versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.106 no.2 São Paulo fev. 2016 Epub 26-Jan-2016
https://doi.org/10.5935/abc.20160015
A predição de insuficiência cardíaca após o infarto agudo do miocárdio pode ter importantes implicações clínicas.
Analisar as variáveis funcionais ecocardiográficas associadas com insuficiência cardíaca no modelo do infarto em ratos.
Os animais foram divididos em dois grupos: infarto e controle. Após, os animais infartados foram divididos em grupos com e sem insuficiência cardíaca. Os valores preditivos foram avaliados por regressão logística. Os valores de corte preditivos de insuficiência cardíaca foram determinados por meio de curvas ROC.
Após 6 meses da cirurgia, 88 animais com infarto e 43 animais controle foram incluídos no estudo. O infarto aumentou os diâmetros das cavidades esquerdas, a massa e a espessura da parede do ventrículo esquerdo. Adicionalmente, o infarto resultou em disfunção sistólica e diastólica, caracterizada por menores valores da fração de variação de área, velocidade de encurtamento da parede posterior, tempo de desaceleração da onda E, associada com maiores valores da relação E/A e tempo de relaxamento isovolumétrico ajustado pela frequência cardíaca. Dentre os animais infartados, 54 (61%) desenvolveram insuficiência cardíaca. Ratos com insuficiência cardíaca apresentaram maiores índices de massa e diâmetros das cavidades esquerdas, associadas com piora das variáveis funcionais. A fração de variação de área, relação E/A, tempo de desaceleração da onda E e tempo de relaxamento isovolumétrico ajustado pela frequência cardíaca foram variáveis funcionais preditoras de insuficiência cardíaca. Os valores de corte das variáveis funcionais associados com insuficiência cardíaca foram: fração de variação de área < 31,18%; E/A > 3,077; tempo de desaceleração da onda E < 42,11 e tempo de relaxamento isovolumétrico ajustado pela frequência cardíaca < 69,08.
Em ratos acompanhados por 6 meses após o infarto, a fração de variação de área, relação E/A, tempo de desaceleração da onda E e tempo de relaxamento isovolumétrico ajustado pela frequência cardíaca são preditores do aparecimento de insuficiência cardíaca.
Palavras-Chave: Insuficiência Cardíaca / complicações; Infarto do Miocárdio; Ratos; Disfunção Ventricular
Heart failure prediction after acute myocardial infarction may have important clinical implications.
To analyze the functional echocardiographic variables associated with heart failure in an infarction model in rats.
The animals were divided into two groups: control and infarction. Subsequently, the infarcted animals were divided into groups: with and without heart failure. The predictive values were assessed by logistic regression. The cutoff values predictive of heart failure were determined using ROC curves.
Six months after surgery, 88 infarcted animals and 43 control animals were included in the study. Myocardial infarction increased left cavity diameters and the mass and wall thickness of the left ventricle. Additionally, myocardial infarction resulted in systolic and diastolic dysfunction, characterized by lower area variation fraction values, posterior wall shortening velocity, E-wave deceleration time, associated with higher values of E / A ratio and isovolumic relaxation time adjusted by heart rate. Among the infarcted animals, 54 (61%) developed heart failure. Rats with heart failure have higher left cavity mass index and diameter, associated with worsening of functional variables. The area variation fraction, the E/A ratio, E-wave deceleration time and isovolumic relaxation time adjusted by heart rate were functional variables predictors of heart failure. The cutoff values of functional variables associated with heart failure were: area variation fraction < 31.18%; E / A > 3.077; E-wave deceleration time < 42.11 and isovolumic relaxation time adjusted by heart rate < 69.08.
In rats followed for 6 months after myocardial infarction, the area variation fraction, E/A ratio, E-wave deceleration time and isovolumic relaxation time adjusted by heart rate are predictors of heart failure onset.
