Print version ISSN 0103-2100On-line version ISSN 1982-0194
Acta paul. enferm. vol.28 no.6 São Paulo Nov./Dec. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201500091
Segundo estimativas da Organização das Nações Unidas, a prevalência global do consumo de tabaco é dez vezes maior e a de álcool é oito vezes maior do que a prevalência anual do uso de drogas ilícitas.(1)Os transtornos relacionados ao consumo de álcool e tabaco representam uma das dez principais condições de saúde que contribuem para explicar os anos de vida perdidos por mortes prematuras entre a população adulta de todo o planeta.(2) No Brasil, estudo envolvendo amostra representativa da população, evidenciou dados preocupantes, no que tange ao consumo de bebidas alcoólicas e ao tabaco. Aproximadamente, 74,6% já fizeram uso de bebida alcoólica pelo menos uma vez na vida, enquanto que 44% fizeram uso do tabaco. Segundo os autores,(3) foram registrados 6.109 casos fatais decorrentes do uso de álcool, enquanto que 375 foram relacionados com o uso do tabaco. Além disso, ficou evidenciado que a idade média de início do uso de tabaco foi aos 16 anos e, para o álcool, aos 17 anos.(3)
Nesse sentido, cabe ressaltar que, devido aos prejuízos para a saúde, a família e a sociedade de uma forma geral, em relação ao uso de álcool, tabaco e demais sustâncias psicoativas, têm sido identificados fatores associados ao uso, bem como aqueles associados à proteção para essas substâncias.(4) Um dos fatores de proteção, atualmente mais referido na literatura, é a religiosidade.(5, 6) Dentre as várias dimensões de religiosidade passíveis de serem investigadas, as que têm sido muito associadas a desfechos de saúde e estão entre as mais utilizadas nos estudos são filiação religiosa, religiosidade subjetiva (importância da religião para a pessoa) e religiosidade organizacional (frequência a missas, cultos e outros serviços religiosos.(7)
Em virtude da prevalência de problemas relacionados ao uso do álcool e o tabaco, cabe ressaltar que os serviços de Atenção Primária à Saúde (APS), desenvolvidos pela Estratégia Saúde da Família, favorecem o rastreamento do uso abusivo dessas substâncias. Além disso, trata-se de campo propício para o desenvolvimento de ações de identificação precoce, ações preventivas e de promoção à saúde. (8, 9) Estudos revelam a necessidade de identificar o padrão de consumo de substâncias pisicoativas da população atendida, sobretudo na APS, a fim de lhes oferecer nesse nível de assistência, informações sobre os malefícios de seu uso, auxiliando na prevenção de agravos causados por seu consumo.(9-12)
No contexto dos problemas relacionados ao uso de álcool e outras drogas e em função da escassa literatura nacional referente ao tema, os autores ressaltam que o presente trabalho é distinto, por entender a relevância da religiosidade como mais um elemento na prevenção dos agravos e no auxílio das ações implementadas na prática dos profissionais de saúde.
Diante do exposto, o presente estudo teve como objetivo verificar a associação entre a religiosidade e o padrão de consumo de álcool e tabaco em uma população atendida na Atenção Primária à Saúde.
Tratou-se de estudo quantitativo transversal realizado com usuários de uma clientela atendida na Clínica Saúde da Família, situada na zona central da cidade do Rio de Janeiro (RJ), na Região Sudeste do Brasil.
Foram considerados elegíveis todos os indivíduos maiores de 18 anos, de ambos os sexos, que buscaram atendimento por qualquer razão nesta Unidade Básica de Saúde. A amostra de estudo incluiu 363 sujeitos, sendo 269 mulheres, selecionados a partir de amostragem por conveniência.
A coleta de dados deu-se entre outubro de 2012 e janeiro de 2013. Os indivíduos foram convidados a participar do estudo imediatamente após a consulta de Enfermagem ou ao final das visitas domiciliares. As entrevistas foram realizadas por um profissional treinado na própria Clínica Saúde da Família ou em visitas domiciliares e em local reservado sem a presença de terceiros.
