versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.104 no.5 São Paulo maio 2015 Epub 27-Fev-2015
https://doi.org/10.5935/abc.20150012
Não há estudos que tenham descrito e avaliado a associação entre hemodinâmica, limitações físicas e qualidade de vida em pacientes com hipertensão pulmonar (HP) sem doença cardiovascular ou respiratória concomitante.
Descrever o perfil hemodinâmico, a qualidade de vida e a capacidade física de pacientes com HP dos grupos I e IV e estudar a associação entre esses desfechos.
Estudo transversal em que foram incluídos pacientes com HP dos grupos clínicos I e IV e classes funcionais II e III, submetidos a avaliações hemodinâmica (cateterismo), de tolerância ao exercício e de qualidade de vida.
Foram avaliados 20 pacientes com idade média de 46,8±14,3 anos. Eles apresentaram pressão de encunhamento arterial pulmonar de 10,5±3,7 mmHg, distância percorrida no teste de caminhada de 6 minutos (DTC6M) de 463±78 m, consumo de oxigênio no pico do exercício de 12,9±4,3 mLO2.kg-1.min-1 e domínios de qualidade de vida com escores < 60%. Houve associação entre índice cardíaco (IC) e equivalente ventilatório de CO2 (r=-0,59; p<0,01), IC e equivalente ventilatório de oxigênio (r=-0,49; p<0,05), pressão atrial direita (PAD) e domínio 'estado geral de saúde' (r=-0,61; p<0,01), PAD e DTC6M (r=-0,49; p<0,05), resistência vascular pulmonar (RVP) e domínio 'capacidade funcional' (r=-0,56; p<0,01), RVP e DTC6M (r=-0,49, p<0,05) e índice de RVP e capacidade física (r=-0,51; p<0,01).
Pacientes com HP dos grupos I e IV e classes funcionais II e III apresentam redução da capacidade física e dos componentes físico e mental de qualidade de vida. As variáveis hemodinâmicas IC, pressão arterial pulmonar diastólica, PAD, RVP e índice de RVP associam-se com a tolerância ao exercício e domínios da qualidade de vida.
Palavras-Chave: Hipertensão Pulmonar; Doença Cardiopulmonar; Qualidade de Vida; Hemodinâmica / fisiopatologia
No studies have described and evaluated the association between hemodynamics, physical limitations and quality of life in patients with pulmonary hypertension (PH) without concomitant cardiovascular or respiratory disease.
To describe the hemodynamic profile, quality of life and physical capacity of patients with PH from groups I and IV and to study the association between these outcomes.
Cross-sectional study of patients with PH from clinical groups I and IV and functional classes II and III undergoing the following assessments: hemodynamics, exercise tolerance and quality of life.
This study assessed 20 patients with a mean age of 46.8 ± 14.3 years. They had pulmonary capillary wedge pressure of 10.5 ± 3.7 mm Hg, 6-minute walk distance test (6MWDT) of 463 ± 78 m, oxygen consumption at peak exercise of 12.9 ± 4.3 mLO2.kg-1.min-1 and scores of quality of life domains < 60%. There were associations between cardiac index (CI) and ventilatory equivalent for CO2 (r=-0.59, p <0.01), IC and ventilatory equivalent for oxygen (r=-0.49, p<0.05), right atrial pressure (RAP) and 'general health perception' domain (r=-0.61, p<0.01), RAP and 6MWTD (r=-0.49, p<0.05), pulmonary vascular resistance (PVR) and 'physical functioning' domain (r=-0.56, p<0.01), PVR and 6MWTD (r=-0.49, p<0.05) and PVR index and physical capacity (r=-0.51, p<0.01).
Patients with PH from groups I and IV and functional classes II and III exhibit a reduction in physical capacity and in the physical and mental components of quality of life. The hemodynamic variables CI, diastolic pulmonary arterial pressure, RAP, PVR and PVR index are associated with exercise tolerance and quality of life domains.
