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Atitudes dos pais diante da vacinação de suas filhas contra o HPV na prevenção do câncer de colo do útero

Atitudes dos pais diante da vacinação de suas filhas contra o HPV na prevenção do câncer de colo do útero

Autores:

José Antonio Chehuen Neto,
Nícolas Augusto Coelho Braga,
Jacqueline Delgado Campos,
Ramiro Ramos Rodrigues,
Kayleigh Golçalves Guimarães,
Ana Luiza Sobreira Sena,
Renato Erothildes Ferreira

ARTIGO ORIGINAL

Cadernos Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1414-462Xversão On-line ISSN 2358-291X

Cad. saúde colet. vol.24 no.2 Rio de Janeiro abr./jun. 2016

http://dx.doi.org/10.1590/1414-462X201600020275

Abstract

Objective

To evaluate public knowledge about HPV through opinion gathering and behavior analysis.

Method

This is a transversal, exploratory, quantitative study involving individuals who are legal guardians of at least one daughter (under the age of 26 years and 11 months). We conducted 455 structured interviews with sociodemographic valid data, level of information, and opinion about vaccination against HPV.

Results

Knowledge about the vaccine contemplated 79.3% of the sample, with 92.7% approval of the vaccination policy; knowledge about HPV is adequate mainly among women, Caucasian, residents of the central region, and inadequate knowledge is evident in poorer and unmarried populations.

Conclusions

The sample agrees with the extension of the age range of the campaign for free distribution of the vaccine, coupled with education to improve knowledge on the effectiveness of vaccines in the underserved populations. However, we have concluded that in the age group proposed by the policy, 9 to 13 years old, parents should be responsible for the decision to vaccinate their daughters.

Keywords:  human papillomavirus (HPV); vaccination; cervix neoplasm prevention; sexually transmitted diseases

INTRODUÇÃO

O câncer do colo do útero, ou câncer cervical, é uma das principais causas de morte entre mulheres nos países em desenvolvimento1,2. Estima-se que, do total de óbitos por essa afecção em todo o mundo, 85% deles ocorreram nos países menos desenvolvidos, certamente incluindo a América Latina3. No Brasil, é a quarta causa de morte entre mulheres por câncer e o terceiro tumor mais frequente na população feminina4.

O Ministério da Saúde, por meio do Programa Nacional de Imunização (PNI), introduziu a vacina quadrivalente no Sistema Único de Saúde (SUS)5. O governo brasileiro oferta a vacina para adolescentes entre 9 e 13 anos, tanto nas unidades de atenção primária à saúde como também em escolas públicas e privadas, cuja implantação será gradativa. Apesar da proposta de distribuição gratuita, esse tema se apresenta na mídia nacional, pois há certa resistência de alguns pais quanto à vacinação das filhas adolescentes6. Logo, nota-se que ainda existem obstáculos, certamente dúvidas e desconhecimentos a respeito dessa questão, o que poderá causar insegurança na população, com maior dificuldade de implantação da proposta.

MATERIAL E MÉTODO

O delineamento do estudo foi do tipo transversal, observacional, exploratório, descritivo e quantitativo7. Trata-se de uma pesquisa aplicada, original, realizada na cidade de Juiz de Fora, em Minas Gerais. Foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Juiz de Fora sob nº 30310014.0.0000.5147 e apresentou risco mínimo aos participantes.

Os critérios de inclusão dos voluntários foram: (1) ser responsável legal por pelo menos uma filha com idade inferior a 26 anos e 11 meses, (2) ser morador da cidade de Juiz de Fora e (3) ter idade superior a 18 anos. Foram excluídas (1) as entrevistas interrompidas por qualquer motivo, (2) dados incompletos e (3) a não devolução do termo de consentimento livre e esclarecido assinado.

