versão impressa ISSN 1808-8694
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.80 no.5 São Paulo set./out. 2014
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2014.07.001
A saúde do idoso tem despertando cada vez mais o interesse dos pesquisadores, uma vez que a população está envelhecendo, sendo uma realidade tanto em países desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento.1 Estima-se que até 2040 os países em desenvolvimento tenham um bilhão de pessoas com 60 anos ou mais.2 Devido à grande velocidade e à extensão desse crescimento, o cuidado com este grupo específico é essencial, de modo que possam envelhecer de forma saudável e com qualidade de vida.3
Os tipos mais comuns de perda auditiva são a presbiacusia (envelhecimento) e a perda auditiva induzida por ruído4 (PAIR). A PAIR se deve à exposição contínua a níveis intensos de ruídos, resultando em diminuição gradual da acuidade auditiva, geralmente sendo bilateral, simétrica, neurossensorial e irreversível. Comumente manifesta-se nas altas frequências audiométricas de 3.000 a 6.000 Hz.5 A etiologia da perda auditiva possui, além dos componentes ambientais, os genéticos e, mais recentemente, foi avaliada a indução de respostas inflamatórias e aumento da regulação de citocinas pró-inflamatórias no ouvido interno na presença de ruído exacerbado.5 - 7 A existência de células inflamatórias no estado estacionário e seu aumento após lesões no ouvido interno têm sido relatados por vários pesquisadores.6 , 8 - 10
A exposição ao ruído induz a expressão de citocinas pró-inflamatórias, incluindo o fator de necrose tumoral α (TNF- α), interleucina 1β (IL-1β) e interleucina-6 11 (IL-6). So et al.12 observaram uma up-regulação transitória de IL-6 em modelos animais tratados com cisplatina. Wakabayashi et al.13 investigaram o efeito da inibição da IL-6 usando um anticorpo anti-IL-6 (MR16-1) em camundongos. Estes autores verificaram que o MR16-1 apresentou efeito protetor contra a lesão coclear induzida pelo ruído, principalmente devido à supressão da perda neuronal e, presumivelmente, através do alívio da resposta inflamatória. Dados semelhantes foram encontrados por Nakamoto et al.14 Estes autores sugeriram que a supressão da citocina pro inflamatória HSF-1 na cóclea pela administração de GGA (geranilgeranilacetona) pode ser uma importante forma de proteção do ouvido interno.
A expressão de citocinas pode ser influenciada pela variação genética, resultando em condições patogênicas,15 e vários estudos têm investigado polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs) como fatores de risco para doenças inflamatórias.16 Estes SNPs podem afetar a expressão, secreção e transporte celular das interleucinas,17 , 18 e podem também diminuir o nível do antagonista do receptor da IL-1 (IL-1Ra), o que aumenta a produção e atividade da IL-1β.19
O SNP na região -174 do gene da interleucina-6 consiste na troca de G por C, sendo que a presença do alelo C representa uma função protetora, devido à produção reduzida da IL-6.20
Considerando que na PAIR está envolvido o processo inflamatório, este trabalho teve por objetivo avaliar a associação entre o polimorfismo no gene da citocina pró-inflamatória-6 (IL-6) e a suscetibilidade à PAIR em idosos brasileiros fisicamente independentes.
Este estudo transversal foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Humana da Universidade do Norte do Paraná (0070/09). É parte de uma investigação mais ampla, o "Estudo sobre envelhecimento e longevidade", que foi realizado em Londrina desde 2009. A cidade de Londrina (aproximadamente 500.000 habitantes) está situada na região norte do estado do Paraná, Brasil.
A partir de uma população de 43.610 idosos matriculados nas 38 unidades básicas de saúde na área urbana da cidade, o tamanho da amostra foi definido em 343 indivíduos, considerando um intervalo de confiança de 95% e uma margem de erro aceitável de 5%.21 Visando a representatividade amostral, foi realizada a estratificação aleatória considerando o gênero e as regiões da cidade. Foram incluídos no estudo indivíduos com 60 anos ou mais, de ambos os sexos, que se encontravam vivendo de forma independente, e estes foram classificados nos níveis 3 ou 4, como proposto por Spirduso.22 Esta classificação avalia o nível de independência dos idosos: o nível 1 indica uma falta de mobilidade, e o nível 5 indica atletas. Os idosos que tinham alguma doença ou limitação que impedisse a realização dos testes, como deficiência física ou mental, foram excluídos da amostra. Todos os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.