Key words: Hypertension, Pulmonary; Pulmonary Heart Disease; Quality of Life; Hemodynamics / physiopathology
No acompanhamento de pacientes com hipertensão pulmonar (HP), diversos aspectos são norteadores de decisões terapêuticas e determinantes do prognóstico, incluindo evidências clínicas de insuficiência cardíaca direita, progressão de sinais e sintomas, ocorrência de síncope, mudanças na classe funcional, na capacidade física e na qualidade de vida (QV), achados ecocardiográficos e alterações hemodinâmicas1 - 4.
As limitações físicas na HP são motivo de grande interesse clínico e investigativo, sendo utilizadas como marcadores da evolução da doença na vigência de determinado tratamento ou conduta específica5 - 9. Além disso, foi demonstrado que a capacidade física é um dos fatores determinantes da QV de pacientes com HP. Por sofrer influência de vários aspectos relacionados à doença, a avaliação da QV também tem sido recomendada para o acompanhamento de pacientes com HP. Além de ser considerada um dos desfechos mais importantes para avaliação do impacto da terapia farmacológica, a avaliação da QV retrata a autopercepção quanto ao tratamento, avaliada no contexto sociocultural, considerando os objetivos, expectativas e comportamentos individuais4.
Uma vez que poucos estudos avaliaram a associação entre a capacidade física e a QV de pacientes com HP e que o quadro clínico desses pacientes pode variar de acordo com a etiologia e a gravidade da doença, o presente estudo justificou-se pela necessidade de aprofundar o conhecimento sobre esses aspectos em grupos e classes funcionais específicos. Dessa forma evitou-se a influência de outras doenças que provocam HP e a interferência dos extremos das classes funcionais na capacidade física e na QV. Sendo assim, o objetivo deste estudo foi avaliar as associações entre hemodinâmica, capacidade física e QV de pacientes com HP dos grupos clínicos I e IV10 e classes funcionais II e III (OMS/HP), acompanhados em um ambulatório de referência no estado do Rio de Janeiro.
Estudo observacional do tipo transversal, incluindo uma amostra de conveniência de pacientes recrutados no ambulatório de Hipertensão Pulmonar do Serviço de Pneumologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, de acordo com os seguintes critérios de inclusão: pacientes com diagnóstico de HP, sem doença cardiovascular e/ou pulmonar concomitante (pertencentes aos grupos I ou IV)10, apresentando classe funcional II ou III (OMS/HP), com estabilidade clínica e hemodinâmica. Além disso, esses pacientes deveriam estar em tratamento farmacológico para HP (específico ou não) por pelo menos três meses consecutivos com o mesmo fármaco e ter 17 ou mais anos de idade.
Os critérios de exclusão foram: pacientes com histórico de angina instável e infarto miocárdico no mês anterior à avaliação; lesão musculoesquelética que limitasse a realização dos testes de avaliação física; comorbidades que pudessem provocar dispneia durante o esforço; angina estável, arritmias graves ou falência aguda do ventrículo direito com alteração das seguintes variáveis em repouso: frequência cardíaca (FC) ≥ 120 bpm, pressão arterial sistólica (PAS) ≥ 180 mmHg; pressão arterial diastólica (PADiast) ≥ 110 mmHg.
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob o número 033/2011. Todos os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) antes do início de sua participação no estudo.
Todos os pacientes foram submetidos ao cateterismo cardíaco direito no Setor de Hemodinâmica do HUCFF. Os dados obtidos foram: pressão arterial pulmonar sistólica (PAPs), pressão arterial pulmonar diastólica (PAPd), pressão atrial direita (PAD), índice cardíaco (IC), débito cardíaco (DC), resistência vascular pulmonar (RVP), índice de resistência vascular pulmonar (IRVP), pressão arterial pulmonar média (PAPm). A pressão arterial sistêmica foi aferida de acordo com as recomendações da Sociedade Brasileira de Cardiologia11.
