versão impressa ISSN 1808-8694
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.80 no.3 São Paulo maio/jun. 2014
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2014.01.002
Cerca de 7% das crianças têm dificuldade significante em linguagem funcional (distúrbios de linguagem receptiva, expressiva ou ambos), sem nenhuma razão aparente. Em outras palavras, estas crianças possuem alteração de linguagem na ausência de perda auditiva, alterações no desenvolvimento cognitivo, comprometimento no desenvolvimento motor da fala, distúrbios abrangentes do desenvolvimento, síndromes e alterações neurossensoriais e lesões neurológicas adquiridas.1 , 2Esse tipo de alteração de linguagem tem sido definida pela maioria dos estudos como distúrbio específico de linguagem (DEL).
Apesar de aproximadamente um século de pesquisas, ainda não se chegou a um consenso sobre as bases fisiológicas da causalidade desse transtorno envolvendo o desenvolvimento de linguagem.
Uma das prováveis teorias sugere que uma das causas para o distúrbio específico de linguagem está relacionada a alterações nas habilidades para processar sons e em anormalidades na codificação neural de informações auditivas,3 , 4 contribuindo para alteração na percepção de pistas acústicas fundamentais contidas nos sinais de fala.
A ideia básica é a seguinte: a percepção desses sinais acústicos breves e rápidos, como os sons de fala, está relacionada à habilidade de perceber e processar mudanças rápidas de características espectrais ao longo da via auditiva, dentro de um intervalo de tempo da ordem de milissegundos, sendo esse um processo essencial para o desenvolvimento da linguagem. Desta forma, pode-se dizer que a percepção auditiva é o resultado do processamento auditivo do sinal. Quando ocorre uma alteração neste processamento auditivo, consequentemente, uma instabilidade na representação dos sons de fala (fonemas) também ocorre no cérebro. Essa instabilidade da representação dos sons de fala pode levar a uma dificuldade em perceber o discurso das pessoas e, ainda, limitar a habilidade para aquisição dos elementos fonológicos, sintáticos e semânticos da linguagem.5 , 6
Embora a presença de alterações no processamento auditivo nos indivíduos com DEL seja corroborada por muitas pesquisas, essa teoria não é universalmente aceita, uma vez que os resultados de outros estudos têm falhado em encontrar evidências de alterações no processamento auditivo em crianças com DEL,7 - 9 e, assim sendo, as causas etiológicas envolvendo os transtornos no desenvolvimento de linguagem ainda permanecem controversas.
A partir das relações previamente estabelecidas entre a codificação da fala e as habilidades de linguagem, pretende-se estudar o processamento auditivo e os possíveis efeitos de lateralidade em crianças com DEL, relacionando-os aos resultados encontrados em crianças com transtorno de processamento auditivo (TPA) e desenvolvimento típico (DT), através de medidas comportamentais. A hipótese é que as dificuldades no processamento de fala estejam diretamente relacionadas a um déficit no processamento auditivo.
Espera-se que esse estudo seja capaz de fornecer informações adicionais sobre a função auditiva central em crianças com DEL, auxiliando no melhor conhecimento desse transtorno e intervenções terapêuticas mais apropriadas e efetivas.
O presente estudo foi aprovado pela Comissão de Ética, sob Protocolo nº1049/07. Os pais ou responsáveis pelas crianças receberam orientação sobre todos os procedimentos da pesquisa e assinaram do termo de consentimento livre e esclarecido.
Foram avaliadas 75 crianças, na faixa etária entre 6-12 anos. Todos os indivíduos avaliados apresentaram limiares dentro do limite de normalidade (≤ 15 dB NA) para as frequências avaliadas (500 Hz a 4000 Hz), reconhecimento de fala com escore > 88%, medidas timpanométricas normais e ausência de transtornos neurológicos, cognitivos e psiquiátricos. Caso tivesses sido encontradas alterações referentes aos aspectos auditivos, neurológicos, cognitivos ou psiquiátricos, o indivíduo seria excluído do estudo e encaminhado para serviço especializado.
