versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.23 no.12 Rio de Janeiro dez. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320182312.27882016
The study estimated the prevalence of serum lipid alterations among adolescents and investigated its association with excess weight and abdominal obesity. It involved a cross-sectional study with 525 adolescents from Piracicaba (São Paulo state). Anthropometric (body mass index, waist circumference and waist-height ratio) and biochemical information were obtained (total cholesterol and fractions, triglycerides). The relationship between the anthropometric indicators and alterations in lipid profile was tested by logistic regression. The prevalence of dyslipidemia was in the order of 81%. An association was verified between high WHeR and serum lipid alterations in total cholesterol (OR = 2.00; CI 95% = 1.09-3.64) and triglycerides (OR = 4.48; CI 95% = 2.03-9.89) after adjustment for age and sex. No significant associations of alterations in lipid profile were found with excess weight and CC. The high prevalence of dyslipidemia and its association with abdominal obesity indicates that preventive measures should begin in childhood in order to reduce the occurrence of cardiovascular diseases.
Key words: Lipid profile; Adolescent; Obesity; Abdominal obesity
A ocorrência de excesso de peso em idades cada vez mais precoces tem despertado a preocupação de pesquisadores e profissionais da área de saúde, em razão do aumento das morbidades associadas à obesidade como hipertensão arterial, cardiopatias, diabetes, dislipidemias, dentre outras1,2.
O excesso de peso na infância e na adolescência traz consequências em curto e longo prazos, por estar associado a alterações lipídicas, como o aumento da concentração de colesterol total, triglicerídeo e lipoproteína de baixa densidade (LDL-c), e diminuição de lipoproteína de alta densidade (HDL-c)3.
A relevância das dislipidemias como problema de saúde pública está na sua relação com as doenças cardiovasculares (DCV)4, estando classificadas entre os mais importantes fatores de risco para doença cardiovascular aterosclerótica, juntamente com a hipertensão arterial, a obesidade e o diabetes mellitus.
Especialistas vêm alertando para o aumento das dislipidemias entre crianças e adolescentes5,6, bem como inquéritos populacionais identificam a alta prevalência de excesso de peso em adolescentes7,8. No Brasil, dados populacionais referentes à prevalência das dislipidemias são escassos e em geral são realizados com amostras pequenas e em áreas geográficas delimitadas9,10. Recentemente, Faria-Neto et al.6verificaram que 46,8%, 20,1% e 7,8% dos adolescentes apresentaram, respectivamente, baixos níveis de HDL-c, hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia.
Paralelo a isso, pesquisas têm evidenciado relação tanto do excesso de peso como da obesidade abdominal com o perfil lipídico alterado entre a população jovem11,12. Adolescentes com índice de massa corporal (IMC) aumentado apresentavam valores elevados de triglicerídeos, de LDL-c, de colesterol total e presença de três ou mais alterações metabólicas13. A presença de obesidade abdominal se associava de forma positiva aos níveis séricos de triglicerídeos14.
Portanto, conhecer a prevalência das alterações lipídicas e sua associação com o excesso de peso e a obesidade abdominal possibilita aos profissionais de saúde identificar e prevenir possíveis problemas de saúde que podem acometer os adolescentes durante seu crescimento e desenvolvimento e futuramente na idade adulta. O objetivo deste artigo foi estimar a prevalência de alterações lipídicas entre adolescentes escolares e investigar sua associação com o excesso de peso e com a obesidade abdominal.
