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Atenção Básica como ordenadora do cuidado ao bebê de risco para alterações do neurodesenvolvimento

Atenção Básica como ordenadora do cuidado ao bebê de risco para alterações do neurodesenvolvimento

Autores:

Daniela Regina Molini-Avejonas,
Silmara Rondon-Melo,
Estela Ramos Batista,
Amanda Calsolari de Souza,
Daniela Cardilli Dias,
Alessandra Giannella Samelli

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.30 no.3 São Paulo 2018 Epub 28-Maio-2018

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20182017064

INTRODUÇÃO

A análise das condições de nascimento e de mortalidade das crianças é necessária para orientar as ações dos serviços de saúde, melhorar a qualidade destes serviços, bem como para garantir o diagnóstico precoce de possíveis alterações que interfiram nos processos de crescimento e desenvolvimento infantil. As ações de promoção, prevenção e assistência à saúde dirigidas à gestante e ao recém-nascido (RN) têm grande importância, visto que influenciam diretamente a condição de saúde destes indivíduos durante a infância e até a vida adulta (1,2).

Diferentes estudos têm mostrado que a Atenção Primária à Saúde (APS) pode auxiliar na redução da mortalidade infantil, principalmente a pós-natal, o que corrobora o modelo de atenção à saúde vigente no Brasil, centrado na APS(3,4). Nessa perspectiva, a Portaria Nº 1.459/2011(5) instituiu a Rede Cegonha destinada à organização e implantação de ações para a atenção à saúde da criança de 0 a 24 meses, com o objetivo de garantir o crescimento e o desenvolvimento saudáveis destes indivíduos(6). As ações dessa rede contemplam orientações para planejamento reprodutivo, pré-natal, parto, puerpério e acompanhamento do crescimento e desenvolvimento das crianças até os dois anos de idade (6). Trata-se de uma política pública recente que deve ser amplamente estudada e avaliada, a fim de identificar indicadores de qualidade e fomentar a readequação de processos e modelos de saúde.

O RN de risco pode ser caracterizado como aquele exposto a situações em que há maior risco de evolução desfavorável e que demandam atenção prioritária em saúde(6). Desta forma, a identificação e a caracterização desta população pode direcionar ações em saúde e a elaboração de políticas públicas de prevenção e promoção de saúde na infância. Embora existam estudos que demonstrem os fatores de risco para recém-nascidos(7-10), pouco se fala sobre o desenvolvimento destes bebês ao longo da infância.

Com a implantação da Estratégia Saúde da família a Atenção Básica se fortaleceu no Brasil, ancorada nos princípios de integralidade e hierarquização da atenção, territorialização, cadastramento da população e equipe multiprofissional. Entretanto, ainda é a necessidade de avaliação dos serviços que integram a ESF (11). Além disso, sua cobertura não é total, existindo grande número de serviços de saúde que funcionam sob o modelo tradicional de gestão. Isso, consequentemente, pode se refletir no cuidado ao bebê de risco, sendo necessário investigar se há diferenças entre as ações em saúde para esta população, de acordo com os modelos de gestão dos serviços em que são atendidos.

Assim, os objetivos do presente estudo foram:

    1. Caracterizar os bebês de risco nascidos na região Oeste de São Paulo no período de agosto de 2013 a fevereiro de 2014, quanto ao perfil sociodemográfico e de saúde.

    2. Descrever e comparar o acompanhamento do desenvolvimento no primeiro ano de vida de uma amostra dos referidos bebês de risco em diferentes Unidades Básicas de Saúde (UBS) da região Oeste de São Paulo, segundo os diferentes modelos de gestão: tradicional ou Estratégia Saúde da Família (ESF).

MÉTODO

Este estudo é um recorte da pesquisa “Atenção Básica como ordenadora das redes de atenção à saúde Cegonha e de Cuidados à Pessoa com Deficiência”, (Processo PPSUS – Fapesp 2014/500012-8), que conta com a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo (n. 728402). Todos os responsáveis pelos indivíduos da pesquisa assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, autorizando a utilização dos dados para pesquisa. O projeto ocorreu em parceria com o Programa de Educação pelo Trabalho PET/Redes da Universidade de São Paulo, tendo sido, por isso, desenvolvido com população residente na região Oeste da cidade de São Paulo, vinculada à Supervisão Técnica de Saúde do Butantã (STS-BT). Trata-se de um estudo observacional retrospectivo.

Foi realizada a busca de todos os recém-nascidos de risco na região Oeste da cidade de São Paulo - Brasil, no período entre agosto de 2013 e fevereiro de 2014, sendo que todos foram incluídos no estudo. Estes dados foram levantados junto à Supervisão Técnica de Saúde do Butantã (STS-BT), por meio das declarações dos nascidos vivos (DNV).

Os critérios de classificação de bebê de risco utilizados seguiram aqueles determinados pelo Decreto Nº 43.407, de 1º de julho de 2003(12), uma vez que os indivíduos pertenciam à STS-BT, que possuía uma demanda específica referente ao diagnóstico territorial de caracterização de bebês de risco. Com isso, ressalta-se que houve algumas diferenças com relação aos riscos descritos na cartilha do Ministério da Saúde(6), mas que todos os riscos investigados são relevantes e que ambas as fontes de classificação são importantes para o acompanhamento do bebê de risco. Além disso, destaca-se que se optou por realizar um estudo de demanda em saúde, considerando que se trata de uma alternativa para a obtenção de informações importantes sobre a saúde de uma dada população, em situações em que não há possiblidade de realização de inquéritos de base populacional(11), corroborando a situação do presente estudo.

