versão impressa ISSN 0066-782X
Arq. Bras. Cardiol. vol.103 no.3 São Paulo set. 2014 Epub 29-Jul-2014
https://doi.org/10.5935/abc.20140104
A incidência de obesidade em crianças está aumentando em todo o mundo, principalmente em países industrializados de alta renda, e o desenvolvimento de hipertensão é um efeito negativo desse problema.
O presente estudo transversal objetivou determinar a prevalência de obesidade e sua associação com o aumento da pressão arterial em escolares.
Neste estudo transversal foram avaliadas 4.609 crianças de ambos os sexos, com idade entre 6 e 11 anos, pertencentes a 24 escolas públicas e particulares de Maringá, Brasil. O estado nutricional foi avaliado pelo índice de massa corporal (IMC) de acordo com pontos de corte ajustados para sexo e idade. Valores de pressão arterial (PA) acima do 90º percentil para gênero, idade e percentil da altura foram considerados elevados. Resultados: A prevalência de excesso de peso entre os escolares foi de 24,5%, sendo que 16,9% apresentaram sobrepeso e 7,6% apresentaram obesidade. O gênero e as condições socioeconômicas não apresentaram correlação com o aumento da pressão arterial. Em todas as faixas etárias, a PA sistólica e diastólica tiveram correlação com o IMC, medida da cintura, medida do quadril, mas não com a relação cintura-quadril. A prevalência de PA elevada foi de 11,2% em crianças eutróficas, 20,6% nas com sobrepeso (OR = 1,99, IC 95% = 1,61-2,45) e 39,7% nas obesas (OR = 5,4, IC 95% = 4,23-6,89).
As crianças obesas e com sobrepeso apresentaram maior prevalência de pressão arterial elevada. Nossos dados confirmam que a crescente prevalência de excesso de peso e pressão arterial elevada em escolares observado mundialmente também pode estar ocorrendo no Brasil.
Palavras-Chave: Hipertensão; Obesidade Pediátrica; Criança; Prevalência; Epidemiologia
The incidence of obesity in children is increasing worldwide, primarily in urbanized, high-income countries, and hypertension development is a detrimental effect of this phenomenon.
In this cross-sectional study, we evaluated the prevalence of excess weight and its association with high blood pressure (BP) in schoolchildren.
Here 4,609 male and female children, aged 6 to 11 years, from 24 public and private schools in Maringa, Brazil, were evaluated. Nutritional status was assessed by body mass index (BMI) according to cutoff points adjusted for sex and age. Blood pressure (BP) levels above 90th percentile for gender, age and height percentile were considered elevated.
The prevalence of excess weight among the schoolchildren was 24.5%; 16.9% were overweight, and 7.6% were obese. Sex and socioeconomic characteristics were not associated with elevated BP. In all age groups, systolic and diastolic BP correlated with BMI and waist and hip measurements, but not with waist-hip ratio. The prevalence of elevated BP was 11.2% in eutrophic children, 20.6% in overweight children [odds ratio (OR), 1.99; 95% confidence interval (CI), 1.61-2.45], and 39.7% in obese children (OR, 5.4; 95% CI, 4.23-6.89).
Obese and overweight children had a higher prevalence of elevated BP than normal-weight children. Our data confirm that the growing worldwide epidemic of excess weight and elevated BP in schoolchildren may also be ongoing in Brazil.
Key words: Hypertension; Pediatric Obesity; Child; Prevalence; Epidemiology
A incidência de obesidade e pressão arterial (PA) elevada tem aumentado consideravelmente em crianças e adolescentes, e está fortemente associada ao desenvolvimento de doenças na vida adulta1 - 7. Além disso, visto que a incidência de obesidade tem aumentado nas fases iniciais da vida, doenças como hipertensão e diabetes estão se tornando um problema de saúde pública.
Na década de 1990, a prevalência de hipertensão arterial em crianças e adolescentes foi de aproximadamente 2 a 3%8. Atualmente, a prevalência varia entre 1 a 13%, dependendo da metodologia utilizada9. Visto que a obesidade tem se tornado epidêmica nos países em desenvolvimento, a incidência de hipertensão também tende a aumentar. O reconhecimento e sensibilização para este problema são necessários para o desenvolvimento de futuras estratégias preventivas focadas no controle do excesso de peso e suas implicações.
Tal como ocorre em outros países em desenvolvimento, o Brasil também é caracterizado por discrepâncias intrínsecas e desigualdades socioeconômicas. No Brasil, os estudos que relacionaram a pressão arterial e obesidade em crianças são limitados. Sendo assim, o presente estudo transversal objetivou avaliar a prevalência de excesso de peso e sua associação com a pressão arterial elevada em escolares.