Trata-se de um estudo transversal vinculado ao projeto intitulado Determinantes do risco de obesidade entre adolescentes a partir de inquérito de escolares com amostra mista: transversal e longitudinal, financiado pela Fapesp. Foram entrevistados adolescentes de ambos os sexos, com idade entre 10 e 19 anos, selecionados probabilisticamente, de escolas públicas de Piracicaba-SP. Para o cálculo da amostra do projeto original, foi considerado o universo de 51 escolas públicas do município que atendem a faixa etária de interesse, distribuídas em seis regiões da cidade, incluindo as áreas rurais. Foram sorteadas 29 escolas, porém somente 23 autorizaram a realização da pesquisa (amostra sem reposição), representando um universo total de 2.194 escolares. Dos 2.194 escolares matriculados nas 23 escolas elegíveis, foram sorteados aleatoriamente 1.908 adolescentes para compor a amostra. A amostra de cada escola foi proporcional ao número de alunos matriculados. O sorteio dos alunos dentro de cada classe foi aleatório com início sistemático. Para a estimativa da amostra considerou-se a prevalência de excesso de peso de 21%, com base em estudos com população semelhante15, erro tipo I de 5% e erro tipo II de 10%. Os critérios de exclusão foram: não apresentar o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) assinado pelos pais/responsáveis e não permitir a coleta de sangue. Do total de escolares selecionados, 1.066 não entregaram o TCLE assinado pelos pais ou responsáveis e 317 não permitiram a coleta de sangue, portanto, somente 525 adolescentes participaram deste estudo.
Os adolescentes foram entrevistados por pesquisadores treinados, usando um questionário estruturado com perguntas sobre os aspectos sociais (renda), demográficos e de estilo de vida. Ao final da entrevista, procedeu-se a uma avaliação clínica que incluiu medidas antropométricas (peso corporal, estatura e circunferência da cintura [CC]). As amostras sanguíneas foram coletadas por enfermeiros treinados. A pesquisa foi realizada no período de maio de 2013 a maio de 2014.
O projeto ao qual o presente estudo está vinculado foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da USP. Participaram do estudo somente os adolescentes que devolveram o TCLE assinado pelos pais ou responsáveis.
O peso foi aferido em balança eletrônica calibrada da marca Tanita®, do tipo plataforma e precisão de 100 gramas. A estatura foi medida em estadiômetro portátil da marca seca® com precisão de 1 mm. A circunferência da cintura (CC) foi obtida no ponto médio entre o último arco costal e a crista ilíaca com fita métrica flexível e inelástica sem comprimir os tecidos16. As demais medidas antropométricas seguiram os procedimentos preconizados por Lohman et al.17 e foram realizadas em duplicata sendo utilizadas as médias dos valores.
Por meio das medidas de peso e estatura pôde-se calcular o índice de massa corporal-IMC (peso[kg]/estatura[m2], classificado a partir de pontos de corte de escore-z para adolescentes segundo sexo e idade, propostos pela Organização Mundial da Saúde18em: “sem excesso de peso” (escore-z de IMC para idade ≥ -2 e ≤ +1), “com excesso de peso” (sobrepeso + obeso) (escore z de IMC para idade > +1 e ≤ +2 para sobrepeso e > +2 para obesidade) e de forma numérica (IMC contínuo).
A obesidade abdominal foi avaliada pela CC e pela RCEst. O ponto de corte utilizado para a classificação da CC foi o proposto por Taylor et al.16, que define obesidade abdominal de risco como CC ≥ percentil 80, ajustado para idade e sexo. Em relação à RCEst, adotaram-se os critérios preconizados por Li et al.19, sendo utilizado como ponto de corte para definição de obesidade abdominal o valor ≥ 0,5.
Amostras de sangue (5mL) foram coletadas após jejum de 12 horas, na própria unidade de ensino por enfermeiras habilitadas para tal procedimento. Os valores referentes ao LDL-colesterol foram obtidos a partir dos resultados das dosagens do colesterol total (CT), HDL-colesterol (HDL-c) e triglicerídeo (TG) pela fórmula de Friedewald: LDL-c = CT - (HDL + TG/5)20. Para classificar as concentrações de lipídios séricos foram utilizados os valores propostos na V Diretriz Brasileira de Dislipidemia e Prevenção da Aterosclerose21. Os pontos de corte estabelecidos foram: CT ≥ 150 mg/dl (limítrofe) e CT ≥170 (aumentado); LDL-c ≥ 100 mg/dl (limítrofe) e LDL-c ≥ 130 mg/dl (aumentado); HDL-c < 45 mg/dl (não desejável); TG > 100 mg/dl (limítrofe) e TG ≥ 130 mg/dl (aumentado). Para o diagnóstico das alterações lipídicas, foram adotados os valores aumentados ou alterados.