Desse modo, foram incluídos no estudo indivíduos:

    1. Nascidos na maternidade Mario Degni ou no Hospital Universitário, no período entre 1o/8/2013 e 28/2/2014, que são as maternidades de referência para a população da região selecionada para o presente estudo.

    2. Considerados de risco, de acordo com pelo menos um dos seguintes critérios da STS-BT (12), que são: peso ≤ 2500g; e/ou mãe adolescente com idade ≤ 16 anos; e/ou APGAR ≤ 5 no primeiro minuto.

    3. Cadastrados nos serviços de saúde da STS-BT.

Foram excluídos do estudo os indivíduos que apresentassem uma ou mais das seguintes ocorrências:

    1. Abstenção na primeira consulta na UBS após o nascimento;

    2. Prontuário não localizado;

    3. Óbito.

Na primeira etapa do estudo, após a identificação dos bebês de risco, foram levantadas informações a respeito da mãe e do bebê, tais como: gênero, pré-natal / gestação (e intercorrências), parto (e intercorrências), peso ao nascimento, Apgar, idade gestacional, gemelaridade, idade materna, escolaridade da mãe, estado civil, cor/raça, serviço em que realizam atendimento, etc. Foram consideradas intercorrências na gestação e no parto todo tipo de evento clínico e/ou obstétrico que pudesse interferir na saúde geral da mãe e do bebê e causar impacto negativo no desenvolvimento deste. Estas informações foram coletadas por meio do sistema SIGA da Prefeitura de São Paulo e do prontuário destes bebês, no serviço de saúde de referência.

Na segunda etapa, propôs-se a descrição do acompanhamento do período de 0 a 12 meses de idade dos bebês de risco cadastrados nas UBS de referência, vinculadas à Supervisão Técnica de Saúde do Butantã e sua comparação de acordo com os modelos de gestão destes serviços (tradicional e ESF). Segundo cálculo amostral realizado, o mínimo de indivíduos para compor uma amostra significativa para a segunda etapa do estudo seria de 49 (considerando-se taxa de erro amostral de 10% com nível de confiabilidade de 95%). O referido cálculo foi realizado utilizando-se a seguinte Fórmula 1:

n=N.Z2.p. (1p)Z2.p. (1p)+ e2. (N1) (1)

Onde: n se refere ao valor da amostra calculada; N se refere à população; Z se refere à variável normal padronizada associada ao nível de confiança; p se refere à verdadeira probabilidade do evento; e se refere ao erro amostral.

É importante pontuar que o Ministério da Saúde(13) preconiza que no período de 0 a 24 meses de idade seja realizado acompanhamento para todos os bebês nascidos, sejam classificados como de risco ou não. Esse acompanhamento se refere às consultas realizadas em UBS (que devem ser no mínimo sete de 0 a 12 meses e mais duas entre os 12 e os 24 meses), seja com médico ou enfermeiro, com o objetivo de verificar questões gerais de saúde do bebê, incluindo, sobretudo, o registro dos marcos do desenvolvimento, bem como medidas de peso, estatura e perímetro cefálico. No presente estudo, não foi possível realizar o acompanhamento do período de 0 a 24 meses dos indivíduos selecionados em virtude do período de vigência do projeto ao qual o estudo esteve vinculado. Com isso, foi definido o período de 0 a 12 meses de idade, o qual permite também acompanhar os principais marcos do desenvolvimento do bebê, bem como os registros referentes às medidas de peso, estatura e perímetro cefálico da criança, conforme recomendado pelo Ministério da Saúde (13), bem como identificar possíveis desvios passíveis de atenção.

Foram selecionadas as seis UBS que apresentaram o maior número de bebês de risco nascidos na região definida para o desenvolvimento do estudo, sendo 10 indivíduos por UBS. Três das UBS eram do modelo tradicional de gestão e três do modelo de Estratégia Saúde da Família (ESF).

Foi realizada a busca ativa dos prontuários dos indivíduos para levantar as seguintes informações: número de consultas e intervalo entre consultas (sendo a comparação realizada conforme o preconizado pelo Ministério da Saúde)(13), categoria profissional de quem realizou a consulta, registro dos principais marcos do desenvolvimento (controle cervical, sentar e andar), bem como registros das medidas de peso, estatura e perímetro cefálico. Destaca-se que a coleta de dados não correspondia necessariamente ao tempo real do acompanhamento do indivíduos da pesquisa. Deste modo, no que se refere às consultas de acompanhamento, quando a primeira consulta do bebê ocorria após completar os 12 meses de idade e a informação constava no prontuário no momento da coleta, este dado era considerado para a amostra do presente estudo. Além disso, para os indivíduos que realizaram um número maior de consultas do que o preconizado pelo Ministério da Saúde para o período de 0 a 12 meses, o número total de consultas foi considerado para a caracterização geral da amostra; contudo foram analisados em detalhes, de acordo com os objetivos do presente estudo, os dados referentes às consultas preconizadas pelo Ministério da Saúde.

Os dados coletados foram analisados por meio de estatística descritiva e inferencial por meio dos testes Quiquadrado, Exato de Fisher e One-way ANOVA. O nível de significância adotado foi de 5%.

