versão impressa ISSN 0102-311Xversão On-line ISSN 1678-4464
Cad. Saúde Pública vol.31 supl.1 Rio de Janeiro nov. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00104514
A inatividade física é um importante fator de risco para a mortalidade global. As políticas de promoção da saúde preconizam o incentivo à prática regular de atividade física como uma estratégia de prevenção e controle das doenças crônicas não transmissíveis, principalmente os agravos metabólicos e cardiovasculares 1. No Brasil, onde os acometimentos crônicos são a maior causa de óbitos 2, apenas 22,5% da população cumpre as recomendações para atividade física de lazer 3.
A urbanização contribui, em parte, para esse panorama desfavorável. Na dinâmica das cidades, problemas como ausência de instalações de esporte e lazer, poluição, tráfego de alta densidade e violência tendem a desestimular a prática de atividade física 4. Esses aspectos se expressam de maneira ainda mais complexa em áreas de vulnerabilidade 5,6, onde a falta de planejamento urbano atrelada à carência de infraestrutura restringe as oportunidades à prática 7. Atualmente, mais de 80% dos brasileiros vivem em centros urbanos, sendo que 6% da população do país residem em aglomerados 8.
A adoção de um estilo de vida ativo não se resume a uma escolha deliberada. Trata-se de comportamento multifatorial influenciado pela interação das características dos indivíduos com o meio físico, social e político a que são expostos 7,9. Nesse contexto, o delineamento de ações de enfretamento à inatividade física deve considerar, além das iniquidades no acesso, o planejamento e reformulação do espaço urbano 4. Assim, intervenções de base comunitária, que incluem, dentre outros aspectos, melhorias nos atributos físicos do ambiente, tornam-se uma alternativa para elevar os níveis de atividade física da população 4,7,10.
Esse modelo de intervenção, baseado em aulas de atividade física na comunidade, já está consolidado na gestão e delineamento das políticas públicas brasileiras em nível federal 11,12,13. Em Belo Horizonte, capital do Estado de Minas Gerais, o Programa Academias da Cidade oferece, desde 2006, uma proposta gratuita de estímulo à prática de atividade física com objetivo de encorajar a adoção de estilos de vida saudáveis 14. Atualmente, são cerca de 60 polos distribuídos nas nove regionais da cidade 15.
Embora consideradas estratégias promissoras na promoção da atividade física, as evidências disponíveis são insuficientes para determinar a efetividade dessas intervenções. Os estudos, em sua maioria, são restritos aos participantes do programa, de maneira que o impacto sobre a saúde da comunidade adstrita ainda não foi elucidado 13,16,17.
Dessa maneira, o objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito da presença do Programa Academias da Cidade de Belo Horizonte sobre a prática de atividade física no lazer de não-usuários, residentes em domicílios localizados a diferentes distâncias da academia (AC). A hipótese é de que a implantação de um equipamento comunitário em áreas urbanas vulneráveis favorece a prática de atividade física dos residentes adstritos e não apenas dos participantes do programa.
As informações deste trabalho são provenientes do inquérito domiciliar denominado Estudo Saúde em Beagá (2008-2009), realizado pelo Observatório de Saúde Urbana de Belo Horizonte (OSUBH), em dois dos nove distritos sanitários de Belo Horizonte: Oeste e Barreiro. A escolha desses distritos considerou que, à data do início do inquérito, um polo do Programa Academias da Cidade estava em atividade e três tinham locais reservados para a sua construção 13,18,19.
Assim, como estratégia para garantir a representatividade dos residentes no entorno das AC, incluindo usuários e não-usuários, as probabilidades de seleção de cada setor censitário foram diferenciadas de acordo com a posição geográfica desses quatro polos. Os dois setores mais próximos aos locais das academias foram incluídos na pesquisa sem a necessidade de sorteio. Aqueles a menos de 500 metros e os localizados entre 500 e 1.000 metros tiveram, respectivamente, 8 e 4 vezes mais chances de serem sorteados, quando comparados com setores a mais de 1.000 metros de qualquer polo. Esse desenho possibilitou a criação de uma linha de base para a avaliação do impacto do programa 13,18,19.
