semanas) 13 (59,1) 8 (47,1) 19 (70,4) 40 (60,6) 2,40 0,30 0,19
Dor lombar crônica (últimos 12 meses) 12 (54,5) 14 (82,4) 19 (70,4) 45 (68,2) 3,51 0,17 0,23
Periodicidade da dor lombar crônica
Nunca 10 (45,5) 3 (17,6) 8 (29,6) 21 (31,8) 8,53 0,20 0,20
Raramente 7 (31,8) 9 (52,9) 8 (29,6) 24 (36,4)
Com frequência 4 (18,2) 2 (11,8) 9 (33,3) 15 (22,7)
Sempre 1 (4,5) 3 (17,6) 2 (7,4) 6 (9,1)
Associação da dor lombar com a prática do surf 7 (31,8) 11 (64,7) 17 (63,0) 35 (53,0) 5,97 0,05* 0,30

Nota: Os dados foram apresentados em n (%). Teste qui-quadrado de Pearson, com nível de significância* fixado em p<0,05.

Aspectos cinético-funcionais (intensidade da dor lombar, incapacidade, funcionalidade, flexibilidade, amplitude de movimento e ângulo da coluna torácica e lombar)

A Tabela 3 apresenta os aspectos cinético-funcionais nos três diferentes grupos experimentais. Existe efeito significativo do tempo de prática de surf para a intensidade da dor, F (2, 39)=4,40, p=0,01, ω=0,15 (grande magnitude de efeito).

Tabela 3 Aspectos cinético-funcionais dos surfistas nos três diferentes grupos experimentais 

Aspecto cinético-funcional Grupos experimentais F p-valor ω
Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3
0 a 4,9 anos 5 a 9,9 anos Acima de 10 anos
(n=22) (n=17) (n=27)
Intensidade da dor lombar 3,5 (1,8) 5,3 (1,5) 5,6 (2,2)a 4,404 0,019* 0,15
Incapacidade lombar 3,7 (3,8) 4,7 (6,2) 3,0 (4,5) 0,642 0,530 0,01
Funcionalidade lombar 0,4 (0,6) 0,2 (0,5) 0,4 (1,0) 0,467 0,629 0,02
Flexibilidade lombar 4,9 (1,0) 5,0 (0,7) 5,0 (0,9) 0,154 0,857 0,03
Amplitude de movimento
Flexão lombar 92,2 (10,8) 89,8 (17,3) 93,3 (14,2) 0,321 0,727 0,02
Extensão lombar 35,6 (6,9) 39,2 (10,6) 39,1 (11,0) 0,983 0,380 0,01
Curvatura coluna
Ângulo torácico 36,5 (8,6) 31,6 (8,2) 37,9 (9,5) 2,698 0,075 0,05
Ângulo lombar 18,6 (6,3) 26,7 (13,4)a 22,2 (8,8) 3,383 0,040* 0,07

Nota: Os dados foram apresentados em média ± desvio padrão da média. Anova com post hoc de Bonferroni

ap<0,05 comparado ao grupo 1

As análises também revelaram que o ângulo lombar foi maior quando o tempo de prática foi entre 5 a 9,9 anos em comparação ao menor tempo de prática de surf (até 4,9 anos), F (2, 65)=3,38, p=0,04, ω=0,07 (magnitude de efeito moderada). No entanto, essa diferença não foi confirmada no Grupo 3, que possuía o maior tempo de prática de surf (p>0,05).

Dessa forma, para eliminar o efeito das mudanças proporcionadas pela idade, foram realizadas análises estatísticas utilizando esse dado como covariável. Os resultados revelaram que a idade não apresentou relação significativa com a intensidade da dor ou com o ângulo lombar, F (2, 39)=2,49, p=0,12, ω=0,37 (grande magnitude de efeito).

DISCUSSÃO

Neste estudo a maioria dos adultos jovens do sexo masculino, eutróficos, ativos, que praticavam surf três vezes por semana, categorizados como recreacionais, com maior ângulo de curvatura lombar e tempo de prática apresentaram maior intensidade de lombalgia.

Neste estudo, mais da metade dos entrevistados (60,6%) relatou a ocorrência de pelo menos um episódio de dor lombar nas últimas quatro semanas. Da mesma forma, 68,2% dos surfistas relataram a presença de dor na região lombar nos últimos 12 meses.

Steinman et al.7 revelaram alta prevalência de dores lombares recorrentes (28,4%) em surfistas brasileiros, que praticavam o surf há mais de cinco anos, sendo a maioria recreacionais. Os autores sugerem que depois de anos de prática de surf, em razão de movimentos repetitivos de compressão e rotação da coluna vertebral, pode ocorrer a desidratação dos discos intervertebrais, favorecendo o processo de algia e até mesmo o aparecimento de degenerações discais. Além disso, a coluna cervical e dorsal podem ser lesionadas, causando desequilíbrio muscular, em consequência da posição de hiperextensão isométrica durante a ação de remada, predispondo a lesões musculoligamentares de natureza traumática.

Também existe evidência12 de que a aceleração do gesto pop-up (movimento de ir rapidamente da posição de remar para de pé sobre a prancha) é um fator provável de aparecimento de dor e lesões na coluna lombar. Isso se baseia na relação física entre a aceleração e as forças de tensão exercidas nesse gesto motor por se tratar de movimento intenso e explosivo de rotação e compressão da coluna lombar.

Com objetivo de identificar a prevalência de lombalgia entre surfistas no Rio de Janeiro, o estudo de Souza et al. (8 constatou maior prevalência de lombalgia entre os praticantes de surf quando comparado a indivíduos não praticantes da modalidade. Esses achados corroboram com os resultados desta pesquisa, na qual encontramos associação significativa entre a presença de dor lombar crônica e a prática de surf.