O instrumento de coleta dos dados foi uma entrevista estruturada, composta de 29 questões abrangendo dados sócio-demográficos, nível de informação e opinião acerca do tema. O tamanho da amostra calculado para a investigação foi de 450 indivíduos com base no tamanho da população, alvo da campanha em Juiz de Fora, considerando erro amostral de 4,5% (para mais ou para menos).

Para a montagem do banco de dados, foi utilizado o software estatístico SPSS versão 15.0®, de 2010. Para o tratamento estatístico, foi realizado o teste do qui-quadrado de independência (sem correção). Neste estudo, no que se refere à análise de dados com desfechos binários, foi utilizado a medida de associação razão de chances (Odds Ratio, OR). O nível de significância adotado foi de 0,05 para um intervalo de confiança de 95%.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram obtidas 455 entrevistas válidas. Apenas 24% (n=109) reconheceram o papilomavírus humano (HPV) como principal fator de risco para as neoplasias de colo de útero, embora 82,9% (n=377) conhecessem essa patologia e tivessem contato com indivíduos sofrendo desse agravo (n=100; 22%).

O conhecimento sobre a existência de uma vacina contra o HPV foi afirmado por 79,3% (n=361) dos entrevistados, assim como 78% (n=355) conheciam sua distribuição gratuita pela política pública de prevenção ao câncer de colo do útero, com aprovação de 92,7% (n=422) da amostra para extensão da cobertura a mulheres de até 26 anos. O grau de confiança na vacinação mostrou que não há receio dos pais de que o comportamento das filhas possa ser influenciado, com início precoce da vida sexual das jovens já protegidas, como afirmado por 74,7% (n=340) das pessoas, concordando também com a introdução de métodos de educação sexual nas escolas (89,2%; n=406).

Quando questionados sobre a possibilidade de vacinação de suas filhas na idade em que estavam, 90,1% (n=410) dos responsáveis responderam positivamente, ao encontro dos resultados obtidos a um período anterior ao início da campanha8. Entretanto, os pais ofereceram resistência quanto à decisão autônoma de suas filhas de vacinarem-se, afirmando que essa escolha não deveria ser feita por elas (64,2%, n=292).

A caracterização das percepções, segundo a faixa etária das filhas, pode ser observada na Tabela 1. Observa-se grande aceitação da vacinação entre os responsáveis por jovens com idade de cobertura e conhecimento acerca da política, revelando divulgação efetiva.

Tabela 1 Associações entre grupos segundo a idade da filha e questões sobre a política de vacinação, sobre HPV e sobre vacinação da filha (n=455) 

Grupo 1: até 8 anos Grupo 2: entre 9 e 13 anos Grupo: 3 entre 14 e 26 anos
n % n % N % p-valor
Saber o que é HPV
Sim 73 29,7 96 39 77 31,3 0,032
Não 54 25,8 65 31,1 90 43,1
Conhecer a política de vacinação
contra HPV
Sim 91 25,6 142 40 122 34,4 0,001
Não 36 36 19 19 45 45
Permitir a decisão da filha
sobre a vacinação
Sim 10 6,1 35 21,5 118 72,4 <0, 001
Não 117 40,1 126 43,2 49 16,8

n=tamanho da amostra; %=frequência relativa

A caracterização das variáveis sócio-demográficas sobre as percepções acerca do assunto estão detalhadas na Tabela 2.

Tabela 2 Associações entre as variáveis sócio-demográficas dos responsáveis e questões sobre a política e sobre HPV (n=455) 

n % OR IC95% p-valor
Sabe o que é HPV 246 54,1
Educação até nível médio 155 44,4 0,13 0,07-0,23 <0,001
Renda familiar <2 salários mínimos 53 31,7 0,22 0,15-0,34 <0,001
Cor branca 163 62,5 2,22 1,52-3,325 <0,001
Sexo feminino 190 59,2 2,02 1,34-3,04 0,001
Morar na região central 98 62,8 1,72 1,16-2,56 0,007
Ser solteiro 31 39,7 0,49 0,30-0,81 0,005
Conhece a política de vacinação contra HPV 355 78
Educação até nível médio 257 73,6 0,22 0,10-0,48 <0,001
Sexo feminino 263 81,9 2,07 1,30-3,28 0,002
Ser solteiro 51 65,9 0,45 0,26-0,77 0,003
Morar na região central 130 83,3 1,64 1,01-2,70 0,048

n=tamanho da amostra; %=frequência relativa; IC=intervalo de confiança; OR=Odds Ratio

