versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.110 no.1 São Paulo jan. 2018 Epub 01-Fev-2018
https://doi.org/10.5935/abc.20170178
Apesar dos relatos na literatura de que tanto a atividade física no tempo livre (AFTL) quanto a atividade física no deslocamento (AFDESL) promovem benefícios à saúde, estudos comparando a associação desses domínios da atividade física com escores de risco cardiovascular são escassos.
Verificar a associação entre AFTL e AFDESL com escores de risco cardiovascular na coorte Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil).
Estudo transversal com dados da linha de base de 13.721 participantes de ambos os sexos, com idades entre 35 e 74 anos, livres de doenças cardiovasculares, do ELSA-Brasil. A atividade física foi mensurada por meio do International Physical Activity Questionnary (IPAQ). Foram utilizados cinco escores de risco cardiovascular: escore de Framingham - doença coronariana (colesterol); escore de Framingham - doença coronariana (lipoproteína de baixa densidade - LDL-C); escore de Framingham - doença cardiovascular (colesterol); escore de Framingham - doença cardiovascular (índice de massa corpórea - IMC); e equações de coorte agrupadas para doença cardiovascular aterosclerótica. As associações ajustadas por variáveis de confundimento foram analisadas por meio de regressão logística. Utilizou-se intervalo de confiança de 95% (IC95%).
Com quase todos os escores de risco cardiovascular analisados, a AFTL apresenta-se inversamente associada, enquanto a AFDESL não demonstra associação estatisticamente significante com nenhum deles. Observou-se, ainda, a existência de efeito dose-resposta na associação entre AFTL e escores de risco cardiovascular principalmente em homens.
A AFTL, porém não a AFDESL, apresenta associação com os escores de risco cardiovascular analisados. A maior quantidade de atividade física (duração e intensidade) está associada de forma mais significativa, principalmente em homens, aos escores de risco cardiovascular em participantes da coorte ELSA-Brasil. (Arq Bras Cardiol. 2017; [online].ahead print, PP.0-0)
Palavras-chave: Exercício; Técnicas de Exercício de Movimento; Fatores de Risco; Doenças Cardiovasculares / prevenção & controle; Epidemiologia
Despite reports in the literature that both leisure-time physical activity (LTPA) and commuting physical activity (CPA) can promote health benefits, the literature lacks studies comparing the associations of these domains of physical activity with cardiovascular risk scores.
To investigate the association between LTPA and CPA with different cardiovascular risk scores in the cohort of the Longitudinal Study of Adult Health ELSA-Brasil.
Cross-sectional study with data from 13,721 participants of both genders, aged 35-74 years, free of cardiovascular disease, from ELSA Brazil. Physical activity was measured using the International Physical Activity Questionnaire (IPAQ). Five cardiovascular risk scores were used: Framingham score - coronary heart disease (cholesterol); Framingham score - coronary heart disease (LDL-C); Framingham score - cardiovascular disease (cholesterol); Framingham score - cardiovascular disease (body mass index, BMI); and pooled cohort equations for atherosclerotic cardiovascular disease (ASCVD). Associations adjusted for confounding variables between physical activity and different cardiovascular risk scores were analyzed by logistic regression. Confidence interval of 95% (95%CI) was considered.
LTPA is inversely associated with almost all cardiovascular risk scores analyzed, while CPA shows no statistically significant association with any of them. Dose-response effect in association between LTPA and cardiovascular risk scores was also found, especially in men.
LTPA was shown to be associated with the cardiovascular risk scores analyzed, but CPA not. The amount of physical activity (duration and intensity) was more significantly associated, especially in men, with cardiovascular risk scores in ELSA-Brasil.