Key words: Heart Failure / complications; Myocardial Infarction; Rats; Ventricular Dysfunction
A síndrome de insuficiência cardíaca é considerada um problema de saúde pública com importantes implicações prognósticas. Nesse sentido, ao redor de 50% dos pacientes com diagnóstico de disfunção cardíaca morrerão no período de 5 anos. Adicionalmente, 40% dos pacientes morrem no período de 1 ano após a primeira hospitalização por insuficiência cardíaca, sendo boa parte dos óbitos por morte súbita.12
Atualmente, acredita-se que o infarto do miocárdio (IM) seja a principal etiologia da disfunção ventricular. Nesse sentido, estudos epidemiológicos sugerem que os sinais e sintomas de insuficiência cardíaca estão presentes em 25% dos casos de IM. Além disso, aproximadamente 40% dos casos de IM são acompanhados por alterações sistólicas do ventrículo esquerdo (VE). Recentemente, evidenciou-se que 10% dos pacientes com IM apresentam padrão restritivo, sugerindo disfunção diastólica grave.3 Assim, a associação entre IM e disfunção ventricular não pode ser negligenciada.
Uma das estratégias mais utilizadas para o estudo das alterações funcionais decorrentes da oclusão coronariana é o uso do modelo do infarto experimental no rato. Entre outros fatores, isso é decorrência do baixo custo e da simplicidade do manejo dos animais. O fator mais importante, no entanto, refere-se à similaridade com as alterações fisiopatológicas que ocorrem após o infarto, em humanos.4
O ecocardiograma vem sendo bastante utilizado no estudo das alterações morfológicas e funcionais após a oclusão coronariana.5-18 No entanto, não tem havido consenso sobre quais variáveis funcionais são preditoras de insuficiência cardíaca nesse modelo. Assim, nosso objetivo foi avaliar as variáveis funcionais associadas com quadro de insuficiência cardíaca no modelo indicado. Adicionalmente, pretendemos determinar os valores críticos de predição de insuficiência cardíaca para cada variável.
O protocolo experimental do presente trabalho foi aprovado pela Comissão de Ética em Experimentação Animal de nossa instituição, estando em conformidade com os Princípios Éticos na Experimentação Animal adotado pelo Colégio Brasileiro de Experimentação Animal.
Foram utilizados ratos Wistar machos, pesando entre 200 e 250 g. O infarto agudo foi produzido de acordo com método já descrito previamente.19,20 Em resumo, os ratos foram anestesiados com quetamina (70 mg/kg) e xilazina (5 mg/kg), e submetidos à toracotomia lateral esquerda. Após exteriorização do coração, o átrio esquerdo foi afastado, e a artéria coronária esquerda foi ligada com fio mononáilon 5-0 entre a saída da artéria pulmonar e o átrio esquerdo. A seguir, o coração retornou ao tórax, os pulmões foram inflados com pressão positiva e o tórax, fechado por suturas com algodão 10. Em 43 animais, não foi realizada oclusão coronariana (Grupo controle).
Os animais foram mantidos em gaiolas para recuperação, alimentados com ração comercial padrão e com livre acesso a água, com controle de luz - ciclos de 12 horas, temperatura de aproximadamente 25°C e umidade controlada.
O ecocardiograma foi realizado 6 meses após o infarto. Os animais foram anestesiados com cloridrato de quetamina (50 mg/kg) e xilazina (1 mg/kg), por via intramuscular, para o estudo ecocardiográfico. Após tricotomia da região anterior do tórax, os animais foram posicionados em decúbito dorsal em canaleta especialmente projetada e que permite leve rotação lateral esquerda para realização do exame, utilizando-se equipamento da Philips (modelo HDI 5000) dotado de transdutor eletrônico multifrequencial até 12 MHz. Todas as medidas foram efetuadas de acordo com as recomendações daAmerican Society of Echocardiography/ European Association of Echocardiography.21 A imagem da cavidade ventricular esquerda foi obtida posicionando o cursor do modo-M entre os músculos papilares, logo abaixo do plano da valva mitral. O diâmetro diastólico do VE (DDVE) e a espessura septal do VE (HDVE) foram medidos no momento correspondente ao diâmetro máximo da cavidade. O diâmetro sistólico do VE (DSVE) foi medido no momento da excursão sistólica máxima da parede posterior da cavidade. As áreas diastólicas (AD) e sistólicas (AS) do VE foram medidas no modo bidimensional, por meio de planimetria, no plano paraesternal do eixo menor.
