Compartilhar

Atendimentos de emergência por lesões relacionadas ao trabalho: características e fatores associados - Capitais e Distrito Federal, Brasil, 2011

Atendimentos de emergência por lesões relacionadas ao trabalho: características e fatores associados - Capitais e Distrito Federal, Brasil, 2011

Autores:

Márcio Dênis Medeiros Mascarenhas,
Mariana Gonçalves de Freitas,
Rosane Aparecida Monteiro,
Marta Maria Alves da Silva,
Deborah Carvalho Malta,
Carlos Minayo Gómez

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123

Ciênc. saúde coletiva vol.20 no.3 Rio de Janeiro mar. 2015

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015203.16842014

Introdução

As causas externas (acidentes e violências) de morbimortalidade vêm apresentando grande importância na saúde pública, haja vista sua magnitude e impacto na vida das pessoas, especialmente nos países em desenvolvimento1 - 3. Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), os fatores externos constituem a principal causa de perda de anos de vida em dois terços das nações americanas, sendo que os acidentes de transporte, homicídios e suicídios figuram entre as cinco principais causas de mortes prematuras4.

No Brasil, as taxas de mortalidade por esses eventos apresentam-se altas e crescentes desde a década de 19805, o que demonstra a importância desse problema para o País6. A taxa de mortalidade por causas externas no Brasil variou de 69,3 óbitos por 100 mil habitantes em 2001 a 75,1 óbitos por 100 mil habitantes em 2010 (aumento de 8,4%). Em 2010, as causas externas ocupavam a terceira posição entre as mortes da população total e a primeira posição entre óbitos de adolescentes (de 10 a 19 anos) e adultos jovens (de 20 a 39 anos). As mortes por agressões e acidentes de transporte terrestre foram responsáveis por cerca de 70% dos óbitos por causas externas. No ano de 2011, no Brasil, as causas externas representaram 8,6% do total de internações no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), ocupando a quinta posição. As maiores taxas de internação ocorreram entre homens de 20 a 39 anos (89,7 por 10 mil homens) e entre as mulheres de 60 e mais anos de idade (74,3 por 10 mil mulheres). No período de 2002 a 2011, verificou-se incremento de 19,3% na taxa de internação por agressões7.

As lesões relacionadas ao trabalho, ou os acidentes de trabalho (AT), apresentam grande relevância dentre as causas externas atendidas nos serviços de saúde. Porém, trata-se de uma realidade parcialmente conhecida, pois sua notificação é informada à Previdência Social somente para os empregados com carteira assinada (cerca de um quarto do total de trabalhadores), excluindo-se os trabalhadores do setor informal, empregados sem carteira e estatutários8.

Discute-se que os AT são subnotificados no Brasil por dois grandes fatores: i) por não serem reconhecidos como relacionados ao trabalho, aparecendo nas estatísticas oficiais como homicídios comuns e acidentes em geral; e ii) pelo fato de não existir um sistema único que centralize as informações sobre AT no país9 , 10. A base de dados mais abrangente é gerenciada pelo Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), entretanto, a mesma não capta informações sobre acidentes ocorridos no mercado informal da economia brasileira10.

Segundo Santana et al.11, a taxa de mortalidade por AT é de 13,2/100.000 trabalhadores segurados, e a incidência cumulativa anual para os acidentes não-fatais seria em torno de 3% a 6%. Esses agravos têm um custo elevado para a saúde no país, além dos gastos previdenciários. Estima-se que os custos com afastamentos do trabalho por enfermidades e agravos ocupacionais do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) corresponderiam a mais da metade dos benefícios pagos pela Previdência Social (62,8%)11 , 12.

No Brasil, a vigilância e o monitoramento de acidentes e violências são realizados a patir de um fluxo sistemático de dados primários e secundários, cujas principais fontes são os sistemas de informação sobre mortalidade e internações hospitalares, além de boletins de ocorrência policial, comunicação de acidente de trabalho (CAT), informações tóxico-farmacológicas e inquéritos de saúde periódicos13 , 14.

No entanto, devido à dificuldade de se obter dados de morbidade no que se refere às lesões de menor gravidade, que não implicam mortes ou internações, mas que apresentam um grande impacto na demanda por atendimentos de urgência, o Ministério da Saúde implantou, em 2006, o Sistema de Serviços Sentinelas de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA). Trata-se de uma modalidade de vigilância, estruturada em dois componentes: 1) vigilância de violências e acidentes em emergências hospitalares, que visa caracterizar os atendimentos de urgência devidos às causas externas (VIVA Inquérito); e 2) vigilância da violência sexual, doméstica e/ou outras violências interpessoais, que consideram as exigências legais de notificação da violência contra criança, adolescente, mulher e idoso15.

No VIVA Inquérito 2011, foi acrescentada uma variável que permite identificar se a lesão esteve relacionada ao trabalho, bem como o tipo de ocupação exercida, tanto no setor formal, informal, como no autônomo. Esta modificação fez-se oportuna, pois, ao superar visões reducionistas que enxergam essas ocorrências como eventos simples explicados por erros dos operadores, torna-se fundamental desenvolver investigações sobre os AT para direcionar a prevenção desses eventos16.

A presente análise tem como objetivo descrever o perfil dos atendimentos de emergência por causas externas relacionados ao trabalho, a partir de dados do VIVA Inquérito 2011, em 24 capitais e no Distrito Federal. Os resultados obtidos podem ser úteis para subsidiar a vigilância de violências e acidentes, além de auxiliar o desenvolvimento de políticas públicas voltadas para a promoção da saúde do trabalhador, inclusive sobre a população habitualmente não inserida nas notificações oficiais do MPAS.

