versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.27 no.2 São Paulo mar./abr. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20152013088
Promoção da saúde é o processo que visa aumentar a capacidade dos indivíduos e das comunidades para controle e melhoria da própria saúde, sendo imprescindível para a construção de uma cultura de valorização do bem-estar, do autocuidado e da qualidade de vida( 1 ). Existem diversas teorias de promoção de saúde e a maioria vem das ciências comportamentais e das sociais, porque a prática tem o foco no comportamento dos indivíduos e na forma como é organizada a sociedade( 2 ). As teorias mais utilizadas, entre 2000 e 2005, em ordem decrescente, foram o Modelo Transteórico, a Teoria Social Cognitiva e o Modelo de Crenças em Saúde( 3 ).
O Modelo Transteórico, ou Modelo de Fases de Mudança, surgiu no final da década de 1970 e trabalha com o conceito de estágios de mudança para integrar processos e princípios de mudança provenientes das principais teorias de intervenção( 4 - 6 ). O Modelo Transteórico pode ser considerado um importante instrumento de auxílio para compreender a mudança comportamental relacionada à saúde( 4 ).
Utilizando o construto do Modelo Transteórico, foram criadas escalas para a mensuração dos estágios motivacionais, dentre elas a University Rhode Island Change Assessment (URICA). Trata-se de uma medida de autorrelato do tipo escalar empregada de forma genérica para todos os tipos de problemas(5,7) e está baseada nos estágios de mudança contendo quatro subescalas: pré-contemplação, contemplação, ação e manutenção (Quadro 1). As duas primeiras etapas descrevem o desenvolvimento da intenção de agir, enquanto as duas últimas etapas descrevem o processo de colocar em prática a intenção de mudar( 8 ).
É importante ter em mente que não se pode analisar esse modelo como linear e estático, porque as pessoas não passam pelas fases de forma sequencial, tanto podem saltá-las como também ter recaídas, entrando e saindo dos estágios( 9 ), o que leva a uma evolução dinâmica, delineando uma espiral. A recaída é normal e prevista quando se busca uma mudança de comportamento por longo prazo( 5 ).
No Brasil, já existe uma versão adaptada da URICA para pessoas com disfonia cujo questionário contém 32 itens( 7 ). A utilidade clínica e em pesquisa da URICA é inquestionável( 10 ), pois auxilia na compreensão da motivação do indivíduo sobre sua capacidade de mudança comporta-mental relacionada à saúde( 4 ).
Entre os profissionais da voz, a categoria dos professores é a mais vulnerável para o aparecimento de disfonia( 11 ). Portanto, a percepção que o professor tem sobre o seu problema de voz pode ser uma ferramenta importante para a detecção precoce de problemas vocais( 12 ). Além do mais, o fonoaudiólogo deve valorizar as necessidades do paciente considerando sua própria perspectiva, para isso é essencial ter conhecimento dos dados sociodemográficos, características individuais, crenças e valores( 13 ).
Estudos relacionando o Modelo Transteórico aos distúrbios fonoaudiológicos ainda são escassos, o que demonstra a importância de novas pesquisas. Neste sentido, o objetivo deste estudo foi verificar a prontidão para mudança comportamental das professoras da rede municipal de ensino de Montes Claros, Minas Gerais, com queixa de disfonia e a associação com as variáveis sociodemográficas, econômicas, ocupacionais, estilo de vida, saúde geral e demais fatores relacionados à voz.
Este estudo epidemiológico, transversal, analítico foi conduzido em Montes Claros, norte do estado de Minas Gerais, Brasil. A cidade possui cerca de 370 mil habitantes e representa o principal pólo urbano regional. A população alvo foi constituída de professoras dos cinco primeiros anos do ensino fundamental das escolas municipais. Conforme dados da Secretaria Municipal da Educação, a rede é composta por 640 professores.
Inicialmente procedeu-se o cálculo amostral, por amostragem aleatória simples, para estimar a prevalência de alteração vocal. Nesse cálculo, assumiu-se um nível de confiança de 99%, com precisão de 5% e uma prevalência estimada de alteração vocal autorreferida de 11,6%( 11 ), concluindo ser necessário alocar 196 docentes da rede municipal, já considerando as possíveis perdas. Foram excluídos os professores do gênero masculino devido ao pequeno número e pelas diferenças anatomofuncionais da laringe. As professoras fora da docência e as de educação física também foram excluídas.