As variáveis contínuas foram testadas quanto à normalidade da distribuição pelo teste de Kolmogorov Smirnov. Foram calculadas estatísticas descritivas (frequências, médias e desvio-padrão) para os indicadores antropométricos como CC, RCEst e IMC, e bioquímicos (CT, LDL-c, HDL-c e TG). As médias foram comparadas pelo teste “t” de Student. Foram estimados modelos brutos de regressão logística para testar a relação entre as variáveis independentes (excesso de peso, CC, RCEst, idade e sexo) e as alterações de colesterol, HDL-c, LDL-c, e triglicerídeo (variáveis dependentes). Foram estimados quatro modelos de regressão logística, um para cada fração lipídica, para avaliar a associação entre a presença de alterações lipídicas e indicadores do estado nutricional, ajustados por idade e sexo. As análises estatísticas foram realizadas no STATA versão 12.0. O nível de significância estatística foi estabelecido em 5%.
Dos 525 adolescentes que permitiram a coleta de amostras de sangue 60,6% (n = 318) eram do sexo feminino e a média de idade foi de 13,9 anos (± 1,8). Em relação às variáveis antropométricas, verificou-se que o excesso de peso estava presente em 32% dos adolescentes, sem diferença estatística entre os sexos. Aproximadamente 29% estavam com a circunferência da cintura aumentada e 24,1% apresentaram RCEst alterada. As principais características antropométricas e bioquímicas dos adolescentes estão apresentadas na Tabela 1.
Tabela 1 Características antropométricas e bioquímicas dos adolescentes segundo o sexo. Piracicaba, SP, 2013.
Total Média (DP) | Masculino Média (DP) | Feminino Média (DP) | p-valora | |
---|---|---|---|---|
Idade (anos) | 13,9(1,8) | 14,0(1,8) | 13,9(1,8) | 0,271 |
CT (mg/dL) | 154,1(27,6) | 150,3(25,4) | 156,5(28,7) | 0,010 |
LDL (mg/dL) | 97,7(22,9) | 96,1(21,0) | 98,7(24,0) | 0,102 |
HDL (mg/dL) | 42,3(9,2) | 41,8(9,1) | 42,6(9,2) | 0,152 |
TG (mg/dL) | 71,5(41,1) | 66,0(41,5) | 75,1(40,5) | 0,013 |
Peso (kg) | 53,7(15,9) | 55,7(17,4) | 52,4(14,8) | 0,011 |
Estatura (cm) | 159,9(10,3) | 163,6(12,8) | 157,6(7,3) | <0,01 |
IMC (kg/m2) | 20,8(5,4) | 20,6(5,4) | 21,0(5,5) | 0,792 |
CC (cm) | 74,1(10,8) | 75,2(12,0) | 73,4(9,9) | 0,033 |
RCEst | 0,5(0,1) | 0,5(0,1) | 0,5(0,1) | 0,811 |
IMC: índice de massa corporal; CC: circunferência da cintura; RCEst: relação cintura estatura; CT: colesterol total; LDL-c: lipoproteína de baixa densidade; HDL-c: lipoproteína de alta densidade; TG: triglicerídeos.
aTeste t Student
Em relação as medidas antropométricas, os adolescentes do sexo masculino apresentaram maior peso (p = 0,01), estatura (p < 0,01) e CC (p = 0,03) quando comparados ao sexo feminino (Tabela 1). Ao se analisar o perfil lipídico, observou-se que os adolescentes do sexo feminino apresentaram valores médios de CT (p = 0,01) e TG (p = 0,01) mais elevados quando comparados aos adolescentes do sexo masculino.