O instrumento adotado constitui-se de um questionário semiestruturado contendo questões relacionadas aos hábitos de vida e de saúde do participante, bem como questões sociodemográficas. Além disso, o instrumento incluiu a Índice de Religiosidade da Universidade de Duke(7) e o questionário Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test (ASSIST).(13)
O Índice de Religiosidade da Universidade de Duke inclui três dimensões da religiosidade: religiosidade organizacional com um item, religiosidade não organizacional com um item e religiosidade intrínseca com três itens. A primeira dimensão (religiosidade organizacional) diz respeito à frequência com que a pessoa vai à igreja ou ao templo religioso e apresenta seis opções de resposta (“>1 vez/semana”, “1 vez/semana”, “2 a 3 vezes/mês”, “algumas vezes/ano”, “≤1 vez/ano” e “nunca”). A religiosidade não organizacional se refere ao tempo dedicado às atividades religiosas e também apresenta seis opções de resposta (“>1 vez/dia”, “diariamente”, “≥2 vezes/semana”, “1 vez/semana”, “poucas vezes/mês” e “raramente ou nunca”). A dimensão religiosidade intrínseca, avalia como o indivíduo sente a presença de Deus em sua vida, se as crenças religiosas regem sua maneira de viver e sobre o esforço para viver a religião em todos os aspectos da vida. Todos os itens que avaliam a dimensão religiosidade intrínseca apresentam cinco opções de resposta em uma escala do tipo Likert e variam de “totalmente verdade para mim” (escore zero) a “não é verdade” (escore 4).
Para efeito das análises, as três dimensões (religiosidade organizacional, não organizacional e intrínseca) foram analisadas separadamente. A religiosidade organizacional foi agrupada em dois níveis: “semanal/mensal” (“>1 vez/semana”, “1 vez/semana” e “2 a 3 vezes/mês”) - grupo de referência - e “anual/nunca” (“algumas vezes/ano”, “≤1 vez/ano” e “nunca”). A religiosidade não organizacional foi também categorizada em dois níveis: “diária/semanal” (“>1 vez/dia”, “diariamente”, “≥2 vezes/semana” e “1 vez/semana) - grupo referência - e “mensal/nunca” (“poucas vezes/mês” e “raramente ou nunca”). Para investigar a variável “religiosidade intrínseca”, procedeu-se ao somatório dos escores relativos de cada item da escalaLikert. Esse procedimento gerou uma variável contínua com escores que variavam de 3 a 15. Desse modo, escores mais baixos referentes à religiosidade intrínseca representariam maior presença da religiosidade na vida dos indivíduos estudados.
O consumo de álcool foi avaliado segundo o questionário ASSIST, versão 3.1.(13) Trata-se de um questionário de rastreamento com reconhecimento mundial, desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde e validado no Brasil. Esse instrumento tem como objetivo identificar, em serviços de APS, indivíduos que fazem consumo de baixo, moderado e alto risco de nove classes de substâncias psicoativas. Para tanto, considera a frequência de uso ao longo da vida do sujeito e nos últimos 3 meses; os problemas relacionados ao uso; a preocupação a respeito do uso; e o uso por via injetável.
Os escores das respostas do ASSIST variam de zero a 33 pontos. Considera-se a faixa de escore de zero a 3 como indicativa de uso ocasional; de 4 a 26 como indicativa de abuso; e de 27 ou mais, como sugestivo de dependência. Cabe ressaltar que a pontuação para avaliar o padrão de consumo de álcool é diferenciada das demais substâncias. O álcool apresenta uma tolerância maior com escores variando de zero a 10 como indicativo de uso ocasional, de 11 a 26 como indicativo de abuso, e de 27 ou mais como indicativo de dependência.
Com base nos escores apresentados, foram criadas as variáveis “padrão de consumo”, tanto de tabaco quanto de álcool, categorizadas em dois níveis. O grupo com “baixo consumo” de tabaco incluiu indivíduos com escores que variavam de zero a 3; indivíduos com escores ≥4 foram incluídos no grupo com “consumo moderado/alto”. O grupo “baixo consumo” de álcool foi composto por participantes com escores ≤10, em contrapartida valores >11 foram classificados como “consumo moderado/alto” de álcool.
Foram testadas, como possíveis fatores de confundimento, as variáveis: sexo, idade, cor da pele, escolaridade, estado civil e renda familiar. A associação entre a religiosidade (religiosidade organizacional, não organizacional e intrínseca) e o padrão de consumo de álcool e tabaco foi analisada em duas etapas. A primeira disse respeito à definição de variáveis de confundimento, que se baseou em análises bivariadas utilizando o teste qui quadrado. Foram incluídas, no modelo multivariado, todas as variáveis que se associaram tanto ao desfecho quanto à exposição (p<0,2). A segunda etapa referiu-se ao modelo de regressão logística multivariado. As análises foram realizadas no programa estatísticoStatistical Package for Social Science (SPSS, IBM), versão 19.0.
O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.
