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Atuação do Conselho de Saúde do Distrito Federal na reforma da Atenção Primária à Saúde, de 2016 a 2018: estudo de caso

Atuação do Conselho de Saúde do Distrito Federal na reforma da Atenção Primária à Saúde, de 2016 a 2018: estudo de caso

Autores:

Danylo Santos Silva Vilaça,
Danielle Soares Cavalcante,
Luciana Melo de Moura

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.6 Rio de Janeiro jun. 2019 Epub 27-Jun-2019

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018246.08962019

Introdução

Por muito tempo, o Controle Social configurou como um princípio de inspiração autoritário e regressivo, praticado pelo Estado na sua relação com a sociedade, assumindo características repressoras, mantendo a sociedade em sua subordinação1,2. Outrora, ocorria o inverso do paradigma de cidadania que se observa na atualidade, em que pese constatar a sociedade sendo controlada pelas ações do Estado. O Controle Social, em caráter participativo e como componente da institucionalidade do Estado, é uma realidade recente no processo histórico brasileiro, sendo a década de 1980 o marco teórico de sua institucionalização, a saber: instituída constitucionalmente e regida por legislação e resoluções específicas, cujas atribuições situam-se na deliberação, cogestão, monitoramento, formulação e fiscalização das políticas de saúde em âmbito Municipal, Estadual/Distrital e Federal3-5.

Resgatado este histórico, optou-se em utilizar o termo Participação Social em Saúde para referir-se às intervenções democráticas existentes nos Conselhos de Saúde em substituição ao termo controle social em saúde. A Participação Social em Saúde foi institucionalizada no Sistema Único de Saúde (SUS) mediante a Lei nº 8.142 de 1990 que estabelece, dentre outras questões, que os Conselhos de Saúde são instâncias deliberativas permanentes4, cuja composição ocorre paritariamente entre 50% de usuários, 25% de trabalhadores do SUS e 25% de gestores e prestadores de serviços5. Além dos Conselhos de Saúde, existem as Conferências de Saúde que ocorrem ascendentemente (etapas regionais/municipais, estaduais/distrital e nacional) a cada quatro anos. Os conselhos e as conferências de saúde consolidam-se como mecanismos de democracia participativa, adotados por áreas relacionadas e também distintas à saúde6.

Tanto os Conselhos, quanto as Conferências de Saúde, ajustadas ao princípio de participação da comunidade, constituem espaços públicos de deliberação coletiva sobre as diretrizes que devem guiar a estruturação e a condução do SUS7. Nesse sentido, qual seria o papel do Conselho de Saúde na reforma do sistema de saúde no Distrito Federal? O que seria sistema de saúde e por que reformá-lo? Compreende-se por Sistema de Saúde como o conjunto de relações políticas e econômicas que tem a responsabilidade pelo cuidado da saúde de uma determinada população, que se operacionalizam em ações, serviços e pactuações, preconizados pela concepção de saúde prevalecente na sociedade em que o implanta8. O Distrito Federal é um ente federado único na realidade brasileira que carece de atenção pelas suas singularidades, sobretudo ao setor saúde. A reforma no sistema é um desafio demandado pela melhoria das condições de saúde e vida das populações e pelos inconclusos processos de efetivação da política pública de saúde do Distrito Federal. Estes processos inacabados ou em constante implementação reportam-se à Atenção Primária à Saúde, enquanto ordenadora do cuidado e coordenadora da Rede de Atenção à Saúde (RAS), à Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), bem como aos processos de regulação, descentralização e regionalização da saúde. Desta feita, o objetivo deste estudo foi traçar o perfil do Conselho de Saúde do Distrito Federal e analisar a sua atuação na formulação, proposição de estratégias e no controle da execução das políticas de saúde de Atenção Primária à Saúde no período de 2016 a 2018.