As prevalências de alterações nas diferentes frações lipídicas estão apresentadas na Tabela 2. As frações lipídicas que apresentaram maior frequência de alteração foram CT e o HDL-c. Em relação ao CT, 25,9% dos adolescentes tinham níveis elevados (≥ 170mg/dL) e 64,2% dos participantes apresentaram níveis séricos de HDL-c abaixo do limite desejável (< 45mg/dL). Aproximadamente, 81% (n = 424) dos adolescentes apresentaram alteração em ao menos um dos parâmetros bioquímicos (CT, HDL-c, LDL-c ou TG) (dados não apresentados em tabela).
Tabela 2 Prevalência do perfil lipídico dos adolescentes, Piracicaba, SP, 2013.
Dosagens lipídicas | Desejável | Limítrofe | Alterado | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
| |||||||||
n | % | IC(95%) | n | % | IC(95%) | n | % | IC(95%) | |
CT | 268 | 51,0 | 46,68 – 55,40 | 121 | 23,0 | 19,51 – 26,89 | 136 | 25,9 | 22,21 – 29,88 |
LDL-c | 318 | 60,7 | 56,36 – 84,89 | 160 | 30,5 | 26,61 – 34,67 | 46 | 8,8 | 6,50 – 11,53 |
HDL-c | 188 | 35,8 | 31,70 – 40,08 | - | - | - | 337 | 64,2 | 59,92 – 68,30 |
TG | 435 | 82,9 | 79,35 – 85,98 | 57 | 10,9 | 8,33 – 13,84 | 33 | 6,3 | 4,36 – 8,71 |
IC: intervalo de confiança de 95%; CT: colesterol total; LDL-c: lipoproteína de baixa densidade; HDL-c: lipoproteína de alta densidade; TG: triglicerídeos.
Ao se fazer a comparação das médias dos parâmetros antropométricos de acordo com o perfil lipídico (Tabela 3) verificou-se que a média do IMC foi maior entre os adolescentes que apresentaram níveis séricos alterados de HDL-c e de TG. Em relação à obesidade abdominal, observou-se que os valores de CC e RCEst eram maiores entre os adolescentes com HDL-c e TG alterados. Os adolescentes que tinham colesterol total alterado (≥ 170mg/dL) apresentaram valores de RCEst superiores quando comparados àqueles com níveis normais de colesterol.
Tabela 3 Classificação do perfil lipídico, segundo parâmetros antropométricos. Piracicaba, SP, 2013.
Variáveis | CT | LDL-c | HDL-c | TG | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
| ||||||||
Normal (n=389) | Alterado (n=136) | Normal (n=478) | Alterado (n=46) | Normal (n=188) | Alterado (n=337) | Normal (n=492) | Alterado (n=33) | |
Média (desvio-padrão) | ||||||||
IMC | 20,9(5,2) | 20,5(6,1) | 20,9(5,3) | 20,1(6,7) | 19,9(5,2) | 21,3(5,5) | 20,6(5,4) | 23,4(5,6) |
p=0,504 | p=0,331 | p=0,003 | p=0,004 | |||||
CC | 73,9(10,3) | 74,1(12,3) | 73,8(10,6) | 75,1(12,9) | 71,4(9,4) | 75,4(11,3) | 73,6(10,3) | 79,8(15,7) |
p=0,847 | p=0,449 | p<0,001 | p=0,001 | |||||
RCEst | 0,4(0,1) | 0,5(0,1) | 0,5(0,1) | 0,5(0,1) | 0,4(0,1) | 0,5(0,1) | 0,5(0,1) | 0,6(0,1) |
p=0,004 | p=0,072 | p=0,001 | p<0,01 |
IMC: índice de massa corporal; CC: circunferência da cintura; CT: colesterol total; LDL-c: lipoproteína de baixa densidade; HDL-c: lipoproteína de alta densidade; TG: triglicerídeos. *Teste t-Student comparou as médias dos parâmetros antropométricos. Foi indicado em negrito valor de p<0,05.
