Compartilhar

Associação entre internações psiquiátricas, cobertura de CAPS e atenção básica em regiões metropolitanas do RJ e SP, Brasil

Associação entre internações psiquiátricas, cobertura de CAPS e atenção básica em regiões metropolitanas do RJ e SP, Brasil

Autores:

Claudia Reis Miliauskas,
Daniela Porto Faus,
Larissa Junkes,
Rahiza Bueno Rodrigues,
Washington Junger

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.5 Rio de Janeiro maio 2019 Epub 30-Maio-2019

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018245.18862017

Introdução

Os movimentos das reformas psiquiátrica e sanitária ocorreram no Brasil em paralelo, tiveram seu início na década de 1970 e trouxeram como propostas fundamentais mudanças no modelo de atenção à saúde, equidade e participação dos usuários e trabalhadores no processo de gestão. Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) surgiram, no Brasil, na década de 1980, e foram regulamentados em 1992 através da Portaria MS 224/921 com vistas a garantir um cuidado de base territorial e serem serviços substitutivos aos hospitalares, oferecendo cuidado intensivo ao portador de sofrimento psíquico2.

A Política Nacional de Atenção Básica teve como estratégia prioritária para expansão e consolidação a Saúde da Família3, que inclui o cuidado às pessoas com transtorno mental. Na população adulta, a prevalência de transtornos mentais é alta – uma revisão sistemática brasileira encontrou valores entre 20% e 56%, com acometimento principal em mulheres e trabalhadores4. Considerando não somente a frequência, mas também a evolução longitudinal destas doenças, conclui-se que são um dos principais contribuintes para a carga de doença total em nível mundial5.

Em 2011 houve importantes alterações no SUS com o estabelecimento da estratégia das Redes de Atenção à Saúde, tendo a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) como uma das prioritárias. Este status proporcionou o maior investimento financeiro, na ordem de 200 milhões de reais, tanto para custeio da rede existente como para melhoria dos serviços já existentes6.

À medida que políticas públicas são implementadas, são necessários estudos de avaliação de implantação e efetividade dos serviços, assim como o desenvolvimento de índices e taxas que permitam esta análise. Apesar da relevância, são escassas as pesquisas que avaliam a efetividade dos serviços substitutivos às instituições manicomiais. Alguns estudos que relacionaram a implantação de CAPS e seus efeitos nas internações psiquiátricas encontraram resultados divergentes; por vezes encontrando uma associação positiva entre implementação de CAPS e outros componentes da RAPS e queda do número de internações; por vezes não obtendo qualquer associação7-11.

Outro fator que necessita ser considerado nesta análise, pois pode influenciar o número de internações psiquiátricas, é a disponibilidade de leitos de internação. No Brasil, houve redução do número de leitos disponíveis para internação psiquiátrica de 51.393 em 2002 para 32.284 em 2011. Esta queda é compatível com os preceitos da Reforma Psiquiátrica12. Estudo de Fagundes mostra redução de aproximadamente 2.400 leitos psiquiátricos no município do Rio de Janeiro nos últimos quinze anos; no mesmo período, as internações foram reduzidas de 42.762, em 2002, para 20.404, em 201213. Ainda assim, o estado de São Paulo concentra o maior número de hospitais psiquiátricos do país, com 55 unidades, representando 29% do total no país, seguido pelo estado do Rio de Janeiro, com 29, o que representa 15%. Nas regiões sul e sudeste do Brasil, um terço dos hospitais psiquiátricos são considerados de grande porte, em sua maioria compostos por leitos de internação crônica14. De acordo com o Ministério da Saúde, o foco da política de redução de leitos está centrado naqueles de longa permanência14. Sendo assim, a priori, a redução do número de leitos não seria suficiente para explicar a diminuição do número de internações psiquiátricas na maior parte dos cenários; entretanto, este fator deve ser considerado na análise. O estudo conduzido por Gastal et al.9 encontrou resultados que corroboram esta afirmação.

O presente trabalho se justifica em função da escassez de estudos que visam a avaliar a associação entre indicadores de cobertura da rede de atenção psicossocial e atenção básica e desfechos relacionados com as internações psiquiátricas. O objetivo é analisar a associação entre o aumento da cobertura de CAPS e da Atenção Básica e a diminuição do número de internações psiquiátricas, nas regiões metropolitanas das capitais dos estados de Rio de Janeiro e São Paulo.