O grupo estudado tinha, em média, 29,0 anos (desvio padrão ±12,4 anos), com variação de 18 a 59 anos, sendo composto majoritariamente por mulheres (74,1%) e 86,0% se autodeclararam pretos ou pardos. Em relação a escolaridade, 62,5% tinham completado apenas o Ensino Fundamental e 50,1% eram casados. Quanto à renda familiar mensal, 43% dos entrevistados declararam receber até um salário mínimo (R$678,00). Quanto à religião, 33,3% informaram ser católicos, 29,5% eram evangélicos e 34,4% informaram não ter religião. Em relação ao consumo de álcool, 14% dos entrevistados apresentaram consumo moderado/alto risco. O padrão de consumo de tabaco moderado e de alto risco foi apresentado por 18,7% dos participantes.
Ao avaliar a associação entre as características da população estudada e o consumo de álcool, verificou-se a associação significativa entre o sexo e o consumo moderado/alto de álcool. Quando comparadas aos homens, as mulheres tiveram 3,67 mais chances de apresentar esse padrão de consumo de bebidas alcoólicas (Tabela 1). Em relação ao tabaco, houve associação significativa entre o consumo e a cor da pele com uma razão de chance de 0,49, ou seja, indivíduos não brancos tiveram menor chance de apresentarem consumo moderado/alto de tabaco.
Tabela 1 Associação entre características sociodemográficas e padrão de consumo de álcool e tabaco, com base na razão de chance (RC) e respectivo intervalo de confiança de 95% (IC95%)
Características estudadas | Consumo moderado/alto de álcool (n=51) | Consumo moderado/alto de tabaco (n=68) | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
n(%) | RC (IC95%) | p-value | n (%) | RC (IC95%) | p-value | |
Sexo | ||||||
Masculino | 5(5,3) | 1,0 | 16(17,0) | 1,0 | ||
Feminino | 46(17,1) | 3,67(1,41-9,54) | 0,008 | 52(19,3) | 1,16(0,63-2,16) | 0,621 |
Idade, anos | ||||||
18-32 | 31(14,0) | 1,0 | 43(19,4) | 1,0 | ||
33-59 | 20(14,2) | 1,01(0,55-1,87) | 0,953 | 25(17,7) | 0,90(0,52-1,55) | 0,696 |
Cor da pele | ||||||
Branca | 5(9,8) | 1,0 | 15(29,4) | 1,0 | ||
Não branca | 46(14,7) | 1,59(0,60-4,21) | 0,346 | 53(17,0) | 0,49(0,25-0,96) | 0,035 |
Escolaridade | ||||||
Até o Ensino Fundamental completo | 30(13,2) | 1,0 | 45(19,8) | 1,0 | ||
2A partir do Ensino Médio incompleto | 21(15,4) | 1,19(0,66-2,19) | 0,554 | 23(16,9) | 0,82(0,47-1,43) | 0,278 |
Situação conjugal | ||||||
Casados | 27(14,8) | 1,0 | 37(20,3) | 1,0 | ||
Não casados | 24(13,3) | 0,88(0,49-1,59) | 0,665 | 31(17,1) | 0,81(0,48-1,37) | 0,434 |
Situação trabalhista | ||||||
Empregado | 26(13,9) | 1,0 | 31(16,6) | 1,0 | ||
Desempregado | 25(14,2) | 0,97(0,54-1,76) | 0,934 | 37(21,0) | 0,75(0,44-1,27) | 0,278 |
Renda per capta | ||||||
≥R$622,00 (≥1 SM) | 26(12,6) | 1,0 | 34(21,8) | 1,0 | ||
R$0 a 622,00 (até 1 SM) | 25(16,0) | 1,32(0,73-2,40) | 0,348 | 34(16,4) | 0,70(0,42-1,20) | 0,194 |
Tem religião | ||||||
Sim | 32(13,4) | 1,0 | 47(19,7) | 1,0 | ||
Não | 19(15,2) | 0,87(0,47-1,60) | 0,647 | 21(16,8) | 1,21(0,69-2,15) | 0,493 |
SM - Salário Mínimo
Após os ajustes por sexo, idade e renda, foi possível observar a associação significativa entre religiosidade organizacional e intrínseca e o padrão de consumo de álcool. Indivíduos que relataram baixa frequência de visitas a igrejas/templos (anual/nunca vão) tiveram, aproximadamente, três vezes mais chance de apresentar maior consumo de álcool quando comparados àqueles que frequentavam igrejas/templos com maior assiduidade (semanal ou mensal). Em relação à religiosidade intrínseca, pôde-se observar um fator de proteção em relação ao consumo moderado/alto de álcool. Em outras palavras, os resultados mostraram que quanto maior o escore para a religiosidade intrínseca, menor o consumo de álcool (Tabela 2).