RESULTADOS

Etapa 1: caracterização dos bebês de risco

Foram identificados inicialmente 306 bebês de risco. Desses, 225 bebês compuseram a amostra final do estudo, pois foram excluídos os casos em que os bebês não foram localizados no território (38), óbitos (9), bebês cujo endereço não fazia parte da região Oeste (30) e bebês que não atendiam aos critérios de risco estabelecidos pela STS-BT (4).

Do total de bebês (225), 115 (51,1%) eram do gênero feminino e 110 (48,9%) do gênero masculino. Dentro desta amostra, dezesseis (7,11%) eram gemelares; portanto, o total de mães foi de 217. Em relação à idade materna na época do parto, a média foi de 22,85 anos (DP: 8,08; mínima= 13; máxima = 43 anos). Mães com 14 anos ou menos compuseram 5,1% da amostra; de 15 a 19 anos foram 40,1%; de 20 a 34 anos foram 42,9%; e maiores ou iguais a 35 anos foram 11,9%. No que se refere ao número de consultas no pré-natal, a média foi de 7,12 (DP: 2,93; mínimo 0; máximo 16), sendo que 41,48% das mães fizeram menos de 7 consultas.

Em relação ao estado civil da mãe, 46,09% eram solteiras, 42,4% tinham união estável e apenas 11,05% eram casadas. Não foram localizados 0,46% dos dados. Quanto à cor/raça das mães, a maioria era parda (50,56%), seguida pela branca (41,26%), preta (7,81%) e indígena (0,37%). No que se refere à escolarização, a maioria das mães possuía apenas o ensino fundamental (47,60%); 44,28% das mães fizeram o ensino médio; 1,84%, o ensino fundamental incompleto; 1,84%, o superior completo; 1,48%, o ensino médio incompleto; 1,48%, o superior incompleto; e 1,48% não informaram.

No que se refere ao parto dos bebês de risco, a maioria foi vaginal (62,21%) e o restante cesárea (37,79%). A idade gestacional média dos recém-nascidos de risco foi de 37,05 semanas (DP: 2,88; mínima = 24; máxima = 41), sendo que 42,88% das crianças nasceram com menos de 37 semanas de idade gestacional, e, destas, 17% tiveram nascimento anterior à idade gestacional de 34 semanas.

A média do Apgar no 1º minuto foi de 7,13 (DP: 2,57; mínimo = 0; máximo = 10) e no 5º minuto foi de 8,80 (DP: 1,57; mínimo = 1; máximo = 10). O peso médio dos bebês de risco no nascimento foi de 2.597,21 g (DP: 688,83; mínimo 610 g; máximo 4.755 g), sendo que 50,22% dos bebês apresentaram peso igual ou menor que 2.500 g.

Quanto aos serviços aos quais os bebês estavam vinculados, identificaram-se: 46,2% em UBS tradicional, 32% em UBS mista, 12% em UBS com estratégia de saúde da família, 8,9% em UBS concomitantemente com serviço de atenção secundária e 0,9% apenas em serviço de atenção secundária.

Etapa 2: descrição do acompanhamento dos bebês de risco nas UBS

Do total de 225 bebês de risco, foram selecionados 25% para descrição do acompanhamento nas UBS, totalizando 60 bebês, distribuídos nas seis UBS selecionadas. Destes, foram excluídos 5, pois não tinham prontuários contemplando as informações necessárias para a descrição do acompanhamento. Portanto, 55 indivíduos compuseram a amostra sobre a descrição do acompanhamento dos bebês de risco.

Dos 55 bebês, 28 realizavam acompanhamento em UBS com ESF e 27 em UBS que segue o modelo tradicional de gestão. A distribuição dos riscos, na UBS com ESF foi semelhante àquela encontrada no modelo tradicional ( Tabela 1 ). O risco de maior prevalência foi o peso seguido do risco idade materna (mãe adolescente). Todos os prontuários examinados continham informações sobre Apgar, peso e altura no nascimento.

Tabela 1 Distribuição dos indivíduos segundo os critérios de risco (números e porcentagens) e o modelo de gestão de Unidade Básica de Saúde  

Riscos ESF Tradicional p-valor Total
Peso 11 12 0,959 23 (41,82%)
Idade materna 7 7 14 (25,45%)
Apgar 7 6 13 (23,63%)
2 ou mais riscos 3 2 5 (9,1%)
Total 28 (50,9%) 27 (49,1%) 55 (100%)

p<0,05, Quiquadrado

Legenda: ESF = Estratégia Saúde da Família

Número de consultas e tempo médio entre o nascimento e a 1ª consulta

As UBS com ESF apresentaram maior média de consultas quando comparadas às de modelo tradicional, com diferença estatisticamente significante. Não foi encontrada diferença estatisticamente significante com relação ao tempo médio entre o nascimento e a primeira consulta quando comparados os dois modelos de UBS ( Tabela 2 ).