Métodos

Estudo transversal, a partir dos dados do VIVA Inquérito, pesquisa realizada entre os meses de setembro a novembro de 2011, em 71 serviços de urgência e emergência do SUS, localizados no Distrito Federal e nas 24 capitais brasileiras. Manaus-AM e São Paulo-SP não executaram o inquérito por aspectos operacionais. A inclusão dos serviços selecionados foi validada pelas equipes locais de acordo com os seguintes critérios: 1) registro de serviços habilitados para atendimento de urgência e emergência no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES); 2) disponibilidade de registros quanto à demanda de internação por causas externas a partir do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS); 3) volume de atendimentos identificados no VIVA Inquérito de 2006, 2007 e 200917 - 19.

Para a coleta de dados, considerou-se o período de 30 dias consecutivos, divididos em turnos de 12 horas, totalizando 60 turnos: 30 diurnos (7h00min às 18h59min) e 30 noturnos (19h00min às 6h59min). O procedimento de sorteio dos turnos foi a amostragem por conglomerado em único estágio de seleção, sendo o turno a unidade primária de amostragem. O número de turnos sorteados em cada estabelecimento foi obtido em função do tamanho mínimo da amostra (2.000 por capital) e a média de atendimentos por causas externas realizados no serviço, assumindo coeficiente de variação inferior a 30% e o erro-padrão menor que 317 - 19.

Foram elegíveis para a entrevista todas as vítimas de causas externas que procuraram atendimento, pela primeira vez, nos serviços de urgência e emergência selecionados nos turnos sorteados e que concordaram em participar da pesquisa. Os dados foram coletados por meio de formulário padronizado, aplicado por equipes treinadas. Os atendimentos foram classificados em dois grupos, segundo a intencionalidade: a) acidente foi definido como "evento não intencional e evitável, causador de lesões físicas e emocionais, no âmbito doméstico ou social como trabalho, escola, esporte e lazer"20 (acidentes de transporte, quedas, queimaduras, cortes, queda de objetos sobre a pessoa, envenenamento, sufocação, afogamento, dentre outros); b) considerou-se como violência "o uso da força física ou poder, em ameaçasse ou, na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou uma comunidade, que resultasse ou tivesse qualquer possibilidade de resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação"3 (lesões autoprovocadas, maus-tratos e agressões).

O evento notificado (acidente/violência) foi considerado relacionado ao trabalho quando a vítima (ou seu responsável - se paciente inconsciente ou menor de 18 anos) informou que o mesmo havia ocorrido quando estava trabalhando, indo ou voltando para o trabalho, ao responder afirmativamente à pergunta A ocorrência se deu durante o trabalho ou no trajeto para o trabalho?. Desta forma, tentou-se identificar tanto o AT típico (aquele que ocorre no local de trabalho) quanto o AT de trajeto (quando ocorre no caminho de ida ou de volta do trabalho, desde que seja o mesmo caminho, aquele percorrido rotineiramente, e que não haja paradas ou desvios durante o trajeto casa-trabalho ou trabalho-casa).

Também se perguntou qual a ocupação exercida, até o momento da ocorrência do evento notificado, pela pessoa atendida na maior parte do dia, tanto no setor formal, informal ou como autônomo. As ocupações informadas foram codificadas segundo a Classificação Brasileira de Ocupações, edição 2002 (CBO-2002), agregadas em grandes grupos reunidos por nível de competência e similaridade nas atividades executadas21.

Foram incluídos na presente análise os registros de atendimentos de emergência devidos a acidentes envolvendo pacientes com idade a partir de 18 anos, considerando-se as seguintes características:

a) sociodemográficas: sexo (masculino, feminino), faixa etária (18-29, 30-39, 40-59, 60 anos ou mais), raça/cor da pele (branca, preta/parda, amarela/indígena), escolaridade (0-8 e 9 anos ou mais de estudo), presença de algum tipo de deficiência, grupos de ocupação;

b) do evento: local de ocorrência (domicílio, via pública, escola, área de recreação, comércio/serviços/bar, indústria/construção, outros), natureza da lesão (sem lesão física, contusão, corte/laceração/amputação, entorse/luxação, fratura, traumas, outra), segmento corporal atingido (cabeça/pescoço, tórax/abdome/pelve, extremidades, múltiplos órgãos/regiões), declaração de uso de bebida alcoólica, tipo de ocorrência (acidente de transporte, queda, ferimento por objeto perfurocortante, choque contra objeto/pessoa, entorse, corpo estranho, queda de objeto sobre pessoa, acidente com animais, queimadura);

c) do atendimento: meio de locomoção para o hospital (a pé, veículo particular, SAMU/ambulância/resgate, ônibus/van, viatura policial, outros), período de atendimento (noturno, diurno), dia de atendimento (domingo, segunda, terça, quarta, quinta, sexta, sábado), evolução (alta, internação hospitalar, encaminhamento ambulatorial, evasão, óbito).

As análises foram processadas para o conjunto de atendimentos realizados nos serviços selecionados, comparando-se as características das vítimas de acidentes, segundo a relação do evento com o trabalho. A hipótese nula de independência entre as variáveis qualitativas foi averiguada pelo teste do qui-quadrado com nível de significância de 5%. Razões de prevalência e respectivos intervalos de confiança de 95% foram estimados pela regressão de Poisson. Utilizou-se o módulo "svy" do programa Stata, versão 11 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos), para a obtenção de estimativas não viciadas quando os dados são provenientes de planos de amostragem complexos.

O projeto do VIVA Inquérito 2011 foi avaliado e aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP). Mais informações sobre o delineamento da amostra, organização e operacionalização da pesquisa podem ser obtidas em outras publicações15 - 18.