Os indivíduos foram distribuídos em três grupos:
a. Desenvolvimento típico (Grupo DT): 25 crianças com desenvolvimento típico, de acordo com informações obtidas através de entrevista com os responsáveis pela criança e professores, ausência de queixas escolares, problemas de fala e de linguagem. Além disso, essas crianças tiveram desempenho normal para a avaliação do TPA.
b. Transtorno do processamento auditivo (Grupo TPA): 25 crianças diagnosticadas com TPA utilizando critérios estabelecidos pela American Speech-Language-Hearing Association (ASHA), ou seja, desempenho abaixo do normal esperado para a idade em ao menos dois testes da bateria de avaliação do processamento aAuditivo. A bateria de avaliação mínima aplicada nesse grupo foi composta por testes de processamento temporal, escuta monótica e dicótica.
c. Distúrbio específico de linguagem (Grupo DEL): 25 crianças diagnosticadas com DEL utilizando os critérios de referência internacional1 e apresentando, no mínimo, nível intelectual médio na avaliação através do teste de Matrizes Progressivas Coloridas de Raven.10
Depois da seleção das crianças, foram realizados os testes comportamentais, que avaliaram o processamento auditivo central. Foram realizados três testes comportamentais:11 1) teste monótico - teste de figura com ruído branco - utilizado para a avaliação da habilidade de fechamento auditivo constituído por uma lista de dez vocábulos monossílabos por orelha, totalizando 20 estímulos verbais, apresentados em um nível de intensidade de 40 dB NS acima do LRF obtido no teste de fala. A relação sinal/ruído utilizada foi de +20 dB NA, ou seja, o sinal representado pelos vocábulos monossílabos estava 20 dB NA acima do ruído, e o indivíduo foi instruído a não prestar atenção no ruído e a apontar as figuras correspondentes aos vocábulos ouvidos. Esse procedimento foi realizado em ambas as orelhas; 2) teste dicótico - teste de escuta dicótica de dígitos - utilizado para a avaliação da habilidade auditiva de figura-fundo e integração biaural para sons linguísticos. Dois números eram apresentados simultaneamente em pares em cada orelha, sendo os indivíduos instruídos a repetir ambos os pares logo após a apresentação dos mesmos. No total, 20 pares de números por orelha, totalizando 40 estímulos verbais, foram apresentados em um nível de intensidade de 50 dB NS acima do LRF obtido no teste de fala. O número de dígitos repetidos corretamente foi convertido em uma porcentagem de acertos; 3) teste do processamento auditivo temporal - Teste padrão de frequência (TPF) - utilizado para a avaliação da habilidade de ordenação temporal e transferência inter-hemisférica. Nesse teste, o indivíduo era orientado a ouvir três estímulos com atenção e a responder oralmente a ordem na qual os sons apareceram. Se o estímulo era agudo, o indivíduo era orientado a responder fino, e se o estímulo era grave, o indivíduo era orientado a responder grosso. Ao final, foram 20 sequências de três estímulos e o número de sequências certas foi convertido em porcentagem de acerto.
Os testes "figura com ruído branco" e "dicótico de dígitos" foram utilizados para verificar aspectos de lateralidade. Por esse motivo, as orelhas dos lados direito e esquerdo foram avaliadas separadamente. Já o teste 'padrão de frequência', utilizado para avaliação do processamento auditivo temporal, foi apresentado na forma binaural (orelhas dos lados direito e esquerdo, concomitantemente).
Conforme os objetivos já especificados, o método estatístico utilizado teve como objetivo a comparação dos grupos frente o desempenho na avaliação do processamento auditivo (central). Para isto, foram realizadas análises descritivas da idade e dos resultados dos testes, por meio da construção de tabelas com valores observados das estatísticas descritivas: média, desvio-padrão, mínimo, mediana e máxima. Para comparar as médias dos testes nos três grupos estudados, e nas duas orelhas avaliadas, foram aplicadas as técnicas de análise de variância (ANOVA) e análise de variância com medidas repetitivas (ANOVA repeated measure), respectivamente. Os valores considerados estatisticamente significantes foram marcados com um asterisco (*) quando igual ou menor a 0,05; com dois asteriscos (**) quando igual ou menor a 0,01; e com três asteriscos (***) quando igual ou menor a 0,001. O sinal # foi utilizado para mostrar as tendências à significância.
Com relação à idade dos indivíduos, observa-se distribuição semelhante entre os três grupos, sendo encontradas médias e desvios-padrão de 8,80±2,08 para o grupo DT, 8,7 ±1,67 para o grupo TPA e 7,84±1,77 para o grupo DEL. Pela ANOVA, não foi detectada diferença estatisticamente significante entre as médias das idades [F(2,72) = 2,07; p = 0,13].