Na Tabela 4 estão apresentados os modelos brutos e ajustados de regressão logística entre os parâmetros antropométricos e as alterações no perfil lipídico.
Tabela 4 Modelos de regressão logística bruta e ajustada entre os parâmetros antropométricos e as alterações do perfil lipídico dos adolescentes. Piracicaba, SP, 2013.
Parâmetros antropométricos | Bruta | Ajustadaa | ||
---|---|---|---|---|
| ||||
OR | IC (95%) | OR | IC (95%) | |
Colesterol Total | ||||
Excesso de peso | ||||
Não | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 0,99 | 0,72-1,35 | 0,95 | 0,53-1,68 |
CC | ||||
Normal | 1,00 | 1,00 | ||
Aumentada | 0,98 | 0,71-1,35 | 0,60 | 0,29-1,25 |
RCEst | ||||
Normal | 1,00 | 1,00 | ||
Aumentada | 1,25 | 0,91-1,71 | 2,00* | 1,09-3,64 |
LDL-c | ||||
Excesso de peso | ||||
Não | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 0,94 | 0,52-1,72 | 0,93 | 0,33-2,58 |
CC | ||||
Normal | 1,00 | 1,00 | ||
Aumentada | 0,99 | 0,53-1,83 | 1,00 | 0,31-3,21 |
RCEst | ||||
Normal | 1,00 | 1,00 | ||
Aumentada | 1,03 | 0,54-1,97 | 1,13 | 0,36-3,52 |
HDL-c | ||||
Excesso de peso | ||||
Não | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 1,18* | 1,04-1,34 | 0,96 | 0,76-1,22 |
CC | ||||
Normal | 1,00 | 1,00 | ||
Aumentada | 1,24* | 1,10-1,41 | 1,16 | 0,86-1,55 |
RCEst | ||||
Normal | 1,00 | 1,00 | ||
Aumentada | 1,25* | 1,11-1,42 | 1,15 | 0,91-1,47 |
Triglicerídeo | ||||
Excesso de peso | ||||
Não | 1,00 | 1,00 | ||
Sim | 1,79 | 0,92-3,46 | 0,84 | 0,33-2,11 |
CC | ||||
Normal | 1,00 | 1,00 | ||
Aumentada | 2,00* | 1,04-3,89 | 0,62 | 0,25-1,53 |
RCEst | ||||
Normal | 1,00 | 1,00 | ||
Aumentada | 2,96* | 1,54-5,70 | 4,48* | 2,03- 9,89 |
aajustado por idade e sexo; OR – Odds ratio; IC – Intervalo de confiança.
*p-valor<0,05.
No modelo bruto a presença de excesso de peso (OR = 1,18 IC:1,04-1,34) e valores de risco para CC (OR = 1,24 IC:1,10-1,41) e RCEst (OR = 1,25 IC:1,11-1,42) se associaram às alterações nos níveis de HDL-c (Tabela 4). Valores considerados de risco para CC (OR = 2,0 IC:1,04-3,89) e RCEst (OR = 2,96 IC:1,54-5,7) também se associaram a níveis alterados de triglicerídeo.
Na análise multivariada verificou-se que os adolescentes com RCEst aumentada tinham 2,00 (IC 95% = 1,09–3,64) e 4,48 (IC 95% = 2,03-9,89) mais chances de apresentarem alteração de colesterol total e triglicerídeo, respectivamente, após ajuste por sexo e idade. Não foram verificadas associações significativas entre excesso de peso e CC e alterações no perfil lipídico.
Os resultados do presente estudo revelam que a prevalência de alterações lipídicas é bastante elevada, uma vez que aproximadamente 81% dos adolescentes apresentaram alteração em ao menos uma das frações lipídicas, sendo a baixa concentração de HDL-c a principal alteração. Os dados indicam ainda uma associação entre a obesidade abdominal e alterações no perfil lipídico.
No Brasil, além de serem escassos os estudos que investigam o perfil lipídico de adolescentes, a falta de padronização dos intervalos de referência e das metodologias utilizadas, são aspectos que dificultam a comparação dos resultados disponíveis na literatura.