Resultados

No VIVA Inquérito 2011 foram identificados 29.463 atendimentos de emergência por causas acidentais na população, a partir de 18 anos de idade. A prevalência de eventos relacionados ao trabalho dentre esses atendimentos foi de 33,4% para o total de capitais mais o Distrito Federal. As menores prevalências foram registradas em capitais do Norte e Nordeste como Macapá, Fortaleza, Boa Vista e São Luís, enquanto as prevalências mais elevadas foram observadas em capitais de regiões mais desenvolvidas do país como Curitiba, Florianópolis, Vitória, Campo Grande e no Distrito Federal (Figura 1).

Figura 1. Proporção de atendimentos de emergência por lesões relacionadas ao trabalho - Capitaisa e Distrito Federal, Brasil, 2011. Fonte: MS, SVS, Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes-VIVA, Inquérito 2011. a Exceto Manaus-AM e São Paulo-SP. 

A Tabela 1 apresenta as características demográficas dos atendimentos de emergência por acidentes, a prevalência e os fatores associados à ocorrência de eventos relacionados ao trabalho. Do total de entrevistados, predominaram pacientes do sexo masculino (65,0%), jovens de 18 a 29 anos (38,2%), pessoas que declararam possuir cor da pele preta/parda (65,2%), mais de 8 anos de escolaridade (51,1%). Somente 4,1% disseram possuir algum tipo de deficiência. Mais da metade dos pacientes que informaram sua ocupação pertenciam ao setor de produção de bens e serviços industriais (34,0%) ou eram prestadores de serviços e vendedores (33,5%). A ocorrência de eventos relacionados ao trabalho foi, significativamente, maior entre os indivíduos do sexo masculino e adultos de 30 a 39 anos de idade. Trabalhadores do setor de produção de bens e serviços industriais, administrativos, de reparação/manutenção, vendedores, técnicos de nível médio e agropecuários apresentaram maior proporção de AT em relação aos profissionais das ciências e artes. Idosos e pessoas com deficiência apresentaram proporção significativamente menor de AT (Tabela 1),

Tabela 1. Características sociodemográficas de pacientes atendidos por acidentes em serviços de emergência segundo relação com o trabalho - Capitaisa e Distrito Federal, Brasil, 2011. 

Evento relacionado
ao trabalho
Total IC95% Valor
Características Sim Não RP
(n = 29.463)b (n = 9.754)b (n = 19.709)b de p
%c %c %c
Sexo
Feminino 35,0 22,3 77,7 1,00 - -
Masculino 65,0 39,4 60,6 1,77 1,68-1,86 0,000
Faixa etária (anos)
18 a 29 38,2 34,3 65,8 1,00 - -
30 a 39 23,4 40,1 59,9 1,17 1,12-1,23 0,000
40 a 59 26,5 36,3 63,7 1,06 1,01-1,12 0,023
60 e mais 11,9 11,4 88,6 0,33 0,30-0,37 0,000
Raça/cor da pele
Branca 32,6 32,1 67,9 1,00 - -
Preta/parda 65,2 34,1 65,9 1,06 1,00-1,13 0,063
Amarela/indígena 2,2 34,1 65,9 1,06 0,95-1,20 0,302
Escolaridade (anos de estudo)
9 e + 51,1 33,3 66,7 1,00 - -
0 a 8 48,9 34,4 65,6 1,03 0,99-1,08 0,136
Presença de deficiência
Não 95,9 34,2 65,8 1,00 - -
Sim 4,1 17,3 82,7 0,50 0,42-0,60 0,000
Grupos de ocupação
Profissionais das ciências e das artes 5,5 30,0 70,0 1,00 - -
Produção de bens e serviços industriais 34,0 55,4 44,7 1,85 1,63-2,09 0,000
Prestadores de serviços e vendedores 33,5 44,1 55,9 1,47 1,29-1,68 0,000
Prestadores de serviços administrativos 7,2 40,8 59,2 1,36 1,17-1,59 0,000
Técnicos de nível médio 6,4 39,0 61,0 1,30 1,13-1,50 0,000
Trabalhadores agropecuários 4,7 45,7 54,3 1,52 1,33-1,75 0,000
Serviços de reparação e manutenção 4,5 51,6 48,4 1,72 1,48-2,00 0,000
Dirigentes de org. públicas e empresas 3,4 33,2 66,8 1,11 0,91-1,34 0,298
Forças armadas, policiais e bombeiros 0,8 34,8 65,2 1,16 0,89-1,52 0,279

Fonte: MS, SVS, Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes-VIVA, Inquérito 2011.

a Exceto Manaus/AM e São Paulo/SP;

b Número absoluto de observações;

c Percentual ponderado. RP: razão de prevalência; IC95%: intervalo de confiança de 95%.

Na Tabela 2 é possível conhecer a distribuição proporcional das características da ocorrência dos acidentes que demandaram atendimento de emergência. Predominaram eventos ocorridos na via pública (41,5%), com lesões do tipo corte/laceração/amputação (27,8%), atingindo principalmente as extremidades corporais (62,6%). Os tipos de ocorrências mais frequentes foram acidentes de transporte (33,9%) e quedas (29,4%). A prevalência de eventos relacionados ao trabalho foi significativamente maior entre os acidentes ocorridos em indústrias, áreas de construção, comércio, serviços e bares. Lesões do tipo fratura e traumas estiveram associadas aos AT em proporção de 20% a 30% menor do que os eventos que não causaram lesão física. Estiveram associados à ocorrência de AT os segmentos corporais referentes às extremidades e tórax/abdome/pelve. O uso de bebida alcoólica pelo paciente apresentou associação significativa com os AT, mas em proporção 75% menor em relação aos pacientes que não ingeriram a substância. As prevalências de eventos relacionados ao trabalho foram mais elevadas entre os atendimentos decorrentes das seguintes ocorrências: queda de objeto sobre pessoa, ferimentos por objeto perfurocortante, corpo estranho, queimadura e entorse. A prevalência de AT foi significativamente maior nos atendimentos por queda de objeto sobre pessoa (RP = 3,37; IC95% 2,80-4,05) e ferimento por objeto perfurocortante (RP = 3,01; IC95% 2,50-3,65).