O delineamento amostral adotado foi proporcional, estratificado segundo o Índice de Vulnerabilidade à Saúde (IVS) 20, por conglomerados em três estágios. Dentro de cada estrato do IVS foram selecionados: (a) 149 setores censitários com tamanho amostral proporcional ao total de setores do estrato e com probabilidades de seleção descritas anteriormente; (b) domicílio, por meio de amostra aleatória simples valendo-se da base de dados da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte; (c) um morador adulto (18 anos ou mais), de forma aleatória no domicílio 21, totalizando uma amostra de 4.048. Adicionalmente, no período de realização do inquérito, foram realizadas entrevistas com todos os usuários do polo em funcionamento (n = 319).
Em 2005, com o objetivo de elaborar ações integradas visando à prevenção aos fatores de risco para doenças crônicas, a Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte conduziu a implementação do Programa Academias da Cidade iniciado em dezembro de 2006 com a construção da primeira AC na região leste da cidade 13. Entre 2007 e 2008, a construção e planejamento de novos polos deu início à expansão do programa para outras regiões do município 14. Os quatro polos incluídos no delineamento amostral do Estudo Saúde em Beagá integraram esse processo, sendo um deles inaugurado na ocasião do planejamento do inquérito. Essa AC funcionava em um centro de recreação e esportes construído por demanda coletiva dos moradores e viabilizado pelo Orçamento Participativo 2 2,23.
As AC são espaços com infraestrutura para a prática de exercícios físicos supervisionados por professores de Educação Física. As atividades incluem avaliação física, aulas de ginástica geral, caminhada e alongamento, entre outras. As aulas, oferecidas em até dois turnos diários (manhã, tarde ou noite), têm duração de cerca de uma hora e ocorrem todos os dias da semana. O programa atende prioritariamente pessoas acima de 18 anos encaminhadas pelos centros de saúde e, também, aqueles que espontaneamente procuram o serviço. As AC atendem cerca de 400 pessoas e são implantadas preferencialmente em áreas de vulnerabilidade social, em locais públicos próprios ou compartilhados. Estrategicamente, as AC estão localizadas nas proximidades dos centros de saúde com o objetivo de maximizar sua abrangência para todo seu entorno por meio de ações vinculadas nas escolas municipais, equipamentos públicos e demais políticas públicas adstritas 13,14,15.
Para o presente estudo considerou-se uma subamostra composta por 1.712 adultos não- usuários do Programa, proveniente da amostra de 4.048 do inquérito de base. Esses indivíduos residiam em 62 setores censitários contidos em um raio de 1.500 metros no entorno geográfico das AC. Esses setores estavam distribuídos no entorno do polo em funcionamento, localizado no Distrito Sanitário Barreiro, denominado neste estudo como Polo I, e no entorno dos locais definidos para a implantação de outros dois polos, denominados Polos II e III previstos, respectivamente, para os Distritos Sanitários Barreiro e Oeste. O quarto polo, incluído no processo amostral do Estudo Saúde em Beagá, foi retirado desta análise porque o local, inicialmente planejado para a construção da AC, foi posteriormente alterado. Dessa maneira, considerou-se como intervenção a presença efetiva do Programa, neste caso o Polo I, constituindo assim um entorno exposto e dois não expostos à AC.
Definiu-se um raio de 1.500 metros no entorno geográfico das AC com base na informação de que os usuários da academia em funcionamento (Polo I) residiam, em sua maioria, nesta área (Figura 1). Os locais para implantação dos Polos II e III estavam previamente definidos pela Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, o que tornou possível traçar os raios no entorno geográfico destes pontos.
Foram criados três grupos de comparação: (a) Grupo I que incluiu os residentes no entorno geográfico do Polo I, considerado grupo intervenção; (b) Grupos II e III compostos, respectivamente, pelos residentes no entorno dos Polos II e III, grupo sem intervenção. Definiu-se assim um grupo exposto à AC, dado que o Polo I funcionava, e outros dois grupos não expostos dado que os Polos II e III não haviam sido implantados.
A variável resposta foi a prática de atividade física no lazer mensurada pela versão longa do Questionário Internacional de Atividade Física. O tempo de atividade física no lazer foi obtido pela multiplicação da frequência (dias/semana) e da duração média (minutos/dia) de caminhada leve, moderada e vigorosa, esta última multiplicada por dois. Foram considerados ativos os indivíduos com um escore de atividade física ≥ 150 minutos/semana 24,25.