Tabela 2 Média, Desvio Padrão, Mínimo, Máximo, p-valor referentes ao número de consultas e tempo decorrido entre o nascimento e a primeira consulta nos diferentes modelos de UBS  

Consultas ESF Tradicional Total
Número de Consultas média 9 6,14 7,81
desvio padrão 4,18 3,25 4,07
mínimo 2 1 1
máximo 17 11 17
p-valor 0,006 *
Tempo decorrido entre o nascimento e a 1ª consulta (em dias) média 40 46,07 43
desvio padrão 59,64 55,99 57,43
mínimo 3 5 3
máximo 324 307 324
p-valor 0,698

*p<0,05, One-way ANOVA

Legenda: ESF = Estratégia Saúde da Família

Intervalo entre as consultas

O número de consultas não seguiu um padrão regular em nenhum dos modelos de gestão das UBS, variando de uma até 17 consultas. Quanto ao intervalo de tempo entre as consultas, observou-se que no modelo tradicional o intervalo foi maior para todas as consultas avaliadas (com diferença estatisticamente significante nas consultas de 5 a 9). Nota-se também que o intervalo entre as consultas está ocorrendo tardiamente nas primeiras consultas para ambos os modelos de gestão e que as consultas de 7 a 9 ocorrem em tempo menor que o preconizado ( Tabela 3 ).

Tabela 3 Média, Desvio Padrão, Mínimo, Máximo, p-valor referentes aos intervalos entre as consultas realizadas e preconizadas pelo Ministério da Saúde nos diferentes modelos de UBS  

Consulta Prec.
(em dias)
Trad
Média
(DP)
ESF
Média (DP)
p-valor Trad.
Mín
ESF
Mín
Trad.
Máx
ESF
Máx
Trad.
Dif. Com
Prec.
(em dias)
ESF
Dif. Com prec.
(em dias)
1 7 96,35
(92,98)
89,04 (120,16) 0,800 12 4 398 586 -89,35 -82,04
2 37 117,00
(80,32)
88,08
(48,44)
0,108 23 17 427 208 -80,00 -51,08
3 67 154,45
(81,76)
117,24 (56,69) 0,052 31 21 442 275 -87,45 -50,24
4 127 194,42
(82,17)
156,65 (76,25) 0,080 38 24 457 324 -67,42 -29,65
5 187 263,29
(113,88)
190,04 (78,67) 0,007 * 45 46 524 331 -76,29 -3,04
6 277 293,46
(119,83)
214,43 (73,28) 0,004 * 51 86 549 319 -16,46 62,57
7 367 347,10
(139,21)
231,11 (76,31) <0,001 * 69 103 583 340 19,90 135,89

*p<0,05, One-way ANOVA

Legenda: Prec. = intervalo entre consultas (em dias) preconizado pelo Ministério da Saúde; Trad. = Tradicional; ESF = Estratégia Saúde da Família; Dif. = Diferença; Mín. = Mínimo; Máx. = Máximo; DP = Desvio Padrão

Marcos do desenvolvimento

Foram encontradas informações sobre os três marcos básicos do desenvolvimento em apenas 1,82% dos 55 prontuários analisados. Observou-se também que 56,36% dos prontuários não tinham o registro de nenhum dos marcos de desenvolvimento ( Tabela 4 ). Além disso, não houve diferença estatisticamente significante entre os modelos de gestão dos serviços estudados, no que se refere a este aspecto.

Tabela 4 Distribuição do registro dos marcos do desenvolvimento por modelo de Unidade Básica de Saúde  

Marcos do desenvolvimento ESF Tradicional p-valor Total
Controle cervical 6 0 0,076 6 (10,9%)
Sentar 2 1 3 (5,45%)
Andar 1 3 4 (7,28%)
Todos 1 0 1 (1,82%)
2 marcos 3 7 10 (18,19%)
Nenhum registro 15 16 31 (56,36%)
Total 28 (50,90%) 27 (49,09%) 55 (100%)

p<0,05, Teste exato de Fisher

Legenda: ESF = Estratégia Saúde da Família

Medidas de crescimento

Em relação à frequência de registro das medidas de crescimento, não foi identificada diferença estatisticamente significante entre os dois modelos de gestão nas UBS investigadas. Entretanto, foi possível observar, no geral, que o peso foi a medida registrada com maior frequência nos prontuários dos bebês de risco selecionados, principalmente para os cadastrados nas UBS de modelo tradicional. A altura também foi registrada com maior frequência na UBS de modelo tradicional. Já a medida do perímetro cefálico apresentou menor frequência de registro em ambos os modelos de gestão ( Tabela 5 ).

Tabela 5 Porcentagens entre o número de consultas e o número de registro referentes às medidas de crescimento por modelo de Unidade Básica de Saúde; p-valor  

Medidas ESF
% (DP)
Tradicional
% (DP)
p-valor Ambas
% (DP)
Peso 80,05 (17,69) 97 (7,69) 0,463 88,37 (40)
Altura 74,13 (23,92) 92,84 (15,69) 83,31 (22,21)
Perímetro cefálico 64,62 (26,08) 61,57 (34,14) 63,12 (30,05)

p<0,05, Quiquadrado

Legenda: ESF = Estratégia Saúde da Família; DP = Desvio Padrão

Especialidade do profissional que realizou as consultas aos bebês de risco

Foi observado que, nas UBS com modelo tradicional de gestão, 100% das consultas foram realizadas pelo pediatra. Já no modelo ESF, foi observada a ocorrência de consultas com o pediatra em aproximadamente 53,55% dos bebês e 42,85% com médicos de saúde da família e/ou com a equipe de enfermagem (42,85%). Alguns prontuários (3,6%) não apresentavam registro do profissional que realizou o referido acompanhamento.

