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Aterosclerose e Inflamação: Ainda Muito Caminho a Percorrer

Aterosclerose e Inflamação: Ainda Muito Caminho a Percorrer

Autores:

Ricardo Wang,
Bruno Ramos Nascimento,
Fernando Carvalho Neuenschwander

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170

Arq. Bras. Cardiol. vol.114 no.4 São Paulo abr. 2020 Epub 29-Maio-2020

https://doi.org/10.36660/abc.20200219

Desde os trabalhos iniciais de Russell Ross1 sobre a importância da inflamação no desenvolvimento, na instabilização e ruptura da placa aterosclerótica, que podem resultar na síndrome coronariana aguda (SCA) ou acidente vascular encefálico, houve crescimento das publicações sobre as vias de ativação, ampliação e perpetuação do processo inflamatório, que vai além do simples entendimento fisiopatológico, mas principalmente em encontrar oportunidades de tratamentos específicos, com intuito de diminuir o chamado “risco residual” (eventos cardiovasculares que ocorrem em pacientes mesmo com níveis de LDL colesterol dentro das metas terapêuticas).2 Estima-se que aproximadamente 100.000 casos novos de infarto agudo do miocárdio ocorrem por ano no Brasil,3 segundo dados do DATASUS, se consideramos taxas de mortalidade de 5-10%, é de se esperar que aproximadamente 90.000 pacientes por ano vão para prevenção secundária. Se todos os pacientes receberem dose máxima de estatina, mesmo assim, em torno de 40%2 ainda apresentam risco residual de eventos, isto é, 36.000 doentes são de alto risco para novos eventos cardiovasculares.

Nesta edição, foi publicado um estudo4 sobre o papel da Interleucina-18 (IL-18) e proteína precursora da trombina (TpP) na SCA. A TpP é um marcador da ativação do sistema de coagulação, e neste estudo os autores observaram elevação desta proteína nos pacientes com quadro de SCA, fato que corrobora com a importância do sistema de coagulação neste cenário.5 , 6 Estudos anatomopatológicos de placas demonstraram que a ruptura da capa fibrótica nem sempre é acompanhada de uma SCA,6 para uma “tempestade perfeita” é necessário a associação de “placa vulnerável” com “sangue vulnerável” (estado de hipercoagulabilidade).5 Este estudo corrobora que a TpP pode ser um biomarcador útil para o diagnóstico de SCA.

As interleucinas são moléculas sinalizadora entre células do sistema inflamatório, podendo induzir, proliferar e perpetuar a inflamação, mas também podem modular e reduzir a inflamação. A IL-18 é produzida pelos macrófagos, em resposta a ao processo de fagocitose e produzido via sistema de caspases, age nas células Th1 estimulando a produção de interferon-g (INF-g) e Interleucina-1b,7 e sua elevação na aterosclerose está associada a ruptura de placa.8 Placas consideradas vulneráveis apresentam núcleo necrótico com presença de grande número de células inflamatórias, principalmente macrófagos. A inflamação age inibindo as células musculares lisas o que acarreta na formação de uma capa fibrosa mais fina, portanto mais propensa à ruptura.

Por ser um estudo transversal, temos a limitação em estabelecer nexo causal, IL-18 causou a SCA ou a SCA causou a elevação da IL-18? Neste contexto, a elevação da IL-18 pode ser secundária a necrose miocárdica como sugerido por Seta et al.,9 pois durante o processo de necrose miocárdica e reparo há ativação do sistema inflamatório, incluindo os macrófagos. Outra limitação deste estudo, é relacionado a amostra, que além de pequena, foi por conveniência, o que por si, pode ser uma fonte de viés. O grupo controle pode ser problemático, foi selecionado a partir de pacientes submetidos a coronariografia, esta sem evidências de lesão obstrutiva angiográfica (lembramos que por algum motivo estes foram submetidos a um procedimento invasivo). A coronariografia tem limitações em diagnosticar aterosclerose,10 pois na fase inicial da aterosclerose ocorre o efeito de remodelamento positivo (efeito Glagov); placas com 70% de área total do vaso, podem se apresentar na angiografia com lesão menos 30%.11 Portanto, a coronariografia não deveria ser utilizada como padrão ouro para afastar aterosclerose. Além disso, é sabido que as placas que mais provocam SCA são placas leves e inflamadas.5 Estas limitações poderiam explicar os níveis mais elevados (apesar de estatisticamente não significativos) de IL-18 no grupo controle em comparação com pacientes com doença coronariana estável neste estudo (663,25 pf/mL ± 993,93 versus 353,81 pg/mL± 273,65 respectivamente, p = NS).