Este estudo foi desenvolvido utilizando o registo nacional de crianças matriculadas em escolas da região metropolitana de Maringá, uma cidade no sul do Brasil, com alta pontuação no índice de Desenvolvimento Humano (0,841) e alto coeficiente de GINI (0,56). A economia de Maringá baseia-se principalmente na agricultura, comércio e prestação de serviços, e no início do desenvolvimento deste estudo, apresentava uma população de aproximadamente 356.000 pessoas e 24.723 estudantes, com idade entre 6 e 11 anos.
Em 2006, havia um total de 202 escolas em Maringá (públicas e privadas, localizada em áreas urbanas), onde 22.302 crianças na faixa etária entre 6,0 e 11 anos estavam matriculadas. Visto que a frequência esperada de crianças matriculadas não era conhecida nesta região devido à falta de estudos anteriores, para o cálculo do tamanho da amostra, a frequência foi definida como 50%, pois produziria o maior tamanho amostral (com um intervalo de confiança de 2% e nível de confiança de 95%). Uma amostragem de agrupamento foi realizada considerando cada escola como unidade de amostragem. Neste sentido, a cidade foi dividida em 4 quadrantes geográficos diferentes, tendo a catedral municipal, localizada na região central da cidade, como o ponto de intersecção da linha divisória norte-sul/leste-oeste. Quinze por cento das escolas da cidade foram selecionados aleatoriamente, de acordo com a proporção de escolas em cada quadrante, e considerando a proporção entre as escolas públicas e particulares. Em antecipação a possíveis perdas amostrais, 30% a mais de crianças foram convidadas a participar do estudo (total de 5.345 crianças, matriculadas em 24 escolas). Os dados foram coletados entre Março e Dezembro de 2006.
Este estudo transversal foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Maringá (protocolo n. 016/2006) de acordo com as normas da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde sobre pesquisa científica envolvendo seres humanos.
Os escolares selecionados foram notificados sobre o estudo e instruídos a encaminhar um termo de consentimento livre e esclarecido e um questionário a seus pais ou responsáveis, a fim de participar do estudo. Os escolares foram instruídos a entregar a autorização assinada após uma semana, e foram avaliados na escola.
Crianças < 6 anos ou > 11 anos também foram avaliadas, a fim de evitar o ressentimentos, mas seus dados não foram inseridos na análise. Crianças que recusaram a participar, não foram autorizadas pelos seus pais ou responsáveis, cujos formulários não foram preenchidos corretamente, ou estavam ausentes da escola no dia da coleta de dados foram excluídos do estudo.
Os dados foram coletados nas escolas (em salas de aula particulares) em horas pré-agendadas durante o período escolar, por uma equipe de profissionais previamente treinados10, membros do Grupo de Pesquisa em Obesidade e Exercício da Universidade Estadual de Maringá (GREPO/UEM).
A pressão arterial foi medida e classificada como proposto pelo 4º relatório sobre o diagnóstico, avaliação e tratamento da pressão arterial elevada em crianças e adolescentes11. Este parâmetro foi medido após a criança permanecer deitada por ≥ 5 minutos, e as duas medições foram realizadas dentro de um intervalo de 10 minutos. De acordo com o sexo, altura e idade dos participantes, os valores abaixo do nonagésimo percentil foram considerados normotensos, aqueles entre o nonagésimo e nonagésimo quinto percentil foram considerados limítrofes, e aqueles acima do nonagésimo quinto percentil foram considerados elevados. A variável considerada para este estudo foi a pressão arterial elevada, que incluiu os grupos com valores elevados e limítrofes.
As medidas de peso e altura foram realizadas em triplicata, e a média foi utilizada nas análises. Os procedimentos utilizados para a avaliação de peso e altura seguiram as recomendações da Organização Mundial de Saúde12. O equipamento utilizado incluiu uma escala Tanita digital (modelo 2202), com capacidade de 136 kg e precisão de 100 g, e um estadiômetro SECA (Bodymeter 206). O perfil nutricional dos participantes foi classificado através do índice de massa corporal (IMC) de acordo com valores de corte ajustados para sexo e idade, como proposto por Cole13 , 14.
As medidas de cintura e quadril foram obtidas utilizando uma fita métrica metálica com uma precisão de 0,1 milímetros, seguindo normas previamente descritas15. Estes dois parâmetros nos permitiram estabelecer a relação cintura-quadril (RCQ), que corresponde à divisão da circunferência da cintura pela circunferência do quadril.