A avaliação audiológica foi realizada através de audiometria tonal liminar convencional com audiômetro da marca Interacoustics. Para determinar a severidade da perda auditiva, foram usados: os critérios propostos pela BIAP - Bureau Internacional d´Audio Phonologie - instituição formada por diversas associações de países europeus com o objetivo principal de nortear a atividade dos profissionais dessas regiões; a média dos limiares auditivos em dB, na via aérea, nas frequências de 500 Hz, 1kHz, 2kHz e 4kHz; a recomendação 02/1 de 1997 analisadas; e ambas as orelhas direita e esquerda foram avaliadas para grupo de indivíduos com histórico de ruído ocupacional e para o grupo de indivíduos sem histórico de ruído ocupacional.23 - 25
A avaliação da exposição ocupacional ao ruído foi obtida através de entrevistas com os idosos participantes, usando um questionário semiestruturado. Foram coletadas informações sobre se o trabalho era realizado ou não em ambiente barulhento, quantos anos de trabalho em um ambiente barulhento e se usavam aparelho auditivo. Além disso, foram coletadas características demográficas (gênero, idade e etnia).
As amostras de sangue periférico foram colhidas em tubos a vácuo contendo 6% de ácido etilenodiaminotetracético (EDTA) e o DNA foi extraído a partir de leucócitos do sangue periférico utilizando o protocolo descrito por Olerup e Zeterquist.26
A partir das amostras originais, o DNA foi diluído para uma concentração de 100 ng/mL. A concentração foi determinada em espectrofotômetro a 260 nm e 280 nm (Biomate 3, Thermo Fisher Scientific, Madison, EUA).
O sítio polimórfico C para T, situado na posição -174 do gene da IL-6 (rs1800795), foi amplificado por meio da reação em cadeia da polimerase (PCR), resultando em um fragmento de 99 pb. A PCR continha uma mistura de tampão pH 8,0 1X, 1,5 mM de MgCl2, 8 mM de cada um dos desoxirribonucleotídeos trifosfatos, 1 uM de cada um dos iniciadores e 1U de Taq DNA polimerase (Invitrogen, Carlsbad, CA, EUA). Os iniciadores utilizados foram: F-5'TTG TCA AGA CAT GCC AAG TGC T- 3' e R-5'GCCTCAGAGACATCTCCAGTCC-3'27 (Invitrogen, Carlsbad, CA, EUA).
A amplificação por PCR foi realizada em um termociclador (TC-512 Resistência Techne, Burlington, Nova Jersey, EUA), sob as seguintes condições: desnaturação inicial a 95°C durante 5 minutos, seguido por 30 ciclos de 95°C durante 1 minuto, 56°C durante 1 minuto e 72°C durante 1 minuto, e extensão final a 72°C durante 5 minutos.
O produto da PCR foi digerido com 2U da enzima de restrição NlaIII (Invitrogen, Carlsbad, CA, EUA) overnight a 65°C. Os fragmentos digeridos foram separados em géis de agarose a 2% (Invitrogen Life Technologies, São Paulo, Brasil). Uma amostra com o genótipo conhecido foi usado como controle positivo da PCR, e para o controle negativo foi utilizada água ultrapura.
O marcador de peso molecular de DNA de 100 pb (Ladder - Invitrogen) foi incluído em cada gel corado com SybrSafe (Invitrogen Life Technologies, São Paulo, Brasil) e visualizados sob iluminação UV. A leitura e interpretação dos géis de agarose foram feitas com o programa LabImage L-PIX (HE) 1D-L340 (Loccus Biotecnologia, São Paulo, Brasil). Foram observados os fragmentos de 13, 227 e 59 pb (alelo G), e fragmentos de 13, 118, 109 e 59 pb (alelo C).