Keywords: Exercise; Exercise Movement Techniques; Risk Factors; Cardiovascular Diseases / prevention & control; Epidemiology
A atividade física (AF) está inversamente associada com mortalidade por todas as causas e principalmente com mortalidade cardiovascular.1,2 Além disso, diversos estudos comprovam que a AF, sobretudo quando analisada no domínio do tempo livre, apresenta efeito de proteção contra doenças crônicas e fatores de risco cardiovascular, incluindo diabetes, dislipidemias, hipertensão arterial e marcadores inflamatórios.3-7
Os escores de risco cardiovascular são algoritmos propostos com o objetivo de estratificar o risco coronariano e/ou cardiovascular para estimar a probabilidade do desenvolvimento desses agravos no período de 10 anos após o cálculo em determinado grupo populacional. O primeiro a ser desenvolvido, com foco no risco de doença arterial coronariana, foi apresentado por Wilson et al.,8 tendo como base a coorte de Framingham. Posteriormente, D’Agostino et al.,9 desenvolveram ferramenta de avaliação que permitiria identificar candidatos de alto risco para todos e quaisquer eventos ateroscleróticos iniciais dentro de 10 anos subsequentes à aplicação do teste (doença arterial coronariana, doenças cerebrovasculares, doença vascular periférica e insuficiência cardíaca) usando medidas prontamente disponíveis na prática clínica. Mais recentemente, o American College of Cardiology (ACC) e a American Heart Association (AHA)10 sugeriram novas equações agrupadas para estimativa de risco para doenças cardiovasculares ateroscleróticas (em 10 anos), definidas como a primeira ocorrência de infarto do miocárdio não fatal, morte por doença arterial coronariana e acidente vascular cerebral fatal e não fatal.
Apesar dos relatos na literatura de que tanto a atividade física no tempo livre (AFTL)11,12 quanto a atividade física no deslocamento (AFDESL)13 podem promover benefícios à saúde, estudos que analisam e comparam a associação desses domínios da AF com os escores de risco cardiovascular são escassos.14 Os principais mecanismos que podem explicar as associações encontradas entre AF e os escores de risco cardiovascular podem ser atribuídos às alterações favoráveis provocadas pela AF nos níveis pressóricos, perfil lipídico e níveis glicêmicos.15-17
O estabelecimento de relação quantitativa entre AFTL e/ou AFDESL com os escores de risco cardiovascular pode ajudar os gestores em saúde pública no sentido de que as mensagens de incentivo à prática de AF possam ser mais bem divulgadas na sociedade.
O objetivo do estudo foi verificar a associação entre AFTL e/ou AFDESL com diferentes escores de risco cardiovascular na coorte Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil).
O ELSA-Brasil é um estudo de coorte de 15.105 servidores públicos ativos ou aposentados de ambos os sexos, com idades entre 35 e 74 anos, de seis instituições de ensino e pesquisa, localizadas nas cidades de Salvador, Vitória, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre, cujos detalhes metodológicos foram descritos previamente.18,19 Para o presente estudo, foram selecionados todos os participantes da linha de base (2008-2010) que responderam aos questionários sobre AF e com as informações necessárias para os cálculos dos escores de risco cardiovascular. Após a exclusão dos participantes que reportaram infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral, doença vascular periférica e insuficiência cardíaca, a amostra ficou constituída de 13.721 participantes (45,3% homens e 54,7% mulheres).
O ELSA-Brasil foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e também em todos os Comitês de Ética em Pesquisa dos seis centros de investigação envolvidos. Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), sendo garantidos o sigilo e a confidencialidade dos dados.
Os dados foram coletados por uma equipe de entrevistadores e aferidores treinados e certificados por um comitê de controle de qualidade,19 capacitados a executar o protocolo do estudo em qualquer Centro de Investigação ELSA-Brasil. Realizaram-se entrevistas face a face com questionários padronizados e validados.
Avaliação da atividade física
Para identificação e quantificação da AF, foi utilizado o International Physical Activity Questionnary (IPAQ), que é constituído de questões relativas à frequência e à duração de atividades físicas (caminhada moderada e vigorosa) desenvolvidas no trabalho, no deslocamento, nas atividades domésticas e no tempo livre.20 No ELSA-Brasil apenas os domínios do tempo livre e do deslocamento foram avaliados. A AF foi mensurada em minutos/semana por meio da multiplicação da frequência semanal pela duração de cada uma das atividades realizadas.