A principal variável independente deste estudo foi o raio medido pela distância euclidiana dos domicílios em relação ao polo construído ou ao local a ser implantado, categorizada em: < 500m; 500-1000m; 1000-1500m.
Foram consideradas as seguintes variáveis sociodemográficas : sexo, idade (18-29; 30-39; 40-49; 50-59; ≥ 60 anos), escolaridade (0-8; 9-11 e ≥ 12 anos de estudos), renda familiar (< 2; 2-3; 3-5; ≥ 5 salários mínimos), estado conjugal (com e sem parceiro), tempo de residência (1-4; 5-14, 15-25; ≥ 26 anos de moradia no mesmo local). A renda do setor foi obtida pela razão entre o total do rendimento nominal mensal dos domicílios particulares permanentes e a população total de cada setor censitário 8, classificada em tercis, em baixa, média e alta.
As variáveis do ambiente físico e social incluíram as seguintes perguntas e suas respectivas formas de aferição: “Na sua vizinhança, como o Sr. (a) avalia: a iluminação das ruas?”, “a manutenção de ruas e calçadas?”, “os locais públicos de esporte e lazer?”, medidas em escala likert de cinco itens (muito bom a muito ruim); “É fácil caminhar de um lugar para outro?”, “O(A) Senhor(a) frequentemente vê pessoas se exercitando (fazendo caminhada, andando de bicicleta, jogando bola)?”, com respostas dicotômicas (sim/não) e, finalmente, suporte social para a prática de atividade física pela pergunta: “Tem pelo menos um amigo ou familiar que se compromete a fazer atividade física com você?”, também aferido com respostas dicotômicas (sim/não).
Foi realizada análise descritiva, seguida pelo cálculo das prevalências de atividade física no lazer e seus respectivos intervalos de 95% de confiança (IC95%), de acordo com as características sociodemográficas para cada grupo de comparação. O teste qui-quadrado de Pearson foi usado para comparar as proporções entre os grupos e verificar os fatores associados à atividade física no lazer. A distribuição das variáveis do ambiente foi representada graficamente, conforme a distância ao local da AC, para cada grupo de comparação.
A associação entre atividade física no lazer e a distância ao polo, ajustada por variáveis sociodemográficas, foi obtida por meio da regressão logística binária pelo método de estimação GEE (Generalized Estimation Equations), que considera efeito de cluster (indivíduos aninhados no setor censitário). Foi utilizada a estrutura de correlação exchangeable, adequada quando as observações são agrupadas em alguma estrutura específica 26. A magnitude da associação foi estimada pela odds ratio (OR) e seu respectivo IC95%. Foi adotado um nível de significância de 5%.
As análises foram realizadas no software Stata, versão 12.0 (StataCorp LP, College Station, Estados Unidos). A manipulação dos dados geográficos foi realizada com o auxílio do software MapInfo, versão 8.5 (MapInfo Corp LP., Nova York, Estados Unidos).
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (COEP – parecer no ETIC 253/006).
Dos 1.712 participantes deste trabalho, 5,6% foram excluídos devido à ausência de informação para a variável resposta, totalizando 1.621 adultos. Desses, 519 indivíduos compuseram o Grupo I, 422 o Grupo II e 680 o Grupo III distribuídos, respectivamente, em 20, 17 e 25 setores censitários.
Quanto às características sociodemográficas, verificou-se maior proporção de indivíduos do sexo feminino, com 0 a 8 anos de escolaridade e que relatou ter parceiro, nos três grupos, sem diferença significativa entre eles. Os grupos diferiram em relação à idade, renda familiar, tempo de moradia e renda do setor. A idade média foi de 43,8 anos (IC95%: 42,4-45,2) para o Grupo I, 40,2 anos (IC95%: 38,6-41,7) para o II e 45,5 anos (IC95%: 44,2-46,7) para o III. O Grupo II apresentou a menor proporção de indivíduos com renda familiar ≥ 5 salários mínimos (15,2% versus 20,3% Grupo I e 23,3% Grupo III). O tempo médio de moradia do Grupo III (17,5 anos; IC95%: 16,5-18,6) foi maior do que o dos demais grupos (14,5 anos; IC95%: 13,5-15,5 Grupo I e 14,3 anos; IC95%: 13,4-15,2 Grupo II). Quanto à renda do setor, 73% e 43% dos residentes de setores de renda média pertenciam, respectivamente, aos Grupos I e III, enquanto no Grupo II, 77% pertenciam aos setores de renda baixa.