A função sistólica do VE foi avaliada calculando-se a fração de variação de área (FAV = (AD-AS)/AD) e a velocidade de encurtamento da parede posterior (VEPP). A função diastólica foi avaliada pela relação E/A, pelo tempo de desaceleração da onda E (TDE) e pelo tempo de relaxamento isovolumétrico ajustado pela frequência cardíaca (TRIV/RR).22,23
Após o estudo ecocardiográfico, os animais foram sacrificados e os corações foram retirados e dissecados. Os ventrículos direito e esquerdo, incluindo o septo interventricular, foram separados. Amostras de tecido cardíaco foram fixadas em solução de formol a 10% por período de 48 horas, segundo método já descrito.24,25
Os cortes histológicos foram corados em lâmina com solução Hematoxilina-Eosina (HE) e Masson para aferição do tecido infartado, empregando-se microscópio Leica DM LS acoplado à câmera de vídeo, que envia imagens digitais a um computador dotado de programa de análise de imagens Image Pro-plus (Media Cybernetics, Silver Spring, Maryland, EUA).
O tamanho do infarto foi determinado em cortes entre 5 e 6 mm do ápice, pelo fato de os valores desta região corresponderem à média dos valores obtidos de cortes de todo coração.24,25 Para estimativa do tamanho do infarto, por meio de análise histológica, foram determinadas as circunferências epicárdicas e endocárdicas dos segmentos infartados e não infartados. O tamanho do infarto é expresso como porcentual das medidas da circunferência ventricular.
O diagnóstico de insuficiência cardíaca foi feito pela detecção de trombo no átrio esquerdo, derrame pleural, ascite e hipertrofia do ventrículo direito, caracterizado pela relação do peso do ventrículo direito ajustado pelo peso corpóreo > 0,8 mg/g, conforme descrito previamente.4,26,27
As comparações entre os grupos após 6 meses foram feitas com o teste t de Student quando os dados apresentavam distribuição normal. Quando os dados apresentavam distribuição não normal, as comparações entre os grupos foram feitas com o teste U Mann-Whitney. Os dados foram expressos em média ± desvio padrão ou mediana, com percentil 25 e 75. Os valores preditivos foram analisados por regressão logística. Nessa análise, utilizamos, como variável dependente, a presença ou não de insuficiência cardíaca. Os valores de corte preditivos de insuficiência cardíaca foram determinados por meio de curvas ROC. O nível de significância foi 5%. As análises estatísticas foram feitas com o programa SigmaPlot para Windows v12.0 (Systat Software Inc., San Jose, CA, USA).
Após 6 meses da cirurgia, 88 animais com infarto (I) e 43 animais controle (C) foram incluídos no estudo.
As variáveis ecocardiográficas estão mostradas na Tabela 1. Conforme esperado, o infarto aumentou os diâmetros das cavidades esquerdas, a massa e a espessura da parede do VE. Adicionalmente, o infarto resultou em disfunção sistólica e diastólica, caracterizada por menores valores da FAV, VEPP TDE, associada com maiores valores da relação E/A e TRIV/RR.
