versão impressa ISSN 1414-462Xversão On-line ISSN 2358-291X
Cad. saúde colet. vol.22 no.2 Rio de Janeiro abr./jun. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/1414-462X201400020014
The Ministry of Health proposed to carry out health education groups for people with hypertension and diabetes. Despite the practice in several localities, it frequently faces a lot of limitations. Given this, this study aimed to analyze the factors contributing with the presence of participatory activities in groups formed for people with hypertension and diabetes mellitus. This is a quantitative cross-sectional study performed with professionals of the family health strategy in the municipality of Campo Mourão, Paraná State. For data gathering, it was used a form applied to the professionals. The results revealed that openness to learn from users and the multidisciplinary work of the professionals comprise essential strategies to become the health education groups into spaces for exchange and shared construction of knowledge.
Key words: primary health care; health education; chronic disease
Atualmente, a principal preocupação dos serviços de saúde são as doenças de caráter crônico, sobretudo a hipertensão arterial (HA) e o diabetes mellitus (DM), uma vez que representam os principais fatores de risco para as doenças cardiovasculares que constituem a principal causa de morte no Brasil e no mundo1.
Para lidar com essas doenças crônicas, a Estratégia Saúde da Família (ESF) teve um papel fundamental tanto na prevenção quanto no controle e na reabilitação de pessoas com HA e DM, na medida em que reorientou as práticas de saúde no país aproximando o serviço de saúde da comunidade2.
A partir de então, o Ministério da Saúde incentivou que as Equipes de Saúde da Família desenvolvessem grupos de educação em saúde para pessoas com HA e DM, valorizando o desenvolvimento de estratégias participativas caracterizadas pela construção compartilhada de saberes, diálogo, participação dos usuários e construção de conhecimentos para além das questões biológicas3.
Contudo, verifica-se que grande parte das ações de educação em saúde não é desenvolvida com base em atividades participativas, uma vez que é comum entre os profissionais de saúde o ato de restringir as ações de educação em saúde à transmissão de informações e orientações realizadas por meio de palestras4 , 5.
Diante disso, é fundamental realizar um estudo que verifique em que medida as estratégias participativas estão presentes no contexto do trabalho em grupo e quais fatores estão associados a sua presença. Desse modo, o objetivo deste estudo foi analisar os fatores que contribuem para a presença de estratégias participativas no contexto dos grupos desenvolvidos para portadores de HA e DM.
Este trabalho fez parte de uma tese de doutorado cujo objetivo foi analisar o grupo de educação em saúde desenvolvido pelas Equipes de Saúde da Família como espaço de constituição de sujeitos corresponsáveis. Esta pesquisa foi desenvolvida em duas etapas: a primeira utilizou a abordagem quantitativa; a segunda, a abordagem qualitativa. Os resultados da presente pesquisa estão focados na primeira etapa do estudo.
O estudo foi realizado em um município de médio porte (Campo Mourão) localizado no Estado do Paraná, Brasil, o qual possui 87.287 mil habitantes6.
Foram sujeitos da pesquisa todos os profissionais que estavam vinculados à ESF na ocasião da coleta de dados realizada no período de setembro a novembro de 2010.
O instrumento de coleta de dados foi um formulário contendo as variáveis: idade, categoria profissional, sexo e estado civil; estratégias participativas; estratégias não participativas; abertura ao saber popular; diversidade de categoria profissional; avaliação dos grupos.
Os dados obtidos foram tabulados por meio do programa Epi Info, versão 3.5.2 para Windows. Para verificar a associação entre as variáveis qualitativas, foi utilizado o teste do χ2 com correção de Yates, sendo considerado estatisticamente significativo quando p<0,05. Para as variáveis quantitativas, foi utilizada a correlação de Spearman.
Foram respeitados todos os preceitos contidos na resolução nº 196/96, que regulamenta as pesquisas envolvendo seres humanos7. Foi solicitada a autorização da Secretaria Municipal de Saúde e utilizou-se o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade Integrado de Campo Mourão, conforme o parecer nº 68/10.
Dos 145 profissionais vinculados à ESF no município de Campo Mourão, foram entrevistados 121, pois 12 trabalhadores se recusaram, 5 estavam de férias e 7 estavam afastados por licença maternidade ou médica.
Sobre as características sociodemográficas (Tabela 1), notou-se um predomínio do sexo feminino. Em relação à faixa etária, 50 (41,3%) participantes estavam entre 31 e 40 anos de idade. Quanto ao estado civil, 60 (49,6%) entrevistados eram casados.