Quanto ao ambiente físico e social, a maioria dos indivíduos, cuja comparação entre grupos não diferiu, avaliou como muito bom/bom a iluminação e a manutenção de ruas e calçadas, assim como o relato de ver pessoas se exercitando. No entanto, houve diferença entre os grupos para: avaliação dos locais de esporte/lazer, em que 65,1% dos indivíduos que residiam no entorno do polo implantado (Grupo I) os avaliaram como muito bom/bom, e nos demais grupos esta proporção foi de apenas 27,0% para o Grupo II e 24,8% para o Grupo III. Facilidade de caminhar na vizinhança foi mais relatada no Grupo III (94,3% versus 87,5% Grupo I e 87,7%, Grupo II) e o relato de ter incentivo de amigos/familiares foi mais frequente naqueles do Grupo I (Tabela 1).
Tabela 1 Distribuição das características sociodemográficas e do ambiente físico e social para cada grupo de comparação. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 2008-2009.
Grupo I * (%) | Grupo II (%) | Grupo III (%) | Valor de p ** | |
---|---|---|---|---|
Sociodemográficas | ||||
Sexo (feminino) | 63,8 | 60,2 | 57,8 | 0,110 |
Idade (anos) | ||||
18-29 | 23,5 | 33,2 | 20,7 | < 0,001 |
30-39 | 19,7 | 21,1 | 20,3 | |
40-49 | 20,6 | 16,8 | 19,6 | |
50-59 | 18,9 | 15,4 | 16,3 | |
≥ 60 | 17,3 | 13,5 | 23,1 | |
Escolaridade *** (anos) | ||||
0-8 | 49,3 | 53,2 | 51,6 | 0,142 |
9-11 | 37,4 | 38,5 | 35,8 | |
≥ 12 | 13,3 | 8,3 | 12,5 | |
Renda familiar *** (salários mínimos #) | ||||
< 2 | 26,2 | 36,1 | 28,2 | 0,004 |
2-3 | 27,8 | 26,2 | 24,1 | |
3-5 | 25,8 | 22,5 | 24,4 | |
≥ 6 | 20,3 | 15,2 | 23,3 | |
Estado conjugal (com parceiro) | 56,8 | 55,0 | 54,4 | 0,693 |
Tempo de residência *** (anos) | ||||
1-4 | 27,6 | 23,8 | 25,8 | < 0,001 |
5-14 | 27,9 | 26,1 | 20,6 | |
15-25 | 27,7 | 37,3 | 23,6 | |
≥ 26 | 16,8 | 12,8 | 30,0 | |
Renda do setor *** | ||||
Baixa | 23,9 | 77,0 | 35,6 | < 0,001 |
Média | 73,0 | 23,0 | 46,1 | |
Alta | 3,1 | 0,0 | 18,3 | |
Ambiente físico e social | ||||
Iluminação das ruas *** (Muito bom/Bom) | 83,6 | 83,6 | 82,6 | 0,874 |
Manutenção das ruas e calçadas *** (Muito bom/Bom) | 69,9 | 63,7 | 67,1 | 0,125 |
Locais públicos de esporte/lazer *** (Muito bom/Bom) | 65,1 | 27,0 | 24,8 | < 0,001 |
Vê pessoas se exercitando *** (Sim) | 77,9 | 79,1 | 78,4 | 0,899 |
Fácil caminhar *** (Sim) | 87,5 | 87,7 | 94,3 | < 0,001 |
Ter incentivo de amigos/familiares *** (Sim) | 71,4 | 65,3 | 64,1 | 0,021 |
* Grupo intervenção; ** Teste qui-quadrado de Pearson; *** 1 a 54 missings; # Salário mínimo: R$ 415,00.