Na tabela 1, observam-se estatísticas descritivas dos dados obtidos pelos três grupos no teste de "figura com ruído". Observamos que a média da porcentagem de acertos da orelha do lado esquerdo foi menor do que na do lado direito nos grupos TPA(C) e DEL. Contudo, esse efeito de lateralidade foi estatisticamente significante apenas para o grupo DEL.
Tabela 1 Estatística descritiva para a porcentagem de acertos no teste figura com ruído e teste dicótico de dígitos nos três grupos, por orelha
ANOVA | ||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Média | DP | Mínimo | Mediana | Máximo | F | p-valor | ||||
Figura com ruído | DT | OD | 98,40 | 3,74 | 90 | 100,00 | 100 | 1,00 | 0,36 | |
OE | 98,80 | 3,31 | 90 | 100,00 | 100 | |||||
TPA | OD | 92,00 | 9,12 | 70 | 90,00 | 100 | 1,50 | 0,23 | ||
OE | 90,00 | 10,00 | 60 | 90,00 | 100 | |||||
DEL | OD | 87,20 | 11,00 | 70 | 90,00 | 100 | 6,33 | 0,01** | ||
OE | 81,40 | 15,78 | 50 | 90,00 | 100 | |||||
Dicótico de dígitos | DT | OD | 95,90 | 6,49 | 77,50 | 100,00 | 100,00 | 0,92 | 0,34 | |
OE | 95,20 | 6,76 | 70,00 | 95,00 | 100,00 | |||||
TPA | OD | 81,60 | 16,95 | 30,00 | 87,50 | 100,00 | 2,82 | 0,10 | ||
OE | 77,21 | 15,86 | 42,50 | 80,00 | 97,50 | |||||
DEL | OD | 77,60 | 16,64 | 25,00 | 80,00 | 97,50 | 15,79 | 0,001** | ||
OE | 66,31 | 20,90 | 10,00 | 70,00 | 92,50 |
** p = 0.01.
Para o teste "figura com ruído", na comparação entre as médias de acertos, foi possível observar diferença estatisticamente significante entre os grupos, tanto para a orelha do lado direito [F(2,72) = 10,84; p < 0,001***] quanto para a do lado esquerdo [F(2,72) = 15,76; p < 0,001***]. Através do post-hoc de Tukey, verificamos que, para a o lado direito, esta significância encontra-se somente nas comparações entre DT e os outros dois grupos. Em outras palavras, foi possível observar que a média de acertos total no grupo DT foi maior do que nos grupos TPA (p = 0,02*) e DEL (p < 0,001***). Já para orelhão lado esquerdo, além do grupo DT ter obtido médias de acerto maiores, com diferença estatisticamente significante, em comparação aos grupos TPA (p = 0,01**) e DEL (p < 0,001***), o grupo TPA obteve melhor desempenho que o grupo DEL (p = 0,01**).
Para o teste "dicótico de dígitos", de forma semelhante, na comparação entre as médias de acertos, foi possível observar diferença estatisticamente significante entre os grupos, tanto para o lado direito [F(2,72) = 11,44; p < 0,001] quanto para o esquerdo [F(2,72) = 21,75; p < 0,001]. Através do post-hoc de Tukey, verificamos que, para a orelha do lado direito, esta significância encontra-se somente nas comparações entre DT e TPA (0,002**) e DT e DEL (p < 0,001***). Já para a do lado esquerdo, assim como no teste "figura com ruído", além de o grupo DT ter obtido médias de acerto maiores, com diferença estatisticamente significante, em comparação aos grupos TPA (p < 0,001***) e DEL (p < 0,001***), o grupo TPA obteve melhor desempenho que o grupo DEL (p = 0,04*).
A seguir, foram comparados os resultados obtidos no TPF, nos três grupos avaliados. Deve-se ressaltar que as porcentagens apresentadas são o resultado da utilização do teste sob a forma binaural.
Na tabela 2 são observadas estatísticas descritivas dos dados obtidos pelos três grupos no teste de padrão de frequência.
Tabela 2 Estatística descritiva da porcentagem de acertos no teste padrão de frequência nos três grupos
TPF | |||||
---|---|---|---|---|---|
Média | DP | Mínimo | Mediana | Máximo | |
DT | 89,60 | 9,28 | 65,00 | 90,00 | 100,00 |
TPA | 63,00 | 26,65 | 0,00 | 65,00 | 100,00 |
DEL | 50,20 | 20,38 | 15,00 | 50,00 | 80,00 |
Comparando as porcentagens médias de acertos para o TPF obtidas nos três grupos, foram detectadas diferenças estatisticamente significantes entre os grupos [F(2,72) = 24,71; p < 0,001***] (tabela 2), sendo a porcentagem média obtida no DT maior que a obtida pelos grupos TPA e DEL (tabela 3).