Estudo recente de âmbito nacional, realizado com 38.069 adolescentes brasileiros entre 12 e 17 anos6, identificou menores prevalências de alteração do HDL-c (46,8%), CT (20,1%), e LDL-c (3,5%) comparadas ao presente estudo. A alteração mais frequente foi da fração HDL-c, assim como identificado neste estudo e em outros estudos realizados com crianças e adolescentes22,23.
Dados sobre dislipidemia em crianças e adolescentes norte-americanos publicados recentemente revelam que aproximadamente 20% apresentam alguma alteração lipídica24.
Outro estudo de base populacional realizado com 2.363 adolescentes sul-coreanos na faixa etária de 10 a 18 anos encontrou prevalências de alteração das frações lipídicas menores que as do presente estudo, com exceção do triglicerídeo25.
Embora a prevalência de dislipidemia seja discrepante nos diversos estudos, principalmente em razão da diferença nos critérios adotados para sua classificação, reconhece-se que as alterações lipídicas já são um problema de saúde importante entre os jovens nas diferentes regiões do país.
Ainda que as dislipidemias tenham um componente genético, sobretudo na hipercolesterolemia familiar homozigótica, a maior parte é determinada por fatores ambientais, especialmente relacionados à alimentação inadequada e à inatividade física26. Alcantara Neto et al.26 observaram uma influência negativa do consumo baixo e moderado de frutas, leguminosas e cereais, bem como do consumo moderado e alto de alimentos gordurosos e industrializados sobre o estado lipidêmico de crianças e adolescentes. Rinaldi et al.27, em um estudo com 147 escolares com excesso de peso, também identificaram associação positiva entre o nível de colesterol e derivados do leite ricos em gordura, e entre os níveis de triglicerídeos e o percentual de gordura saturada da dieta.
Esses resultados reforçam a importância de práticas alimentares saudáveis para reduzir o risco de doenças cardiovasculares (DCV) na idade adulta, uma vez que evidências sugerem que níveis elevados de lipídios séricos estão relacionados com maior incidência de hiperlipidemia, hipertensão e doença aterosclerótica28.
Os dados do presente estudo revelaram ainda a influência do excesso de peso, mais especificamente da obesidade abdominal, na ocorrência de dislipidemia. Os adolescentes com CC e RCEst aumentados apresentaram maior risco para TG elevado e baixa concentração de HDL-c. Santos e Spósito29 relatam que a principal dislipidemia associada à obesidade é caracterizada por elevações leves e moderadas do triglicerídeo e diminuição do HDL-c. Merece atenção o fato do HDL-c baixo ter sido a dislipidemia mais prevalente neste estudo (64,19%), tendo em vista que essa fração lipídica é um importante fator protetor contra o desenvolvimento de doenças crônicas, particularmente da aterosclerose9.
Estudos com crianças e adolescentes realizados na América do Sul que investigaram os fatores determinantes para o desenvolvimento da dislipidemia também identificaram associação entre o excesso de peso e alteração nos parâmetros bioquímicos – aumento nos níveis médios de TG e diminuição do HDL-c. No Brasil, Pereira et al.10 identificaram níveis médios de TG e HDL-c menos favoráveis entre crianças e adolescentes de 2 a 19 anos de Itapetininga-SP com excesso de peso e obesidade abdominal. Resultados semelhantes foram encontrados por Suárez et al.30, em estudo com 1.043 crianças e adolescentes argentinas de 5 a 19 anos de Rosário/Santa Fé. Neste estudo os autores observaram diferenças significativas nos valores de lipídeos (TG e HDL-c) entre a população total e aquela com sobrepeso e obesidade. Em outro estudo realizado com 943 adolescentes escolares de 11 a 14 anos, Musso et al.12 encontraram diferenças significativas nos níveis de TG e HDL-c entre aqueles com excesso de peso e sem excesso de peso.