Tabela 1 Distribuição dos profissionais vinculados à Equipe de Saúde da Família, segundo sexo, faixa etária e estado civil. Campo Mourão, Paraná, 2010
Variáveis | n | % |
---|---|---|
SexoMasculinoFemininoTotal | 5116121 | 4,195,9100,0 |
Faixa etária (anos)Até 3031 a 4041 a 5051 ou maisTotal | 4050247121 | 33,141,319,85,8100,0 |
Estado civilSolteiroCasadoSeparadoUnião consensual | 3960175 | 32,249,614,04,1 |
Total | 121 | 100,0 |
Em relação à categoria profissional, foram entrevistados 68 (56,2%) agentes comunitários de saúde (ACSs), 17 (14%) auxiliares de enfermagem, 10 (8,3%) enfermeiros, 9 (7,4%) médicos, 7 (5,8%) auxiliares de saúde bucal, 4 (3,3%) cirurgiões-dentistas e 2 (1,7%) psicólogos. Apenas um (0,8%) profissional das seguintes categorias foi entrevistado: técnico de enfermagem, nutricionista, educador físico e fisioterapeuta.
Ao serem questionados sobre quais atividades eram desenvolvidas no grupo, os participantes mencionaram as estratégias não participativas (Figura 1) e as participativas (Figura 2). Entre as estratégias não participativas, as mais citadas foram a distribuição de medicamentos e a realização de palestras. Já em relação às participativas, a realização de dinâmicas e as caminhadas foram as mais frequentes. As estratégias não participativas foram citadas por 60,6% dos entrevistados, enquanto 39,4% deles mencionaram as participativas.
Figura 1 Atividades não participativas desenvolvidas nos grupos de educação em saúde para pessoas com hipertensão arterial e diabetes mellitus. Campo Mourão, Paraná, 2010
Figura 2 Atividades participativas desenvolvidas nos grupos de educação em saúde para pessoas com hipertensão arterial e diabetes mellitus. Campo Mourão, Paraná, 2010
Em relação aos fatores associados às estratégias participativas, a utilização do saber popular e a realização de avaliações ao final dos grupos foram estatisticamente significativas (p<0,05) para a realização estratégias participativas.
A diversidade de categorias profissionais presente no grupo teve correlação forte positiva com o número de atividades desenvolvidas (r=0,85) e o número de assuntos (r=0,81). A mesma variável apresentou correlação moderada positiva com o número de materiais utilizados (r=0,75).
A categoria profissional de maior participação foi a dos ACSs (56,2%), tendo em vista que tais profissionais têm maior representação nas Equipes de Saúde da Família.
Isso pode ter relação com o fato de o município não possuir o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), o qual fortalece a participação dessas categorias profissionais na Atenção Primária à Saúde, uma vez que atuam em conjunto com os profissionais das Equipes de Saúde da Família, compartilhando e apoiando as práticas em saúde nos territórios sob responsabilidade das equipes8.
Em relação às atividades não participativas, tiveram destaque a distribuição de medicamentos (90,7%) e a realização de palestras (76,7%) (Figura 1). Um estudo realizado com profissionais da Equipe de Saúde da Família revelou que as atividades desenvolvidas enfatizam as metodologias baseadas na transmissão de conhecimento, sobretudo as palestras, que tendem a colocar o usuário em uma posição passiva9.
Um dos grandes determinantes para essa conformação tem origem na concepção que o profissional detém sobre a educação em saúde, pois esta, no entendimento dos profissionais, ainda significa transmitir para a população informações e conhecimentos considerados saudáveis4 , 10 , 11.
Um estudo realizado no Rio de Janeiro revelou que os profissionais compreendem a educação como um processo de orientar e passar a informação aos usuários12. Diante disso, os profissionais encontram nas palestras a melhor forma de desenvolver as ações de educação em saúde. Entretanto, esse tipo de abordagem provoca baixa vinculação dos usuários aos serviços, baixa adesão aos programas e tratamentos e frustração dos profissionais envolvidos13.
Portanto, é fundamental que os trabalhadores da área da saúde sejam amparados, pela formação de nível superior ou técnico, por processos de educação continuada ou permanente, no intuito de compreenderem que a educação em saúde extrapola as questões referentes às causas biológicas, pois implica em estimular corresponsabilidades e abordar questões referentes à cidadania, à promoção da saúde e à qualidade de vida12.
A Figura 1 também revela a aferição de medidas. Em um estudo observou-se que muitas dessas práticas são utilizadas como atrativos para a inserção da população nos grupos, pelo apelo que imprimem como ação de saúde e atendimento às necessidades sentidas, sobretudo o acesso ao medicamento14.
Esse atrelamento dos procedimentos de saúde às práticas grupais não é visto pelos profissionais como algo negativo. Pelo contrário, é percebido como um elemento que otimiza o atendimento ao usuário por se relacionar a procedimentos que constituem as principais demandas direcionadas às unidades de saúde14.