O teste de caminhada de 6 minutos (TC6M) foi realizado no Serviço de Fisioterapia do HUCFF, com monitorização da pressão arterial, FC, escala modificada de BORG e saturação de oxigênio (SpO2), em um corredor de 50 m, plano, com distâncias demarcadas metro a metro, seguindo as recomendações da American Thoracic Society 12. Os dados coletados previamente, referentes a idade, sexo, altura e peso, foram utilizados para cálculo do valor previsto da distância percorrida no teste13. Foram realizados no mínimo dois testes, respeitando-se um período mínimo de 30 minutos entre eles, até o retorno às medidas basais de repouso, sendo considerado para análise o melhor resultado do exame12. Os dados utilizados foram: distância percorrida, SpO2 em repouso e aos 6 minutos, dessaturação durante o teste, FC, pressão arterial sistêmica sistólica e diastólica em repouso e aos 6 minutos e nível de dispneia em repouso e aos 6 minutos.
O teste de exercício cardiopulmonar (ergoespirometria) foi realizado no Laboratório de Ergoespirometria e Cineantropometria (LErC) da Escola de Educação Física e Desporto da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em esteira rolante (ECAFIX EG700.2 - Brasil), com utilização do protocolo de Naugthon e análise dos gases expirados por meio do equipamento VO2000 (Inbrasport Ltda, RS, Brasil). Foram considerados os seguintes critérios para interrupção do teste: dor torácica importante; palidez e sudorese fria; desorientação e perda da coordenação; tonturas e pré‑lipotimia; dispneia intolerável; cianose; depressão significante do segmento ST; inversão de ondas T e surgimento de onda Q; ectopia ventricular progressiva e multiforme; aparecimento de onda R sobre onda T; salvas de três ou mais extrassístoles ventriculares; taquicardia paroxística ventricular; bloqueio atrioventricular de segundo ou terceiro grau; PAS > 250 mmHg; PADiast > 120 mmHg; padrão de bloqueio de ramo esquerdo; insuficiência cronotrópica intensa; taquicardia supraventricular sustentada; SpO2 < 80%; claudicação sintomática; e solicitação do paciente14. Para interpretação dos resultados foram utilizadas as equações para preditos brasileiros descritas por Neder e cols.15. Os dados avaliados foram: pico de consumo de oxigênio (VO2 pico), pico de FC e pressão arterial durante o teste, pulso de oxigênio (VO2 pico/FC), ventilação-minuto (VE), reserva ventilatória (RV), reserva da FC (RFC), equivalente ventilatório de gás carbônico (VE/VCO2), equivalente ventilatório de oxigênio (VE/VO2) e coeficiente respiratório (RER).
A QV foi avaliada por meio do Questionário de Qualidade de Vida Relacionada à Saúde Short-Form 36 (SF-36)16, composto por 36 itens que avaliam oito domínios (capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental) e dois componentes (físico e mental). Os resultados de cada item variam de 0 a 100, sendo 0 equivalente ao maior comprometimento e 100, a nenhum comprometimento. Os sujeitos da pesquisa receberam as devidas instruções pelo entrevistador, respondendo às 11 questões relacionadas aos oito diferentes domínios de QV, pontuando-os de acordo com a escala definida em cada questão. As medidas dos escores e a análise dos resultados foram estritamente seguidas de acordo com as Diretrizes de Pontuação do Questionário SF-36 e Cálculo dos escores para o Questionário SF-3616. O questionário foi aplicado aos pacientes incluídos no estudo no mesmo dia e precedendo a realização do TC6M.
A coleta de dados foi realizada em dois dias não consecutivos, no prazo máximo de duas semanas. No primeiro dia, foi realizada anamnese e apresentado o TCLE, aplicado o questionário de QV SF-36 e realizado o TC6M. A ergoespirometria foi realizada no segundo dia de avaliação.
Todas as análises foram realizadas utilizando-se o programa Sigmastat 3.1 (SYSTAT Software Inc., Point Richmond, CA, EUA). A distribuição das variáveis foi analisada por meio do teste de Shapiro-Wilk e os resultados foram apresentados por média e desvio padrão ou mediana e máximo-mínimo. As medidas de associação entre variáveis foram analisadas por meio dos testes de correlação de Spearman ou Pearson. As correlações foram consideradas significativas quando p<0,05.
Foram avaliados 20 pacientes (13 mulheres) apresentando média de idade de 46,8 ± 14,3 anos, estatura média de 162 ± 69 cm, peso médio de 73,4 ± 15,0 kg e índice de massa corporal (IMC) médio de 27,7 ± 5,2 kg/m2. A caracterização hemodinâmica da amostra está demonstrada na Tabela 1.