A coleta de dados ocorreu por meio de visitas às escolas. Durante o horário do recreio as professoras foram informadas sobre a pesquisa e o caráter voluntário e sigiloso da participação. O questionário estruturado e autoaplicado foi entregue em envelope individual às professoras sorteadas e uma data foi marcada para recolhê-lo e esclarecer possíveis dúvidas. Aquelas com queixas vocais foram orientadas para preencher o questionário URICA-VOZ.
Foi utilizada a versão adaptada do questionário URICA-VOZ com 32 itens, cujas perguntas referentes aos estágios (pré-contemplação, contemplação, ação e manutenção) apresentam possibilidades de respostas em escala do tipoLikert de cinco pontos, de acordo com o que é proposto pela Healthy and Addictive Behaviors: Investigating Transtheorical Solutions (HABITS) da University of Maryland,Baltimore County ( 14 ). Conforme recomendado, foi realizada a somatória simples das afirmações correspondentes a cada estágio de mudança dividido pelo número de questões e, posteriormente, foram somados os resultados dos estágios de contemplação, ação e manutenção e subtraiu-se pelo resultado do estágio de pré-contemplação. A pontuação menor ou igual a 8,0 indica que o indivíduo se encontra no estágio de pré-contemplação; de 8,1 a 11,0, no da contemplação; de 11,1 a 14,0, no da ação; e igual ou maior do que 14,1, no estágio da manutenção( 7 , 14 ).
Como variável dependente foi considerado o resultado do questionário URICA-VOZ, dicotomizado em pré-contemplação e contemplação.
As variáveis independentes foram alocadas em blocos:
Bloco 1 - Dados sociodemográficos e econômico: idade, escolaridade, estado civil, número de filhos, renda;
Bloco 2 - Dados ocupacionais: tempo de docência, turnos que leciona, número médio de alunos por sala, percepção de ruído na sala de aula, na escola, fora da escola, ventilação;
Bloco 3 - Estilo de vida: hidratação durante as aulas, quantidade de água ingerida por dia, ingestão de suco de frutas, quantidade de suco por dia, atividade física, frequência de bebidas alcoólicas, doses alcoólicas ao beber, tabagismo;
Bloco 4 - Saúde: tratamento para refluxo gastroesofágico, diagnóstico médico de alergia respiratória, percepção de problema respiratório, uso de medicamento para doenças (hipertensão arterial, diabetes, depressão ou ansiedade, alteração do sono, reumatismo, outros);
Bloco 5 - Voz: alterações na voz (rouquidão, garganta seca, cansaço ao falar, presença de pigarro, falha na voz, esforço vocal, dor ao falar, ardor na garganta, outras), uso da voz no dia-a-dia, afastamento do trabalho por problema vocal, inadimplência devido à voz;
Bloco 6 - Assistência à saúde: consulta médica devido a problema de voz e tratamento fonoaudiológico.
Para o tratamento estatístico foi utilizado o aplicativo Predictive Analytics SoftWare (PASW(r) STATISTIC) versão 18.0. Procedeu-se à análise bivariada por meio do teste do χ2 entre todas as variáveis independentes dicotomizadas e a variável desfecho. Aquelas que apresentaram nível descritivo p≤0,20 foram selecionadas para a análise de regressão logística que identificou as variáveis associadas com a maior prontidão para mudança.
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) sob o número 2889/11. Todas as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes de responderem ao questionário.
Em um primeiro momento foi verificada a prevalência de problemas vocais autorreferidos. Responderam ao questionário 226 professoras e 61,1% relataram possuir problema de voz. Das 138 que responderam afirmativamente, 58,0% possuiam uma alteração com início até 3 semanas (problema agudo) e 42,0%, uma alteração há mais de 3 semanas (problema crônico). Conforme o guidelineda American Academy of Otolaryngology-Head and Neck Surgery Foundation ( 15 ), alterações agudas são aquelas com duração igual ou inferior a três semanas.