Tabela 2. Características dos eventos acidentais que demandaram atendimento em serviços de emergência segundo relação com o trabalho - Capitaisa e Distrito Federal, Brasil, 2011. 

Evento relacionado
ao trabalho
IC95% Valor
Características Total Sim Não RP
(n = 29.463)b (n = 9.754)b (n = 19.709)b de p
%c %c %c
Local de ocorrência
Domicílio 32,4 10,5 89,5 1,00 - -
Via pública 41,5 30,2 69,8 2,88 2,66-3,13 0,000
Comércio/serviços/bar 13,4 85,8 14,2 8,18 7,49-8,92 0,000
Área de recreação 5,0 4,5 95,5 0,43 0,32-0,59 0,000
Indústria/construção 4,7 95,6 4,5 9,11 8,33-9,97 0,000
Escola 0,7 30,4 69,7 2,89 2,26-3,71 0,000
Outros 2,3 44,9 55,1 4,28 3,81-4,80 0,000
Natureza da lesão
Sem lesão 5,9 35,4 64,6 1,00 - -
Corte/laceração/amputação 27,8 36,0 64,0 1,02 0,92-1,12 0,739
Entorse/luxação 20,7 32,2 67,8 0,91 0,83-1,00 0,056
Contusão 19,3 34,5 65,5 0,97 0,89-1,07 0,581
Fratura 11,9 29,0 71,0 0,82 0,74-0,91 0,000
Traumas 8,3 25,4 74,6 0,72 0,63-0,82 0,000
Outra 6,2 40,8 59,3 1,15 1,03-1,29 0,014
Segmento corporal atingido
Cabeça/pescoço 17,6 29,6 70,4 1,00 - -
Tórax/abdome/pelve 9,2 34,6 65,4 1,17 1,07-1,27 0,000
Extremidades 62,6 35,1 64,9 1,18 1,11-1,26 0,000
Múltiplos órgãos/regiões 10,6 28,4 71,6 0,96 0,88-1,05 0,374
Uso de bebida alcoólica
Não 88,8 36,6 63,5 1,00 - -
Sim 11,2 9,0 91,0 0,25 0,21-0,28 0,000
Tipo de ocorrência
Acidente com animais 3,2 18,1 82,0 1,00 - -
Acidente de transporte 33,9 31,3 68,7 1,73 1,44-2,09 0,000
Queda 29,4 23,1 76,9 1,28 1,08-1,52 0,005
Ferimento por objeto perfurocortante 6,9 54,4 45,6 3,01 2,50-3,64 0,000
Choque contra objeto/pessoa 5,7 28,2 71,9 1,56 1,30-1,87 0,000
Entorse 5,7 38,2 61,8 2,12 1,72-2,60 0,000
Corpo estranho 4,8 49,7 50,3 2,75 2,26-3,34 0,000
Queda de objeto sobre pessoa 4,4 60,8 39,2 3,37 2,80-4,05 0,000
Queimadura 2,0 38,9 61,2 2,15 1,74-2,66 0,000
Outros acidentesd 4,0 52,6 47,4 2,92 2,41-3,53 0,000

Fonte: MS, SVS, Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes-VIVA, Inquérito 2011.

a Exceto Manaus/AM e São Paulo/SP;

b Número absoluto de observações;

c Percentual ponderado;

d Inclui: sufocação, afogamento, envenenamento, intoxicação, ferimento por arma de fogo, esmagamento, outros não classificados. RP: razão de prevalência; IC95%: intervalo de confiança de 95%.

Por meio da Tabela 3, observam-se as características dos atendimentos de acidentes realizados em unidades de emergência. Predominaram atendimentos envolvendo o transporte até o hospital por meio de veículo particular (52,0%), no período diurno (63,4%), nos dias de segunda a sexta. A maioria dos pacientes recebeu alta (77,7%) nas primeiras 24 horas após o atendimento de emergência. A prevalência de eventos relacionados ao trabalho foi maior entre os pacientes que se locomoveram ao hospital a pé ou usando transporte coletivo, aqueles atendidos no período diurno e de segunda a sexta. Acidentes relacionados ao trabalho foram significativamente menos frequentes entre os atendimentos que demandaram internação hospitalar ou para os pacientes que evadiram em relação à maioria dos pacientes que receberam alta nas primeiras 24 horas após atendimento de emergência.

Tabela 3. Características dos atendimentos de emergência por acidentes segundo relação com o trabalho - Capitaisa e Distrito Federal, Brasil, 2011. 