Para efeito deste estudo, os participantes foram classificados quanto à prática da AF no tempo livre como:
sedentário/a (< 10 min/semana de qualquer AF);
pouco ativo/a (≥ 10 min a < 150 min/semana de caminhada/AF moderada e/ou de 10 min a < 60 min/semana de AF vigorosa e/ou de 10 min a < 150 min/semana de qualquer combinação de caminhada, AF moderada e vigorosa);
fisicamente ativo/a (≥ 150 min/semana de caminhada/AF moderada e/ou ≥ 60 min/semana de AF vigorosa e/ou ≥ 150 min/semana de qualquer combinação de caminhada, AF moderada e vigorosa);
muito ativo/a (≥ 150 min/semana de AF vigorosa, ou ≥ 60 min/semana de AF vigorosa mais 150 min/semana de qualquer combinação entre caminhada e AF moderada).
Para as análises dicotomizadas, foram considerados como insuficientemente ativos aqueles classificados como sedentários e pouco ativos, e como ativos aqueles classificados como fisicamente ativos e muito ativos.
A AF no deslocamento foi categorizada como: insuficientemente ativo (< 150 min/semana em AF de caminhada e/ou bicicleta); e fisicamente ativo (≥ 150 min/semana em AF de caminhada e/ou bicicleta).
Avaliação do risco cardiovascular
Utilizaram-se cinco escores de risco cardiovascular. Os dois primeiros foram propostos por Wilson et al.,8 e tiveram como objetivo estimar o risco de doença arterial coronariana. As variáveis usadas foram: idade, pressão arterial (PA) sistólica e diastólica, lipoproteína de alta densidade (HDL-C), diabetes, tabagismo e colesterol total no primeiro; e idade, PA sistólica e diastólica, HDL-C, diabetes, tabagismo e lipoproteína de baixa densidade (LDL-C) no segundo. O terceiro e quarto escores, propostos por D’Agostino et al.,9 tiveram como objetivo identificar candidatos de alto risco para todos e quaisquer eventos ateroscleróticos iniciais (doença arterial coronariana, doenças cerebrovasculares, doença vascular periférica e insuficiência cardíaca). As variáveis usadas foram: idade, PA sistólica e diastólica tratada e não tratada, HDL-C, índice de massa corpórea (IMC), diabetes, tabagismo e colesterol total no terceiro; e idade, PA sistólica e diastólica tratada e não tratada, HDL-C, IMC, diabetes, tabagismo e IMC no quarto. O quinto escore, indicado pelo ACC e pela AHA,10 objetivou fazer a estimativa de risco para doenças cardiovasculares ateroscleróticas. As variáveis usadas foram: idade, PA sistólica com e sem tratamento, colesterol total, HDL-C, tabagismo e diabetes. Todos os escores de risco cardiovascular foram calculados para os participantes do ELSA-Brasil, e o esquema de pontuação detalhado foi previamente relatado.8-10 Os participantes com escores ≥ 20% foram considerados de alto risco para futuros eventos cardiovasculares.21
A PA foi obtida utilizando-se um dispositivo oscilométrico validado (Omron HEM-705CPINT) após 5 min de repouso com o sujeito em posição sentada numa sala silenciosa e com temperatura controlada (20-24°C). Foram feitas três medições a intervalos de 1 min entre cada uma delas. A média das duas últimas medidas de PA foi calculada e utilizada para nossas análises.
Diabetes foi definido com base em informações autorreferidas e medições laboratoriais. Considerou-se que o participante tinha diagnóstico prévio de diabetes se ele/ela tivesse sido previamente informado por um médico que tinha diabetes ou se tinha usado medicação para diabetes nas duas últimas semanas. Os participantes sem diabetes previamente diagnosticada foram classificados como tendo diabetes se o nível de glicose plasmática em jejum foi ≥ 7,0 mmol/L, glicemia pós-carga de 2 h foi ≥ 11,1 mmol/L, ou hemoglobina glicada (HbA1c) foi ≥ 6,5%.22,23 O participante foi classificado como hipertenso se a pressão arterial sistólica (PAS) fosse ≥ 140 mmHg, a pressão arterial diastólica (PAD) fosse ≥ 90 mmHg ou tivesse tomado algum medicamento para tratar a hipertensão nas duas últimas semanas.