A idade das 138 participantes deste estudo variou entre 26 e 54 anos, com média de 41,4 anos, com desvio padrão (DP) de 5,6. O número de filhos variou de 0 a 5, sendo a média igual a 1,9 (DP±1,1). Quanto ao número de pessoas na casa, houve uma variação de 1 a 10 com média de 4,0 (DP±1,3). O tempo de docência variou de 1 ano e 6 meses a 29 anos, com média de 16 anos e 5 meses (DP±6 anos e 4 meses). O número mínimo de alunos em sala de aula foi 17 e o máximo, 40 alunos, sendo a média 25,9 (DP±4,0). As principais características do grupo estudado são apresentadas nas Tabelas 1 e 2.
Tabela 1. Dados sociodemográficos, econômicos, ocupacionais e estilo de vida das 138 professoras com problema vocal alocadas na rede municipal. Montes Claros, Minas Gerais, 2013
Variáveis | n | % |
---|---|---|
Idade (faixa etária) | ||
26–29 | 4 | 2,9 |
30–39 | 44 | 31,9 |
40–49 | 81 | 58,7 |
50–54 | 9 | 6,5 |
Estado civil | ||
Solteira | 20 | 14,5 |
Casada | 98 | 71,0 |
Separada | 17 | 12,3 |
Viúva | 3 | 2,2 |
Escolaridade | ||
Superior com pós-graduação | 62 | 44,9 |
Superior sem pós-graduação | 73 | 52,9 |
Ensino médio | 3 | 2,2 |
Número de filhos | ||
Nenhum | 20 | 14,5 |
Um ou mais | 118 | 85,5 |
Renda mensal da família | ||
≥R$ 2.500,00 | 44 | 31,9 |
<R$ 2.500,00 | 94 | 68,1 |
Tempo de docência | ||
≤16 anos | 48 | 34,8 |
>16 anos | 90 | 65,2 |
Número de alunos em sala de aula | ||
≤25 | 75 | 54,3 |
>25 | 63 | 45,7 |
Ruído em sala de aula | ||
Desprezível | 3 | 2,2 |
Tolerável | 88 | 63,8 |
Incomodativo | 44 | 31,8 |
Insuportável | 3 | 2,2 |
Ruído dentro da escola | ||
Desprezível | 7 | 5,1 |
Tolerável | 83 | 60,1 |
Incomodativo | 43 | 31,2 |
Insuportável | 5 | 3,6 |
Ruído fora da escola | ||
Desprezível | 46 | 33,3 |
Tolerável | 75 | 54,3 |
Incomodativo | 16 | 11,6 |
Insuportável | 1 | 0,8 |
Ventilação em sala de aula | ||
Satisfatória | 14 | 10,1 |
Razoável | 58 | 42,0 |
Precária | 46 | 33,3 |
Muito precária | 20 | 14,6 |
Ingere água durante às aulas | ||
Sim | 100 | 72,5 |
Não | 38 | 27,5 |
Quanto de água/dia | ||
4 ou mais copos | 75 | 54,3 |
1 a 3 copos | 63 | 45,7 |
Consumo de álcool | ||
Nunca | 67 | 48,6 |
Mensalmente ou menos | 37 | 26,8 |
2 a 4 vezes por mês | 29 | 21,0 |
2 a 3 vezes por semana | 5 | 3,6 |
Tabagismo | ||
Não fumante | 123 | 89,1 |
Ex-fumante | 10 | 7,2 |
Fumante atual | 5 | 3,6 |
Atividade Física | ||
Sim | 49 | 35,5 |
Não | 89 | 64,5 |
Tabela 2. Saúde e problemas vocais das 138 professoras com problema vocal alocadas na rede municipal. Montes Claros, Minas Gerais, 2013
Variáveis | n | % |
---|---|---|
Refluxo gastroesofágico | ||
Não | 127 | 92,0 |
Sim | 11 | 8,0 |