Por outro lado, outros autores discordam e afirmam que essa atitude ratifica uma prática clientelista e assistencialista, com características contrárias ao processo educativo, o qual deve ser livre, consciente e partir da vontade espontânea do usuário de viver a ação educativa15.
Diante disso, é preciso ter cautela para não reduzir a prática grupal à realização de procedimentos que, embora sejam importantes, não constituem o fundamento dos grupos de educação em saúde, que é a construção de corresponsabilidades.
Sobre as atividades participativas (Figura 2), a realização de dinâmicas (52,3%) e caminhadas (33,6%) foram as mais citadas.
Um dos grandes diferenciais das atividades participativas é o processo de interação que há entre o saber técnico e o saber popular. Desse modo, é fundamental que o profissional reconheça que a população é detentora de um saber que deve ser valorizado durante a construção do trabalho educativo, pois, assim, favorece o despertar da autonomia do usuário16.
Contudo, ainda predomina a dificuldade por parte de alguns profissionais de saúde em aceitar que a população seja capaz de elaborar pensamentos sobre problemas complexos17.
Diante disso, é necessária uma prática educativa em saúde que articule os dois saberes e considere as reais necessidades de saúde das pessoas favorecendo sua autonomia na prevenção, promoção e restabelecimento de sua qualidade de vida17.
Em relação aos fatores associados à realização de atividades participativas, a abertura ao saber popular mostrou-se associada à realização de atividades participativas.
A valorização do saber popular estimula a realização de ações mais participativas, pois oferece ao usuário a abertura para opinar sobre aquilo que tem interesse. Além disso, o individuo é dono de um saber único e particular relacionado intimamente com sua história de vida e suas experiências, o que possibilita a construção de conceitos e concepções para adotar uma posição diante das situações.
Desse modo, é necessário que o profissional valorize o saber popular, para compreender o processo educativo como um espaço de troca de saberes e valorização do indivíduo e também para que ele reconheça o usuário como sujeito que possui capacidade de intervenção na sua realidade10.
Outro fator associado foi a avaliação. Assim como na utilização do saber, a avaliação é um momento em que o usuário tem a oportunidade de expressar sua opinião. Na medida em que o usuário amplia seu poder de compreensão, aumenta a sua capacidade de dar respostas e dialogar; desse modo, a educação em saúde torna-se dialógica e passa a ter potencial para contribuir para o processo reflexivo, crítico e participativo do grupo18.
Um estudo realizado para analisar o desenvolvimento de práticas grupais em saúde revelou que nos grupos que utilizavam instrumentos de avaliação houve um gradativo deslocamento das práticas grupais: o formato centrado em doenças foi alterado para novos formatos que valorizavam a convivência, a realização de dinâmicas mais participativas e temáticas mais variadas19.
Salienta-se também a correlação presente entre o trabalho multiprofissional e a diversidade de atividades, materiais e assuntos discutidos nos grupos de educação em saúde. A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) afirma que trabalhar em Equipe de Saúde da Família representa um desafio, visto que sua conformação, em termos de perfil de competência e habilidades de seus integrantes, ainda está em processo de construção, sobretudo por envolver diversos sujeitos com formações diferentes e que devem trabalhar em prol de objetivos comuns20.
Importante enfatizar que as ações de educação em saúde são atribuições de todos os membros da Equipe de Saúde da Família. Um estudo mostrou que os próprios usuários reconhecem a importância da participação de vários profissionais em atividades de grupos de educação em saúde21. Assim, o trabalho multiprofissional se torna fundamental, pois amplia o olhar tanto dos profissionais quanto dos participantes do grupo, propiciando a construção de diversos saberes e contribuindo para que a ação educativa se torne mais rica e criativa12.
O grupo de educação em saúde é um espaço propício para o desenvolvimento de ações que promovam a participação e a corresponsabilidade do usuário sobre sua saúde. Diante disso, a identificação dos fatores que possibilitam essa configuração de assistência é fundamental, principalmente para portadores de doenças crônicas, tais como HA e DM. Os resultados deste estudo revelaram que o índice de estratégias participativas ainda se apresenta inferior quando comparado às estratégias tradicionais. A valorização do saber popular e a realização de avaliações do processo de trabalho no grupo mostraram-se associadas à presença de estratégias participativas. Percebeu-se também que, quando os grupos são mediados por equipes multiprofissionais, os assuntos e materiais utilizados são mais diversos, favorecendo a criatividade e a maior participação dos usuários. Diante disso, conclui-se que a abertura ao usuário e o trabalho multiprofissional constituem estratégias fundamentais para tornar os grupos de educação em saúde espaços de troca e construção compartilhada de saberes.