Em relação à presença de lombalgia e ao tempo de prática do esporte, Daniels et al. (24) afirmam que a dor lombar é uma queixa comum entre atletas, sendo que as causas mais comuns em adolescentes são de origem traumática e infecciosa, enquanto nos adultos as causas são mecânicas e em decorrência da osteoartrite. De Luigi25 afirma que a alta incidência de lesões estruturais e de dores na lombar estão associadas a jovens atletas. Contrariamente, Nathanson et al. (3) afirmam que surfistas mais velhos (com idade superior a 40 anos) e experientes (com mais de 20 anos de prática esportiva) possuem maior risco relativo de lesão, sendo a faixa etária de 35 a 55 anos de idade a maior acometida pela dor lombar26. Essas informações contrastam, em parte, com os achados de nossa pesquisa, em que não foram encontradas diferenças significativas entre os três grupos de estudo, subdivididos de acordo com os anos de prática esportiva, para a dor aguda, presença de dor lombar crônica ou sua periodicidade. No que se refere à intensidade da dor, o maior tempo de prática esportiva (Grupo 3) revelou maior intensidade da dor lombar. Porém, quando eliminamos estatisticamente o efeito das mudanças que podem estar relacionadas à idade, os resultados indicaram que ela não apresentou relação significativa com o ângulo lombar e/ou a intensidade da dor.

Alterações posturais podem surgir por causa de fatores como hipertrofia muscular, desequilíbrio muscular de agonistas/antagonistas, diminuição da flexibilidade decorrente dos movimentos repetidos e treinamento intenso em atletas27. Ainda, o aumento da lordose lombar pode ser causa direta de dores lombares, demonstrado anteriormente em atletas de luta olímpica portadores de lombalgias crônicas que apresentaram maior ângulo da curvatura lombar em relação a indivíduos assintomáticos28, não sendo ainda essa associação investigada em surfistas até o presente momento.

Os surfistas permanecem em torno de 45-50% do tempo da prática do surf na posição da remada sobre a prancha, favorecendo a hiperextensão da coluna7. Essa demanda fortalece isometricamente a cadeia posterior, podendo ocasionar desequilíbrio muscular29. Esses desfechos vão ao encontro dos achados deste estudo, no qual se observou que o ângulo lombar foi maior quanto maior o tempo de prática em comparação ao menor tempo, sugerindo que o surf pode contribuir para o aumento da curvatura lombar. Porém, esse aumento não foi confirmado no Grupo 3, que possuía o maior tempo de prática de surf.

Além do aumento da curvatura lombar, existem evidências de que a lombalgia pode estar relacionada à diminuição da flexibilidade dessa região30. Levando em consideração esses indícios, em nosso estudo não encontramos associação da lombalgia com a flexibilidade e/ou amplitude de movimento lombar. A maioria dos participantes (53%) apresentou valores de normalidade para flexibilidade, no entanto, 57,5% apresentaram diminuição da amplitude para flexão lombar, e 36,3% apresentaram restrição para extensão lombar. Portanto, neste estudo não foi é possível afirmar que restrições da mobilidade lombar podem acarretar dor nessa região.

Também não houve associação da dor lombar com a incapacidade lombar, avaliada por meio do Quebec, sendo que nenhum surfista apresentou escore maior do que 30 pontos. Isso sugere que a dor lombar em surfistas não é incapacitante - achado que corroborou com a avaliação da funcionalidade lombar, em que 95,5% dos surfistas apresentaram desempenho sem sinais de limitação (grau 0) ou pouco limitado (grau 1). O mesmo ocorreu com a avaliação da angulatura torácica, em que 95,5% dos surfistas apresentaram valores angulares dentro da normalidade. Portanto, em razão dos índices de normalidade encontrados na amostra deste estudo, os resultados dessas variáveis devem ser interpretados com cautela. Assim, estudos futuros devem investigar a relação entre incapacidade lombar e redução da angulatura torácica, angulatura lombar e flexibilidade em surfistas com lombalgia.

Apesar deste estudo ter explorado a associação entre dor lombar e aspectos cinético-funcionais, como incapacidade, funcionalidade, flexibilidade, amplitude de movimento e ângulos da coluna torácica e da lombar em praticantes de surf, algumas limitações podem ser apontadas, para que sejam investigados em trabalhos futuros, como o relato da prática de outros esportes concomitantes com o surf e treinamento específico. Além disso, podem ser utilizados outros métodos que não os retrospectivos por questionário ou entrevista para coleta dos dados referentes à lombalgia.

Enfatizamos que este trabalho fornece relevante contribuição clínica, já que mostra a importância da avaliação do ângulo de curvatura lombar para o direcionamento das terapêuticas que visem a prevenir e a reduzir a intensidade de lombalgias em surfistas. Os dados apresentados neste estudo mostram alguns fatores desencadeantes de dores lombares em surfistas, com destaque ao aumento do ângulo lombar. Sugere-se, portanto, a importância da adoção de condutas de reeducação postural para a normalização do ângulo da curvatura lombar na profilaxia e controle da lombalgia em surfistas.

CONCLUSÃO

Existe associação significativa entre a presença de dor lombar crônica e a prática de surf: maior tempo de prática do esporte parece se relacionar com maior intensidade da dor lombar e maior ângulo da curvatura lombar. Contudo, a dor lombar não está associada à incapacidade lombar, à funcionalidade, à flexibilidade, à amplitude de movimento da coluna lombar e ao ângulo da coluna torácica em surfistas.

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