A prevalência de atividade física no lazer foi de 26,6% (IC95%: 22,7-30,4) no Grupo I, 22,3% (IC95%: 18,3-26,2) no Grupo II e 23,2% (IC95%: 20,0-26,4) no Grupo III (valor de p = 0,246). A caminhada foi a atividade mais frequente entre aqueles que relataram praticar atividade física nos três meses anteriores à entrevista, 64,1% Grupo I, 59,8% Grupo II e 56,6% Grupo III (valor de p = 0,293). Sexo e idade associaram-se à atividade física no lazer apenas para Grupo I, com maior prevalência de ativos entre homens e pessoas jovens. Indivíduos com maior escolaridade, para os três grupos, e maior renda familiar, para os Grupos II e III, foram os mais ativos. Renda do setor esteve associada positivamente à atividade física no lazer para os Grupos I e III (Tabela 2).
Tabela 2 Prevalência de ativos no lazer segundo variáveis sociodemográficas e distância ao local do polo para cada grupo de comparação. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 2008-2009.
Grupo I * | Grupo II | Grupo III | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
% (IC95%) | Valor de p ** | % (IC95%) | Valor de p ** | % (IC95%) | Valor de p ** | |
Sexo | ||||||
Masculino | 31,4 (24,7-38,0) | 0,062 | 30,4 (23,4-37,4) | 0,001 | 26,1 (21,0-31,2) | 0,126 |
Feminino | 23,9 (19,3-28,5) | 16,9 (12,3-21,6) | 21,1 (17,1-25,2) | |||
Idade (anos) | ||||||
18-29 | 28,7 (20,6-36,8) | 0,266 | 32,1 (24,4-39,9) | 0,009 | 31,2 (23,5-26,2) | 0,130 |
30-39 | 18,6 (11,0-26,2) | 15,7 (8,1023,4) | 19,6 (12,9-26,2) | |||
40-49 | 29,9 (21,1-38,6) | 16,9 (8,1-25,7) | 19,5 (12,8-26,3) | |||
50-59 | 30,6 (21,4-39,8) | 23,1 (12,7-33,4) | 22,5 (14,7-30,3) | |||
≥ 60 | 24,4 (15,5-33,4) | 14,0 (4,9-23,2) | 22,9 (16,3-29,5) | |||
Escolaridade (anos) | ||||||
0-8 | 24,6 (19,3-29,9) | 0,040 | 16,1 (11,2-20,9) | 0,004 | 17,7 (13,7-21,7) | 0,002 |
9-11 | 24,7 (18,6-30,8) | 30,3 (23,1-37,4) | 28,0 (22,3-33,6) | |||
≥ 12 | 39,1 (27,5-50,8) | 22,9 (8,7-37,0) | 31,8 (21,8-41,7) | |||
Renda familiar (salários mínimos ***) | ||||||
< 2 | 18,8 (12,1-25,5) | 0,076 | 14,1 (8,5-19,7) | 0,006 | 23,0 (16,9-29,1) | < 0,001 |
2-3 | 31,9 (24,2-39,7) | 21,2 (13,5-29,1) | 10,6 (5,8-15,4) | |||
3-5 | 26,0 (18,4-33,5) | 30,1 (20,7-39,5) | 24,1 (17,5-30,7) | |||
≥ 5 | 30,1 (21,1-39,0) | 31,7 (20,1-43,3) | 35,5 (27,9-43,1) | |||
Tempo de residência (anos) | ||||||
1-4 | 23,8 (16,8-30,8) | 0,129 | 19,0 (11,2-26,8) | 0,457 | 19,4 (13,5-25,3) | 0,220 |
5-14 | 23,4 (16,5-30,4) | 19,1 (11,7-26,5) | 21,4 (14,6-28,3) | |||
15-25 | 34,0 (26,2-41,8) | 25,5 (18,6-32,3) | 28,8 (21,7-35,8) | |||
≥ 26 | 24,1 (15,1-33,2) | 25,9 (14,1-37,8) | 23,5 (17,7-29,4) | |||
Renda do setor | ||||||
Baixa | 19,4 (12,4-26,4) | 0,017 | 21,8 (17,3-26,4) | 0,698 | 18,3 (13,2-23,3) | < 0,001 |
Média | 28,0 (23,4-32,5) | 23,7 (15,2-32,2) | 23,2 (18,3-28,0) | |||
Alta | 50,0 (24,6-75,4) | 0,0 | 30,5 (22,1-38,9) | |||
Distância ao local do polo (metros) | ||||||
< 500 | 32,1 (25,8-38,3) | 0,014 | 18,9 (11,0-26,9) | 0,671 | 24,8 (17,4-32,1) | 0,689 |
500-1.000 | 25,4 (19,4-31,3) | 22,9 (16,9-29,0) | 21,9 (17,7-26,2) | |||
1.000-1.500 | 16,3 (8,7-23,9) | 23,6 (16,4-30,6) | 24,7 (18,3-31,1) |
IC95%: intervalo de 95% de confiança. * Grupo intervenção; ** Teste qui-quadrado de Pearson; *** Salário mínimo: R$ 415,00.