Evento relacionado ao trabalho
Características Total Sim Não RP IC95% Valor
(n = 29.463)b (n = 9.754)b (n = 19.709)b de p
%c %c %c
Locomoção para o hospital
SAMU/Ambulância/Resgate 26,8 30,0 70,0 1,00 - -
Veículo particular 52,0 32,6 67,4 1,09 1,02-1,15 0,007
Ônibus/van (coletivo) 15,0 39,3 60,7 1,31 1,22-1,41 0,000
A pé 3,4 42,2 57,8 1,41 1,24-1,60 0,000
Viatura policial 0,8 30,2 69,8 1,01 0,81-1,26 0,946
Outros 2,0 43,2 56,8 1,44 1,27-1,63 0,000
Período de atendimento
Noturno 36,6 21,1 78,9 1,00 - -
Diurno 63,4 40,5 59,5 1,92 1,80-2,05 0,000
Dia de atendimento
Domingo 14,9 13,3 86,7 1,00 - -
Segunda 14,7 34,7 65,3 2,61 2,31-2,96 0,000
Terça 15,3 41,0 59,0 3,09 2,72-3,50 0,000
Quarta 13,1 35,9 64,1 2,70 2,35-3,11 0,000
Quinta 13,6 41,5 58,5 3,12 2,74-3,56 0,000
Sexta 14,8 41,3 58,7 3,11 2,77-3,49 0,000
Sábado 13,6 26,5 73,5 1,99 1,76-2,26 0,000
Evolução
Alta 77,7 34,2 65,8 1,00 - -
Internação hospitalar 15,3 29,2 70,8 0,85 0,79-0,92 0,000
Encaminhamento ambulatorial 5,8 34,6 65,4 1,01 0,92-1,11 0,801
Evasão 1,0 23,5 76,5 0,69 0,53-0,89 0,004
Óbito 0,1 33,6 66,4 0,98 0,62-1,56 0,934

Fonte: MS, SVS, Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes-VIVA, Inquérito 2011.

a Exceto Manaus/AM e São Paulo/SP;

b Número absoluto de observações;

c Percentual ponderado. RP: razão de prevalência; IC95%: intervalo de confiança de 95%.

A Tabela 4 detalha a prevalência de AT dentre os diferentes tipos de eventos e identifica os fatores associados à sua ocorrência. A proporção de AT foi significativamente maior no sexo masculino para todos os tipos de ocorrência, exceto choque contra objeto/pessoa. Observou-se associação positiva entre AT e idade de 30 a 39 anos, nos atendimentos por acidentes de transporte, queda, choque contra objeto/pessoa e entorse. A proporção de AT foi significativamente maior nos indivíduos pretos/pardos atendidos por queda, ferimento perfurocortante, queda de objeto sobre pessoa e queimadura. Baixa escolaridade foi fator associado positivamente à ocorrência de eventos relacionados ao trabalho entre os atendimentos por acidente com animais, ferimento perfurocortante, choque de objeto contra pessoa, entorse e outros acidentes.

Tabela 4. Prevalência (%) e razão de prevalências (RP) de eventos relacionados ao trabalho entre atendimentos de emergência, por tipo de ocorrência, segundo características da vítima - Capitaisa e Distrito Federal, Brasil, 2011. 