Métodos

Trata-se de pesquisa qualitativa, fundamentada em estudo de caso intrínseco, abrangendo a atuação do Conselho de Saúde do Distrito Federal (CSDF) frente à Atenção Primária à Saúde (APS). Estudos de caso intrínsecos, são aqueles em que o caso constitui o próprio objeto de pesquisa, sendo justificada a sua utilização em casos únicos ou extremos9.

A firmação de que o CSDF é um caso único na realidade brasileira justifica-se pela organização político-administrativa diferenciada do Distrito Federal, quando comparado às demais Unidades Federativas brasileiras, em que pese constar a inexistência de múltiplos municípios, mas sim a de 31 Regiões Administrativas. De acordo com as estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil possui 27 Unidades Federativas, com 5.570 municípios e uma população total estimada em 207 milhões de pessoas em 2017. O Distrito Federal, apresenta-se como uma destas Unidades Federativas, tendo Brasília (RA I) como município. O último censo demográfico, realizado em 2010, apontou que há no Distrito Federal uma população de mais de 2,5 milhões de pessoas10. A população estimada para o ano de 2017 foi de mais de 3 milhões. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Brasília, foi de 0,824 em 2010, último ano em que a medida que varia entre 0 e 1 foi concebida10. Esta célere caracterização demográfica e territorial, juntamente ao sabido subfinanciamento histórico, pressupõe a existência de rede de serviços de saúde complexa e em algum momento insuficiente, segundo a capacidade de recursos humanos e financeiros disponíveis. As características da rede de serviços de saúde relacionam-se com a atuação dos Conselhos de Saúde, que se tornam mais atuantes conforme aumenta-se a demanda da rede11.

O estudo de caso aqui proposto foi realizado por meio de pesquisa de método misto do tipo paralelo convergente12, referindo-se (i) a estatística descritiva para caracterização do perfil do Conselho de Saúde do Distrito Federal, baseada nos dados existentes no Sistema de Acompanhamento dos Conselhos de Saúde (SIACS) e (ii) a análise documental, apoiada ao regimento interno e às atas do Conselho de Saúde do Distrito Federal no período de 2016 ao quinto mês de 2018. O período de coleta foi compreendido entre os meses de abril e maio de 2018. O SIACS detalha a organização, funcionamento e cumprimento de normas legais referentes à Participação Social em Saúde no SUS. Os dados para caracterização do perfil, bem como as atas do CSDF configuram como documentos públicos e de acesso facilitado, justificando a escolha por sua análise. O critério de inclusão consiste nos dados atualizados (2018) referente aos espaços institucionalizados de participação social em saúde no Distrito Federal. O critério para exclusão de dados foi o fato de não possuir relevância para os fins de caracterização, como, por exemplo, informações administrativas ou de endereço físico e eletrônicos. O período de análise escolhido, de 2016 a 2018, foi selecionado por tratar-se do ano seguinte à finalização da 9º Conferência de Saúde do Distrito Federal que ocorreu em 2015, última conferência que estabeleceu as diretrizes que norteou a política de saúde nos anos posteriores, sobretudo no que se refere à Atenção Primária à Saúde e aos processos de descentralização e regionalização na região. O período de finalização da análise do estudo corresponde ao ano mais recente para análise (2018).

A análise dos dados consistiu em estatística básica (número absoluto e porcentagem) para o perfil do CSDF e elaboração de matriz de seleção e análise das atas, realizando busca pelas palavras-chaves: Atenção Primária à Saúde, APS, Atenção Básica, Estratégia Saúde da Família, ESF, Programa Saúde da Família, PSF e Conversão. As palavras-chaves encontradas nas atas foram copiadas juntamente ao contexto em que estavam inseridas. A partir da matriz de seleção e análise, foram selecionadas as atas que apresentavam ao menos uma palavra-chave em seu conteúdo. As atas foram reunidas em um corpus textual e com o auxílio do software de domínio público, denominado Iramuteq, foi possível fazer a análise lexicográfica do conteúdo desses documentos. Inicialmente foi realizada a análise lexicográfica básica, que abrange sobretudo a lematização e o cálculo de frequência de palavras, análises multivariadas por meio da Classificação Hierárquica Descendente (CHD) e análise pós-fatorial de correspondência13.