Quando se avalia a distância ao polo, a prevalência de ativos no lazer foi maior entre os residentes mais próximos ao Polo I (32,1% para distância < 500m; 25,4% entre 500 e 1.000m e 16,3% entre 1.000 e 1500m). Para os grupos sem intervenção (Grupos II e III) não foi observada diferença significativa (Tabela 2).
A distribuição de frequência das características do ambiente físico e social de acordo com a distância ao polo e grupos de comparação é apresentada na Figura 2. Destaca-se que os indivíduos residentes até 500m do polo implantado (Grupo I) avaliaram, em maior proporção, como muito bom/bom os locais de esporte/lazer e a manutenção das ruas e calçadas. Perceberam também, com maior frequência, pessoas se exercitando na sua vizinhança, que é fácil caminhar, bem como relataram ter incentivo de amigos/familiares.
Figura 2 Distribuição de frequência da avaliação muito bom/bom dos locais públicos de esporte/lazer, da iluminação e a manutenção de ruas e calçadas, ver pessoas se exercitando, ser fácil caminhar na vizinhança e ter incentivo de amigos/familiares.
Verifica-se, na Tabela 3, que a associação positiva entre atividade física no lazer e a distância ao polo para o Grupo Intervenção (modelo 1) se mantém mesmo após o ajuste por características sociodemográficas (modelo 2), bem como pela renda do setor (modelo 3). Comparados aos residentes a uma distância de 1.000-1.500m, os residentes mais próximos à intervenção apresentaram maior chance de serem ativos no lazer (OR = 1,16; IC95%: 1,03-1,30 para distância < 500m e OR = 1,06; IC95%: 0,88-1,57 entre 500 e 1.000m).
Tabela 3 Modelo de regressão logística binária para atividade física no lazer e distância ao polo para cada grupo de comparação. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 2008-2009.
Modelo | Variável | Grupo I * | Grupo II | Grupo III |
---|---|---|---|---|
OR (IC95%) | OR (IC95%) | OR (IC95%) | ||
1 | Distância ao polo (metros) | |||
< 500 | 1,19 (1,05-1,34) | 0,95 (0,84-1,07) | 1,00 (0,91-1,10) | |
500-1.000 | 1,10 (0,98-1,24) | 0,99 (0,90-1,10) | 0,97 (0,90-1,05) | |
1.000-1.500 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |
2 | Distância ao polo (metros) | |||
< 500 | 1,17 (1,04-1,32) | 0,94 (0,83-1,06) | 1,00 (0,92-1,09) | |
500-1.000 | 1,09 (0,97-1,22) | 0,98 (0,88-1,08) | 0,97 (0,91-1,04) | |
1.000-1.500 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | |
3 | Distância ao polo (metros) | |||
< 500 | 1,16 (1,03-1,30) | 0,94 (0,80-1,11) | 0,94 (0,86-1,04) | |
500-1.000 | 1,06 (0,94-1,19) | 0,98 (0,85-1,14) | 0,96 (0,90-1,02) | |
1.000-1.500 | 1,00 | 1,00 | 1,00 |
IC95%: intervalo de 95% de confiança; OR: odds ratio. Modelo 1: modelo univariado; Modelo 2: modelo ajustado por sexo, idade e escolaridade; Modelo 3: modelo ajustado por sexo, idade, escolaridade e renda do setor. * Grupo intervenção.
Não-usuários, residentes em áreas adstritas de até 500 metros de um polo do Programa Academias da Cidade, tiveram maior chance de serem ativos no lazer quando comparados com residentes vivendo no entorno superior a esta distância, mesmo ajustado por características sociodemográficas e pela renda do setor. Esse efeito não foi observado em áreas sem a intervenção. Também, residentes no entorno de até 500m da Academia implantada melhor avaliaram os locais de esporte/lazer, bem como outros atributos do ambiente físico, além de relatar maior incentivo de amigos/familiares para a prática de atividade física.