O colesterol total e o HDL-C foram determinados pelo método colorimétrico enzimático. O LDL-C foi calculado pela equação de Friedewald.
A obesidade foi identificada por meio do IMC aplicando-se a equação IMC = peso (kg)/altura(m)2 e adotando-se o seguinte ponto de corte: obesidade = 0 se IMC < 30,0 e obesidade = 1 se IMC ≥ 30,0.
As medidas descritivas (proporções) foram calculadas para todas as variáveis categorizadas. Todas as análises foram estratificadas por sexo a priori. As diferenças entre homens e mulheres quanto às variáveis analisadas no estudo foram identificadas por meio do teste de qui-quadrado. As associações entre as variáveis dependentes (diferentes escores de risco cardiovascular) e as variáveis independentes (AFTL e AFDESL) foram analisadas por meio de regressão logística. Consideraram-se como potenciais confundidoras as seguintes variáveis: idade, obesidade, renda familiar, escolaridade e situação funcional. Foram selecionadas para modelagem as variáveis que na etapa bivariada apresentaram na avaliação simultânea (matriz tetracórica) coeficiente de correlação rho < 0,60 e p ≤ 0,05.
A análise para confundimento foi feita comparando a odds ratio (OR) da associação bruta com aquela da associação ajustada para os possíveis confundidores. O parâmetro usado para identificar a diferença entra as associações foi de 10%. Então a análise de regressão logística foi realizada, iniciando-se pelo modelo completo e retirando-se cada uma das variáveis possíveis confundidoras que causaram alteração igual ou superior a 10% na associação entre AFTL e AFDESL e os diferentes escores de risco cardiovascular.24 No processo de modelagem não foram identificadas variáveis modificadoras de efeito, e as variáveis idade, obesidade e escolaridade foram identificadas como confundidoras em homens, enquanto entre as mulheres apenas idade e escolaridade foram identificadas com confundidoras. Portanto, o melhor modelo para analisar a associação entre AFTL e AFDESL com os diferentes escores de risco cardiovascular foi o ajustado por idade, obesidade e escolaridade em homens e o modelo ajustado por idade e escolaridade em mulheres.
Foi também analisado o efeito dose-resposta na associação entre AFTL e escores de risco cardiovascular. Para essa análise, criaram-se variáveis dummies para comparação entre o grupo de referência (sedentários) e cada um dos outros estratos da variável AF (pouco ativos, ativos, muito ativos). Foi utilizado o teste de Mantel Haenszel para avaliar a homogeneidade dos valores do OR entre os estratos de cada variável com nível de significância de 0,05. O intervalo de confiança foi estabelecido em 95% (IC95%). Empregou-se o programa estatístico Stata versão 12.0.
Foram incluídos na análise 6.222 homens (45,3%) e 7.499 mulheres (54,7%). As características da amostra estão apresentadas na Tabela 1. Os primeiros têm maior renda familiar, são mais ativos no tempo livre e no deslocamento e apresentam maiores valores nos escores de risco cardiovascular analisados, enquanto elas são mais escolarizadas e mais obesas. Constata-se ainda maior percentual de mulheres aposentadas, além de não existirem diferenças estatisticamente significativas entre homens e mulheres com relação a idade.