DISCUSSÃO

Fatores como condições socioeconômicas, acesso à assistência à saúde, intercorrências no parto, entre outros, podem influenciar positiva ou negativamente o nascimento e desenvolvimento adequados do bebê(9,14,15). Desse modo, a análise das condições de nascimento dos bebês é necessária para orientar futuras ações dos serviços de saúde, visando à atenção primária e promoção de saúde, bem como identificação precoce de diferentes riscos para a saúde e desenvolvimento dessa população.

Caracterização dos bebês de risco

No presente estudo em relação ao gênero, houve distribuição homogênea, corroborando os resultados de estudo prévio(2).

No que se refere à gemelaridade, o número de partos de gêmeos identificados no presente estudo foi muito próximo ao referido no estudo de Ramos e Cuman(8). Trata-se de um fator de relevância para a investigação do perfil de bebês nascidos vivos, uma vez que a presença de mais de um feto aumenta a chance de nascimento de prematuros, com baixo peso, hipertensão arterial, ruptura das membranas e morte fetal(8).

Em relação à idade materna na época do parto, a maior concentração foi de adolescentes com idades entre 13 e 19 anos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde consideram a gravidez na adolescência como gestação de alto risco, em virtude das possíveis complicações na gravidez e problemas inerentes ao parto(16,17). Entretanto, se o pré-natal for realizado adequadamente, esse risco pode ser diminuído(15). No presente estudo, o risco da gravidez na adolescência foi confirmado e o número de puérperas adolescentes foi maior que o observado em estudos anteriores (6,17,18). Essa maior prevalência de mães adolescentes tem provável relação com a população do estudo, que é constituída apenas por mães de bebês de risco, enquanto, nos outros estudos, estão contempladas mães de bebês em geral.

Além disso, 41,48% das mães dos bebês de risco compareceram a menos consultas de pré-natal que o preconizado pelo Ministério da Saúde (13,19). Martinelli et al.(14) observaram 69% de adequações no que se refere ao número de consultas realizadas e início do acompanhamento do pré-natal, prevalência que se apresentou maior do que a verificada no presente estudo. Viellas et al.(18) também observaram que existem falhas na assistência pré-natal, incluindo um número inadequado de consultas, o que afeta a qualidade e efetividade deste acompanhamento.

As intercorrências relativas à gestação podem ser potencializadas quando associadas a condições socioeconômicas e geográficas desfavoráveis, bem como à fragilidade da estrutura familiar e dificuldade de acesso aos serviços assistenciais(8). Determinantes sociais verificados na amostra do presente estudo indicaram que a maioria das mães dos RN de risco era solteira, de cor/raça parda/negra, com apenas o ensino fundamental, dados estes que corroboram com aqueles apontados em outros estudos(8,20), sugerindo que grupos socialmente mais vulneráveis têm pior acesso ao serviço de pré-natal(14).

No que se refere ao parto dos bebês de risco do presente estudo, a maioria foi por via vaginal. Sabe-se que o parto vaginal é mais seguro, tanto para a mãe quanto para o bebê, sendo maior a morbimortalidade materna e do recém-nascido com o parto cesárea. Além disso, os gastos assistenciais necessários para o parto cesárea aumentam quando comparados aos do parto vaginal. Entretanto é importante considerar que em gestações de alto risco, o parto cesárea se constitui como um procedimento relevante para a redução dos riscos perinatais, aumentando a sobrevida dos recém-nascidos(20), o que pode ser um dos fatores que justificam a ocorrência desse tipo de parto em pouco mais de um terço da população do presente estudo.

Os principais determinantes de risco de mortalidade no período neonatal são o baixo peso no nascimento e a idade gestacional menor do que 37 semanas(7-10). Neste estudo, metade dos bebês identificados tinha peso menor do que 2.500 g e 42,88% nasceram com idade gestacional abaixo de 37 semanas, sendo confirmada a presença de ambos os riscos, os quais podem contribuir não só para a mortalidade neonatal, mas também para a ocorrência de sequelas durante o desenvolvimento, tais como alterações na função pulmonar(21), no desenvolvimento motor(22) e de linguagem(23), entre outras.

Faz-se importante considerar que o aumento no número de nascimentos de prematuros está relacionado a fatores como doenças maternas pré-gestacionais, pré-eclâmpsia, infecções gênito-urinárias, baixo nível educacional da gestante, desemprego, hábito de fumar e o uso de drogas na gestação, ausência de pré-natal, parto prematuro anterior, entre outras(7,14). Esses fatores de risco devem ser abordados em atividades de promoção de saúde e atenção primária nos serviços do Sistema único de Saúde (SUS), uma vez que a atenção pré-natal pode controlar os fatores de risco que trazem complicações à gestação, permitindo o tratamento oportuno e um desfecho perinatal e materno favoráveis (14).

O índice de Apgar reflete as condições de vitalidade do recém-nascido e, aliado a outras variáveis, integra um indicador para predizer o risco de morte (20). No presente estudo, a maioria dos bebês de risco apresentou Apgar do 1º e 5º minutos adequados, assim como foi identificado no estudo de Silva et al.(20). Índices de Apgar mais baixos podem estar relacionados com morte neonatal (10), bem como sequelas no neurodesenvolvimento(2,24).