Os critérios de inclusão das atas permearam referir-se às das reuniões ordinárias e extraordinárias do CSDF, bem como a existência dos descritores em cada ata selecionada. Os critérios de exclusão situaram-se na inexistência de registro das palavras chaves nas atas. Por utilizar-se de dados secundários e de domínio público dispensou aprovação em Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). Entretanto, foi considerada a Norma para Relatórios de Pesquisa Qualitativa14 que agrega confiabilidade científica ao estudo.

Resultados

Descrição do perfil do Conselho de Saúde do Distrito Federal em 2018

O Conselho de Saúde do Distrito Federal (CSDF) possuiu cadastro atualizado no Sistema de Acompanhamento de Conselhos de Saúde em 2018. Por meio do relatório estatístico, bem como do demonstrativo disponibilizado pelo sistema, foi possível situar o conselho analisado frente aos demais conselhos brasileiros, como também na região do país em que está inserido (Tabela 1). Nota-se preocupação com a paridade prevista pelas normativas que institucionalizam a Participação Social em Saúde (Resolução 333/2003 e 453/2012 do Conselho Nacional de Saúde).

Tabela 1 Demonstrativo dos Conselhos de Saúde no Brasil, Centro Oeste e Distrito Federal, Sistema de Acompanhamento de Conselhos de Saúde, novembro de 2017. 

Demonstrativo Instrumento Resolução 453/12 Com SIACS Sem SIACS Total IBGE
Brasil N n % n % n
Lei 3351 4657 82,70 974 17,30 5631
Decreto 99
Portaria 35
Centro-Oeste Lei 274 411 81,39 94 18,61 505
Decreto 13
Portaria 5
DF Lei 0 6 16,67 30 83,33 36
Decreto 2
Portaria 3

Fonte: Sistema de Acompanhamento de Conselhos de Saúde, DATASUS, 2017.

Em nível nacional, observou-se expressivo registro de Conselhos de Saúde no SIACS, também instituídos em sua grande maioria por instrumentos com força de lei. Por semelhante modo, tem-se o acompanhamento de grande parte dos Conselhos Municipais de Saúde formalmente instituídos no Centro-Oeste, o que não ocorre para o Distrito Federal, especificamente. Observou-se a existência de seis conselhos de saúde registrados no SIACS. Da totalidade de conselhos registrados, cinco correspondem a Conselhos de Saúde Municipais e um a Conselho de Saúde Estadual, sendo este último relacionado ao CSDF e os outros cinco a Conselhos Regionais (Tabela 2). Cabe esclarecer que inexistem múltiplos municípios no Distrito Federal, portanto os Conselhos Municipais aos quais se refere o SIACS correspondem aos Conselhos Regionais de cinco Regiões Administrativas do Distrito Federal.

Tabela 2 Relatório Estatístico dos Conselhos de Saúde do Distrito Federal no Sistema de Acompanhamento de Conselhos de Saúde, novembro de 2017. 

Tipo de Conselho n %
Estadual 1 16,67
Municipal 5 88,33
Instrumento de Criação
Decreto 2 33,33
Portaria 4 66,67
Comissões Internas
Sim 3 50
Não 3 50
Periodicidade
Reuniões Mensais 4 66,67
Reuniões Quinzenais 2 33,33
Total 6 100

Total de conselheiros de saúde por segmento n %

Usuários 84 50
Trabalhadores da Saúde 42 25
Prestadores de Serviços 8 5
Gestores 34 20
Total 168 100

Fonte: Sistema de Acompanhamento de Conselhos de Saúde, DATASUS, 2017.