Tabela 1 Características da amostra na linha de base. The Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil), 2008-2010
Homens (n = 6.222) | Mulheres (n = 7.499) | p | |
---|---|---|---|
Idade (anos) - n (%) | |||
34-50 | 3.112 (49,3) | 3.675 (48,3) | |
51-60 | 1.941 (30,7) | 2.437 (32,0) | |
> 60 | 1.261 (20,0) | 1.500 (19,7) | 0,27 |
Renda familiar (salário mínimo) - n (%) | |||
Até 2 | 72 (1,1) | 101 (1,3) | |
De 2 até 8 | 2.496 (39,7) | 2.968 (39,2) | |
De 8 até 18 | 2.100 (33,4) | 2.927 (38,6) | |
Acima de 18 | 1.619 (25,8) | 1.582 (20,9) | 0,00 |
Escolaridade - n (%) | |||
Fundamental incompleto | 489 (7,7) | 265 (3,5) | |
Fundamental completo | 515 (8,2) | 388 (5,1) | |
Médio completo | 2.116 (33,5) | 2.723 (35,7) | |
Superior completo/ Pós-graduação | 3.194 (50,6) | 4.236 (55,7) | 0,00 |
Situação funcional - n (%) | |||
Aposentado | 879 (13,9) | 1.615 (21,2) | |
Ativo | 5.431 (86,1) | 5.991 (78,8) | 0,00 |
Obesidade - n (%) | |||
IMC < 30 kg/m2 | 4.985 (78,9) | 5.755 (75,6) | |
IMC ≥ 30 kg/m2 | 1.329 (21,1) | 1.857 (24,4) | 0,00 |
Atividade física no deslocamento - n (%) | |||
Insuficientemente Ativo | 3.955 (63,6) | 5.081 (67,7) | |
Ativo | 2.267 (36,4) | 2.418 (32,3) | 0,00 |
Atividade física no tempo livre - n (%) | |||
Sedentário | 2.308 (37,1) | 3.572 (47,6) | |
Insuficientemente Ativo | 1.166 (18,7) | 1.366 (18,2) | |
Ativo | 1.562 (25,1) | 1.690 (22,6) | |
Muito Ativo | 1.186 (19,1) | 871 (11,6) | 0,00 |
Escores de risco cardiovascular | |||
Escore de Framingham - Doença Coronariana (Colesterol) - n (%) | |||
Escore < 20% | 5.481 (86,8) | 7.484 (98,3) | |
Escore ≥ 20% | 833 (13,2) | 128 (1,7) | 0,00 |
Escore de Framingham - Doença Coronariana (LDL-C) - n (%) | |||
Escore < 20% | 5.792 (91,7) | 7.435 (97,7) | |
Escore ≥ 20% | 522 (8,3) | 177 (2,3) | 0,00 |
Escore de Framingham - Doença Cardiovascular (Colesterol) - n (%) | |||
Escore < 20% | 4.742 (75,3) | 7.194 (94,6) | |
Escore ≥ 20% | 1.554 (24,7) | 408 (5,4) | 0,00 |
Escore de Framingham - Doença Cardiovascular (IMC) - n (%) | |||
Escore < 20% | 4.355 (69,2) | 6.997 (92,1) | |
Escore ≥ 20% | 1.938 (30,8) | 603 (7,9) | 0,00 |
Equações de coorte agrupadas para doença cardiovascular | |||
aterosclerótica Escore < 20% | 5.480 (88,3) | 7.304 (97,1) | |
Escore ≥ 20% | 728 (11,7) | 219 (2,9) | 0,00 |
Valores para homens e mulheres foram comparados por meio do teste qui-quadrado. IMC: índice de massa corpórea; LDL-C: lipoproteína de baixa densidade.
A associação entre AFTL e AFDESL e os diferentes escores de risco cardiovascular em indivíduos dos sexos masculino e feminino é apresentada nas Tabelas 2 e 3 Com quase todos os escores de risco cardiovascular analisados, a AFTL apresenta-se inversamente associada, enquanto a AFDESL não se associa de modo estatisticamente significante com nenhum deles. Nas Tabelas 4 e 5 podemos observar a existência de efeito dose-resposta na associação entre AFTL e escores de risco cardiovascular principalmente em homens.