Em relação ao acompanhamento em serviços de saúde, foi verificado que a maioria dos bebês de risco faz acompanhamento em UBS e menos de 10% são acompanhados pelos serviços de atenção secundária. A atenção às crianças no período pós-natal em serviços de atenção primária vem sendo estimulada com políticas públicas de comprovada eficácia e de ampla cobertura, visando à redução da morbimortalidade infantil. Ações na atenção primária vêm priorizando o atendimento de todos os recém-nascidos das áreas adstritas pelos profissionais das UBS, favorecendo a promoção dos cuidados de saúde bem como a vigilância às situações de risco que determinam o adoecimento ou a morte da criança(25). A articulação entre a atenção primária e hospitalar/especializada nos cuidados ao bebê de risco é preconizada pelo Ministério da Saúde. Com isso, a captação da criança (busca ativa) deve ser feita, quando necessário, para que se garanta o acompanhamento na atenção básica, assegurando uma visão integral e singular sobre a criança e sua família(26).

Acompanhamento dos bebês de risco nas UBS selecionadas, de acordo com modelo de gestão

Na segunda parte do presente estudo, foram utilizadas as informações registradas nos prontuários de bebês de risco. Uma das dificuldades encontradas foi a ilegibilidade das informações contidas no prontuário, o que acarretou a exclusão de 5 indivíduos da pesquisa. Faz-se importante ressaltar que, de acordo com a Portaria 1412(27), há necessidade de reestruturar o Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) para um sistema unificado, que integre todos os sistemas de informação para a APS, de forma que garanta não só o registro individualizado por meio do Cartão Nacional de Saúde (CNS), como também a utilização de um prontuário eletrônico do cidadão, para acesso em toda a rede SUS. Essa, dentre outras possibilidades, poderá colaborar com a qualidade das informações redigidas no que diz respeito à legibilidade das informações descritas no prontuário.

Com relação à distribuição dos riscos apresentados ao nascimento para os bebês acompanhados nos dois modelos de gestão das UBS avaliadas, observou-se semelhança, sendo baixo peso o risco mais prevalente, seguido por idade materna (mãe adolescente) e baixo índice de Apgar. O baixo peso ao nascer é o fator de risco isolado mais importante para a mortalidade infantil e a prevalência está em torno de 8% no Brasil e 9,2% na região Sudeste, sendo maior nos extremos da idade materna(6,20). No caso da população estudada, deve-se ressaltar que a maior prevalência deste risco tem relação com a própria amostra, constituída apenas por bebês de risco, bem como com a alta concentração de mães adolescentes, conforme comentado anteriormente, que, por si só, já é um fator que contribui para o aumento do risco de nascimento de bebês de baixo peso(6).

O Ministério da Saúde(6) ressalta a importância da verificação da Caderneta de Saúde da Criança(19), na identificação de riscos e vulnerabilidades ao nascer. Este registro também se faz necessário no prontuário. No presente estudo, o registro do índice de Apgar, peso e altura no nascimento dos bebês de risco foi encontrado em todos os prontuários dos bebês acompanhados, para ambos os modelos de gestão.

Durante o estudo, pôde-se perceber a importância de se ter um registro, seja no prontuário, seja no Cartão SUS da criança, de que se trata de um bebê de risco, a fim de ampliar a possibilidade de melhoria na efetividade do cuidado. Além disso, considera-se que os registros precisos podem favorecer o acompanhamento do bebê de risco bem como ações de busca ativa após identificação de ausência nas consultas de rotina. Ressalta-se ainda que na alta pós-nascimento do bebê de risco deve ser feito agendamento de consulta em serviço de atenção primária, programação de visita domiciliar e agendamento para ambulatório de seguimento do RN de risco na atenção secundária(6). Para a população do presente estudo, não existe atualmente um número suficiente de profissionais nas UBS para fazer a busca ativa dos bebês faltantes às consultas. Desta forma, o Centro Especializado de Reabilitação (CER) de referência da região à qual as UBS pertenciam tinha como padrão a realização da contrarreferência do paciente para a UBS, a fim de que o seguimento fosse realizado nos dois serviços.

Foi observada diferença estatisticamente significante entre os modelos de gestão, no que se refere ao número de consultas. Os bebês acompanhados pela ESF tinham maior número de consultas do que os acompanhados no modelo tradicional. Esse dado pode demonstrar maior capacidade de acompanhamento longitudinal do bebê de risco e ampliação do cuidado. Além disso, esses resultados podem ser relacionados àqueles identificados no estudo de Martinelli(14), em que a adequação do processo de assistência pré-natal, segundo os parâmetros do Programa de Humanização do Pré-Natal e Nascimento, foi melhor desempenhada em serviços relacionados à ESF, quando comparados aos serviços prestados em UBS com modelo de gestão tradicional. Outra possível justificativa para estes achados seria que nas UBS com ESF ocorre também o trabalho de busca ativa dos agentes comunitários de saúde durante o acompanhamento dos bebês(11).