O CSDF é uma instância de caráter permanente de participação social do SUS. Institui-se por meio do Decreto nº 2.225, de 28 de março de 1973, tendo Regimento Interno formalizado na Resolução nº 32, de 22 de novembro de 2011. Segundo a caracterização obtida por meio do SIACS, trata-se de um conselho presidido por representante do segmento usuário, do gênero feminino, com faixa etária entre 51 e 60 anos. Realiza capacitação de conselheiros, possui sede própria, bem como conta com Mesa Diretora paritária e Secretária Executiva com formação em ensino superior.

O CSDF é composto por 28 conselheiros de saúde, sendo 14 destes correspondentes ao segmento usuários, 7 ao segmento trabalhador e 7 ao segmento gestor e prestador de serviços. Afirma estar adequado ao que estabelece a Resolução 333/2003 do Conselho Nacional de Saúde. Conforme regimento interno, atas das reuniões e informações no site do CSDF, o conselho possui dotação orçamentária, utiliza de comissões permanentes, realiza e participa de capacitações. As reuniões ordinárias são mensais, e quando há necessidade são realizadas reuniões extraordinárias, o presidente pode pertencer a qualquer segmento, desde que escolhido por meio do voto, as reuniões são abertas e o público tem direito a voz quando previamente autorizado pelo pleno do conselho, as reuniões são divulgadas no sítio eletrônico da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SESDF).

Atuação do Conselho de Saúde do Distrito Federal frente à conversão do nível de Atenção Primária à Saúde

Resultou-se que 23 atas (53,5%) se referiam às reuniões ordinárias e 20 (46,5%) às extraordinárias do Conselho de Saúde do Distrito Federal. As atas incluídas (n = 43) resultaram em 81,1% do total coletado (Figura 1). A média de participação dos conselheiros de saúde no período estudado (2016 a 2018), por segmento, resultou em 37,81% por parte do segmento usuário, 29,4% dos trabalhadores da saúde, 26,2% dos gestores e prestadores de serviços e 6,6% de ausências justificadas.

Fonte: Atas oficiais do Conselho de Saúde do Distrito Federal, janeiro de 2016 a maio 2018.

Figura 1 Fluxograma do processo de seleção das atas do Conselho de Saúde do Distrito Federal, período 2016 a 2018. 

O corpus das atas, analisado pelo software IRAMUTEQ, reconheceu 43 unidades de textos a partir da Classificação Hierárquica Descendente (CHD). Identificou-se 2.957 segmentos de textos, retendo 86,74% do total, os quais geraram 2 categorias de análise, uma contendo 3 classes e outra 2 classes, sendo 5 no total (Figura 2). O software dividiu o corpus em três subcorpus: o primeiro constituído pelas classes 2 e 3, o segundo pelas classes 1 e 4, e terceiro pelas classes 5 e em conjunto com as classes 1 e 4.

Fonte: Corpus processado em Iramuteq versão 0.7 alpha 2

Figura 2 Classificação Hierárquica Descendente do conteúdo das atas do CSDF selecionadas no período de janeiro de 2016 a maio 2018, Brasília, DF, 2018. 

Detalhamento da Classificação Hierárquica Descendente (CHD)

A Classe 1, denominada de A participação social entre adequações jurídicas, políticas e de modelos de gestão, foi responsável por 21,6% dos segmentos de texto. Os principais elementos (palavras) que se relacionaram a esta classe foram: política, público, diálogo, gestão, controle social, político, trabalhador entre outras (Figura 2). O conteúdo da Classe 1 tratou principalmente de assuntos relacionados aos modelos de gestão inserindo a participação social em âmbito jurídico e ideológico nesse processo. Os trechos captados a seguir delineiam esse contexto:

Trecho 1. [...] Disse que a participação do usuário é importante e cabe aos usuários dizer se a resposta foi a contento ou não reafirmou a importância do usuário nas decisões e deliberações enaltecendo a participação social nas decisões de políticas de saúde do DF.