A análise estatística dos dados foi realizada utilizando o pacote estatístico SPSS 17.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Para testar a associação entre a frequência genotípica e a perda auditiva relacionada à história de exposição ocupacional ao ruído, o teste do Qui-quadrado foi realizado. O equilíbrio de Hardy-Weinberg foi testado em cada grupo utilizando o teste do Qui-quadrado. A razão de chances (OR) com intervalo de confiança de 95% (95% IC) foi calculada. O nível de significância foi fixado em 5%.
Do total de 343 idosos, os procedimentos de genética molecular foram conduzidos em 191 deles. Destes, 31,9% relataram histórico de exposição ao ruído, com 18,8% apresentando perda auditiva. Dos 68,1% sem histórico de exposição ao ruído, 59,2% apresentavam perda auditiva. A média de idade foi de 67,8 ± 5,3 anos, havendo maior proporção (58,6%) de idosos do gênero feminino (tabela 1).
Tabela 1 Características gerais e frequências alélicas e genotípicas entre os idosos brasileiros (n = 191)
Características | n | % | |
---|---|---|---|
Gênero | |||
Masculino | 79 | 41,4 | |
Feminino | 112 | 58,6 | |
Idade (anos) | |||
60-64 | 63 | 33,0 | |
65-74 | 104 | 54,5 | |
75 ou + | 24 | 12,6 | |
Média 67,8 (DP = 5,3) | |||
História de exposição ao ruído | |||
Sem história de exposição ao ruído | |||
Sem perda auditiva | 17 | 8,9 | |
Com perda auditiva | 113 | 59,2 | |
Com história de exposição ao ruído | |||
Sem perda auditiva | 25 | 13,1 | |
Com perda auditiva | 36 | 18,8 | |
Frequência genotípica | |||
GG | 107 | 56,0 | |
CC | 15 | 7,8 | |
GC | 69 | 36,2 | |
Frequência alélica | |||
G | 283 | 74,1 | |
C | 99 | 25,9 |
Dos idosos avaliados, 56% foram homozigóticos para o alelo G, 7,8% para o alelo C, e 36,2% foram heterozigóticos (tabela 1). A distribuição genotípica para o gene IL-6 estava de acordo com o equilíbrio de Hardy-Weinberg (p > 0,05).
Foi encontrada associação estatisticamente significante entre as frequências genotípicas e alélicas do gene da IL-6 -174 (rs1800795) e a perda auditiva entre os idosos com história de exposição ao ruído ocupacional (p < 0,001) (tabela 2). Os idosos portadores do genótipo CC foram menos propensos a ter perda auditiva por exposição ao ruído ocupacional em relação aos idosos portadores do genótipo GG (OR = 0,0124; 95% IC 0,0023-0,0671; p < 0,0001). Entretanto, tal associação não foi verificada no grupo de idosos sem histórico de exposição ao ruído (χ2 = 0,078; p = 0,961).
Tabela 2 Associação entre a frequência genotípica para o gene da interleucina-6 G-174C e a perda auditiva relacionada à história de exposição ocupacional ao ruído (n = 191)
Exposição | Genotipagem | Sem perda | Com perda | Valor de p | |
---|---|---|---|---|---|
ocupacional ao ruído | auditiva | auditiva | |||
n (%) | n (%) | ||||
Sem histórico | Frequência genotípica | 0,961a | |||
GG | 09 (52,9) | 62 (54,9) | |||
CC | 01 (05,9) | 08 (07,0) | |||
GC | 07 (41,2) | 43 (38,1) | |||
Frequência alélica | 0,8696b | ||||
G | 25 (73,5) | 167 (76,9) | |||
C | 09 (26,5) | 59 (23,1) | |||
Com histórico | Frequência genotípica | < 0,01c | |||
GG | 03 (12,0) | 33 (91,7) | |||
CC | 04 (16,0) | 02 (05,5) | |||
GC | 18 (72,0) | 01 (02,8) | |||
Frequência alélica | < 0,01d | ||||
G | 24 (48,0) | 67 (93,0) | |||
C | 26 (52,0) | 05 (07,0) |
a χ2 = 0,078.
b χ2 = 0,027.
c χ2 = 40,201.
d χ2 = 31,605.