A primeira consulta do recém-nascido (RN) é extremamente importante e deve ocorrer na sua primeira semana de vida, pois este momento se constitui como um espaço de discussão de formas de estimulação que auxilia diretamente a família nas dificuldades inerentes à vida do bebê, por exemplo, aleitamento materno exclusivo, imunizações, e também estabelece/reforça a rede de apoio à família(6). No presente estudo, foi observado que a primeira consulta dos bebês de risco ocorreu tardiamente (em média por volta do 40º dia) em ambos os modelos de gestão, o que não está de acordo com o preconizado pelo Ministério da Saúde. Foram identificados também casos extremos em que a primeira consulta de acompanhamento do bebê foi realizada próxima ao primeiro aniversário do bebê. No que se refere aos serviços de saúde, esse fato pode estar ligado à falta de profissionais nas unidades, dificuldade dos profissionais em realizar o agendamento das consultas por questão de superlotação de agendas. Outro fator a ser considerado é a ausência de procura por parte das famílias dos bebês de risco, que pode ocorrer por diferentes motivos, incluindo desde o julgamento referente à real necessidade da realização de todas as consultas preconizadas pelo MS, até questões referentes à vulnerabilidade socioeconômica e condições geográficas e de estrutura familiar desfavoráveis(8,14,20).

Em relação aos intervalos entre consultas, o Ministério da Saúde (6) prevê intervalos reduzidos de tempo, de acordo com a gravidade e/ou situação de risco, características e condições de saúde do bebê, devendo, portanto, receber acompanhamento mais sistemático. De acordo com os dados do presente estudo, em ambos os modelos, foram observados intervalos maiores do que os previstos pelo Ministério da Saúde e sem regularidade. Isso pode ter ocorrido pela questão de agenda lotada dos profissionais, ausência ou redução de profissionais nas unidades ou falta de procura por parte das famílias(11).

Na comparação entre os dois modelos de UBS, observou-se diferença estatisticamente significante para os intervalos interconsultas (da 5ª à 7ª consulta), sendo que a UBS tradicional apresentou um intervalo maior. O menor intervalo entre as consultas para os bebês atendidos dentro da ESF pode ter ocorrido considerando-se que dentro deste modelo de gestão está prevista a atuação do Agente Comunitário de Saúde que realiza a busca ativa, por exemplo, quando ocorrem faltas às consultas e para a atenção ao bebê de risco em geral(11). Além disso, na ESF quando há presença de equipes de Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) no serviço, diversas consultas domiciliares de acompanhamento do bebê de risco podem ser realizadas.

O acompanhamento do desenvolvimento infantil, a identificação e avaliação de fatores de risco e os aspectos relacionados à família são condições orgânicas e passíveis de cuidado. Dessa forma, a necessidade de acompanhamento sistemático do crescimento da criança bem como dos fatores de riscos são condições que exigem vigilância, pois há um aumento da probabilidade da existência de doenças perinatais e infantis nestes bebês de risco. Ressalta-se ainda, que o recém-nascido de risco deve ser acompanhado até pelo menos o segundo ano completo de vida para melhor avaliação da função cognitiva e da linguagem(2,6).

Os marcos do desenvolvimento são de extrema importância para avaliação do desenvolvimento do bebê, conforme preconizado na Caderneta de Saúde da Criança(19). O acompanhamento do desenvolvimento da criança na atenção básica tem como objetivo a promoção, proteção e a detecção precoce de alterações passíveis de modificação, as quais podem interferir na vida da criança. Isso pode ser feito principalmente por meio de ações educativas e de acompanhamento integral da saúde da criança(28). Desta forma, é preconizado pelo Ministério da Saúde (13) que os principais marcos de desenvolvimento sejam verificados nas consultas de rotina, sendo inclusive anotado na Caderneta de Saúde da Criança, juntamente com as medidas de crescimento(19).

No presente estudo, embora informações relativas às condições de nascimento da criança tenham sido registradas nos prontuários dos indivíduos atendidos nas UBS de ambos os modelos de gestão, as informações relacionadas aos principais marcos do desenvolvimento não foram registradas em diversos prontuários levantados. Uma possível explicação para esse dado se refere à preocupação dos profissionais em preencher apenas os dados do prontuário exigidos pela gestão dos serviços, para geração de informação unicamente contábil(11). Isso dificulta o cálculo da cobertura real dos programas de saúde junto à população, neste caso, no que se refere ao acompanhamento do bebê de risco.

Comparando os modelos de gestão analisados, foi verificado que o registro dos dados de marcos do desenvolvimento não diferiu significantemente entre eles. O registro de todos os marcos do desenvolvimento só foi verificado em um prontuário e dez prontuários continham o registro de dois marcos de desenvolvimento. Contudo, a maioria não continha o registro de nenhum dos marcos. Esse dado chama a atenção para o fato de que diretrizes básicas preconizadas pelo Ministério da Saúde não estão sendo seguidas e nos faz pensar sobre a conscientização dos profissionais de saúde sobre a importância dos marcos do desenvolvimento para um acompanhamento global e eficaz da saúde da criança.

A avaliação da qualidade técnico-científica dos serviços de assistência ao RN tem demonstrado situações inadequadas no cuidado ao bebê. Pode-se destacar fatores como o perfil quantitativo e qualitativo dos recursos humanos e a grande dificuldade encontrada nos processos de seleção, fixação e educação continuada dos profissionais. O controle de qualidade da prática assistencial nesse meio é insuficiente. Este cenário necessita ser revisto, visando a garantir uma assistência adequada e de acordo com a melhor evidência científica disponível(29).