Diagnóstico médico de alergia respiratória | ||
Não | 89 | 64,5 |
Sim | 49 | 35,5 |
Percepção de problema respiratório | ||
Não | 75 | 54,3 |
Sim | 63 | 45,7 |
Uso de algum medicamento | ||
Não | 98 | 71,0 |
Sim | 40 | 29,0 |
Hipertensão | ||
Não | 123 | 89,1 |
Sim | 15 | 10,9 |
Diabetes | ||
Não | 137 | 99,3 |
Sim | 1 | 0,7 |
Alteração do sono | ||
Não | 129 | 93,5 |
Sim | 9 | 6,5 |
Rouquidão | ||
Não | 47 | 34,1 |
Sim | 91 | 65,9 |
Garganta seca | ||
Não | 61 | 44,2 |
Sim | 77 | 55,8 |
Cansaço ao falar | ||
Não | 66 | 47,8 |
Sim | 72 | 52,2 |
Presença de pigarro | ||
Não | 67 | 48,6 |
Sim | 71 | 51,4 |
Falha na voz | ||
Não | 86 | 62.3 |
Sim | 52 | 37,7 |
Esforço vocal | ||
Não | 98 | 71,0 |
Sim | 40 | 29,0 |
Dor ao falar | ||
Não | 129 | 93,5 |
Sim | 9 | 6,5 |
Sinais e sintomas vocais | ||
Menos de 4 sintomas | 75 | 54,3 |
4 ou mais sintomas | 63 | 45,7 |
Uso da voz no dia a dia | ||
Fala pouco | 1 | 0,7 |
Fala moderadamente | 13 | 9,4 |
Fala muito | 83 | 60,2 |
Fala demais | 41 | 29.7 |
Afastamento por problema vocal | ||
Não | 109 | 79,0 |
Sim | 29 | 21,0 |
Inadimplência devido à voz | ||
Não | 94 | 68,1 |
Sim | 44 | 31,9 |
Consulta médica devido à voz | ||
Não | 69 | 50,0 |
Sim | 69 | 50,0 |
Tratamento fonoaudiólogico | ||
Não | 108 | 78,3 |
Sim | 30 | 21,7 |
Em relação à distribuição das professoras segundo os estágios de prontidão para a mudança pela escala URICA-VOZ, 59,4% estavam no estágio da pré-contemplação; 37,0% no da contemplação; 3,6% no da ação; e nenhuma no estágio da manutenção. Pôde-se observar que o nível de prontidão para mudança variou de 1,4 a 12,5 pontos, sendo a média de 7,4 pontos (DP±2,1).
Considerando que apenas cinco professoras estavam no estágio da ação, essas foram excluídas para realização das demais análises estatísticas. As cinco relataram ter problema de voz há mais de um mês, sendo que três delas afirmaram ter procurado tratamento fonoaudiológico. Uma comentou não ter procurado o fonoaudiólogo, pois o único sintoma é o ardor na garganta e que acredita ser consequência do hipotireoidismo.
A variável desfecho foi considerada em duas categorias identificadas: pré-contemplação e contemplação. Foi verificado que 65,0% das professoras com problema agudo de voz estavam no estágio da pré-contemplação e 35,0% no estágio da contemplação; e entre aquelas com problema crônico de voz, 56,6% estavam no estágio da pré-contemplação e 43,4% no estágio da contemplação (p=0,330).
A análise bivariada entre as principais características do grupo e os dois estágios para a mudança comportamental pela escala URICA-VOZ está apresentada naTabela 3.