Tabela 1 Hemodynamic characterization
Características hemodinâmicas | Média (DP) |
---|---|
PAPm (mmHg) | 51 ± 9,11 |
PAPs (mmHg) | 82,4 ± 19,9 |
PAPd (mmHg) | 30,5 ± 7,44 |
PAD (mmHg) | 10,1 ± 5,21 |
DC (L/min) | 4,1 ± 1,18 |
RVP (dyn,s/cm5) | 839,9 ± 327,6 |
PCAP (mmHg) | 10,5 ± 3,72 |
IC (l/min/m2) | 2,31 ± 0,52 |
IRVP (dyn,s/cm5,m2) | 1568,2 ± 639,0 |
FC repouso (bpm) | 76,6 ± 12,6 |
PAS (mmHg) | 115 ± 17,6 |
PADiast (mmHg) | 75,7 ± 9,21 |
DP: desvio padrão; PAPm: pressão arterial pulmonar média; PAPs: pressão arterial pulmonar sistólica; PAPd: pressão arterial pulmonar diastólica; PAD: pressão atrial direita; DC: débito cardíaco. RVP: resistência vascular pulmonar; PCAP: pressão capilar da artéria pulmonar; IC: índice cardíaco; IRVP: índice de resistência vascular pulmonar; FC: frequência cardíaca; PAS: pressão arterial sistêmica sistólica em repouso; PADiast: pressão arterial sistêmica diastólica em repouso.
Os pacientes que estavam em tratamento com medicamento específico para HP por pelo menos três meses corresponderam a 55% da amostra (11 pacientes), dos quais 35% (6 pacientes) utilizavam Sildenafila (inibidor da fosfodiesterase tipo 5) e 25% (5 pacientes) utilizavam Bosentana (antagonista do receptor da endotelina). Quanto à classificação funcional (OMS/HP), 80% dos pacientes pertenciam à classe II (6M/11F) e 20% à classe III (2M/2F). Considerando a caracterização clínica, 65% pertenciam ao grupo I (3M/10F) e 35% ao grupo IV (4M/3F).
A Tabela 2 apresenta as médias dos valores obtidos na avaliação da capacidade física, considerando-se a ergoespirometria e o TC6M, assim como a média dos valores preditos17 , 18.
Tabela 2 Avaliação da capacidade física
Características | Média ± DP dos valores obtidos | Média ± DP dos valores preditos % |
---|---|---|
Distância no TC6M (m) | 463 ± 78 | 83 ± 11 |
VO2pico (mLO2.kg-1.min-1) | 12,9 ± 4,30 | 52,7 ± 22,5 |
VE/VCO2 | 41,5 ± 10 | 88,1 ± 23,6 |
VE/VO2 | 43,7 ± 16 | 80,5 ± 34,6 |
VO2/FC | 13,8 ± 3,6 | 77,3 ± 17,6 |
RFC (bpm) | 43,8 ± 26,1 | 47,2 ± 14,3 |
RV (L) | 54,1 ± 25,6 | 41,3 ± 16,6 |
RER | 1,07 ± 0,31 | ** |
PAS (mmHg) | 148,7 ± 15,3 | ** |
DP: desvio padrão; TC6M: teste de caminhada dos 6 minutos (predito: Pereira, 2011); VO2pico: pico de consumo de oxigênio; VE/VCO2: equivalente ventilatório de gás carbônico; VE/VO2: equivalente ventilatório de oxigênio; VO2/FC: pulso de oxigênio; RFC: reserva de frequência cardíaca; RV: reserva ventilatória (predito: Neder, 1999); RER: coeficiente respiratório; PAS: pressão arterial sistêmica sistólica máxima durante a ergoespirometria;
**não há valores preditos descritos.
Os escores obtidos na avaliação da QV estão dispostos na Tabela 3.