Trecho 2. [...] Disse que a manifestação do conselho tem sido pelo modelo e formato público e considerou importante que haja uma discussão antes que apareçam outras propostas referentes a modelos de gestão, Institutos, Oscips, etc. Frisou que o conselho precisa se manifestar.

Trecho 3. [...] Disse que acha injusto com os usuários retirar a possibilidade de analisar com seriedade a questão disse que como gestor tem a obrigação de analisar todos os modelos de gestão e como gestor de muito tempo reconhece em cada modelo vantagens e desvantagens nenhum é perfeito.

A Classe 2 intitulada de Rito de condução regimental das reuniões: atuação dos conselheiros frente aos instrumentos de gestão em pauta, foi responsável por 18,8% dos segmentos de texto. Os principais segmentos relacionados a esta classe foram: comissão, presidente, reunião, parecer, pleno, RAG (Relatório Anual de Gestão), CSDF (Conselho de Saúde do Distrito Federal), destaque, encaminhar, votação, conselheiro, entre outras (Figura 2). O conteúdo dessa classe retrata a formação das várias comissões com o intuito de qualificar o debate, traz a organização das Conferências Regionais e Distritais de Saúde, bem como o compromisso de implementar as propostas advindas das conferências, no que se refere a descentralização da gestão. Descreve a atuação dos conselheiros por meio de reuniões plenárias ordinárias e extraordinárias do conselho, reunião das comissões, reuniões com a câmara legislativa, com a procuradoria geral a justiça e com as superintendências.

Trecho 1. [...] propôs a constituição de uma comissão cuja base fundamental seja a câmara técnica de APS composta principalmente por pessoas da gestão da SES para definição do plano estratégico de APS para o DF.

Trecho 2. [...] em um seminário de saúde que somente estiveram presentes representantes do segmento dos trabalhadores e ressaltou a importância do seminário... lembrou que é necessário se verificar o orçamento para a realização das conferências de saúde de 2017.

Trecho 3. [...] presidente do CSDF ressaltou que o decreto não foi um ato unilateral do governador ele cumpriu o que foi aprovado na 9º conferência já corroborando com todas as conferências anteriores que pregavam a descentralização da gestão da saúde para as regionais.

A Classe 3, caracterizada como Rito de condução regimental das reuniões: administração, desenvolvimentos processuais e conclusão de matérias diversas, foi responsável por 22,1% dos segmentos de texto. Os principais elementos relacionados a esta classe foram: coordenação, presidência, mesa diretora, CSDF, expositor, apresentação, pauta, dentre outras (Figura 2). O conteúdo desta classe retrata sobre a apresentação dos temas/itens tratados na pauta no pleno do conselho de saúde, inclusão e/ou inversão de itens e aprovação da pauta por meio do processo de votação, bem como quórum adequado para deliberação e provação do relatório anual de gestão, plano anual de saúde e atas. Os versos abaixo aproximam a sua definição:

Trecho 1. [...] Efetuou a leitura da pauta e propôs inclusão na pauta da aprovação do calendário de reuniões do CSDF referente à 2018 além da apresentação da minuta da resolução nº 491 sugerindo que esta fosse o primeiro item seguida pela apreciação e aprovação do calendário de reuniões do CSDF para 2018, apresentação do relatório anual de gestão RAG 2016 e por último a infraestrutura de serviços na APS em saúde.

Trecho 2. [...] Presidente do CSDF iniciou a reunião explicando a sua motivação e em seguida passou a palavra à apresentação discussão e deliberação do... plano anual de saúde 2017.

Trecho 3. [...] presidente do CSDF iniciou a reunião apresentando as atas para aprovação até que o quórum para deliberação fosse estabelecido, citou e esclareceu ao pleno o teor da resolução 465 do CSDF que trata da representatividade.