Tabela 3 P-valores para a comparação entre os três grupos no teste padrão de frequência
p value | |||
---|---|---|---|
DT vs. TPA | DT vs. DEL | TPA vs. DEL | |
Padrão de frequência | < 0,001*** | < 0,001*** | 0,06# |
*** p < 0.001.
# Trend towards significance.
Os resultados da avaliação comportamental do processamento auditivo (central) mostraram que o desempenho obtido pelos grupos TPA(C) e DEL foram piores, se comparados aos do grupo DT. Em outras palavras, as crianças com DEL, assim como as crianças com TPA, mostraram dificuldades nas habilidades de compreensão de fala em condições de escuta degradada (ruído e/ou fala competitiva) e dificuldade no processamento de estímulos não verbais (discriminação, ordenação, integração binaural e transferência inter-hemisférica dos estímulos acústicos apresentados), o que poderia resultar em dificuldades na percepção precisa da fala e, consequentemente, no comprometimento da integridade do processamento de fala e sua produção.
Esses resultados parecem confirmar nossas hipóteses, as quais são corroboradas por muitos estudos, que indicam que alterações no processamento auditivo (central) coexistem com distúrbios de linguagem.12
Entretanto, além de identificarmos um pior desempenho do grupo DEL em relação ao grupo DT, foi possível identificar que as crianças com DEL foram piores que as crianças com TPA nos testes que utilizam estímulos verbais (figura com ruído/Dicótico/Dígitos). Esses resultados são pertinentes quando levamos em consideração que é justamente o grupo DEL, e não o com TPA, que apresenta atraso no desenvolvimento de linguagem, com crianças que hoje ainda possuem dificuldades com relação à linguagem expressiva e/ou receptiva.
Considerando que o processamento temporal está inserido em todos os testes para avaliar o processamento auditivo aplicados neste estudo, no que se refere ao pior desempenho das crianças com DEL em relação às crianças com TPA, levantamos duas hipóteses. A primeira está relacionada aos estudos de Tallal,3 , 5 os quais atribuem à alteração do processamento auditivo temporal os déficits ou atrasos na aquisição da linguagem. Segundo essas pesquisas, alterações no processamento temporal poderiam resultar em possíveis comprometimentos na percepção de fonemas e em outros aspectos da linguagem e leitura, os quais dependem de representação fonêmica precisa.
Contudo, a hipótese de Tallal3 , 5 tem sido questionada, uma vez que outros estudos não têm confirmado os mesmos resultados, aumentando as controvérsias sobre a etiologia do DEL. Alguns estudos evidenciaram, em crianças com dificuldades de linguagem, desempenho adequado nas tarefas de discriminação e processamento temporal de estímulos auditivos utilizando potenciais evocados,9 testes psicoacústicos13 e testes de percepção de fala.8
A segunda hipótese pode estar relacionada à presença de outros comprometimentos, além daqueles responsáveis pelo processamento auditivo, nas crianças com DEL. De acordo com Bishop e colaboradores,7 os transtornos de linguagem devem ser resultado de múltiplos fatores (que incluem processamento auditivo, processamento de linguagem e funções cognitivas superiores) que atuam sinergicamente. Isso explica o fato de algumas crianças mostrarem alteração no processamento auditivo e desenvolvimento normal de linguagem.
Na pesquisa atual, as diferenças estatisticamente significantes entre os grupos TPA e DEL não foram corroboradas pelos resultados encontrados por Ferguson e colaboradores14 e Miller e Wagstaff.15 Estes pesquisadores não encontraram diferenças ente os grupos TPA e DEL para as medidas de linguagem, comunicação, habilidades cognitivas, habilidades de processamento auditivo, entre outras.
Apesar dessa aparente controvérsia, parece indiscutível o fato de que crianças com DEL apresentam dificuldades em processamento de estímulos breves, ou apresentados de forma rápida,1 e na discriminação de frequências,16 coexistindo evidências da relação entre processamento auditivo e problemas de linguagem.6
Outra particularidade apresentada apenas pelo grupo DEL, nesta pesquisa, foi o pior desempenho da orelha do lado esquerdoa em relação à do lado direito, tanto para o teste monótico quanto para o dicótico.