Tipo de ocorrência
Acidente de transporte Queda Ferimento perfurocortante
Características (n = 10.463) (n = 8.317) (n = 2.302)
% RP (IC95%) % RP (IC95%) % RP (IC95%)
Total 31,3 - 23,1 - 54,4 -
Sexo
Feminino 25,8 1,00 16,9 1,00 33,5 1,00
Masculino 33,2 1,28 (1,17-1,41) 29,3 1,74 (1,55-1,95) 61,4 1,83 (1,56-2,15)
Faixa etária (anos)
18 a 29 28,8 1,00 26,5 1,00 54,9 1,00
30 a 39 35,0 1,21 (1,13-1,31) 32,4 1,22 (1,08-1,38) 59,3 1,08 (0,96-1,21)
40 a 59 36,4 1,26 (1,17-1,37) 27,5 1,04 (0,91-1,18) 54,9 1,00 (0,89-1,12)
60 e mais 14,8 0,51 (0,39-0,67) 6,9 0,26 (0,21-0,33) 31,8 0,58 (0,43-0,78)
Raça/cor da pele
Branca 33,3 1,00 20,3 1,00 48,4 1,00
Preta/parda 30,6 0,92 (0,84-1,01) 24,4 1,21 (1,07-1,36) 56,8 1,17 (1,02-1,35)
Amarela/indígena 29,1 0,87 (0,69-1,11) 31,7 1,56 (1,23-1,99) 59,9 1,24 (0,94-1,62)
Escolaridade (anos de estudo)
9 e + 33,3 1,00 23,9 1,00 47,9 1,00
0 a 8 30,0 0,90 (0,84-0,96) 22,9 0,96 (0,87-1,06) 60,5 1,26 (1,12-1,42)
Presença de deficiência
Não 31,5 1,00 24,3 1,00 55,2 1,00
Sim 29,3 0,93 (0,71-1,22) 9,3 0,38 (0,28-0,52) 20,5 0,37 (0,18-0,79)
Uso de bebida alcoólica
Não 36,9 1,00 24,8 1,00 56,9 1,00
Sim 8,2 0,22 (0,19-0,26) 7,5 0,30 (0,23-0,40) 20,8 0,37 (0,25-0,52)
Tipo de ocorrência
Choque objeto/pessoa Entorse
Características (n = 1.607) (n = 1.512)
% RP (IC95%) % RP (IC95%)
Total 28,2 - 38,2 -
Sexo
Feminino 25,1 1,00 33,8 1,00
Masculino 29,5 1,17 (0,95-1,44) 41,5 1,23 (1,03-1,46)
Faixa etária (anos)
18 a 29 22,0 1,00 35,9 1,00
30 a 39 38,0 1,73 (1,35-2,22) 44,2 1,23 (1,03-1,47)
40 a 59 34,6 1,57 (1,22-2,04) 42,2 1,18 (0,98-1,40)
60 e mais 13,1 0,60 (0,29-1,24) 12,9 0,36 (0,17-0,76)
Raça/cor da pele
Branca 29,9 1,00 38,3 1,00
Preta/parda 27,0 0,90 (0,78-1,04) 38,6 1,01 (0,84-1,21)
Amarela/indígena 31,7 1,06 (0,62-1,82) 28,2 0,74 (0,45-1,21)
Escolaridade (anos de estudo)
9 e + 26,1 1,00 34,3 1,00
0 a 8 31,8 1,22 (1,03-1,46) 44,1 1,29 (1,13-1,46)
Presença de deficiência
Não 28,3 1,00 38,8 1,00
Sim 23,3 0,82 (0,40-1,67) 17,4 0,45 (0,20-0,99)
Uso de bebida alcoólica
Não 29,0 1,00 39,6 1,00
Sim 10,5 0,36 (0,15-0,88) 8,9 0,22 (0,10-0,53)
Tipo de ocorrência
Queda objeto/pessoa Corpo estranho Acidente com animais
Características (n = 1.334) (n = 1.200) (n = 978)
% RP (IC95%) % RP (IC95%) % RP (IC95%)
Total 60,8 - 49,7 - 18,1 -
Sexo
Feminino 28,5 1,00 20,0 1,00 8,6 1,00
Masculino 71,0 2,49 (2,02-3,07) 57,6 2,89 (1,99-4,20) 26,7 3,09 (2,06-4,66)
Faixa etária (anos)
18 a 29 69,9 1,00 56,9 1,00 18,4 1,00
30 a 39 61,6 0,88 (0,79-0,98) 55,4 0,97 (0,84-1,12) 20,3 1,10 (0,76-1,60)
40 a 59 58,2 0,83 (0,73-0,95) 43,5 0,76 (0,67-0,87) 20,6 1,12 (0,69-1,81)
60 e mais 29,2 0,42 (0,29-0,61) 23,2 0,41 (0,27-0,61) 9,9 0,54 (0,28-1,03)
Raça/cor da pele
Branca 54,4 1,00 50,8 1,00 18,9 1,00
Preta/parda 64,0 1,18 (1,02-1,36) 48,8 0,96 (0,83-1,11) 17,8 0,94 (0,59-1,49)
Amarela/indígena 55,0 1,01 (0,69-1,47) 57,5 1,13 (0,75-1,71) 8,3 0,44 (0,15-1,29)
Escolaridade (anos de estudo)
9 e + 58,4 1,00 46,5 1,00 13,1 1,00
0 a 8 62,9 1,08 (0,96-1,21) 53,0 1,14 (0,99-1,32) 23,5 1,80 (1,22-2,65)
Presença de deficiência
Não 61,4 1,00 50,3 1,00 18,5 1,00
Sim 42,3 0,69 (0,39-1,21) 32,0 0,64 (0,36-1,11) 8,9 0,48 (0,10-2,30)
Uso de bebida alcoólica
Não 62,1 1,00 50,6 1,00 18,6 1,00
Sim 26,0 0,42 (0,22-0,80) 14,3 0,28 (0,10-0,77) 9,1 0,49 (0,15-1,61)
Tipo de ocorrência
Queimadura Outros acidentes b
Características (n = 588) (n = 1.119)
% RP (IC95%) % RP (IC95%)
Total 38,9 - 52,6 -
Sexo
Feminino 22,8 1,00 33,6 1,00
Masculino 51,4 2,25 (1,55-3,26) 60,7 1,81 (1,44-2,27)
Faixa etária (anos)
18 a 29 40,0 1,00 58,1 1,00
30 a 39 50,6 1,26 (0,89-1,80) 52,4 0,90 (0,79-1,03)
40 a 59 34,0 0,85 (0,62-1,16) 51,9 0,89 (0,76-1,05)
60 e mais 10,7 0,27 (0,12-0,61) 29,3 0,50 (0,30-0,84)
Raça/cor da pele
Branca 27,6 1,00 49,4 1,00
Preta/parda 45,7 1,65 (1,25-2,18) 54,9 1,11 (0,90-1,38)
Amarela/indígena 12,5 0,45 (0,07-3,12) 42,7 0,86 (0,47-1,59)
Escolaridade (anos de estudo)
9 e + 41,8 1,00 50,0 1,00
0 a 8 35,6 0,85 (0,66-1,10) 57,4 1,15 (1,01-1,30)
Presença de deficiência
Não 39,5 1,00 53,8 1,00
Sim 24,4 0,62 (0,30-1,27) 29,5 0,55 (0,31-0,98)
Uso de bebida alcoólica
Não 38,9 1,00 55,3 1,00
Sim 13,5 0,35 (0,07-1,85) 8,9 0,16 (0,07-0,37)

Fonte: MS, SVS, Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes-VIVA, Inquérito 2011.

a Exceto Manaus/AM e São Paulo/SP;

b Inclui: sufocação, afogamento, envenenamento, intoxicação, ferimento por arma de fogo, esmagamento, outros não classificados. Diferenças estatisticamente significantes encontram-se destacadas em negrito (p < 0,05). RP: razão de prevalência; IC95%: intervalo de confiança de 95%.

Verificou-se associação negativa entre AT e presença de deficiência para os atendimentos por queda, ferimento perfurocortante, entorse e outros acidentes. Também foi significativamente inferior a proporção de AT entre usuários de bebida alcoólica atendidos por eventos acidentais, exceto acidentes com animais e queimadura.

Discussão

As causas externas são importante motivo de internação e atendimento de urgência e emergência em serviços de saúde, dentre as quais os AT demonstram grande relevância e magnitude. Segundo os dados do VIVA Inquérito realizado em 2011, cerca de um terço dos atendimentos foram decorrentes de eventos relacionados ao trabalho. As vítimas de acidentes relacionados ao trabalho foram na maioria homens, jovens (30 a 39 anos), pardos e pretos, trabalhadores da produção de bens e serviços industriais, setor agropecuário ou serviços de reparação e manutenção. As ocorrências foram mais frequentes no período diurno e de segunda a sexta. Os AT foram mais prevalentes dentre os acidentes do tipo queda de objeto sobre pessoa, ferimento por objeto perfurocortante, corpo estranho e queimadura. Os locais com maior ocorrência de AT foram indústria/construção, comércio/serviços/bar, via pública e escola.