A Classe 4, denominada por Instrumentos e ações voltados à estruturação da Atenção Primária em Saúde como ordenadora da rede de serviços e dos níveis de atenção à saúde, foi responsável por 23,4% dos segmentos de texto, sendo a evidência de maior destaque na análise. Os principais elementos que se relacionaram a esta classe foram: atendimento, atenção, assistência, equipa (equipar, equipamento), ESF (Estratégia de Saúde da Família, Rede, APS (Atenção Primária à Saúde), necessidade, serviço, família, servidor, unidade, questão, população, observar, entre outros (Figura 1). O conteúdo desta classe retrata a frequência com que os níveis de atenção à saúde do SUS foram debatidos no decorrer do período estudado, sobretudo relacionado à APS e as perspectivas futuras de estruturação da Atenção Secundária.

Trecho 1. [...] Então como destaque pessoal a APS atua como ordenadora através da identificação das necessidades dos usuários enquanto a coordenação é gestão e quando se chegam aos demais níveis de atenção à saúde tem que se terem claramente definidos na própria reforma da APS os principais níveis.

Trecho 2. [...] Chamou a atenção para a lógica da APS que já se trouxe ao CSDF a questão de aonde estão locados os servidores na rede que é necessário que o CSDF traga para si essa responsabilidade de discussão da alocação do RH na rede.

Trecho 3. [...] Agradeceu à SES por ter considerado o trabalho da comissão permanente ressaltou que mudar lotações de servidores é trabalhoso, porém há planos para alcançar êxito comentou que o caminho é esse não se consegue fazer APS de outra forma a não ser pela ESF.

A Classe 5, identificada por Temporalidades para licitação, contratação, compra, execução e pagamento de insumos e pessoal, foi responsável por 22,1% dos segmentos de texto. Os principais elementos que se relacionaram a esta classe foram: passado, ano, informar, milhão, recurso, real, licitação, conseguir, contrato, equipamento, compra, centro, entre outros (Figura 2). O conteúdo desta classe revela as recorrentes discussões do CSDF entorno à fiscalização e contratação de serviços e pessoal, como também a de processos licitatórios e compra de insumos. Os trechos que expressam esse contexto são apresentados a seguir:

Trecho 1. [...] Finalizou a apresentação explicando a necessidade de prorrogação por mais dois anos dos processos de aquisição de materiais e insumos por meio de uma deliberação do CSDF.

Trecho 2. [...] Citou como segundo passo que quando se consegue organizar bem o fundo de saúde a SUAG de forma que se tenha boas rotinas de contratação e ordenamento de despesas as regiões serão treinadas para que elas possam fazer a própria execução e então estará a cargo dos superintendentes regionais fazer isso.

Trecho 3. [...] Disse que falta recursos humanos na SES como um todo tanto na cirurgia cardíaca centro cirúrgico, mas também falta na elaboração dos processos de contratação manutenção abastecimento.

Discussão

As evidências sobre a conduta deliberativa do Conselho de Saúde do Distrito Federal (CSDF) serviram de estopim para condução de uma discussão alicerçada nos entendimentos relacionados à democracia deliberativa. Expressiva contribuição científica internacional sobre a prática deliberativa passou a associá-la com a efetividade da deliberação15,16.

As possíveis consequências das decisões políticas afetam aqueles que as tomam. Essa é uma hipótese, apresentada por Habermas17, amplamente aceita na teoria que estabelece a democracia deliberativa. Em associação, encontrou-se um Conselho de Saúde em constante atividade, conduzido por uma representante do segmento usuário. Em que aspectos o perfil do CSDF poderia significar nos produtos deliberados por esta instância? O CSDF – comparado ao cenário nacional com mais de 4.600 Conselhos de Saúde legalmente instituídos e da região Centro-Oeste em que está inserido com mais de 400 Conselhos de Saúde legalmente instituídos – têm o desafio de representar, conjuntamente aos Conselhos de Saúde Regionais, as demandas de mais de dois milhões de usuários, bem como da complexidade do sistema de saúde na região com predominância de estabelecimentos de saúde sob a administração direta da Secretária de Estado de Saúde do Distrito Federal (SESDF).