Tabela 3 Escala dos domínios e componentes da Qualidade de Vida (SF-36)*
Domínios | Mediana (Máx – Mín) |
---|---|
Capacidade funcional | 30 (80 – 5) |
Limitação por aspectos físicos | 0 (100 – 0) |
Dor | 43.5 (100 – 20) |
Estado geral de saúde | 53,5 (95 – 15) |
Vitalidade | 45 (75 – 10) |
Aspectos sociais | 50 (100 -12.5) |
Limitação por aspectos emocionais | 0 (100 – 0) |
Saúde mental | 48 (100 – 20) |
Componente Físico | 39,6 (76,2 – 19,2) |
Componente Mental | 40,7 (78 – 19,6) |
*os domínios e componentes são avaliados em escala percentual variável de 0 a 100.
Ao analisar as medidas de capacidade física e as medidas de QV no grupo estudado, foram encontradas apenas as associações apresentadas na Figura 1. As correlações entre as variáveis hemodinâmicas, as medidas de capacidade física e os domínios e componentes da QV estão dispostos na Tabela 4.
Figura 1 Associações entre os domínios do questionário de qualidade de vida SF-36 e variáveis funcionais de pacientes com hipertensão pulmonar. TC6M: distância percorrida no teste de caminhada de 6 minutos, VO2pico: consumo de oxigênio no pico de exercício, VE/VCO2: relação volume minuto-produção de CO2.
Tabela 4 Correlação entre hemodinâmica, capacidade física e qualidade de vida de pacientes com hipertensão pulmonar
Qualidade de vida | Capacidade física | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
CF | CM | EGS | TC6M | VE/VCO2 | VE/VO2 | |
IC | 0,28 | 0,34 | 0,008 | 0,12 | -0,59** | -0,49* |
PAPd | -0,06 | -0,54 | -0,26 | -0,02 | 0,15 | 0,15 |
PAD | -0,33 | -0,16 | -0,61** | -0,49* | 0,11 | 0,13 |
RVP | -0,56** | -0,30 | -0,12 | -0,49* | 0,35 | 0,02 |
IRVP | -0,42 | -0,43 | -0,37 | -0,40 | -0,51** | 0,20 |
IC: índice cardíaco; PAPd: pressão arterial pulmonar diastólica; PAD: pressão atrial direita; RVP: resistência vascular pulmonar; IRVP: índice de resistência vascular pulmonar; CF: componente físico; CM: componente mental; EGS: estado geral de saúde; TC6M: teste da caminhada dos seis minutos; VE/VCO2: equivalente ventilatório de gás carbônico; VE/VO2: equivalente ventilatório de oxigênio. As associações foram testadas por meio do teste de correlação de Pearson ou de Spearman.
*p<0,05;
**p<0,01.
O grupo de pacientes com HP estudado apresentou limitação da capacidade física, evidenciada principalmente pelo reduzido VO2pico (52,7% do predito) e impacto na QV, tanto no componente físico quanto mental (Tabela 3). Diferentemente de outros estudos transversais incluindo pacientes com HP, os indivíduos avaliados no presente estudo foram restritos aos grupos diagnósticos I e IV, e às classes funcionais II e III, evitando influência de outras doenças que também provocam HP e a interferência dos extremos das classes funcionais na capacidade física e QV.
Taichman e cols.6 não encontraram nenhuma associação entre QV, TC6M e variáveis hemodinâmicas, o que difere dos nossos resultados provavelmente por não terem avaliado pacientes do grupo IV, além de terem incluído um pequeno número de pacientes com classe funcional I.
Em 2008, Zlupko e cols.24 apresentaram correlação entre a PAD e o componente físico (p=0,05; r=0,29) e o valor total referido de QV (p=0,01; r=0,36). Associações entre PAD e os domínios 'capacidade física' (p<0,01; r=-0,40), 'limitação por aspectos físicos' (p<0,05; r=-0,27) e 'estado geral de saúde' (p<0,05; r=-0,29) foram observadas por Halank e cols.5. Ambos os estudos corroboram nossos resultados, ratificando a importante associação entre elevada PAD e redução no componente físico da QV.
As associações observadas no nosso estudo entre o TC6M e as variáveis hemodinâmicas (PAD e RVP), p<0,05; r=-0,49] aproximam-se dos resultados encontrados por Miyamoto e cols.19 em pacientes com HP idiopática, onde o TC6M correlacionou-se de forma significativa com DC, PAD e RVP (p < 0,001), mas não apresentou a mesma correlação com os valores de PAPm.