Tabela 1 Estudo ecocardiográfico após 6 meses de observação
Variáveis | Controle (n = 43) | IAM (n = 88) | Valor de p |
---|---|---|---|
AE (mm) | 5,80 (5,55-6,10) | 7,72 (6,70-8,59) | < 0,001 |
DDVE (mm) | 8,39 (8,12-8,80) | 10,96 (10,32-11,73) | < 0,001 |
DSVE (mm) | 4,34 (4,08-4,66) | 8,70 (7,61-9,75) | < 0,001 |
IMVE | 1,94(1,74-2,11) | 3,33 (2,79-4,09) | < 0,001 |
E/A | 1,55 (1,40-1,69) | 1,68 (1,32-4,85) | 0,085 |
TRIV/RR | 59,3 (5452-64,8) | 70,4 (61,4-77,9) | < 0,001 |
TDE ( ms) | 45 (41-55) | 39 (33-48 | < 0,001 |
FAV (%) | 67 (64-71) | 33 (35-36) | < 0,001 |
VEPP (mm/s) | 37 (35-39) | 25 (20-28) | < 0,001 |
EDPP | 1,49 (1,43-1,59) | 1,70 (1,59-1,87) | < 0,001 |
Os dados são expressos em mediana com percentil 25 e 75. IAM: animais infartados; AE: diâmetro do átrio esquerdo; DDVE: diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo; DSVE: diâmetro sitólico do ventrículo esquerdo; IMVE: índice de massa do ventrículo esquerdo; E/A: relação entre as ondas E e A; TRIV/RR: tempo de relaxamento isovolumétrico ajustado pela frequência cardíaca; TDE: tempo de desaceleração da onda E; FAV: fração de variação de área; VEPP: velocidade de encurtamento da parede posterior; EDPP: espessura diastólica da parede posterior.
Considerando os animais infartados, 54 animais (61%) desenvolveram insuficiência cardíaca. Os animais com insuficiência cardíaca apresentaram maiores infartos (43,5 ± 7,5% vs. 40,0 ± 8,1%; p = 0,044), maiores índices de massa e diâmetros das cavidades esquerdas, associados com piora das variáveis funcionais, em comparação com os animais infartados sem insuficiência cardíaca (Tabela 2).
Tabela 2 Estudo ecocardiográfico de animais infartados após 6 meses de observação
Variáveis | Sem IC (n = 34) | Com IC (n = 54) | Valor de p |
---|---|---|---|
AE (mm) | 6,90 ± 1,29 | 8,16 ± 1,30 | < 0,001 |
DDVE (mm) | 10,6 ± 0,84 | 11,4 ± 1,05 | < 0,001 |
DSVE (mm) | 8,17 ± 1,13 | 9,02 ± 1,39 | 0,002 |
IMVE | 3,14 (2,81-3,59) | 3,64 (2,78-4,50) | 0,018 |
E/A | 1,43 (1,24-1,70) | 3,91 (1,35-6,27) | 0,002 |
TRIV/RR (ms) | 73,9 ± 12,1 | 66,7 ± 12,0 | 0,008 |
TDE (ms) | 43,1 ± 8,8 | 38,3 ± 10,2 | 0,036 |
FAV (%) | 33,3 ± 8,6 | 29,6 ± 7,6 | 0,040 |
VEPP | 25,9 (22,6-28,4) | 24,2 (20,6-28,3) | 0,344 |
Os dados são expressos em média ± desvio padrão (para distribuição normal) ou mediana com percentil 25 e 75 (para distribuição não normal). IC: insuficiência cardíaca; AE: diâmetro do átrio esquerdo; DDVE: diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo; DSVE: diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo; IMVE: índice de massa do ventrículo esquerdo; E/A: relação entre as ondas E e A; TRIV/RR: tempo de relaxamento isovolumétrico ajustado pela frequência cardíaca; TDE: tempo de desaceleração da onda E; FAV: fração de variação de área; VEPP: velocidade de encurtamento da parede posterior.
Na Tabela 3, estão os resultados das análises de regressão. FAV, relação E/A, TDE e TRIV/RR foram as variáveis funcionais preditoras de insuficiência cardíaca. No entanto, verificamos que o valor preditivo foi baixo para as variáveis funcionais, sugerindo a importância de outras variáveis. Adicionalmente, os valores de corte das variáveis funcionais, associados com insuficiência cardíaca, foram: FAV: < 31,18% (Figura 1); E/A: > 3,077 (Figura 2); TDE: < 42,11 ms (Figura 3) e TRIV/RR: < 69,08 (Figura 4).