Com base em questões estruturais, os resultados descritos demonstraram que o CSDF possui sede própria, dotação orçamentária, bem como Mesa Diretora instituída paritariamente, utiliza de comissões permanentes, realiza e participa de capacitações. Tais dados na literatura referem-se ao desenho institucional, a qual incide na dinâmica e no funcionamento, na definição de regras e normas, com reflexos no potencial democratizante dos conselhos de saúde18. Moreira e Escorel19, ao pesquisarem mais de cinco mil municípios brasileiros, discutiram questões relacionadas à estruturação dos conselhos a partir de três fatores: (i) autonomia, (i) organização e (iii) acesso. Em relação à variável (i) autonomia, os resultados encontrados sinalizaram para as dificuldades de ordem estrutural dos conselhos de saúde, concretizados pela ausência de linha telefônica, internet, recursos humanos, sede própria para funcionamento bem como autonomia orçamentária, sendo o quadro mais grave o observado em municípios que possuíam até 50 mil habitantes, ou seja, nesse caso o fator populacional foi fortemente associado à autonomia. A respeito da categoria (ii) organização, os resultados se mostraram negativos em relação à participação em capacitações, existência de comissões internas de funcionamento, sendo apenas positiva a periodicidade das reuniões, que é mensal. O que difere da realidade apresentada pelo CSDF, que apresenta autonomia e organização com base nos parâmetros elencados. O (iii) acesso, foi a dimensão melhor avaliada entre os municípios brasileiros, sinalizando a possibilidade no âmbito legal, respaldados pelos regimentos internos dos conselhos, dos atores políticos assumirem a presidência do conselho, bem como a garantia de participação da população durante as reuniões ordinárias19. Fato esse que se assemelha à realidade evidenciada neste estudo de caso do Distrito Federal.

Os Conselhos de Saúde, nos anos 1990, se institucionalizaram e expressaram a necessidade da aproximação entre Estado e sociedade. Formalizaram a participação da sociedade e o controle social na construção das agendas políticas da saúde, sendo influenciados pela conjuntura política nacional20. A partir da análise das atas e da constituição das classes temáticas, verificou-se que de fato a conjuntura nacional de organização do SUS em Redes de Atenção à Saúde (RAS), tendo a Atenção Primária à Saúde (APS) como ordenadora da rede de serviços de saúde foi predominante na agenda de saúde do Distrito Federal no período estudado. As menções à Resolução 465, de 4 de Outubro de 2016, do CSDF, evidenciaram que essa normativa materializa as diretrizes propostas na 9º Conferência de Saúde do Distrito Federal, tornando possível a implementação da conversão da APS no Distrito Federal, determinando que a Estratégia de Saúde da Família (ESF) fosse considerada como estratégia prioritária da SESDF, sendo responsável pelo redimensionamento de profissionais de saúde já existentes na estrutura de recursos humanos da pasta, como também do reordenamento do modelo assistencial da rede pública de saúde do DF. As resoluções de conselhos de saúde já foram alvo de pesquisas e problematizações, em que indagava-se a sua existência como instrumento de controle social ou documento burocrático, sugerindo a prática do conselho afastada de seu papel de proposição de políticas de saúde, mas focada em aprovação de programas e projetos já estabelecidos da secretaria de saúde ao qual vinculava-se21. Em contraponto, pelo menos para essa situação relacionada à Reforma da APS no SUS/DF, revelou-se uma experiência distanciada do CSDF, ao protagonizar a reforma do modelo de APS materializado na Resolução 465/2016.