Os acidentes ocupacionais são responsáveis pelo maior número de mortes e incapacidades graves causados pelo trabalho em todo o mundo, embora muitos países não diferenciem as estatísticas dos acidentes em relação às enfermidades ocupacionais. A população acometida por AT constitui uma parcela importante dos atendimentos em serviços de emergência11. O estudo atual reiterou este achado, mostrando que mais de um terço das ocorrências nas portas de urgência-emergência, estavam relacionadas ao trabalho, resultado compatível com estudo realizado por Conceição et al.8 em Salvador (BA), quando identificaram 31,6% dos atendimentos em serviços de emergência decorrentes de AT.

Os atendimentos identificados pelo VIVA Inquérito podem ser uma fonte inestimável de informação sobre estas ocorrências, apoiando a compreensão dos eventos relacionados ao trabalho. Os dados atuais de AT notificados à Previdência Social, por meio da CAT, não cobrem todo o universo de trabalhadores, já que é exclusiva para trabalhadores com vínculo formal de trabalho, o que representa menos da metade da força de trabalho ocupada8.

Os AT trazem grandes prejuízos sociais e econômicos atualmente, com grande custo previdenciário para o INSS. Estima-se em torno de meio milhão de dias de trabalho perdidos por ano devido aos AT. Entre os agravos e doenças que geram benefícios, 7,3% são decorrentes de AT, com maior proporção nos trabalhadores da indústria de transformação e construção/eletricidade/gás12.

O VIVA Inquérito apontou que, dentre os fatores sociodemográficos, predominam homens, jovens (30 a 39 anos), pardos e pretos, trabalhadores menos qualificados. Este perfil está de acordo com os achados de estudo de coorte, de base comunitária, acompanhando 2.512 indivíduos residentes em Salvador (BA), exceto a predominância de mulheres. Foram 628 trabalhadores que referiram AT ao longo período de seguimento, com predominância de mulheres (64%), pessoas mais jovens entre 18-30 anos (41,6%), negros (66,4%), baixa escolaridade (51,4%), de mais baixo nível socioeconômico (55,1%) e trabalhadores com contrato informal de trabalho (54,3%)11.

Os dados do VIVA Inquérito também apontaram maior razão de prevalência em trabalhadores da produção de bens e serviços industriais, agropecuários e serviços de reparação e manutenção, quando comparados com trabalhadores das ciências e das artes, o que também se revela no estudo de Santana et al.12. Isso pode ser explicado devido ao maior risco envolvidos nesses setores, o que exige mais cuidado na execução do trabalho e a adoção do uso de equipamentos de proteção individual e de medidas para a garantia de um local de trabalho mais seguro.

Outros autores, por meio de análise de regressão logística de um banco de AT típicos notificados ao INSS, identificaram que a escolaridade e a renda foram variáveis preditoras de AT, enquanto as demais variáveis como idade, raça/cor, hábito de fumar, uso de álcool desapareceram após o ajuste para escolaridade e renda22. Este tipo de análise não foi objeto do atual estudo, mas pode-se identificar como proxy de baixa condição socioeconômica, a predominância de vítimas de cor parda/preta e de ocupantes de postos de trabalho com baixo nível educacional.

Considerando a distribuição dos atendimentos de emergência por lesões relacionadas ao trabalho segundo as capitais do Brasil e no Distrito Federal, as menores proporções ocorreram em municípios do Norte e Nordeste do Brasil e as maiores proporções em municípios do Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Esse perfil é coincidente com o nível de desenvolvimento econômico do país, no qual regiões com maior nível de desenvolvimento apresentam maiores proporções de acidentes relacionados ao trabalho, possivelmente devido à maior concentração de indústrias e de serviços de manutenção e reparação.

Pesquisa realizada por Santana et al.23demonstrou que 78,1% dos AT atendidos em serviços de emergência foram classificados como leve ou moderado, 14,8% dos casos exigiram internação com média de 3,2 dias. Os dados do VIVA Inquérito apontaram que 77,7% dos atendimentos evoluíram para alta e 15,3% necessitaram de internação hospitalar. Outro aspecto avaliado foi a ingestão de bebida alcoólica antes da ocorrência do acidente. Este hábito esteve associado em 9% dos casos de AT, sendo uma ocorrência menor, quando comparado com outros tipos de acidentes e com violências (44%)19.

A maior parcela de atendimentos de emergência deveu-se aos acidentes de transporte, dos quais 31,3% eram relacionados ao trabalho. Entretanto, outras ocorrências no mundo contemporâneo, ligado ao mercado informal, têm ampliado estes eventos, como as vítimas de trânsito que trabalham nas ruas, a exemplo de ambulantes, catadores de papel, motoboys, mototaxistas. Estudo conduzido em Campinas (SP)9 apontou que a maioria das vítimas de AT (59,0%) encontravam-se no mercado informal da economia na ocasião do óbito, sugerindo maior vulnerabilidade do trabalhador informal, além de maior exposição do trabalhador informal ao espaço de rua e ao contato direto com o público, aumentando o risco de acidentes de trânsito e violência em geral. Apesar de outros tipos de atendimento terem sido realizados em baixas proporções, foram dentre eles que se percebeu as maiores prevalências de AT: queda de objeto sobre pessoa, ferimento por objeto perfurocortante, corpo estranho e queimadura. Essas ocorrências são as mais frequentes nas ocupações dos setores de prestação de serviços, manutenção e agropecuária, os quais apresentaram as mais elevadas proporções de AT em relação aos profissionais de maior nível de escolaridade.