O nível socioeconômico foi determinado de acordo com os critérios da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP)16, que considerou a presença de itens domiciliares de conforto e o nível de escolaridade do chefe da família. A escolaridade foi classificada em analfabeto/até 3ª série fundamental, ensino fundamental (até 4ª série), ensino fundamental completo, ensino médio completo, e nível superior completo. Para nossa análise, agrupamos aqueles com baixa escolaridade (analfabetos, ensino fundamental incompleto, e ensino fundamental completo) e alta escolaridade (ensino médio completo e nível superior completo). Além disso, para fins de análise, o nível socioeconômico foi reagrupado da seguinte forma: nível A (classes A1 e A2), nível B (classes B1 e B2), nível C (classes C1 e C2) e nível D, sendo A o mais alto nível, e D o menor. Dados inconsistentes dos itens relacionados ao nível socioeconômico do chefe da família foram excluídos.
Os valores estatísticos descritivos foram representados como média ± desvio-padrão (variáveis quantitativas) ou frequências e porcentagens (variáveis qualitativas). Os coeficientes de correlação de Pearson foram determinados para avaliar a correlação entre a pressão arterial sistólica e diastólica e as medidas antropométricas. Para as variáveis quantitativas, o teste ANOVA de um fator foi utilizado para comparar os grupos classificados de acordo com o IMC (com baixo peso, eutróficos, com sobrepeso, e obesos). O teste t de Student foi utilizado para comparar os grupos classificados de acordo com os níveis de pressão arterial. O teste do qui-quadrado foi utilizado para comparar as variáveis qualitativas entre os grupos. O modelo de regressão logística foi ajustado para avaliar os fatores relacionados à pressão arterial normal ou limítrofe/elevada. Todos os pressupostos da regressão logística foram verificados e cumpridos. As variáveis com significância estatística na análise univariada foram incluídas no modelo multivariado, e os resultados foram representados como odds ratio (OR) (IC 95%). A significância estatística foi estabelecida utilizando-se p < 0,05. Os dados foram analisados utilizando o programa SPSS v.14.0.
O perfil de 4.609 escolares entre 6 e 11 anos de idade incluídos no estudo foi analisado em relação ao estado nutricional, conforme apresentado na Tabela 1. Nesta amostra, 99,8% dos participantes eram brancos. A idade populacional, o tipo de comportamento de saúde escolar, e o status socioeconômico da família também estão representados na tabela.
Variável | Todos (n = 4609) | Abaixo do peso n = 353 (7,7%) | Eutroficos n = 3128 (67,9%) | Acima do peso n = 778 (16,9%) | Obesos n = 350 (7,6%) | *Valor de p |
---|---|---|---|---|---|---|
Sexo | 0,008 | |||||
Feminino | 2455 (53,3%) | 203 (8,2%) | 1695 (69%) | 393 (16%) | 164 (6,6%) | |
Masculino | 2154 (46,7%) | 150 (6,0%) | 1433 (66,5%) | 385 (17,8%) | 186 (8,6%) | |
Idade (anos) | 8,63 ± 1,27 | 8,75 ± 1,23 | 8,63 ± 1,28 | 8,78 ± 1,26 | 8,54 ± 1,28 | 0,003 |
Tipo de escola | < 0,001 | |||||
Particular | 976 (21,2%) | 44(4,5%) | 639(65,4%) | 217(22,2%) | 76(7,5%) | |
Pública | 3633 (78,8%) | 309(8,5%) | 2489(68,5%) | 561(15,4%) | 274(7%) | |
Nível educacional | 0,353 | |||||
Baixo | 1939 (42,1%) | 158 (8,1%) | 1328 (68,4%) | 308 (15,8%) | 145 (7,4%) | |
Alto | 2670 (57,9%) | 195 (7,3%) | 1800 (67,4%) | 470 (17,6%) | 205 (7,6%) | |
Status socioeconômico | < 0,001 | |||||
A/B | 2481 (54,0%) | 162 (6,5%) | 1635 (65,9%) | 480 (19,3%) | 204 (8,2%) | |
C/D | 2112 (46,0%) | 188 (8,9%) | 1482 (70,1%) | 296 (14%) | 146 (6,9%) |
Os resultados foram expressos como média ± desvio padrão ou freqüência (%).
*ANOVA de um fator ou teste de qui-quadrado, p < 0,05 16 valores estão faltando na categoria de status socioeconômico.
Cinquenta e três por cento das crianças eram do sexo feminino e 78% estavam estudando em escolas públicas. O excesso de peso foi observado em 24,5% da amostra: 16,9% das crianças apresentaram sobrepeso e 7,6% eram obesas. O sobrepeso foi mais prevalente em homens do que em mulheres (p = 0,008). Além disso, o sobrepeso foi mais prevalente em crianças de escolas particulares do que de escolas públicas (22,2% e 15,4%, respectivamente, p < 0,001) e a distribuição de peso variou significativamente de acordo com o status socioeconômico (p < 0,001).