Tabela 3. Associação entre os estágios de pré-contemplação e contemplação pela escala URICA-Voz e as variáveis independentes
Variáveis | Estágios | Valor de p* | |
---|---|---|---|
Pré-contemplação n (%) | Contemplação n (%) | ||
Dados sociodemográficos, ocupacionais e econômicos | |||
Idade | |||
<40 anos | 28 (60,9) | 18 (39,1) | 0,892 |
≥40 anos | 54 (62,1) | 33 (37,9) | |
Estado civil | |||
Com companheiro | 59 (62,8) | 35 (37,2) | 0,682 |
Sem companheiro | 23 (59,0) | 16 (41,0) | |
Filhos | |||
Nenhum | 12 (60,0) | 8 (40,0) | 0,864 |
Um ou mais | 70 (61,9) | 43 (38,1) | |
Renda familiar | |||
≥R$ 2.500,00 | 24 (54,5) | 20 (45,5) | 0,236 |
<R$ 2.500,00 | 58 (65,2) | 31 (34,8) | |
Escolaridade | |||
Com pós-graduação | 37 (62,7) | 22 (37,3) | 0,823 |
Sem pós-graduação | 45 (60,8) | 29 (39,2) | |
Tempo de docência | |||
≤16 anos | 29 (63,0) | 17 (37,0) | 0,811 |
>16 anos | 53 (60,9) | 34 (39,1) | |
Número de alunos | |||
≤25 | 48 (65,8) | 25 (34,2) | 0,284 |
>25 | 34 (56,7) | 26 (43,3) | |
Ruídos em sala de aula | |||
Desprezível a tolerável | 58 (65,9) | 30 (34,1) | 0,158* |
Incomodativo a insuportável | 24 (53,3) | 21 (46,7) | |
Ruído fora da escola | |||
Desprezível a tolerável | 73 (61,3) | 46 (38,7) | 0,830 |
Incomodativo a insuportável | 9 (64,3) | 5 (35,7) | |
Ventilação em sala de aula | |||
Satisfatória a razoável | 48 (67,3) | 23 (32,4) | 0,131* |
Precária a muito precária | 34 (54,8) | 28 (45,2) | |
Estilo de vida | |||
Consumo de água/dia | |||
≥4 copos | 40 (55,6) | 32 (44,4) | 0,116* |
<4 copos | 42 (68,9) | 19 (31,1) | |
Tabagismo | |||
Não fumante | 69 (58,5) | 49 (41,5) | 0,034* |
Fumante/ex-fumante | 13 (86,7) | 2 (13,3) | |
Atividade física | |||
Sim | 28 (58,7) | 20 (41,7) | 0,554 |
Não | 54 (63,5) | 31 (36,5) | |
Saúde | |||
Refluxo gastroesofágico | |||
Não | 79 (64,8) | 43 (35,2) | 0,014* |
Sim | 3 (27,3) | 8 (72,7) | |
Diagnóstico médico de alergia respiratória | |||
Não | 57 (66,3) | 29 (33,7) | 0,138* |
Sim | 25 (53,2) | 22 (46,8) | |
Uso de algum medicamento | |||
Não | 65 (68,4) | 30 (31,6) | 0,011* |
Sim | 17 (44,7) | 21 (55,3) | |
Hipertensão | |||
Não | 77 (64,7) | 42 (35,3) | 0,035* |
Sim | 5 (35,7) | 9 (64,3) | |
Diabetes | |||
Não | 82 (62,1) | 50 (37,9) | 0,203 |
Sim | 0 (0,0) | 1 (100,0) | |
Alteração do sono | |||
Não | 79 (63,2) | 46 (36,8) | 0,147* |
Sim | 3 (37,5) | 5 (62,5) | |
Voz | |||
Rouquidão | |||
Não | 29 (63,0) | 17 (37,0) | 0,811 |
Sim | 53 (60,9) | 34 (39,1) | |
Falha na voz | |||
Não | 59 (69,4) | 26 (30,6) | 0,014* |
Sim | 31 (62,0) | 19 (38,0) | |
Presença de pigarro | |||
Não | 43 (68,3) | 20 (31,7) | 0,138* |
Sim | 39 (55,7) | 31 (44,3) | |
Cansaço ao falar | |||
Não | 43 (68,3) | 20 (31,7) | 0,138* |
Sim | 39 (55,7) | 31 (44,3) | |
Esforço vocal | |||
Não | 63 (85,6) | 33 (34,4) | 0,129* |
Sim | 19 (51,4) | 18 (48,6) | |
Dor ao falar | |||
Não | 71 (65,7) | 37 (34,3) | 0,044* |
Sim | 11 (44,0) | 14 (56,0) | |
Ardor na garganta | |||
Não | 58 (64,4) | 32 (35,6) | 0,338 |
Sim | 24 (55,8) | 19 (44,2) | |
Distúrbios vocais autorrelatados | |||
Menos de 4 | 52 (70,3) | 22 (29,7) | 0,022* |
4 ou mais | 30 (50,8) | 29 (49,2) | |
Uso da voz no dia a dia | |||
Fala pouco/moderadamente | 9 (64,3) | 5 (35,7) | 0,830 |
Fala muito/demais | 73 (61,3) | 46 (38,7) | |
Assistência à saúde para o problema de voz | |||
Consulta médica devido à voz | |||
Sim | 33 (50,0) | 33 (50.0) | 0,006* |
Não | 49 (73,1) | 18 (26,9) | |
Tratamento fonoaudiológico | |||
Sim | 11 (40,7) | 16 (59,3) | 0,012* |
Não | 71 (67,0) | 35 (33,0) |
*Teste do χ2
A Tabela 4 apresenta as variáveis que permaneceram no modelo final estatístico por meio da análise multivariada. Aquelas que responderam fazer uso de medicamento, perceber ter falha na voz e ter feito ou estar fazendo tratamento fonoaudiológico têm maior chance de prontidão para mudança comportamental.