Tabela 2 Associação entre religiosidade e padrão de consumo de álcool. Razão de chance (RC) e respectivo intervalo de confiança de 95% (IC95%) com base no modelo de regressão logística multivariada
Modelo de ajuste | RC | IC95% | p-value |
---|---|---|---|
RO | |||
M1 = RO | 3,20 | 1,74-5,87 | <0,001 |
M2 = M1 + sexo | 3,39 | 1,83-6,28 | <0,001 |
M3 = M2 + idade | 3,44 | 1,86-6,40 | <0,001 |
M4 = M3 + renda | 3,41 | 1,83-6,36 | <0,001 |
RNO | |||
M1 = RNO | 1,25 | 0,65-2,40 | 0,504 |
M2 = M1 + sexo | 1,31 | 0,68-2,55 | 0,423 |
M3 = M2 + idade | 1,31 | 0,66-2,60 | 0,437 |
M4 = M3 + renda | 1,31 | 0,66-2,61 | 0,440 |
RI | |||
M1 = RI | 0,77 | 0,69-0,87 | <0,001 |
M2 = M1 + sexo | 0,79 | 0,70-0,88 | <0,001 |
M3 = M2 + idade | 0,77 | 0,69-0,87 | <0,001 |
M4 = M3 + renda | 0,77 | 0,69-0,87 | <0,001 |
RO - Religiosidade Organizacional; M1 - Modelo 1; M2 - Modelo 2; M3 - Modelo 3; M4 - Modelo 4; RNO - Religiosidade Não Organizacional; RI - Religiosidade Intrínseca
Resultados semelhantes foram encontrados ao avaliar o consumo de tabaco em função da exposição à religiosidade. Tanto a religiosidade organizacional quanto a intrínseca mostraram-se fortemente associadas ao consumo moderado/alto de tabaco. Indivíduos que frequentavam igrejas e templos religiosos com menor assiduidade tinham 3,4 mais chances de apresentarem consumo moderado/alto de tabaco quando comparados a indivíduos mais assíduos. Em contrapartida, a religiosidade intrínseca pareceu ter efeito protetor para o consumo de tabaco (Tabela 3).
Tabela 3 Associação entre religiosidade e padrão de consumo de tabaco. Razão de chance (RC) e respectivo intervalo de confiança de 95% (IC95%) com base no modelo de regressão logística multivariada
Modelos de ajuste | RC | IC95% | p-value |
---|---|---|---|
RO | |||
M1 = RO | 3,84 | 2,22-6,63 | <0,001 |
M2 = M1 + cor da pele | 3,75 | 2,17-6,50 | <0,001 |
M3 = M2 + renda | 3,86 | 2,19-6,71 | <0,001 |
RNO | |||
M1 = RNO | 1,78 | 1,01-3,15 | 0,044 |
M2 = M1 + cor da pele | 1,78 | 1,01-3,15 | 0,047 |
M3 = M2 + renda | 1,74 | 0,98-3,10 | 0,057 |
RI | |||
M1 = RI | 0,86 | 0,77-0,95 | 0,004 |
M2 = M1 + cor da pele | 0,86 | 0,78-0,95 | 0,004 |
M3 = M2 + renda | 0,87 | 0,78-0,96 | 0,006 |
RO - Religiosidade organizacional; M1 - Modelo 1; M2 - Modelo 2; M3 - Modelo 3; RNO - Religiosidade Não Organizacional; RI - Religiosidade Intrínseca
Dentre as limitações do presente estudo, destacamos seu caráter seccional, o que não permite estabelecer relação de causa e efeito entre a religiosidade e os desfechos investigados. Cabe ainda considerar que a amostragem de conveniência (e não aleatória) aqui utilizada pode ter influenciado nos resultados, bem como o fato de o grupo de participantes ser oriundo de uma única unidade de saúde no município do Rio de Janeiro, de modo que a generalização dos achados deste estudo para outras populações deve ser feita com cautela.
Acredita-se que a presente investigação alcançou os objetivos propostos e podem apoiar o desenvolvimento e o planejamento de ações preventivas ao consumo de álcool e tabaco, entre adolescentes e jovens, sobretudo nas atividades desenvolvidas pelo enfermeiro e demais integrantes da equipe da Estratégia Saúde da Família, dada a maior possibilidade articulação e de trabalho em parceria com representantes das organizações sociais e religiosas presentes na comunidade em que se inserem.