O contexto de vizinhança ou moradia reúne características que representam diferentes oportunidades de estilo de vida 6,27,28. A maneira como esse ambiente se configura quanto aos equipamentos presentes, à oferta de serviços e espaços públicos, vem sendo, cada vez mais, identificada como modulador de hábitos relacionados à saúde 9,29,30,31. Nesse entendimento, é possível que um programa de atividade física comunitário interfira no entorno em que está inserido e, em alguma medida, afete o cotidiano dos residentes adstritos.
Avaliações prévias, realizadas em algumas capitais brasileiras, sugerem influência positiva das AC sobre a prática de atividade física de não- usuários, traduzida pelo efeito indireto de ter visto ou ouvido falar do programa 32,33. Entretanto, nenhum desses trabalhos comparou grupos com e sem intervenção ou avaliou a associação com a distância ao equipamento. Há ainda informações de que a identidade visual dos polos é um dos principais mecanismos de difusão do programa na população geral 33,34.
Em nosso estudo, para o grupo intervenção (Grupo I), a prevalência de não-usuários ativos no lazer apresentou um gradiente dose-resposta evidenciado pelo efeito da proximidade à AC. Nessa direção, é plausível que a compreensão dos mecanismos de influência do Programa sobre a prática da atividade física de não-usuários perpassam por fatores materializados pelo ambiente mais próximo de convivência.
Assim, a criação de espaços públicos, com base na articulação de políticas urbanas e sociais, como as AC, proporcionaria no cotidiano dos residentes adstritos alternativas para superar as barreiras relacionadas à inatividade física. A AC poderia, em um nível intermediário, modificar características do contexto e, a partir daí, atuar indiretamente sobre aspectos mais proximais relacionadas à atividade física no lazer 5,7,9,27.
A percepção positiva dos diferentes atributos físicos da vizinhança, mais frequente entre aqueles mais próximos da intervenção (< 500m), reforça essa hipótese. Os locais públicos para esporte/lazer, bem como a manutenção das ruas e calçadas, foram mais bem avaliados pelos residentes no menor raio em comparação àqueles a mais de 500m do Polo I. Além disso, a proximidade ao Programa também foi associada ao relato de maior facilidade para caminhar e ver mais pessoas se exercitando na vizinhança. Na medida em que se ampliava o raio ao redor da intervenção, a percepção positiva desses atributos diminuía significativamente. Para os grupos sem intervenção, a análise por distância não revelou o mesmo gradiente. Desse modo, parece que a presença do dispositivo comunitário, em um lugar onde não havia infraestrutura semelhante 23, representou uma importante mudança no ambiente físico da vizinhança e pode ter sustentado as diferenças nos níveis de atividade física no lazer mensuradas ao longo do raio.
Quando analisamos as barreiras entre entrevistados que não praticaram atividade física no lazer nos três meses anteriores à entrevista (dados não mostrados), falta de tempo (51,4% Grupo I, 48,3% Grupo II e 54,9% Grupo III, valor de p = 0,212) e não ter acesso a equipamentos de ginástica (33,4% Grupo I, 38,2% Grupo II e 36,9% Grupo III, valor de p = 0,304) foram os impedimentos mais relatados para os três grupos. No entanto, a análise estratificada pela distância revelou que 23,8% dos residentes mais próximos ao Polo I relataram não ter acesso a equipamentos de ginástica contra 41,7% no raio de 500 a 1.000m, e 35,9% no de 1.000 a 1.500m (valor de p = 0,008). O mesmo não foi replicado nos grupos de comparação. A proximidade de um espaço público para a prática pode ter contribuído para esse resultado, dado que no domínio do lazer, esse é um importante fator de estímulo à atividade física 7,10.