Tabela 4. Análise multivariada para fatores associados à prontidão para mudança comportamental entre professoras com queixa de disfonia. Montes Claros, Minas Gerais, 2013
Variáveis | Valor de p | OR ajustado (IC95%)* |
---|---|---|
Uso de medicamento | 0,006 | 3,30 (1,40–7,74) |
Falha na voz | 0,048 | 2,23 (1,01–4,96) |
Tratamento fonoaudiológico | 0,015 | 3,25 (1,25–8,43) |
*Regressão logística Backward: LR Legenda: OR =odds ratio; IC95% = intervalo de confiança de 95%
A prevalência de problemas vocais autorrelatados foi semelhante a outros estudos (60,0 e 64,8%)( 16 , 17 ), porém, acima da prevalência de 11,6% em pesquisa nacional(11)e de 47,6% da realizada em Florianópolis, Santa Catarina( 18 ), e aquém da realizada em Maceió, Alagoas, na qual a ocorrência de disfonia foi de 87,3%( 19 ). Essas variações quanto à prevalência se referem, provavelmente, às diferenças metodológicas utilizadas nos estudos mencionados.
No presente estudo, a prontidão para mudança de comportamento entre as professoras da rede municipal de ensino que relataram ter disfonia se mostrou baixa em relação aos cuidados com a voz. Em princípio, não foi encontrada na literatura uma classificação que permita estimar o quanto o resultado observado em estudos de Modelo Transteórico é satisfatório ou não. Todavia, seria esperado um maior número de pessoas em estágios mais avançados na escala URICA-VOZ devido à elevada prevalência de disfonia entre as professoras. Essa baixa prontidão para mudança pode significar dois fatores:
1. as participantes têm consciência da existência de um problema a ser enfrentado, mas estão pouco informadas sobre as consequências desse comportamento;
2. ou então, estão tentando modificar o comportamento, mas não têm habilidade ou o suporte necessário para essa mudança(20).
Indivíduos no estágio da pré-contemplação são frequentemente caracterizados como resistentes ou desmotivados ou então não estão prontos para programas de terapia ou de promoção da saúde. Uma possível explicação para essa atitude é que os programas de promoção da saúde tradicionais provavelmente não são motivadores para atender suas necessidades( 3 ).
Algumas professoras estavam no estágio da contemplação, o que significa que essas pessoas têm intenção de modificar o comportamento, talvez por reconhecerem os aspectos positivos da mudança. Cinco professoras com disfonia crônica estavam no estágio da ação, ou seja, vêm desenvolvendo novos comportamentos.
Estudo realizado com 66 pacientes disfônicos em tratamento nos ambulatórios de voz dos hospitais universitários de duas instituições de ensino em Fonoaudiologia encontrou 30,3% no estágio de pré-contemplação, 57,6% no estágio de contemplação, 12,1% no estágio de ação e nenhum no estágio de manutenção(7). Essa diferença com o presente estudo, ou seja, maior porcentagem nos estágios de contemplação e ação, pode ser atribuída ao fato dos indivíduos estarem em fonoterapia, portanto, com níveis de motivação mais elevados.