Métodos

A população do estudo foi composta por residentes das regiões metropolitanas dos municípios do Rio de Janeiro (RMRJ) e de São Paulo (RMSP) internados no âmbito do SUS. Foram utilizadas as internações com diagnóstico principal, segundo a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 10a edição (CID-10), nos agrupamentos F10 a F19 (transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de substância psicoativa), F20 a F29 (esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e transtornos delirantes) e F30 e 39 (transtornos do humor). A escolha do local do estudo ocorreu tanto pela melhor qualidade dos dados na região quanto pela representação populacional.

O delineamento do estudo foi o ecológico de séries temporais, apropriado para analisar, ao longo do tempo e, neste contexto, os efeitos das reformas psiquiátrica e sanitária. O período de 2008 a 2015 foi delimitado pela disponibilidade de dados. A hipótese testada foi a de que há associação entre a oferta de CAPS e AB e taxas de internação nestas duas regiões metropolitanas.

As fontes de dados utilizadas foram o Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH-SUS), o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), o Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) e o Censo Demográfico, disponibilizados através do portal do DATASUS (http://www2.datasus.gov.br) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (http://censo2010.ibge.gov.br). Os dados obtidos foram número de CAPS, proporção de cobertura da atenção básica, número de internações psiquiátricas discriminadas pela CID10 como F10 a 39, número de leitos psiquiátricos e populações residentes das áreas estudadas. Estes dados foram usados para calcular os indicadores de oferta de CAPS, cobertura da Atenção Básica, oferta de leitos psiquiátricos e taxa de internações psiquiátricas.

A oferta de CAPS foi calculada pela razão entre a mediana do número de CAPS e a população residente, multiplicado por um milhão de habitantes. A mediana foi utilizada a fim de reduzir as oscilações nas extremidades de cada ano já que os dados do DATASUS são disponibilizados mensalmente. Devido ao pequeno número de CAPS, o indicador foi definido para 1 milhão de habitantes permitindo melhor interpretação dos resultados. Optou-se por não utilizar o indicador “taxa de cobertura de CAPS” presente no DATASUS, pois estas informações abarcavam período inferior ao período do estudo. A cobertura da atenção básica é um dos indicadores definidos Ministério da Saúde, cujo cálculo se dá através do somatório do número de equipes de saúde da família completas e equivalentes por 3.000 sobre a população no mesmo local e período multiplicado por 10015. A oferta de leitos psiquiátricos foi calculada pela razão entre o número destes e a população residente por cem mil habitantes. A taxa de internações psiquiátricas foi obtida a partir da razão entre seu número e a população residente por cem mil habitantes. Para o denominador dos indicadores utilizou-se a população residente das regiões metropolitanas estudadas, visto que os serviços em análise trabalham na lógica do território.

Para a estratificação por sexo entre 2008 e 2012 foram utilizadas as proporções anuais de sexo feminino de censo e estimativas disponibilizadas pelo IBGE. Como não estão disponíveis tais estimativas no período 2013-2015, foi considerada a distribuição da razão de sexos e utilizado modelo de predição para estimar as proporções entre os sexos. Para cada RM foi ajustada uma spline cúbica com 5 graus de liberdade às proporções de sexo feminino entre 2000 e 2012. As proporções de sexo feminino para 2013-2015 foram obtidas das previsões deste modelo.

Foram calculadas as tendências temporais no período estudado para oferta de CAPS, cobertura da Atenção Básica, oferta de leitos psiquiátricos e taxa de internações psiquiátricas. Para estimar a associação entre as coberturas de CAPS e de AB e as taxas de internação, foram utilizados modelos de regressão linear para o logaritmo natural das taxas. Esta transformação permite a interpretação dos coeficientes da regressão em termos de variação percentual. A oferta de leitos e a cobertura de AB foram consideradas como ajuste para a associação entre CAPS e as taxas de internação, mas devido à alta colinearidade entre oferta de leitos, AB e CAPS estas não puderam ser mantidas no modelo multivariado e, assim, optou-se por análises independentes para estas variáveis.