O bloqueio da IL-18 deve ser usado na prevenção primária? Ou melhorar o remodelamento ventricular pós infarto? Dada a complexidade do sistema imunológico, e sua importância na contenção de processo infecciosos e no sistema de dano-reparo celular, o seu bloqueio pode ter consequências. No caso da IL-18, que é parte do sistema caspase, responsável pelo combate a infecções intracelulares, poderíamos observar o aumento de infecções tais como a tuberculose. No estudo Cantos (Antiinflammatory Therapy with Canakinumab for Atherosclerosis Disease), no qual o bloqueio da interleucina 1-b esteve associado com discreto aumento das taxas de infecção (não significativo), artrite e câncer fatal (estatisticamente significativo).12 Em relação ao remodelamento, os resultados são conflitantes, bloqueio da Interleucina 1b com anakira foi promissor,13 mas o bloqueio do fator de necrose tumoral gama aumentou a mortalidade. Em modelos experimentais, ao bloqueio da IL-18, se mostra promissor em melhorar o remodelamento pós infarto.14

Apesar do entusiasmo inicial com os resultados do uso de colchicina e canakinumab, os benefícios líquidos ainda são tímidos.12 , 15 Por isso da necessidade de investigar outras vias inflamatórias. Ainda temos mais perguntas do que respostas: Qual via bloquear? Quando (prevenção primária ou secundária)? E qual intensidade e por quanto tempo?

REFERÊNCIAS

1. Ross R. Atherosclerosis — An inflammatory disease. N Engl J Med. 1999;340(2):115-26.
2. Ridker Paul M. How common is residual inflammatory risk? Circ Res. 2017;120(4):617-9.
3. Wang R, Neuenschwander FC, Lima Filho A, Moreira CM, Santos ES, Reis HJ, et al. Uso de intervenções baseadas em evidências na síndrome coronária aguda. Subanálise do Registro ACCEPT. Arq Bras Cardiol. 2014;102(6):319-26.
4. Interleucina- 18, proteína precursora do trombo DAC. Papel da interleucina 18 e da proteína precursora do trombo na doença arterial coronariana. Arq Bras Cardiol. 2020; 114(4):692-698.
5. Naghavi M, Libby P, Falk E, Casscells SW, Litovsky S, Rumberger J, et al. From vulnerable plaque to vulnerable patient. Circulation. 2003;108(14):1664-72.
6. Virmani R, Kolodgie Frank D, Burke Allen P, Farb A, Schwartz Stephen M. Lessons From sudden coronary death. Arterioscler Thromb Vasc Biol. 2000;20(5):1262-75.
7. O’Brien LC, Mezzaroma E, Van Tassell BW, Marachetti C, Carbone S, Abbate A, et al.Interleukin-18 as a therapeutic target in acute myocardial infarction and heart failure. Mol Med. 2014 Jun 12;20:221-9.
8. Blankenberg S, Luc G, Ducimetière P, Arveller D, Ferrières J, Amouyel P, et al. Interleukin-18 and the risk of coronary heart disease in european men. Circulation .2003;108(20):2453-9.
9. Seta Y, Kanda T, Tanaka T, Arai M, Sekiguchi K, Yokoyama T, et al. Interleukin 18 in acute myocardial infarction. Heart. 2000;84(6):668.
10. Baim D. Coronary Angiography. In: Baim D, ed. Grossman’s Cardiac aatheterization, angiography, and intervention. 7th ed Philadelphia: Lippincott Williams and Wilkins; 2006.p.187-221.
11. Glagov S, Weisenberg E, Zarins CK, Stankunavicius R, Kolettis GJ. Compensatory enlargement of human atherosclerotic coronary arteries. Engl J Med. 1987;316(22):1371-5.
12. Ridker PM, Everett BM, Thuren T, MacFadyen JG, Chang WH, Ballantyne C, et al. Antiinflammatory therapy with Canakinumab for atherosclerotic disease. N Engl J Med. 2017;377(12):1119-31.
13. Frangogiannis NG. Interleukin-1 in cardiac injury, repair, and remodeling: pathophysiologic and translational concepts. Discoveries (Craiova) 2015 Jan-Mar;3(1):e41.
14. Toldo S, Mezzaroma E, Van Tassell BW, Farkas D, Marchetti C, Voelkel NF, et al. Interleukin-1b blockade improves cardiac remodelling after myocardial infarction without interrupting the inflammasome in the mouse. Exp Physiol. 2013;98(3):734-45.
15. Tardif J-C, Kouz S, Waters DD, Bertrand OF, Diaz R, Maggioni AP, et al. Efficacy and safety of low-dmMyocardial infarction. N Engl J Med. 2019; 381(26):2497-505.