Na análise do presente estudo, comparando os dois estágios, as variáveis que se mostraram associadas com a maior predisposição/sensibilização (estágio de contemplação) para mudança de comportamento quanto à voz foram: o uso de medicamento, a percepção de falhas na voz e a procura por tratamento fonoaudiológico. É lícito supor que tais fatores possam contribuir para tomada de consciência do problema vocal, interferindo na prontidão para mudança de comportamento, alcançando-se o estágio de contemplação.
A procura por tratamento fonoaudiológico foi um fator associado à queixa de voz, apesar da maioria avaliada estar no estágio da pré-contemplação e a busca pela assistência normalmente ocorrer em estágios de prontidão mais avançados, quando o indivíduo já considera resolver o problema vocal. Portanto, estudos futuros são necessários para melhor compreendermos tal resultado.
Informações sobre a percepção do paciente quanto à sua própria voz auxiliam no direcionamento e na abordagem terapêutica, podendo contribuir para aumentar a consciência da necessidade de mudança do comportamento vocal. Uma possível estratégia para indivíduos no estágio da pré-contemplação seria personalizar informações sobre os impactos negativos da disfonia na qualidade de vida e os benefícios do tratamento fonoaudiológico. Os programas educacionais são condições básicas, cujo intuito deve ser o empoderamento do indivíduo e da comunidade.
Para aqueles que se encontram no estágio de contemplação deve-se motivá-los, incentivando-os a fazer planos específicos( 9). É importante ressaltar que muitos podem permanecer nesse estágio por longo período de tempo, o que é denominado de contemplação crônica(20). Uma atividade para com pacientes com problemas vocais que estão em tratamento seria fazer gravações da voz ao longo do processo fonoterápico, por ser um recurso valioso de incentivo ao paciente, pois esse se sente motivado ao perceber a melhora progressiva da sua voz. Devido à escassez de recursos materiais nos serviços públicos ambulatoriais, tais gravações se limitam somente ao início ou final do tratamento( 7 ).
A transição de um estágio de mudança comportamental para outro depende das estratégias ou intervenções adequadas a cada momento específico em que o indivíduo se encontra. O Modelo Transteórico possui, também, dez processos de mudança aplicáveis aos estágios específicos, e esses focam em atividades para que se possa ocorrer progresso( 3 ).
É necessário dizer que os resultados deste estudo devem ser interpretados à luz de algumas limitações. A primeira delas se refere ao público-alvo, que foi restrito às professoras vinculadas ao ensino público municipal, lecionando do primeiro ao quinto ano. Outro aspecto a ser destacado diz respeito à detecção dos problemas de voz terem sido aferidos por meio de queixas vocais autorrelatadas. É importante destacar, também, que o grupo não foi constituído de indivíduos em tratamento fonoaudiológico, e o Modelo Transteórico tem sido utilizado, sobretudo, para medir as dimensões de prontidão para mudança em indivíduos que se submetem ao tratamento.
Apesar das limitações, a relevância do tema e a escassez da literatura sobre o assunto destacam a magnitude do problema e a necessidade de estudos na área. Os resultados devem ser motivadores de atividades de promoção de saúde para a melhoria da qualidade de vida no que refere aos cuidados com a voz e a saúde geral, o que representa um compromisso do fonoaudiólogo( 21 ). O Modelo Transteórico é uma oportunidade do profissional trabalhar com a promoção dos hábitos saudáveis e verificar que cada estágio necessita de ações específicas para obter a adesão aos cuidados da saúde vocal.
A maioria das professoras com queixas vocais se encontra no estágio de pré-contemplação na escala URICA-VOZ. Tal fato demonstra a necessidade de um processo de educação apontando para os riscos do mau uso e abuso da voz e apresentando os benefícios da saúde geral e vocal. As variáveis que se mostraram associadas com a maior prontidão para a mudança comportamental estão relacionadas com o uso de medicamento, percepção de falha na voz e com a procura por tratamento fonoaudiológico. Esses resultados podem subsidiar intervenções de saúde pública que envolvam pessoas em diferentes estágios no processo de tomada de decisão quanto à mudança comportamental para a saúde vocal.