Este estudo observacional foi realizado inteiramente baseado em dados populacionais agregados para desfechos, exposições e variáveis de confusão e, portanto, não constituiu nenhum risco para os indivíduos tendo assim sido conduzido dentro dos padrões éticos.

Resultados

Observou-se redução das taxas de internações psiquiátricas nas duas regiões metropolitanas estudadas. O grupo de transtornos psicóticos foi o que apresentou maiores taxas de internações, assim como queda mais acentuada, principalmente nos anos de 2008 a 2009. Em relação ao sexo, houve preponderância do masculino nos grupos dos transtornos psicóticos e por álcool e outras drogas, e do feminino no grupo de transtornos de humor (Gráfico 1).

Gráfico 1 Distribuição temporal das taxas de internação hospitalar, por sexo e diagnóstico principal dos transtornos por álcool e outras drogas, psicóticos e de humor, de 2008 a 2015, na RMSP (1A) e RMRJ (1B). 

Foram testadas as hipóteses de tendência decrescente para o número de internações e a queda mostrou-se estatisticamente significativa em todos os grupamentos para a RMRJ assim como para os grupamentos de transtornos psicóticos entre homens e transtornos de humor em ambos os sexos na RMSP. Nesta última, a tendência temporal mostrou-se estável para o grupo de álcool e outras drogas em ambos os sexos e transtornos psicóticos entre as mulheres.

Entre os grupamentos diagnósticos, o que apresentou maior homogeneidade na redução das taxas de internação foram os transtornos de humor, apresentando coeficientes de regressão negativos e estatisticamente significativos para ambos os sexos e nas duas regiões metropolitanas (Gráfico 2).

Gráfico 2 coeficiente de regressão para tendência das séries de internação por transtornos por álcool e outras drogas, psicóticos e de humor, nas RMRJ e RMSP, de 2008 a 2015. 

A cobertura da CAPS aumentou nas duas regiões metropolitanas a partir de 2009. No início do período, a RMRJ apresentou maior cobertura de CAPS que a RMSP, mas a partir de 2011 esta relação se inverteu.

A expansão da AB aconteceu nas duas regiões estudadas, tendo ocorrido na RMSP a partir de 2012 e na RMRJ a partir de 2010, sendo que esta última região apresentou valores maiores por todo período.

O número de leitos ofertados para internação por transtornos psiquiátricos apresentou números sempre maiores na RMRJ em relação à RMSP. Ambas apresentaram quedas nestes valores no período estudado, sendo que a primeira teve queda mais acentuada a partir de 2011 (Gráfico 3).

Gráfico 3 Cobertura de CAPS (3A), cobertura de AB (3B) nas regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro, de 2008 a 2015. 

Ao se analisar a relação entre a oferta de CAPS e as taxas de internação, os resultados apontaram para uma associação inversa e estatisticamente significativa para todos os grupamentos diagnósticos estudados, tanto para o sexo masculino quanto para o feminino, nas duas regiões metropolitanas, exceto para o grupamento de álcool e outras drogas na RMSP. Termos polinomiais de grau dois para avaliar tendências não lineares foram testados em todas as análises e mostraram-se não significativos (Gráfico 4).

Gráfico 4 Associação entre a oferta de CAPS e taxa de internação psiquiátrica (valores absolutos e intervalos de confiança) por transtornos por álcool e outras drogas, psicóticos e de humor nas regiões metropolitanas de RJ e SP. 

Ao se analisar a relação entre oferta de AB e taxas de internação, encontrou-se associação inversa e estatisticamente significativa para os grupamentos de álcool e outras drogas no sexo masculino em ambas as regiões metropolitanas e transtornos de humor no sexo feminino na RMRJ (Gráfico 5).

Gráfico 5 Associação entre a oferta de AB e taxa de internação psiquiátrica (valores absolutos e intervalos de confiança) por transtornos por álcool e outras drogas, psicóticos e de humor nas regiões metropolitanas de RJ e SP. 

Discussão

As taxas de internações, quando diferenciadas por grupamentos diagnósticos, apresentaram valores mais elevados no grupo de transtornos psicóticos, seguido dos transtornos por álcool e outras drogas no sexo masculino e transtorno de humor no sexo feminino. Outros estudos também encontraram os transtornos psicóticos como o grupamento diagnóstico mais frequente nas internações psiquiátricas, com os outros dois grupamentos diagnósticos se alternando em prevalência nestes estudos16-18.