Até 2017, prevalecia na APS do Distrito Federal a coexistência do modelo tradicional e de especialidades nas Unidades Básicas de Saúde com a Estratégia Saúde da Família (ESF), o que de fato impactou sobremaneira na reestruturação generalizada dos serviços de saúde desse nível de atenção. O estudo de caso do CSDF diverge dos achados de Van Strallen11, que concluiu que os conselhos têm pouco impacto sobre a reestruturação dos serviços de saúde. Ao mesmo instante em que converge com Dúran e Gerschman20 no que tange à necessidade de aproximação entre Estado e sociedade para a construção das agendas políticas de saúde.

Não restam dúvidas de que a Constituição da República e a legislação infraconstitucional criam um modelo de gestão pública que procura estimular a participação popular no alcance do exercício pleno da cidadania, encontrando a participação social estreita harmonia com o processo de democratização do poder público, conforme preconiza o princípio democrático. A construção de consenso, portanto, é o método que possibilita e permite consolidar as condições para maior acesso e participação social nas decisões dos gestores públicos, e o atendimento aos distintos interesses de múltiplos grupos sociais, desbravando o caminho para o exercício da cidadania de forma responsável22. A participação social na gestão pública de saúde do Distrito Federal pôde ser evidenciada na análise da atas, pois trouxeram em seu conteúdo a discussão dos modelos de gestão, a criação e composição de comissões permanentes, os consensos e debates para deliberação de assuntos diversos, dentre os quais se configura a reestruturação da Atenção Primária à Saúde, análise dos Relatórios Anuais de Gestão, da Programação Anual e Plano de Saúde, votação, aprovação, fiscalização e participação na contratação de serviços. Entretanto, apesar de trazer um caráter de cogestão, a democracia deliberativa no interior do CSDF, é resultante do processo de votação realizada em seus plenos e não fruto de debates que chegam a um consenso, ou seja, o processo de troca de ideias, produção de propostas divergentes e de busca de consenso, devem preceder as votações. Processo esse que não foi evidenciado nas atas. Para os deliberacionistas nem todos os assuntos e temas devem ser submetidos à deliberação23. No que se refere ao CSDF, deve-se buscar congruências entre as diretrizes das Conferências de Saúde e os temas e demandas que emergem circunstancialmente. Os avanços conquistados na política de saúde do Distrito Federal, por meio da participação social são inúmeros, inclua-se as ações dos Conselhos Regionais de Saúde e também das mais diversas Conferências de Saúde realizadas na região. Destaca-se para os avanços na consolidação do SUS enquanto política de Estado que tem a APS como componente e porta de entrada preferencial da rede de serviços, capaz de atender 85% das necessidades de saúde da população24 e a busca pela efetivação de princípios organizativos e doutrinários, tais como a descentralização e regionalização, como a integralidade e universalidade, respectivamente.

Considerações finais

É prudente caracterizar o Conselho de Saúde do Distrito Federal como uma instância permanente e deliberativa de participação social em saúde do SUS, que agrega as representações segmentadas e paritárias de gestores, trabalhadores e usuários. Esses atores sociais construíram oportuna e conjuntamente uma nova organização dos serviços de APS no Distrito Federal, objetivando aumento da cobertura, ampliação da oferta de serviços e garantia do direito à saúde. A Classificação Hierárquica Descendente teve a Classe 4, denominada de Instrumentos e ações voltados à estruturação da Atenção Primária em Saúde como ordenadora da rede de serviços e dos níveis de atenção à saúde, como a categoria mais frequente (23,4%), dentre as cinco classes existentes. Desta forma, aponta-se a atuação protagonista que Conselho de Saúde do Distrito Federal exerceu frente a origem da reforma do modelo de atenção à saúde primária na região, ao propor e elaborar uma resolução específica que elencou diretrizes e impactou a tomada de decisão por parte da SESDF, a saber: Resolução 465/2016 do Conselho de Saúde do Distrito Federal, que antecedeu as Portarias 77/2017 e 78/2017 que estabeleceram a Política de Atenção Primária à Saúde no Distrito Federal.

REFERÊNCIAS

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