Ademais, em relação ao suporte social, o incentivo de amigos e familiares foi maior no Grupo I e, mais uma vez, o gradiente indiciou o efeito da proximidade à intervenção. O Grupo II, área de maior vulnerabilidade, apresentou gradiente inverso e, no Grupo III, não houve associação entre a distância e a presença de incentivo. O espaço da AC pode facilitar e estimular a difusão dos benefícios acerca da prática de atividade física no lazer. Essa rede de informações seria potencializada pela presença de usuários do Programa na vizinhança 34. De tal maneira, a estrutura do Polo I poderia aumentar a possibilidade de contatos sociais entre os residentes adstritos e reforçar o incentivo para prática.
Até o nosso conhecimento, este é o primeiro estudo que avaliou o efeito das AC sobre a atividade física no lazer de não-usuários adstritos, considerando diferentes distâncias ao equipamento e incluindo grupos de comparação sem a intervenção. Entretanto, é necessário considerar algumas limitações. A impossibilidade de obter informações advindas da população antes da implantação do Polo I inviabiliza a temporalidade como critério causal. Em contrapartida, o gradiente observado em diferentes análises, envolvendo a distância ao local da AC, reforça a plausibilidade dos achados e a direção da associação.
A seleção de apenas um polo em funcionamento e dois com implantação planejada restringe a generalização dos resultados. Porém, vale ressaltar que o desenho amostral do inquérito de base tentou garantir a representatividade dos usuários e da população residente no entorno dos polos 13. Embora passíveis de influência a características individuais como renda, escolaridade ou idade 35, as variáveis de percepção do ambiente físico foram validadas para a mesma amostra populacional 36. A utilização de informações autorreferidas para mensurar a prática de atividade física no lazer está sujeita a sub ou superestimativas da duração e intensidade das atividades. No entanto, o questionário aplicado foi validado para a população brasileira 37.
Quanto ao uso da distância euclidiana como a principal variável independente, ressalta-se que, se por um lado ela não representa a mobilidade real dos residentes aos locais dos polos, por outro oferece uma medida objetiva capaz de contornar as restrições de dados autorreferidos. A distância linear, mesmo que ignore barreiras físicas ou redes de acesso disponíveis, aumenta as chances de uma distribuição mais homogênea da exposição 35,38. Isso fortalece a validade interna dos dados e minimiza possíveis vieses de fonte comum.
Apesar das limitações, os resultados encontrados sugerem que o impacto do programa de promoção à saúde ligada às práticas de atividade física pode produzir efeitos que vão além de seus participantes diretos, afetando a comunidade adstrita. Infere-se que a AC interfere no meio produzindo um efeito “halo” que se expande com potencial alcance daqueles mais próximos à intervenção. Esse efeito pode sofrer reflexões, refrações, dispersões e interferências inerentes à tradução do Programa em cada contexto 6,27. Em termos de efetividade, esses achados sinalizam para a capacidade das AC em ampliar sua ação, tendo em vista a impossibilidade de comportar toda a demanda do entorno, tornando-se um epicentro de promoção da saúde.
Esses resultados podem ter implicações práticas importantes dado a expansão desse modelo de intervenção em nível federal 11,39 e ainda pela atribuição das AC na Atenção Básica 14. O Programa é, por excelência, um lócus de promoção da saúde e, como tal, deve assumir um papel interventor sobre todo o conjunto da população, atuando na construção coletiva e autônoma da saúde 40.
A literatura disponível demonstra que a AC capta um perfil de usuários bem definido – mulheres, idosos, pessoas com morbidades crônicas e de menor nível socioeconômico – e por isto tem se destacado em possibilitar o acesso à atividade física a um grupo com poucas oportunidades para prática 13,41. Dessa forma, delineado como um programa estratégico na mitigação de iniquidades em atividade física, questiona-se o impacto do Programa em nível populacional 42,43. Entretanto, com a priorização da implantação dos polos em áreas urbanas vulneráveis e o possível efeito adstrito, demonstrado em nosso estudo, potencialmente o Programa pode contribuir para a equidade na distribuição e acesso aos benefícios da prática de atividade física na população.
Como qualquer intervenção urbana, a AC envolve componentes complexos e multifacetados 44. Para a elucidação da efetividade do Programa, inclusive em outros contextos urbanos, avaliações de impacto devem incluir mais polos para tornar as amostras mais robustas, estudos pré e pós-implantação, além de outros métodos de análises, tais como escore de propensão, que permitam controlar o potencial de confusão entre exposição e desfecho em estudos observacionais.