As taxas de internações foram diferentes quando estratificadas por sexo. A maior taxa de internações masculinas no grupamento de transtornos por álcool e outras drogas é um achado já descrito na literatura e pode ser explicado tanto por aspectos socioculturais que contribuem para explicar sua maior prevalência no sexo masculino, assim como pelo maior quantitativo de leitos psiquiátricos para este sexo. Já no grupamento dos transtornos de humor houve predominância do sexo feminino, assim como predominância do sexo masculino no grupamento dos transtornos psicóticos, o que é compatível com as maiores prevalências destes sexos nos respectivos transtornos4,11.

Os resultados apontaram um aumento das coberturas da AB e CAPS e redução do número de leitos, tendências coerentes com o processo de implementação de serviços segundo a lógica da reforma sanitária e psiquiátrica, tais achados corroboram dados já apresentados por outros autores12,19,20. Em 2011 foi estabelecida a estratégia das Redes de Atenção à Saúde, com prioridade para a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS)6. Esta é constituída por nove componentes, entre eles a atenção básica e a rede psicossocial, que tem como principal serviço constitutivo os CAPS. Nesse ano houve a injeção de 200 milhões de reais para ampliação e melhor aparelhagem dos serviços constitutivos da RAPS e, em paralelo, gradual redução dos leitos psiquiátricos12.

A associação entre o aumento da cobertura de CAPS e a redução do número de internações foi encontrada para todos os grupos diagnósticos estudados, exceto para o grupamento de álcool e outras drogas na RMSP. Este achado reforça positivamente o preconizado pela reforma psiquiátrica que prevê tratamento para portadores de transtornos mentais em serviços de base comunitária. Apesar dos CAPS não apresentarem um perfil diagnóstico definido, sendo destinados principalmente ao cuidado de pacientes graves, os portadores de transtornos psicóticos representam parcela importante destes casos. Os Centros de Atenção Psicossocial voltados, especificamente, para o tratamento de usuários de álcool e outras drogas (CAPS AD) são mais recentes6 e esta rede de atenção ainda apresenta lacunas importantes. Estudo que analisou a oferta de serviços de atenção em álcool e outras drogas no município do Rio de Janeiro observou barreiras de acesso para serviços públicos especializados e de caráter comunitário de 24 horas e escassez de psiquiatras nas equipes multiprofissionais, além de difusão experimental de serviços privados, religiosos ou não, e de abrigos públicos, em resposta às novas demandas21. Os portadores de transtornos de humor estão presentes nos diferentes tipos de CAPS, no entanto, em menor quantidade quando comparados aos grupamentos diagnósticos citados anteriormente.

A associação entre a redução do número de internações e o aumento da cobertura da AB foi significativa para o grupamento dos transtornos por álcool e outras drogas no sexo masculino nas duas regiões metropolitanas e no grupamento dos transtornos de humor no sexo feminino na RMRJ. A literatura aponta para uma alta prevalência dos transtornos de humor na população, principalmente os quadros depressivos, sendo estes mais comuns no sexo feminino, assim como dos transtornos por álcool e outras drogas, no sexo masculino4. Segundo o Ministério da Saúde, cerca de uma em cada quatro pessoas que procuram a AB tem algum transtorno mental segundo a CID-10, se considerados os casos subclínicos esta relação chega a um para dois; quando contabilizados exclusivamente os problemas relacionados ao álcool e outras drogas, estes atingem cerca de um a cada dez adultos que chegam na atenção básica22. Desta forma, é uma suposição razoável a de que o aumento da oferta e cobertura da AB permitiria um maior número de usuários em sofrimento psíquico ter acesso aos serviços de saúde e tratamento e evoluir com menos frequência para agravamento do quadro e internação.

A lista brasileira de internação por condições sensíveis à atenção primária foi elaborada pelo Ministério da Saúde e tem o propósito de constituir mais uma ferramenta para avaliação da atenção primária no país. A lista atual não inclui condições ligadas à saúde mental, diferente das três versões brasileiras anteriores, provenientes de Minas Gerais, Ceará e Curitiba; tal exclusão se justificou pela complexidade do processo da reforma psiquiátrica no Brasil e da implantação heterogênea dos serviços de atenção psiquiátrica em diferentes regiões do país. É importante ressaltar que não existem consensos acerca de quais doenças devem fazer parte deste indicador e quais listas futuras devem considerar a inclusão de condições que passaram a ser objeto do ESF ao longo do desenvolvimento desta política23.