Trata-se de um tema atual e relevante para a saúde coletiva, porém com poucas referências na literatura nacional, sobretudo nos aspectos da religiosidade no âmbito da APS. A partir do que foi abordado neste artigo, considera-se relevante o investimento em estudos longitudinais, que permitam avaliar em que medida fatores como a religiosidade podem coibir o consumo abusivo de álcool, tabaco e outras drogas na população.
O presente estudo incluiu indivíduos jovens, casados, não brancos e com baixa escolaridade e renda. Esses dados se assemelham aos encontrados em estudos realizados nesse nível de atenção à saúde no país.(10, 14, 15) Em relação à religião, observou-se uma proporção significativa de católicos e de evangélicos, dados que se refletem no censo brasileiro de 2010 e demais estudos sobre o perfil da população no Brasil.(16)
A associação observada entre o sexo feminino e o maior consumo de álcool vem ao encontro de estudos nacionais e internacionais,(3, 17-19) que descrevem o aumento global do consumo de álcool entre as mulheres nos últimos anos. O levantamento nacional sobre padrões de consumo de álcool na população brasileira identificou que mulheres jovens compõem o grupo com os maiores índices de aumento no consumo de álcool e estão sob maior risco de apresentar consumo nocivo.(3) Em síntese, os estudos apontam para a universalização do consumo em relação ao sexo, não sendo possível pensar no homem como o principal consumidor.(18,19) Cabe ressaltar a importância de se compreender essa mudança específica de comportamento, que vem sendo observada entre as mulheres. Com a finalidade de programar estratégias de intervenção dirigidas a elas, que apresentam um consumo semelhante ao dos homens, é possível haver diferenças quanto ao local, ao tipo de substância e à situação de uso.
A associação da cor de pele com o consumo de tabaco se mostrou em desacordo com resultados apresentados na literatura especializada. De fato, alguns estudos mostraram a maior prevalência de iniciação do tabagismo entre indivíduos de cor da pele preta em comparação aos brancos.(15,16,20) Nesse caso, podemos inferir que as limitações do estudo, como o tipo de amostragem, pode ter influenciado nesse resultado.
Embora a idade não tenha se associado ao desfecho, destaca-se a alta prevalência desse consumo moderado/alto dentre os indivíduos mais jovens da amostra estudada. Sabe-se que indivíduos mais jovens tendem a consumir álcool e tabaco em níveis mais elevados,(15,16,20) sendo considerado o grupo sob maior risco de agravos relacionados a essas substâncias. Desse modo, as prevalências dos padrões de consumo nesse segmento demográfico devem ser especialmente monitoradas, sobretudo quando se trata de promoção da saúde e prevenção dos agravos, atividades inerentes a equipe do serviço de APS, na Estratégia Saúde da Família.(3,8,10,16) No presente estudo, a associação entre a religiosidade e os padrões de consumo de álcool e tabaco mostrou-se em consonância com os estudos da área.(5,6)
Em síntese, a presença da religiosidade (avaliado pelas dimensões religiosidade organizacional e intrínseca) pareceu ter efeito protetor para o consumo de álcool e tabaco. Esse resultado reforçou a ideia de que ir à igreja ou a encontros religiosos distanciaria os indivíduos do consumo nocivo de álcool e tabaco. Sentir a presença de Deus em sua vida, viver de acordo com crenças religiosas e se esforçar para seguir os preceitos de uma religião mostraram-se fatores protetores para o não uso de álcool e tabaco.
Cabe assinalar que os indivíduos que relataram não possuir religião, quando indagados a respeito da dimensão religiosa intrínseca, afirmaram acreditar em um ser superior - “Deus” - revelando que não necessariamente negar ter religião seja sinônimo de ser ateu. Esse resultado vai ao encontro de demais estudos, nos quais indivíduos sem religião justificaram a própria condição, afirmando que possuíam uma religiosidade própria, sem vínculo com igrejas, e apenas uma minoria não acreditava em Deus.(5-7)
Neste contexto, é possível inferir que a religiosidade representa um elemento com potencial para incrementar o trabalhos dos profissionais da Equipe Saúde da Família. Em termos práticos, fortalecer parcerias com as igrejas e templos religiosos da comunidade pode favorecer o desenvolvimento de ações de promoção da saúde, voltadas ao planejamento de ações educativas para a saúde, no sentido de prevenir e minimizar o consumo de álcool e tabaco.
Constatou-se a associação entre religiosidades organizacional e intrínseca como fator de proteção em relação ao consumo moderado/alto de álcool e tabaco em usuários do serviço de Atenção Primária à Saúde.