Tabela 2 Associação entre atividade física no tempo livre e no deslocamento e escores de risco cardiovascular em homens: Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil), 2008-2010
Escores de risco cardiovascular | Atividade física no tempo livre (n = 6.222) | Atividade física no deslocamento (n = 6.222) |
---|---|---|
Escore de Framingham - doença coronariana (colesterol)* | 0,72 (0,60-0,85) | 0,99 (0,84-1,19) |
Escore de Framingham - doença coronariana (LDL-C)* | 0,72 (0,58-0,88) | 1,04 (0,84-1,28) |
Escore de Framingham - doença cardiovascular (colesterol)* | 0,76 (0,65-0,88) | 0,97 (0,83-1,17) |
Escore de Framingham - doença cardiovascular (IMC)# | 0,68 (0,59-0,79) | 0,96 (0,83-1,11) |
Equações de coorte agrupadas para doença cardiovascular aterosclerótica* | 0,78 (0,65-0,95) | 0,95 (0,79-1,15) |
IMC: índice de massa corpórea; LDL-C: lipoproteína de baixa densidade.
*Ajustado por idade, obesidade e escolaridade;
#ajustado por idade e escolaridade.
Tabela 3 Associação entre atividade física no tempo livre e no deslocamento e escores de risco cardiovascular em mulheres: Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil), 2008-2010
Escores de risco cardiovascular | Atividade física no tempo livre (n = 7.499) | Atividade física no deslocamento (n = 7.499) |
---|---|---|
Escore de Framingham - doença coronariana (colesterol)* | 0,64 (0,42-0,97) | 1,26 (0,87-1,82) |
Escore de Framingham - doença coronariana (LDL-C)* | 0,60 (0,42-0,86) | 1,14 (0,83-1,58) |
Escore de Framingham - doença cardiovascular (Colesterol)* | 0,63 (0,50-0,81) | 1,13 (0,90-1,41) |
Escore de Framingham - doença cardiovascular (IMC)* | 0,78 (0,64-0,96) | 1,02 (0,84-1,24) |
Equações de coorte agrupadas para doença cardiovascular aterosclerótica* | 0,85 (0,63-1,16) | 0,98 (0,73-1,32) |
IMC: índice de massa corpórea; LDL-C: lipoproteína de baixa densidade.
*Ajustado por idade e escolaridade.
Tabela 4 Efeito dose-resposta na associação entre atividade física no tempo livre e escores de risco cardiovascular em homens: Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil), 2008-2010
Atividade física no tempo livre* | Escore de Framingham - doença coronariana (colesterol)* | Escore de Framingham - doença coronariana (LDL-C)* | Escore de Framingham - doença cardiovascular (colesterol)* | Escore de Framingham - doença cardiovascular (IMC)# | Equações de coorte agrupadas para doença cardiovascular aterosclerótica* |
---|---|---|---|---|---|
Sedentário | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 |
Pouco ativo | 0,86 (0,68-1,08) | 1,02 (0,78-1,34) | 1,08 (0,87-1,33) | 0,99 (0,81-1,20) | 1,03 (0,80-1,32) |
Ativo | 0,81 (0,65-0,99) | 0,79 (0,61-1,03) | 0,91 (0,75-1,10) | 0,85 (0,71-1,02) | 0,87 (0,68-1,10) |
Muito ativo | 0,43 (0,32-0,58) | 0,52 (0,37-0,74) | 0,55 (0,43-0,69) | 0,47 (0,38-0,59) | 0,62 (0,46-0,84) |
IMC: índice de massa corpórea; LDL-C: lipoproteína de baixa densidade.
*Ajustado por idade, obesidade e escolaridade;
#ajustado por idade e escolaridade.
Tabela 5 Efeito dose-resposta na associação entre atividade física no tempo livre e escores de risco cardiovascular em mulheres: Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA Brasil), 2008-2010
Atividade física no tempo livre* | Escore de Framingham - doença coronariana (colesterol) | Escore de Framingham - doença coronariana (LDL-C) | Escore de Framingham - doença cardiovascular (colesterol) | Escore de Framingham - doença cardiovascular (IMC) | Equações de coorte agrupadas para doença cardiovascular aterosclerótica |
---|---|---|---|---|---|
Sedentário | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 1,00 |
Pouco ativo | 1,20 (0,76-1,91) | 1,04 (0,69-1,56) | 1,07 (0,80-1,43) | 0,92 (0,71-1,19) | 1,17 (0,80-1,72) |
Ativo | 0,71 (0,43-1,16) | 0,61 (0,40-0,94) | 0,70 (0,52-0,93) | 0,88 (0,64-1,03) | 1,01 (0,72-1,44) |
Muito ativo | 0,63 (0,29-1,37) | 0,64 (0,34-1,20) | 0,52 (0,32-0,83) | 0,67 (0,46-0,95) | 0,66 (0,37-1,23) |
IMC: índice de massa corpórea; LDL-C: lipoproteína de baixa densidade.