Tabela 3 Fatores preditores de insuficiência cardíaca após 6 meses da oclusão coronariana
Variáveis | OR | IC 95% | Valor de p |
---|---|---|---|
E/A | 1,529 | 1,183-1,976 | 0,001 |
TRIV/RR | 0,949 | 0,911-0,989 | 0,013 |
TDE (ms) | 0,951 | 0,906-0,998 | 0,040 |
FAV (%) | 0,944 | 0,892-0,999 | 0,045 |
VEPP (mm/s) | 0,077 | 0,905-1,055 | 0,554 |
OR: odds ratio; IC95%: intervalo de confiança de 95%; E/A: relação entre as ondas E e A; TRIV/RR: tempo de relaxamento isovolumétrico ajustado pela frequência cardíaca; TDE: tempo de desaceleração da onda E; FAV: fração de variação de área; VEPP: velocidade de encurtamento da parede posterior.
Figura 1 Valor de corte para a fração de variação de área, como preditora de insuficiência cardíaca, 6 meses após o infarto. Áurea sob a curva: 0,6277; intervalo de confiança de 95%: 0,5066-0,7489; valor de p: 0,044; cutoff < 31,18; sensibilidade: 55,60%; especificidade: 57,34%.
Figura 2 Valor de corte para a relação E/A, como preditora de insuficiência cardíaca, 6 meses após o infarto. Áurea sob a curva: 0,6985; intervalo de confiança de 95%: 0,5875-0,8095; valor de p: 0,0017; cutoff > 3,077; sensibilidade: 57,93%; especificidade: 62,56%.
Figura 3 Valor de corte para o tempo de desaceleração da onda E, como preditora de insuficiência cardíaca, 6 meses após o infarto. Áurea sob a curva: 0,6533; intervalo de confiança de 95%: 0,5341-0,7724; valor de p: 0,0218; cutoff < 42,11; sensibilidade: 59,77%; especificidade: 51,85%.
Figura 4 Valor de corte para o tempo de relaxamento isovolumétrico ajustado pela frequência cardíaca, como preditora de insuficiência cardíaca, 6 meses após o infarto. Áurea sob a curva: 0,6544; intervalo de confiança de 95%: 0,5398-0,7691; valor de p: 0,01512; cutoff < 69,08; sensibilidade: 55,10%; especificidade: 60,49%.
O objetivo de nosso trabalho foi avaliar as variáveis funcionais associadas com quadro de insuficiência cardíaca, no modelo do IM experimental em ratos. Nossos dados sugeriram que FAV, relação E/A, TDE e TRIV/RR são preditores de insuficiência cardíaca 6 meses após o infarto.
O primeiro aspecto a ser considerado é que, em nosso estudo, a maioria dos animais (61%) com infarto desenvolveu quadro de insuficiência cardíaca. Em estudo prévio, determinamos que, para o desenvolvimento de insuficiência cardíaca, nesse modelo, são necessários infartos comprometendo 40% do VE.26 Em acordo com esse conceito, nesse estudo , os animais apresentaram, em média, grandes infartos. Nesse sentido, podemos inferir que o modelo de oclusão coronariana em ratos é adequado para o estudo da síndrome de insuficiência cardíaca.