A Portaria nº 1.823, de 23 de agosto de 2012, que institui a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, estabelece a notificação compulsória de AT graves e fatais24, porém uma parcela importante de acidentes leves e moderados (em torno de 80%) não é objeto de notificação. Os AT exigem cada vez mais atenção dos serviços de urgência e emergência, considerando sua magnitude (em torno de 30% dos atendimentos) e o impacto social e econômico que acarretam. Muitos desses acidentes ainda permanecem invisíveis para a Previdência Social. Desse modo, estudos em unidades de saúde de urgência e emergência se tornam indispensáveis para que se possa mensurar de modo mais fidedigno a ocorrência desses acidentes. O VIVA Inquérito identifica ocorrências nas urgências e emergências das capitais brasileiras e, com isto, inclui população de baixa renda que está no mercado de trabalho informal, não inserida na Previdência Social. Estas informações podem apoiar no aperfeiçoamento das informações sobre AT, oferecendo um diagnóstico mais aproximado da ocorrência real no Brasil e fornecendo subsídios para a implementação de ações de Vigilância em Saúde do Trabalhador.

REFERÊNCIAS

1. World Health Organization (WHO). Injury surveillance guidelines. Geneva: WHO; 2001.
2. World Health Organization (WHO). Guidelines for conducting community surveys on injuries and violence. Geneva: WHO; 2004.
3. World Health Organization (WHO). World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002.
4. Fraade-Blanar L, Concha-Eastman A, Baker T. Injury in the Americas: the relative burden and chalenge. Rev Panam Salud Publica 2007; 22(4):254-259.
5. Malta DC, Silva MMA, Mascarenhas MDM, Souza MFM, Morais Neto, Costa VC, Magalhães M, Lima CM. A vigilância de violências e acidentes no Sistema Único de Saúde: uma política em construção. Divulg Saúde Debate 2007; (39):82-92.
6. Gawryszewski VP, Rodrigues EMS. The burden of injury in Brazil, 2003. Sao Paulo Med J 2006; 124(4):208-213.
7. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Informações de saúde [dados na Internet]. Brasília: MS [acessado 2014 maio 27]. Disponível em:
8. Conceição PSA, Nascimento IBO, Oliveira PS, Cerqueira MRM. Acidentes de trabalho atendidos em serviço de emergência. Cad Saude Publica 2003; 19(1):111-117.
9. Binder MCP, Cordeiro R. Sub-registro de acidentes do trabalho em Botucatu-SP. Rev Saude Publica 2003; 37(4):409-416.
10. Hennington, EA, Cordeiro R, Moreira Filho DC. Trabalho, violência e morte em Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica 2004; 20(2):610-617.
11. Santana VS, Araújo GR, Espírito-Santo JS, Araújo-Filho JB, Iriart J. A utilização de serviços de saúde por acidentados de trabalho. Rev Bras Saúde Ocup 2007; 32(115):135-144.
12. Santana VS, Araújo-Filho JB, Albuquerque-Oliveira PA, Barbosa-Branco A. Acidentes de trabalho: custos previdenciários e dias de trabalho perdidos. Rev Saude Publica 2006; 40(6):1004-1012.
13. Minayo MCS. Violência: um problema para a saúde dos brasileiros. In: Brasil. Ministério da Saúde (MS). Impacto da violência na saúde dos brasileiros. Brasília: MS; 2005. p. 9-42.
14. Silva MMA, Malta DC, Morais Neto OL, Rodrigues EMS, Gawryszewski VP, Matos S, Costa VC, Carvalho CG, Castro AM. Agenda de prioridades da vigilância e prevenção de acidentes e violências aprovada no I Seminário Nacional de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Epidemiol Serv Saúde 2007; 16(1):57-64.
15. Gawryszewski VP, Silva MMA, Malta DC, Mascarenhas MDM, Costa VC, Matos SG, Moraes Neto OL, Monteiro RA, Carvalho CG, Magalhães ML. A proposta da rede de serviços sentinela como estratégia de vigilância de violências e acidentes. Cien Saude Colet 2006; 11(Supl.):1269-1278.
16. Almeida IM, Vilela RAG, Silva AJN, Beltran SL. Modelo de Análise e Prevenção de Acidentes - MAPA: ferramenta para a vigilância em Saúde do Trabalhador. Cien Saude Colet 2014; 19(12):4679-4688.
17. Ministério da Saúde (MS). Viva: vigilância de violências e acidentes, 2006 e 2007. Brasília: MS; 2009.
18. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Viva: vigilância de violências e acidentes, 2008 e 2009. Brasília: MS; 2010.
19. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Viva: Vigilância de Violências e Acidentes, 2009, 2010 e 2011. Brasília: MS; 2013.
20. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 737, de 16 de maio de 2001. Institui a política nacional de redução da morbimortalidade por acidentes e violências. Diário Oficial da União 2001; 18 mai.
21. Brasil. Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Classificação Brasileira de Ocupações 2002 [internet]. Brasília: MTE [acessado 2014 maio 27]. Disponível em:
22. Lima RC, Victora CG, Agnol MD, Facchini LA, Fassa A. Associação entre as características individuais e sócio-econômicas e os acidentes de trabalho em Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saude Publica 1999; 15(3):569-580.
23. Santana VS, Xavier C, Moura MCP, Oliveira R, Espírito-Santo JS, Araújo G. Gravidade dos acidentes de trabalho atendidos em serviços de emergência. Rev Saude Publica 2009; 43(5):750-760.
24. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 1.823, de 23 de agosto de 2012. Institui a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora. Diário Oficial da União, 2012; 24 ago.