Já no que se refere às medidas de crescimento, estudos afirmam que a monitorização de forma rotineira é amplamente aceita por profissionais de saúde e é um importante componente da consulta para crianças no mundo inteiro até os dois anos de idade(2,6). Consta ainda, na literatura, que a altura para a idade é o melhor indicador de crescimento da criança e que, no Brasil, representa o déficit antropométrico mais importante(30). Da mesma forma, o peso é considerado um importante indicador geral do nível de saúde de uma população, sendo determinado por diversos fatores correlacionados, tais como: condições sociais, econômicas e ambientais(20). Já o perímetro cefálico é o indicador de crescimento cerebral, e auxilia na identificação de alterações neurológicas e cognitivas(2). Desta forma, a aferição e registro periódico de peso, estatura e perímetro cefálico são essenciais para a avaliação do crescimento infantil pelos profissionais de saúde e permitem identificar risco de morbidade e mortalidade, auxiliando na promoção e proteção à saúde(2).

No presente estudo, o peso foi a medida mais registrada nos prontuários seguida da altura e do perímetro cefálico. Não foi observada diferença estatisticamente significante para o registro das medidas de crescimento. No entanto, observou-se maior frequência de registros das medidas de peso e altura nas UBS com modelo tradicional de gestão. Ressalta-se que essas medidas não são registradas sistematicamente em ambos os modelos, o que pode comprometer o acompanhamento do crescimento saudável da criança, impedindo ações de prevenção e diagnóstico precoce. Outrossim, enfatiza-se que é preconizado pelo Ministério da Saúde (13) que os registros do peso, da estatura e do comprimento, bem como do perímetro cefálico da criança, são recomendáveis para todas as consultas, para crianças de risco ou não, até os 2 anos de idade.

Quanto ao perímetro cefálico, pouco mais da metade dos prontuários continha esse registro em ambos os modelos de UBS. Ressalta-se que o acompanhamento desta medida é fundamental, principalmente, no primeiro ano de vida, uma vez que indica indiretamente o crescimento da massa encefálica e pode estar relacionada a neuropatologias. Sendo assim, os serviços de saúde devem estar atentos a esta medida, principalmente em relação aos bebês de risco. Faz-se necessário enfatizar que diversos fatores podem predispor à alteração do crescimento cerebral em bebês de risco, tais como a prematuridade e o baixo peso ao nascimento (2).

Em relação à especialidade do profissional que realizou as consultas do bebê de risco, observou-se que 100% delas foram realizadas pelo pediatra nas UBS tradicionais e aproximadamente 50% nas UBS com ESF. Sendo que, nestas últimas, também foram registradas consultas realizadas por médico de saúde da família e/ou com a equipe de enfermagem. Tais achados têm relação com os diferentes modelos de gestão. Cabe mencionar que o pediatra da UBS de estratégia é profissional do NASF e o fato de ele ter maior número de consultas que o médico de saúde da família pode ser explicado pela grande resistência apresentada pelos familiares do bebê de risco, que insistem em ser atendidos por um profissional especialista em desenvolvimento infantil. Esse é um paradigma que ainda precisa ser quebrado.

CONCLUSÃO

Os resultados do estudo apontaram algumas características importantes, que se mostraram prevalentes entre os RN de risco estudados, como: maior concentração de mães adolescentes, solteiras, de cor parda/preta, com apenas o ensino fundamental completo; baixo número de consultas de pré-natal para a maioria das mães; peso menor de 2,500 g ao nascimento, idade gestacional menor que 37 semanas; e maioria de nascimentos por parto vaginal.

Alguns dos aspectos relacionados acima merecem atenção, pois podem direcionar ações de saúde futuras, buscando prevenir alguns riscos que podem contribuir para o nascimento de bebês de risco. Muitas destas questões podem ser prevenidas por meio da orientação da população e da capacitação dos profissionais de saúde, principalmente na atenção básica, já que este nível de atenção é o organizador das redes de atenção à saúde.

Com relação às ações de acompanhamento dos bebês de risco, de acordo com o modelo de gestão dos serviços estudados, observaram-se diferenças significativas no que se refere a: número de consultas realizadas, sendo maior nas UBS com modelo de ESF; e intervalo entre consultas maior nas UBS com modelo tradicional de gestão. No que diz respeito aos registros dos marcos de desenvolvimento e das medidas de crescimento, não foram verificadas diferenças significantes entre os modelos de gestão, ressaltando que ambos apresentam inconsistências no registro do acompanhamento ao bebê de risco.

Em ambos os modelos, foi observado distanciamento do número de consultas que o Ministério da Saúde prevê para o acompanhamento do bebê de forma efetiva na atenção primária. Dessa forma, seria de extrema relevância, realizar um estudo com número maior de indivíduos, contemplando novamente os dois modelos de gestão estudados, aproximando a gestão das equipes dos profissionais e da família. Essas ações podem fortalecer os conselhos de saúde e empoderar a população na discussão a respeito do bebê de risco e nas implicações desses riscos descritos e dos demais que não são levados em consideração, mas que sabemos ter impacto negativo no desenvolvimento do bebê. Dentro desse contexto, deve-se refletir sobre a possibilidade de inclusão destes também para que se possa encontrar soluções para melhorar a efetividade do cuidado dos bebês de risco na atenção primária.

Desta forma, o presente estudo enfatiza que ainda existem lacunas no acompanhamento ao bebê de risco, no que se refere à aplicação das diretrizes preconizadas na Rede Cegonha.

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