Diferenças hemisféricas são evidentes no processamento normal dos sons da fala,17 e o modelo apresentado por Kimura18 evidencia a vantagem da orelha do aldo direito sobre a do esquerdo para os sons de fala, apresentados de forma dicótica. Essa vantagem ocorre porque os estímulos auditivos de fala, captados pelo lado direito, são diretamente processados no hemisfério esquerdo (principal hemisfério responsável pelo processamento da fala), por meio da atuação das vias contralaterais. Quando os estímulos de fala são captados pela orelha do lado esquerdo, dirigem-se primeiramente ao hemisfério direito (HD), para posteriormente, via corpo caloso, serem processados no hemisfério esquerdo.
Apesar disso, com o aumento da idade é esperada a diminuição dessa assimetria entre orelhas, sendo este um provável marcador da maturidade e aprimoramento dos processos da audição.19
Desta forma, poderíamos sugerir que as diferenças entre orelhas, encontradas em nosso estudo somente nas crianças com DEL, seriam condizentes com anormalidades na transmissão da informação auditiva da orelha não dominante em direção ao hemisfério dominante para a linguagem via corpo caloso,20 possivelmente devido a um atraso maturacional (menos mielinização no cérebro imaturo), ou a comprometimentos no sistema auditivo.21 Segundo Moncrieff,19 as evidências encontradas sobre diferenças entre as orelhas dos lados direito e esquerdo consistem em importante aspecto relativo à imaturidade na habilidade de escuta dicótica.
Outra possibilidade relativa aos nossos achados seria a de que as crianças com DEL, ao invés de apresentarem uma vantagem da orelha do lado direito, estariam, na verdade, apresentando uma desvantagem da orelha no lado esquerdo em relação à do lado direito.22
O déficit encontrado, neste estudo, para a orelha do lado esquerdo nos dois testes comportamentais, combinados com o déficit na tarefa de processamento auditivo temporal, através do teste de padrão de frequência, parece ser consistente com a hipótese de uma ineficiência da função inter-hemisférica da informação auditiva, sendo essa função exercida pelo corpo caloso, que é a maior via de associação entre os hemisférios cerebrais.23
Sabemos que as vantagens apresentadas, por qualquer que seja a orelha, podem refletir em diferenças funcionais entre os hemisférios cerebrais. Contudo, esse conceito tem sido descrito na literatura mediante tarefas dicóticas, mas não em tarefas monóticas.
As primeiras aplicações de testes utilizando "fala com ruído", realizadas por Sinha,24reportaram déficits na orelha contralateral a lesões corticais. Estudos subsequentes têm mostrado, no teste "fala com ruído", déficits contralaterais ao hemisfério com implicações no córtex auditivo.25 , 26 Contudo, não são afetados pela transferência inter-hemisférica (corpo caloso).
Considerando os dados encontrados -- maior déficit encontrado na orelha do lado esquerdo no teste dicótico - somado ao desempenho anormal na do lado esquerdo no teste monótico, sugere-se que ou há um envolvimento do HD, ou possivelmente HD e transferência inter-hemisférica.27
Uma consideração que deve ser feita sobre a hipótese de possível alteração no HD- refere-se à função no processamento da linguagem. Whitehouse e Bishop28 encontraram algumas evidências de que as crianças com DEL poderiam ter a função da linguagem lateralizada para o HD.28 Ou seja, nossos achados poderiam corroborar o importante déficit de linguagem apresentado por essas crianças.
Mediante as hipóteses levantadas, podemos considerar que as possíveis causas da assimetria entre orelhas, encontradas apenas nas crianças com DEL, podem estar relacionadas tanto a um atraso maturacional - principalmente no que se refere à transmissão inter-hemisférica (corpo caloso) - quanto a um comprometimento em HD, prejudicando o processamento eficiente das informações espectrais contidas nos estímulos de fala.
Desta forma, os resultados encontrados evidenciam que os processos neurais que subjazem a alteração do processamento auditivo podem ser diferentes entre a alteração de processamento auditivo e de linguagem.
Neste estudo, crianças com DEL apresentaram pior desempenho nas habilidades do processamento auditivo em comparação com as crianças com TPA e DT. Além disso, somente as crianças com DEL apresentaram efeito de lateralidade, sugerindo que as dificuldades com o processamento de linguagem encontradas nessas crianças estão relacionadas a possíveis déficits na transmissão inter-hemisférica e/ou no processamento auditivo em hemisfério direito. Assim sendo, esses achados sugerem que processos neurais (requeridos para o processamento auditivo) são diferentes entre a alteração de processamento auditivo e de linguagem.