Apresentamos novas correlações obtidas entre variáveis hemodinâmicas e físicas, como: IC versus V'E/V'CO2 e V'E/V'O2 (p < 0,01; r = -0,59 e p < 0,05; r = -0,49) e IRVP versus V'E/V'CO2 (p < 0,01; r = -0,51), indicativos do prejuízo na capacidade física provocado pela HP.
Também foi observada a inédita associação entre a RVP e o componente físico (p < 0,01; r = -0,56), sugerindo que os pacientes com menores RVP apresentam uma melhor QV no aspecto físico. Esse achado pode justificar o uso da terapia vasodilatadora para melhora sintomática dos pacientes com HP.
Distâncias percorridas menores que 332 m19 ou 250 m17 e dessaturação maior do que 10% foram relatadas como indicativas de pior prognóstico associado à HP. Valores absolutos acima de 380 m durante três meses de tratamento com prostanoides foram correlacionados com maior sobrevida1.
Em nosso estudo, os pacientes apresentaram média de distância percorrida no TC6M acima do limiar apontado pela literatura como pior prognóstico (463 ± 78 m).
Grünig e cols.20 obtiveram média de 440 ± 90 m no TC6M durante a avaliação inicial de 58 pacientes; entretanto, quatro deles pertenciam à classe funcional IV. O grupo estudado por Halank e cols.5 apresentou média de 343,8 ± 114 m, mas também incluiu quatro pacientes naquela classe funcional.
Cicero e cols.18 avaliaram 34 pacientes de classe funcional II e III, que apresentaram inicialmente mediana de 399 (117-564) m de distância percorrida; entretanto, não havia entre seus pacientes indivíduos classificados no grupo IV.
Segundo Sun e cols.21, a ergoespirometria pode ser realizada com segurança nos pacientes com HP, e os resultados obtidos por esse método ampliam as possibilidades de análise prognóstica. O grupo estudado apresentou VO2pico < 60% durante o exercício, equivalentes ventilatórios (V'E/V'O2 e V'E/V'CO2) < 55 L/L e parâmetros de reserva cardiopulmonar (RFC e RV) extremamente variáveis, sem associação com outras variáveis hemodinâmicas ou de QV.
Cinco pacientes estudados não atingiram o limiar anaeróbio e aqueles que o fizeram, apresentaram baixos valores de VO2pico e VO2pico /FC, sem significativa alteração na oximetria e com substancial RV. Dessa forma, classificamos como principal fator da limitação física do grupo estudado o descondicionamento físico (18 pacientes). Dos demais pacientes, um apresentou origem cardiogênica (VO2pico /FC < 50%) e o outro, origem pulmonar (RV < 11L). Esses resultados sugerem que os pacientes de nossa amostra poderiam se beneficiar de um programa de condicionamento físico para melhorar sua capacidade física.
Wensel e cols.22 relataram que a capacidade física de pacientes com HP diminui em relação à gravidade da doença, e identificaram o VO2pico < 10,4 mL O2.kg-1.min-1 e o pico de PAS durante o exercício < 120 mmHg como preditores de mau prognóstico na HP.
Considerando os limites apresentados por Wensel e cols.22 e os resultados de Sun e cols.21, sete pacientes de nosso estudo apresentaram VO2pico inferior ao valor associado a um pior prognóstico (média 12,9 ± 4,3 mLO2.kg-1.min-1) e apenas um paciente apresentou valor de PAS no pico do exercício igual a 120 mmHg (média 148,7 ± 15,3 mmHg).
Os pacientes estudados por Grünig e cols.20 e Halank e cols.5 também foram submetidos à ergoespirometria e apresentaram valores médios de VO2pico de 12,5±3,0 e 13,0±4,2 mLO2.kg-1.min-1, respectivamente. Não foram apresentados outros dados que pudessem avaliar o prognóstico, como a PAS no pico do exercício, ou dados detalhados da ergoespirometria que permitissem identificar o motivo da limitação física.