Embora o mecanismo e a função de citocinas pró-inflamatórias na PAIR ainda não estejam bem esclarecidos, sabe-se que a estrutura e a expressão de citocinas pode ser influenciadas pela variação genética, como, por exemplo, o polimorfismo de nucleotídeo único (SNP), o que resulta em consequências patológicas evidentes.15 A funcionalidade de SNPs, no que diz respeito à expressão do gene, é um assunto importante em estudos de associação a doenças.16
No presente estudo as frequências dos alelos G e C na população estudada foram de 74,1% e 25,9%, respectivamente. Outros estudos também têm demonstrado a predominância do alelo ancestral (G), variando entre 60% e 70%.28 Em adição, foi observada uma maior frequência do genótipo GG (56%), seguida pelo GC (36,2%) e CC (7,8%). Este fato é consistente com os estudos citados anteriormente.20 , 28
Foi observada associação entre o genótipo GG de IL-6 e perda auditiva com história de exposição ao ruído ocupacional (χ2 = 40,201; p < 0,001). Os idosos portadores do genótipo CC apresentaram menor propensão à perda auditiva por exposição ocupacional ao ruído (OR = 0,0124; 95% IC 0,0023-0,0671; p < 0,01) em relação aos idosos portadores do genótipo GG. A presença do alelo C resulta em uma menor expressão da IL6 após um estímulo inflamatório em comparação com o alelo G.29 Sugere-se que o genótipo CC confira uma influência protetora contra o desenvolvimento de comorbidades, o pôde ser constatada nesta análise, quando a frequência do alelo C no grupo de perda auditiva sem exposição ao ruído foi maior do que no grupo PAIR.
Os estudos de Hirose et al.6 e Fujioka et al.11 apontaram a possibilidade de alterações inflamatórias na cóclea após o estímulo por ruído. Fujioka et al.11 demonstraram pela primeira vez a indução de citocinas pró-inflamatórias na cóclea exposta ao ruído e observaram a expressão aumentada das interleucinas TNF-α, IL-1β e IL-6, 3 horas após a exposição ao ruído. Estes autores ressaltaram que este mecanismo é de autoproteção contra a exposição à grande quantidade de ruído, e a consequente expressão excessiva de interleucinas por longos períodos deve piorar a função coclear.
Os achados de So et al.12 demonstraram claramente que a IL-6 atua como um indutor de lesão coclear aguda, pois após a exposição dos animais com cisplatina ocorreu uma up-regulação transitória de IL-6. Alguns estudos têm evidenciado que a inibição da produção da IL-6 apresenta um efeito protetor coclear. Wakabayashi et al.21 utilizaram o anticorpo anti-IL-6 (MR10-1) para inibir a produção de IL-6 em camundongos, verificando um efeito protetor para a lesão coclear induzida pelo ruído. Nesta mesma linha de investigação, Nakamoto et al.14 verificaram que a droga geranilacetona (GGA) estimula a expressão do gene HSF que, por sua vez, inibe a inflamação na cóclea, protegendo o ouvido interno.
Vale ressaltar que estas fortes evidências do envolvimento da IL-6 com PAIR têm sido verificadas por meio de vários estudos em modelos animais.11 - 14 Evidências em humanos em relação às interleucinas pró-inflamatórias e PAIR foram relatadas recentemente por nosso grupo, que investigou a associação do polimorfismo no gene da IL-1β com a PAIR.30 Este estudo demonstrou que o polimorfismo neste gene não está associado à PAIR nos idosos avaliados. Entretanto, os achados do presente estudo mostraram que o polimorfismo no gene da IL-6 deve contribuir para o risco de ocorrência da PAIR em idosos brasileiros.
Considerando este contexto, a determinação do polimorfismo no gene da IL-6 em pacientes com perda auditiva relacionada à história de exposição ocupacional ao ruído pode nos ajudar a compreender a variabilidade individual da inflamação, resultando na perda auditiva, assim como, no futuro, sugerir a genotipagem de indivíduos para este polimorfismo em particular (rs1800795), a fim de determinar a suscetibilidade individual fornecendo uma nova estratégia para a prevenção da perda auditiva relacionada à exposição ao ruído.
Foi encontrada uma associação entre o polimorfismo no gene da IL-6 e a perda de audição associada à exposição ocupacional ao ruído em idosos brasileiros. Estudos baseados em grandes populações e com diferentes etnias deveriam ser conduzidos para confirmar nossos achados.