versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.112 no.6 São Paulo jun. 2019 Epub 15-Jul-2019
https://doi.org/10.5935/abc.20190099
As doenças cardiovasculares (DCVs) continuam sendo a principal causa de morte em todo o mundo. No entanto, 80% das doenças cardíacas prematuras, acidente vascular cerebral e diabetes poderiam ser prevenidas.1 A doença cardiovascular aterosclerótica (DCVA) pode ter início na juventude, e exacerbada pela exposição a fatores associados a um risco cardiovascular aumentado.2 Existem intervenções para prevenir o início dos fatores de risco (prevenção primordial), para identificar e tratar fatores de risco na infância e adolescência (prevenção primária), e para a abordagem do risco de outros eventos em indivíduos já com DCVA ou outras DCVs (prevenção secundária) em idade jovem.3 A adolescência representa a melhor oportunidade de se avaliar os fatores de risco para DCV e para se intervir visando prevenir seu desenvolvimento.
O artigo de Scherr et al.,4 enfatiza a importância de um programa escolar que inclui a prática de atividade física (AF) e a adoção de hábitos alimentares saudáveis na adolescência para a prevenção de fatores de risco cardiovasculares.
O Ginásio Experimental Olímpico (GEO) é um projeto iniciado pelo governo da cidade do Rio de Janeiro que integra desenvolvimento acadêmico e esportivo. As escolas participantes do projeto oferecem prática esportiva (duas horas por dia, cinco vezes por semana), e cinco refeições saudáveis para os estudantes diariamente. Nesse artigo, os autores avaliam a influência da prática esportiva e a adoção de hábitos alimentares saudáveis nas escolas participantes do projeto GEO em comparação à oferta de prática de AF uma vez por semana e uma refeição diária nas escolas regulares (ERs). Os alunos tinham que ser expostos às intervenções por um ano antes da coleta de dados. O objetivo dos autores foi avaliar possíveis associações entre o meio escolar nos GEOs versus ERs e importantes fatores de riscos para DCVs em adolescentes. Sua hipótese foi de que os adolescentes que frequentavam as ERs apresentariam maior probabilidade de apresentarem fatores de risco em comparação aos alunos dos GEOs.
Nesse estudo transversal, 1113 estudantes de uma mesma região geográfica foram incluídos e alocados (proporção 2:1) para exposição (719 em escolas GEOs) e sem exposição (394 em ERs).
Apesar de se tratar de um estudo transversal, os alunos foram incluídos no estudo caso tivessem participado do programa GEO ou frequentado ERs por pelo menos um ano. A associação entre exposição e estado de saúde foi avaliada por regressão logística binominal. Os resultados do programa mostraram que a prevalência de pré-hipertensão/hipertensão e sobrepeso foi diferente entre as escolas, e que os alunos de GEOs apresentaram menor proporção e menor chance de desenvolverem fatores de risco cardiovasculares. Os alunos de ERs apresentaram maior índice de massa corporal (IMC), pré-hipertensão/hipertensão e sobrepeso. No entanto, na análise por sexo, estudantes do sexo feminino apresentaram maior IMC e maior prevalência de sobrepeso. Após ajuste por sexo e idade, os estudantes de ERs apresentaram maior probabilidade de apresentaram sobrepeso (OR 1,49; IC95% 1,13-1,98) ou pré-hipertensão/hipertensão (OR 1,86; IC95% 1,36-2,34). Não foram observadas diferenças quanto aos níveis de colesterol total, glicemia, e triglicerídeos entre alunos de GEOs e ERs.
Pela natureza do estudo (transversal), não foi possível inferir causalidade. Limitações do estudo incluem a avaliação da exposição em vez do nível de AF, e avaliação das características basais dos participantes em vez dos efeitos da exposição somente. Estudos prospectivos, com randomização por cluster das intervenções são necessários para avaliar mudanças no estilo de vida na adolescência e sua associação com fatores de risco.
Recentemente, a American Heart Association emitiu uma diretriz visando a redução de risco cardiovascular em pacientes pediátricos de alto risco.3 Apesar de existirem recomendações para as categorias alto risco, risco moderado e em risco, são recomendadas estratégias gerais para melhorar o estilo de vida, quanto a pressão arterial, perfil lipídico (LDL-colesterol e triglicerídeos), glicemia, AF, alimentação, peso corporal e tabagismo nos indivíduos que não apresentam esses fatores de risco.
A maioria dos fatores de risco modificáveis para DCV (tabagismo, hipertensão, hipercolesterolemia, diabetes e obesidade) inicia-se precocemente.5 Vários estudos mostraram que o número de fatores de risco para DCV correlaciona-se com a gravidade da aterosclerose tanto em crianças como em jovens adultos.6-8 Iniciativas para promover um melhor estilo de vida devem ser incentivadas e adotadas por políticos, educadores e público de interesse. Ainda, nos indivíduos em risco de desenvolverem DCVs, deve-se realizar uma estratificação de risco adequada9 para se prevenir o início dos fatores de risco.