Uma vez que a relação VE/VCO2 tem sido utilizada como indicador de eficiência ventilatória, seu aumento está associado à piora da dispneia e da hemodinâmica pulmonar14 , 23. Conforme os resultados obtidos, o grupo estudado possui média de VE/VCO2 > 30, indicando maior gravidade em doença crônica como a HP, além de apresentar associação com variáveis hemodinâmicas (IC e IRVP) e de QV (domínio vitalidade).
Na avaliação da QV, observamos reduzidos valores percebidos pelos pacientes e utilizamos um questionário genérico (SF-36) em função da falta de um específico para HP validado na língua portuguesa18.
Zlupko e cols.24 encontraram associação significativa entre o SF-36 e o Minnesota Living with Heart Failure Questionnaire (MLHFQ) adaptado para HP (MLHF-HP), apesar das considerações apresentadas por Rubenfire e cols.9 em revisão da literatura, que indicou a incapacidade dos questionários não específicos em refletir o estado clínico ou o prognóstico na HP.
Chen e cols.8 avaliaram a QV aos 6, 12 e 24 meses de acompanhamento clínico, utilizando três questionários distintos: SF 36, Airways Questionnaire 20 (AQ 20) e MLHFQ. Os autores constataram correlação significativa entre os questionários (p < 0,01) e dos mesmos com classe funcional (p < 0,001), TC6M (p < 0,002) e escala de Borg (p < 0,001), considerando-os ferramentas apropriadas para avaliação da QV na HP.
Em 2013, Twiss e cols.3 identificaram critérios psicométricos adequados entre os domínios 'capacidade funcional' e 'estado geral de saúde' do SF-36 quando correlacionado a um questionário específico para HP (Cambridge Pulmonary Hypertension Outcome Review - CAMPHOR).
Os indivíduos avaliados neste trabalho com melhor desempenho no TC6M foram os que obtiveram melhores resultados na avaliação do componente físico (p = 0,006; r = 0,58) e no domínio 'estado geral de saúde' do SF-36 (p = 0,011; r = 0,552). Além disso, os que obtiveram pior avaliação do domínio 'saúde mental' foram os com VO2pico mais baixo (p = 0,035; r = 0,473), indicando um possível efeito psíquico nos pacientes com menor capacidade física.
Resultados semelhantes foram obtidos por Taichman e cols.6, apresentando associação entre TC6M e o componente físico do SF-36 (p<0,001; r=0,62) e por Halank e cols.5, que relataram que todos os domínios do questionário se associaram à distância percorrida, principalmente o 'estado geral de saúde' (p<0,01; r=0,47) e a 'capacidade funcional' (p<0,01; r=0,73).
Nesse último estudo, com exceção do domínio 'saúde mental' (p=0,207), todos os demais associaram-se com VO2pico (p<0,01), exatamente o inverso dos nossos achados, provavelmente devido à diferente característica da amostra, com 80% dos pacientes com classe funcional III e IV.
Cicero e cols.18 também identificaram associação entre o domínio 'capacidade funcional' e a distância percorrida no TC6M na avaliação inicial (p = 0,01; r = 0,44) de um grupo submetido a acompanhamento clínico durante 12 meses.
Este estudo apresentou algumas limitações. Não foram avaliados os níveis de atividade física da vida diária dos pacientes, impedindo a determinação de quanto a capacidade física influencia nas atividades da vida diária ou vice-versa. A observação de variáveis de troca gasosa durante os testes, pela análise do sangue arterial, também adicionaria importantes informações ao estudo. Apesar da seleção criteriosa, a amostra reduzida (20 pacientes) e a ausência de um grupo controle também devem ser consideradas, principalmente ao analisarmos resultados muito heterogêneos em algumas variáveis.
Estudos com maior número de pacientes investigados e mantendo a especificidades de cada grupo devem complementar os dados obtidos até o presente, assim como o desenvolvimento e aplicação de métodos específicos para avaliação da QV de pacientes com HP, entendendo suas particularidades inerentes à doença.
Pacientes com HP dos grupos I e IV e classes funcionais II e III apresentam redução da capacidade física e dos aspectos físicos e mentais da QV. As variáveis hemodinâmicas IC, PAPd, PAD, RVP e IRVP associam-se com a tolerância ao exercício e domínios da QV.