Em relação às frações de CT e LDL-c, os nossos achados corroboram com os resultados encontrados por Silva et al.31 em seu estudo com pacientes de 2 a 19 anos do ambulatório de pediatria do Hospital Universitário Antônio Pedro em Niterói-RJ, e com Suárez et al.30 para a fração LDL-c. Em ambos, não foram encontradas associações entre os valores de LDL-c e excesso de peso. Porém, no que diz respeito à fração CT, os autores divergem do presente estudo ao observarem valores médios de CT superiores entre os participantes com excesso de peso.
Um mecanismo que poderia explicar a associação do CT elevado com o excesso de peso e com a obesidade abdominal é que a dislipidemia ocorre devido especialmente ao desenvolvimento da resistência à insulina, inicialmente periférica, e posteriormente sistêmica. O hiperinsulinismo associado ao aumento da leptina e à redução da ativação da adiponectina, induz a ativação da via cinase AMP-dependente, favorecendo a oxidação dos ácidos graxos32.
A CC e a RCEst são consideradas medidas antropométricas simples e efetivas para mensurar a obesidade abdominal, que por sua vez está relacionada com o aumento do risco cardiovascular e metabólico em crianças e adolescentes19. Segundo Taylor et al.16, essas medidas antropométricas são melhores preditores do risco de doença cardiovascular do que o IMC.
Entretanto, há críticas quanto à utilização da CC por ser uma medida que não considera diferenças na estatura. Por esta razão, a RCEst tem sido proposta como o melhor preditor de risco cardiovascular, já que em estudo realizado por Brambilla et al.33 com 2.339 crianças e adolescentes americanos de 8 a 18 anos, verificou-se que a RCEst explicou 64,2% do percentual de gordura corporal, comparado a CC, IMC e dobras cutâneas.
No presente trabalho, o excesso de peso e a obesidade abdominal, medida pela CC, não se associaram ao LDL-c e TG elevados. A relação foi considerada positiva para a obesidade abdominal quando se verificou a associação entre RCEst e as alterações lipídicas fornecidas pelo CT e TG. Assim, conforme análises realizadas neste estudo, parece que a RCEst seria um bom indicador para se avaliar alterações no perfil lipídico de adolescentes.
Um aspecto a ser destacado neste estudo é o tamanho da amostra, já que no Brasil grande parte das pesquisas que envolveram análises do perfil lipídico de adolescentes dispõe de amostras menores. Por outro lado, a principal limitação desta investigação está no fato de se tratar de um estudo transversal, já que nesse tipo de estudo, não é possível estabelecer relações causais por não apontarem uma sequência temporal entre a exposição ao fator e o subsequente desenvolvimento da doença. No entanto, os resultados encontrados são compatíveis com os apresentados na literatura. Outro aspecto a ser considerado é o grande número de recusas para participar da pesquisa que, além de comprometer a representatividade da amostra, pode resultar em prevalências menores que as reais, isto porque os adolescentes com excesso de peso e que por sua vez têm maior chance de apresentar alguma alteração lipídica, frequentemente se recusam a participar de pesquisa dessa natureza com receio de constrangimentos e maior exposição. Sabe-se ainda que outros fatores como os hábitos alimentares e padrão de atividade física, que não foram incluídos nesta investigação, também podem influenciar o perfil lipídico dos adolescentes.
A elevada prevalência de alteração lipídica identificada neste estudo indica que medidas de prevenção cardiovascular devem ser iniciadas na infância e na adolescência. Isto porque tanto as alterações no perfil lipídico quanto o excesso de peso são condições que aumentam o risco de aterosclerose, que por sua vez, se constitui em um fator relevante para a ocorrência de infarto do miocárdio e acidentes cerebrovasculares. É necessário, portanto, que políticas públicas no setor da saúde abranjam também os adolescentes e sejam criadas propostas com enfoque no tratamento, controle e prevenção da dislipidemia durante a adolescência, visando a redução da incidência de doenças cardiovasculares que por ventura possam surgir na idade adulta.