Os indivíduos não alcançados pela divulgação da campanha compartilhavam algumas características típicas do perfil de indivíduos geralmente desassistidos por intervenções governamentais9 e com menor contato com o sistema educacional – local de maior divulgação das campanhas. Da mesma forma, esses indivíduos possuem menor conhecimento também sobre o HPV e seus agravos8,10. Os resultados encontrados entre mulheres se justificam pelo maior contato com o tema, principalmente devido às consultas ginecológicas11.

CONCLUSÕES

A grande maioria da amostra está informada sobre a existência da vacina e sobre a campanha do governo, mostrando-se favorável à sua implantação. Assim, observou-se que não há dificuldades à sua aceitação em nosso meio. É baixo o nível de conhecimento em relação aos desfechos da doença provocada pelo HPV.

A amostra concorda com a ampliação da faixa etária da vacinação gratuita, além de acreditar na eficácia da vacina. Há a ressalva de que, na faixa etária proposta pela campanha (9-13 anos), os pais deveriam ser os responsáveis pela decisão de vacinação de suas filhas, não cabendo essa responsabilidade a elas ou aos órgãos de saúde.

REFERÊNCIAS

1 Thuler LCS. Mortalidade por câncer do colo do útero no Brasil. Rev Bras Ginecol Obstet. 2008;30(5):216-8. . PMid:19142495.
2 Borsatto AZ, Vidal MLV, Rocha RCNP. Vacina contra o HPV e a prevenção do câncer do colo do útero: subsídios para a prática. Rev Bras Cancerol. 2011;57(1):67-74.
3 International Agency for Research on Cancer – IARC. Cervical cancer [Internet]. 2014 [citado em 2014 mar 25]. Disponível em:
4 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva – INCA. Tipos de câncer [Internet]. 2014 [citado em 2014 mar 25]. Disponível em:
5 Brasil. Ministério da Saúde. Guia prático sobre o HPV [Internet]. Brasília: MS; 2014 [citado em 2014 mar 28]. Disponível em: ftp://balcao.saude.ms.gov.br/horde/prog/imunizacao/13022014/Guia_Pratico_HPV_Perguntas_e_Respostas.pdf
6 Diário do Nordeste. Vacinação contra HPV ainda tem resistência no CE [Internet]. 2014 [citado em 2014 maio 20]. Disponível em:
7 Chehuen Neto JA, Lima WG. Pesquisa quantitativa. In: Chehuen No JA, organizadores. Metodologia da pesquisa científica: da graduação à pós-graduação. Curitiba: CRV, 2012. chap. 10, p. 147-54.
8 Osis MJD, Duarte GA, Sousa MH. Conhecimento e atitude de usuários do SUS sobre o HPV e as vacinas disponíveis no Brasil. Rev Sau Publ. 2014;48(1):123-33. .
9 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA. Retrato das desigualdades de gênero e raça. 4. ed. Brasília: IPEA, 2011.
10 Cirino FMSB, Nichiata LYI, Borges ALV. Conhecimento, atitude e práticas na prevenção do câncer de colo uterino e HPV em adolescentes. Esc Anna Nery. 2010;14(1):126-34. .
11 Brasil. Ministério da Saúde. Pesquisa sobre comportamento sexual e percepções da população brasileira sobre HIV/AIDS. Brasília: Coordenação Nacional de DST e AIDS; 2000.