*Ajustado por idade e escolaridade.
O estudo analisou a associação entre AFTL e AFDESL com os diferentes escores de risco cardiovascular. A AFTL, porém não a AFDESL, apresentou associação inversa com os escores de risco analisados. Esses resultados, principalmente com relação à AFTL, foram similares àqueles encontrados em 41.053 finlandeses quando foi observado que níveis moderados ou altos de atividade física no tempo livre entre homens e mulheres, e, caminhadas diárias ou de bicicleta para o trabalho apenas entre as mulheres estavam associadas a risco reduzido para eventos coronarianos.14
Em outro estudo, quando foram analisados comportamentos saudáveis, entre eles a AF mensurada por acelerometria, observou-se associação inversa com efeito dose-resposta entre os comportamentos saudáveis positivos e o risco para doenças cardiovasculares ateroscleróticas.25 No nosso trabalho, também constatamos a existência de efeito dose-resposta na associação entre AFTL e escores de risco cardiovascular principalmente em indivíduos do sexo masculino. Ou seja, quanto mais AF, menor o risco de eventos cardiovasculares.
O efeito dose-resposta verificado no presente estudo vem sendo reportado já há bastante tempo. Kohl,5 evidenciou, por meio de vasta revisão de literatura, em diferentes estudos longitudinais, a existência de associação inversa na forma dose-resposta entre AF e doenças cardiovasculares, sobretudo doença arterial coronariana. É importante ressaltar que, na classificação adotada neste trabalho, a quantidade de AFTL foi calculada com base tanto na duração quanto na intensidade da AF. Em outros estudos do nosso grupo de pesquisa,11,12 nos quais a AF foi classificada considerando-se apenas a intensidade, foi possível averiguar que somente a AF moderada se apresentou como discriminadora da ausência de hipertensão e diabetes. Assim, pode-se supor que o aumento da quantidade de atividade física para proporcionar maiores benefícios à saúde deve ser sugerido, levando-se em conta tanto a sua intensidade quanto a sua duração.
Os resultados encontrados na associação entre AFTL e os escores de risco cardiovascular são esperados considerando-se que as principais variáveis que compõem esses escores apresentam isoladamente associação com AFTL. Vários estudos salientam que a AFTL está inversamente associada com níveis elevados de PA,7,12 diabetes,11,26 alterações lipídicas27 e risco de doença arterial coronariana.28 Ainda de acordo com nossos resultados, as associações demonstradas em estudos prévios mostram-se de forma mais consistente em homens do que em mulheres.28,29
Com relação à AFDESL, não foi possível demonstrar associações com os escores de risco cardiovascular, embora estudos prévios tenham encontrado relação entre AFDESL e diabetes, bem como com mortalidade cardiovascular em indivíduos com diabetes tipo 2. Importante ressaltar que essas associações, no caso da mortalidade cardiovascular, perderam a significância após ajustes adicionais para AFTL e AF ocupacional.30,31 Esses achados, provavelmente, refletem o fato de que o instrumento utilizado no nosso estudo para avaliar AF, o IPAQ, não distingue a intensidade do deslocamento, quer seja a pé, quer seja de bicicleta. Assim, se o deslocamento for feito de forma lenta, talvez os benefícios para a saúde não ocorram de modo significativo.