O segundo aspecto relevante refere-se ao fato de que, conforme esperado, os animais com insuficiência cardíaca apresentaram piora das variáveis funcionais relativas à função sistólica, em comparação com os animais sem insuficiência. No entanto, na análise de regressão, a FAV, mas não a VEPP foi preditora do aparecimento de insuficiência cardíaca. Acredita-se que, em modelos de acinesia regional do VE, métodos ecocardiográficos de avaliação funcional monodimensionais podem ser falhos. Nessa situação, recomenda-se o uso, por exemplo, do método de Simpson, em humanos. A FAV é obtida pela análise das AS e AD, utilizando técnica bidimensional. No entanto, a VEPP é obtida no modo monodimensional. Portanto, nossos resultados enfatizam que, nesse modelo, a exemplo do que ocorre em humanos, é preferível o uso de análise funcional sistólica com técnica bidimensional como, por exemplo, a FAV.
Outro aspecto proeminente está relacionado com a função diastólica. Diferentemente da função sistólica, o estudo da função diastólica no modelo do rato com o ecocardiograma não está tão bem padronizado. Algumas das principais dificuldades técnicas são o tamanho pequeno do animal, com suas implicações no transdutor e a frequência cardíaca ao redor de 300 batimentos por minuto. Em nosso estudo, no entanto, todas as variáveis analisadas de função diastólica foram associadas com o aparecimento de insuficiência cardíaca. Assim, nesse modelo, a função diastólica, avaliada pela relação E/A, o TDE e o TRIV/RR foram preditores de insuficiência cardíaca 6 meses após a oclusão coronariana.
O aspecto mais relevante do nosso estudo é que a predição de insuficiência cardíaca no modelo de ratos com IM tem importantes implicações. Apesar de não haver consenso sobre a definição de disfunção cardíaca e insuficiência cardíaca, usualmente elas são diagnosticadas por elevação da pressão diastólica final (PD2) do VE (método hemodinâmico invasivo) e presença de sinais clínicos em avaliação após a morte (hipertrofia do VD, ascite, derrame pleural e trombo no átrio esquerdo), respectivamente. Portanto, nosso estudo sugere que o ecocardiograma é ferramenta não invasiva útil para a predição dessa síndrome, pois tanto variáveis de função sistólica, como parâmetros de função diastólica, pouco estudadas nesse modelo, foram associadas com a insuficiência cardíaca.
Estudos prévios avaliaram a relação entre os parâmetros ecocardiográficos e a insuficiência cardíaca. No entanto, a maioria dos estudos analisou a relação entre o ecocardiograma com a PD2 e não com variáveis clínicas de insuficiência cardíaca.6-10 Martinez et al.5 avaliaram a relação entre variáveis morfológicas e funcionais cardíacas com as manifestações clínicas de insuficiência cardíaca. No entanto, as variáveis ecocardiográficas foram estudadas por agrupamento(cluster analysis).5Portanto, acreditamos que nosso estudo acrescenta importantes informações sobre o papel do ecocardiograma como preditor em longo prazo de insuficiência cardíaca, nesse modelo.
Finalmente, já está bem estabelecido que o principal determinante da função ventricular, do processo de remodelação e, consequentemente, do aparecimento de insuficiência cardíaca, nesse modelo, é o tamanho do infarto.4,26,28,29 Em nosso estudo, no entanto, a diferença nos tamanhos de infarto entre os animais com e sem insuficiência cardíaca, apesar de significativa, foi pequena (43 ± 7% vs. 40 ± 8%, respectivamente). Portanto, podemos concluir que outros fatores, que não o tamanho do infarto, são importantes determinantes do aparecimento de insuficiência cardíaca, nesse modelo. Entre os possíveis candidatos, podemos incluir mudanças no diâmetro da cavidade ventricular, alterações na espessura da parede, mudança de configuração normal do VE de elíptica para forma mais arredondada, entre outros. Desse modo, em algumas situações, as alterações na geometria, por si, poderiam ser responsáveis pelo comprometimento da função global do ventrículo, por alterar as condições de carga a que o coração é submetido.
Em ratos acompanhados por 6 meses após o infarto, a fração de variação de área, a relação E/A, o tempo de desaceleração da onda E e o tempo de relaxamento isovolumétrico ajustado pela frequência cardíaca foram preditores do aparecimento de insuficiência cardíaca.