A associação entre o número de leitos e as taxas de internação não se mostrou estatisticamente significativa em todas as análises. Outros estudos também mostraram que a redução de leitos não foi suficiente para explicar a diminuição no número de internações, uma vez que os leitos fechados são prioritariamente de pacientes crônicos e, muitas vezes, moradores dos manicômios9,14.

Como limitações deste estudo podemos citar o curto recorte temporal, visto que as políticas públicas de saúde mental com ênfase em ações reformistas foram implementadas em maior escala no âmbito nacional a partir de 2001. Todavia é um processo ainda em implementação, sendo relevante seu acompanhamento.

A ausência de discriminação dos tipos de CAPS para contabilização da taxa de CAPS pode ser considerado um fator negativo para este indicador, visto que não é possível excluir os Centros de Atenção Psicossociais Infanto-Juvenil, que atendem uma população que contribui pouco para o número de internações. No entanto, como estamos comparando as regiões ao longo do tempo e não entre si, o mesmo ainda pode ser considerado um bom instrumento.

Os Núcleos de Atenção à Saúde da Família (NASF), criados mediante Portaria GM154/08, têm como principal motivo ampliar a abrangência e o escopo das ações da AB, entre elas as ações em saúde mental, aumentando sua resolutividade24. Outra forma de avaliar a relação entre atenção básica e internações psiquiátricas seria também a utilização de dados quantitativos dos NASF. O curto período de tempo entre criação destes dispositivos e o recorte temporal escolhido para o estudo, assim como a limitação de disponibilidade destes dados no DATASUS, nos fez optar pela não utilização dos mesmos nesta pesquisa.

No período estudado, houve investimento do Governo Federal em outras ações, programas e dispositivos terapêuticos, que não os Centros de Atenção Psicossocial e a Atenção Básica. Os dados de Saúde Mental divulgados pelo Ministério da Saúde mostram, tanto em número absoluto, quanto em recursos disponíveis, um aumento nos serviços residenciais terapêuticos, NASF, programa De Volta Para Casa, programa de inclusão social pelo trabalho, Consultórios de Rua, supervisões clínico-institucionais, escola de supervisores, escola de redutores de danos, entre outros12. Todos estes visam, em última instância, proporcionar o aumento na qualidade da assistência aos usuários da rede de saúde mental e tem sua forma de trabalho ligada de alguma forma aos CAPS ou a AB.

Os resultados encontrados corroboram a hipótese de associação entre as tendências crescentes de oferta de CAPS e AB e diminuição das taxas de internação nos grupamentos diagnósticos em avaliação nas regiões e período estudados. Este achado reforça a importância da continuidade e aprimoramento das políticas relacionadas à reforma psiquiátrica e sanitária. Outros estudos ecológicos com recortes temporais mais amplos, assim como em regiões geográficas distintas, poderão proporcionar aumento do conhecimento científico e complementar os resultados aqui encontrados.