Nesse sentido, em recente publicação com dados do ELSA-Brasil foi observado que a associação entre AFDESL e hipertensão arterial foi positiva em mulheres e sem significância estatística entre homens, enquanto a associação entre AFTL e hipertensão arterial foi inversa em ambos os sexos.32 Resultados de dados também do ELSA-Brasil e ainda não publicados sugerem que o deslocamento ativo, mais frequente nos estratos sociais menos privilegiados, em vez de refletir a adoção de um hábito saudável, provavelmente decorre de desigualdades na mobilidade urbana em cidades brasileiras.
Os mecanismos pelos quais a AF reduz os níveis de PA, glicemia e perfil lipídico permanecem especulativos. Recente publicação enfatizou a necessidade de novos estudos para melhor compreensão dos aspectos celulares e moleculares envolvidos nos principais benefícios para a saúde induzidos pela AF.33 Quanto à PA, conforme o American College of Sports Medicine (ACSM),15 as principais evidências apontam: a) diminuição dos níveis de insulina, com consequente redução da retenção do sódio renal e tônus simpático basal; b) redução dos níveis das catecolaminas; c) liberação, pela musculatura esquelética, de substâncias vasodilatadoras na circulação.
Com relação ao perfil lipídico, existem poucas informações a respeito dos mecanismos responsáveis pela redução nos níveis de LDL-C e de dosagem da lipoproteína de muito baixa densidade (VLDL-C). Entretanto, a principal razão para a elevação do HDL-C é a maior ação da lipoproteína lipase (LPL) em resposta ao exercício físico: a LPL acelera a decomposição do VLDL-C, removendo os triglicerídeos da corrente sanguínea para os músculos; isso resulta numa transferência de colesterol e outras substâncias para o HDL-C aumentando, consequentemente, a concentração deste.16 No que diz respeito aos níveis glicêmicos, a AF parece desempenhar importante papel na redução dos níveis de glicose sanguínea, porque promove proliferação de capilares, aumentando a atividade da LPL no músculo - o que, por sua vez aumenta a sensibilidade à insulina. Além disso, maiores níveis de prática de AF podem aumentar o número de fibras musculares oxidativas, mais sensíveis à insulina, promovendo assim redução na glicemia.17
Como ponto forte do estudo, ressalta-se que a amostra se constitui de uma coorte de voluntários de servidores públicos que, apesar de não ser representativa da população de modo geral, apresenta um número expressivo de participantes de seis capitais brasileiras. Outro ponto forte refere-se ao fato de terem sido calculados os valores de diferentes escores de risco cardiovascular, o que permitiu a análise da associação destes tanto com a AFTL quanto com a AFDESL.
Uma possível limitação do estudo (viés de memória) pode ser atribuída à informação sobre AF que foi obtida por meio de questionários, o qual no entanto é um instrumento largamente utilizado em estudos nacionais e internacionais. É importante dizer que o ELSA-Brasil é um estudo longitudinal e está prevista a incorporação de medida mais objetiva, a acelerometria, o que poderá aumentar a validade das informações sobre AF.
A AFTL, porém não a AFDESL, apresenta associação com os escores de risco cardiovascular analisados. A maior quantidade de AFTL (duração e intensidade) está associada de forma mais significativa aos escores de risco cardiovascular em participantes da coorte (ELSA-Brasil).
Os resultados do estudo podem trazer importantes contribuições para a saúde pública, na medida em que o gerenciamento das políticas públicas de promoção da AF pode ser balizado pelo conhecimento do tipo de AF que mais benefícios à saúde pode provocar. A informação de que a AFTL, porém não a AFDESL, aponta associação com o risco cardiovascular deve ser levada aos gestores de saúde pública para que ações de incentivo à prática de AF, principalmente nos momentos de lazer e no tempo livre, possam ser implementadas.
Importante salientar que, apesar de não se ter sido encontrada associação entre AFDESL e risco cardiovascular, as atividades de deslocamento ativo, tanto a pé quanto de bicicleta, devem ser incentivadas em grupos populacionais, sobretudo quando esse deslocamento é realizado em intensidades moderadas. Além disso, considerando o efeito dose-resposta encontrado, principalmente em homens, sugere-se que a população seja incentivada para a prática de maior quantidade de AF para que os benefícios à saúde sejam maximizados.