REFERÊNCIAS

1. Brasil. Portaria n° 224, de 29 de janeiro de 1992 da Secretaria Nacional de Assistência à Saúde do Ministério da Saúde (MS). Diário Oficial da União 1992; 30 jan.
2. Souza AR, Guljor APF, Silva JLL. Refletindo sobre os centros de atenção psicossocial. Av Enferm 2014; 32(2):292-298.
3. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: MS; 2012.
4. Santos EG, Siqueira MM. Prevalência dos transtornos mentais na população adulta brasileira: uma revisão sistemática de 1997 a 2009. J Bras Psiquiatr 2010; 59(3):238-246.
5. Hyman S, Chisholm D, Kessler R, Patel V, Whiteford H. Mental Disorders. In: Jamison DT, Breman JG, Measham AR, Alleyne G, Claeson M, Evans DB, Jha P, Mills A, Musgrove P. Disease Control Priorities in Developing Countries. Nova York: Oxford University Press; 2006. p.606.
6. Brasil. Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União 2013; maio 2013.
7. Tomasi E, Facchini LA, Piccini RX, Thumé E, Silva RA, Gonçalves H, Silva SM. Efetividade dos centros de atenção psicossocial no cuidado a portadores de sofrimento psíquico em cidade de porte médio do Sul do Brasil: uma análise estratificada. Cad Saude Publica 2010; 26(4):807-815.
8. Henna ES, Abreu LC, Ferreira Neto ML, Reis AOA. Rede de atenção à saúde mental de base comunitária: a experiência de Santo André. Rev Bras Crescimento Desenvolv Hum 2008; 18(1):16-26.
9. Gastal FL, Leite SO, Fernandes FN, Borba AT, Kitamura CM, Binz MAR, Amaral MT. Reforma psiquiátrica no Rio Grande do Sul: uma análise histórica, econômica e do impacto da legislação de 1992. Rev Psiquiatr RS 2007; 29(1):119-129.
10. Morais MLS, Feffermann M, Fernandes M, Figueiredo R, Paula SHB, Venancio SI. Um estudo avaliativo das ações de saúde mental no estado de São Paulo. Saúde Debate 2009; 33(81):112-128.
11. Silva JPL. A desinstitucionalização e o processo de reformulação da assistência psiquiátrica no Rio de Janeiro no período 1995-2000: Monitoração de resultados de uma política pública utilizando dados de inquérito epidemiológico associados a registros administrativos [dissertação]. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2003.
12. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Saúde Mental em Dados ‐ 10, ano VII, nº 10. Informativo eletrônico. Brasília: MS; 2012.
13. Fagundes Júnior HM, Desviat M, Silva PRF. Reforma Psiquiátrica no Rio de Janeiro: situação atual e perspectivas futuras. Cien Saude Colet 2016; 21(5):1449-1460.
14. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Avaliação dos Hospitais Psiquiátricos no Âmbito do Sistema Único de Saúde: Ação Nacional - PT GM/MS nº 2.398/2011. Brasília: MS; 2011.
15. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Caderno de Diretrizes, Objetivos, Metas e Indicadores: 2013-2015. Brasília: MS; 2014.
16. Castro AS, Furegato ARF, Santos JLF. Características sociodemográficas e clínicas em reinternações psiquiátricas. Rev. Latino-Am. Enfermagem [periódico na Internet] 2010 jul-ago [acessado 2016 Dez 27];18(4):[09 telas]. Disponível em: .
17. Oliveira MSN, Pinto FJM, Aguiar JB, Sampaio RMM, Medeiros CRB. Perfil sociodemográfico e clínico de pacientes em internações psiquiátricas voluntárias e involuntárias. Rev Bras Promoç Saúde 2011; 24(4):361-366.
18. Silva JPL, Coutinho ESF, Amarante PD. Perfil demográfico e sócio-econômico da população de internos dos hospitais psiquiátricos da cidade do Rio de Janeiro. Cad Saude Publica 1999; 15(3):505-511.
19. Alves DSN, Silva PRF, Costa NR. Êxitos e desafios da reforma psiquiátrica no Brasil, 22 anos após a declaração de Caracas. Medwave [periódico na Internet] 2012 out [acessado 2016 Dez 27]. Disponível em:
20. Andreoli SB, Almeida-Filho N, Martin D, Mateus MDML, Mari JJ. É a reforma psiquiátrica uma estratégia para reduzir o orçamento da saúde mental? O caso Brasil. Rev Bras Psiquiatr 2007; 29(1):43-46.
21. Ribeiro JM, Moreira MR, Bastos FI, Dias AI, Fernandes FMB. Acesso aos serviços de atenção em álcool, crack e outras drogas – o caso do município do Rio de Janeiro, Brasil. Cien Saude Colet 2016; 21(1):71-81.
22. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Cadernos de Atenção Básica, n. 34. Brasília: MS; 2013.
23. Alfradique ME, Bonolo PF, Dourado I, Lima-Costa MF, Macinko J, Mendonça CS, Oliveira VB, Sampaio LFR, Simoni C, Turci MA. Internações por condições sensíveis à atenção primária: a construção da lista brasileira como ferramenta para medir o desempenho do sistema de saúde (Projeto ICSAP - Brasil). Cad Saude Publica 2009; 25(6):1337-1349.
24. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Cadernos de Atenção Básica, n. 39. Brasília: MS; 2014.