A Tabela 2 mostra os valores de PA por faixa etária e seus coeficientes de correlação de acordo com o IMC, circunferência da cintura, circunferência do quadril e a relação cintura/quadril. Em todas as faixas etárias, as pressões sistólica e diastólica foram positiva e significativamente correlacionadas com o IMC, circunferência da cintura e do quadril, mas não com a relação cintura-quadril (embora tenha apresentado uma correlação significativa, mas fraca, para o grupo de 8 anos). A correlação foi mais forte para os grupos etários mais velhos do que para os mais jovens, tanto para a pressão sistólica quanto para a diastólica.
Idade (anos) | PA (mmHg) | Média ± DP | IMC (kg/m2) | Cintura (cm) | Quadril (cm) | Relação cintura-quadril |
---|---|---|---|---|---|---|
6 | Média ± DP | 16,6 ± 2,6 | 55,1 ± 6,1 | 64,5 ± 6,53 | 0,9 ± 0,04 | |
(n = 515) | Sistólica | 95,4 ± 10,7 | 0,40* | 0,41* | 0,40* | 0,08 |
Diastólica | 59,3 ± 9,7 | 0,30* | 0,30* | 0,30* | 0,05 | |
7 | Média ± DP | 16,8 ± 2,6 | 56,3 ± 6,2 | 66,5 ± 6,74 | 0,8 ± 0,04 | |
(n = 1037) | Sistólica | 96,6 ± 10,9 | 0,38* | 0,38* | 0,40* | 0,03 |
Diastólica | 59,5 ± 9,4 | 0,29* | 0,28* | 0,28* | 0,03 | |
8 | Média ± DP | 17,5 ± 3 | 58,9 ± 7,1 | 70,3 ± 7,52 | 0,8 ± 0,04 | |
(n = 1108) | Sistólica | 98,9 ± 11 | 0,44* | 0,45* | 0,45* | 0,11* |
Diastólica | 60,5 ± 9,6 | 0,34* | 0,33* | 0,31* | 0,11* | |
9 | Média ± DP | 17,9 ± 3,3 | 60,8 ± 8 | 73,1 ± 8,06 | 0,8 ± 0,05 | |
(n = 1045) | Sistólica | 100,5 ± 10,8 | 0,45* | 0,44* | 0,47* | 0,07 |
Diastólica | 60,9 ± 8,9 | 0,35* | 0,34* | 0,37* | 0,06 | |
10 | Média ± DP | 18,5 ± 3,4 | 63 ± 8,3 | 76,7 ± 8,49 | 0,8 ± 0,05 | |
(n = 904) | Sistólica | 103,5 ± 11,1 | 0,42* | 0,42* | 0,47* | 0,05 |
Diastólica | 62,6 ± 9,1 | 0,34* | 0,32* | 0,37* | 0,02 | |
Todos | Média ± DP | 17,5 ± 3,1 | 59,1 ± 7,8 | 70,7 ± 8,61 | 0,8 ± 0,05 | |
(n = 4609) | Sistólica | 99,3 ± 11,2 | 0,45* | 0,46* | 0,49* | 0,01 |
Diastólica | 60,7 ± 9,4 | 0,34* | 0,33* | 0,34* | 0,03 |
DP: desvio padrão. PA: pressão arterial.
*p < 0,05;
IMC: índice de massa corporal.
A correlação entre pressão arterial normal e pressão limítrofe/elevada com o status socioeconômico e sexo é apresentado na Tabela 3. A pressão arterial elevada (níveis limítrofes e elevados combinados) foi observada em 14,4% da população e não esteve associada ao sexo (p = 0,884) ou nível de escolaridade (p = 0,683) dos participantes, nem ao status socioeconômico (p = 0,785) das famílias. Entretanto, enquanto a prevalência de PA elevada foi de 11,2% nas crianças eutróficas, nas crianças com sobrepeso a prevalência foi de 20,6% e nas obesas foi de 39,7%.
Variável | n | PA normal n = 3943 (85,6%) | PA limítrofe/alta n = 666 (14,4%) | *Valores de p (univariada) |
---|---|---|---|---|
Sexo | ||||
Feminino | 2455 | 2102 (85,6) | 353 (14,4) | |
Masculino | 2154 | 1841 (85,5) | 313 (14,5) | 0,884 |
Nível educacional | ||||
Baixo | 1939 | 1654 (85,3) | 285 (14,7) | |
Alto | 2670 | 2289 (85,7) | 381 (14,3) | 0,683 |
Nível socioeconômico | ||||
A/B | 2481 | 2118 (85,4) | 363 (14,6) | |
C/D | 2112 | 1809 (85,7) | 303 (14,3) | 0,785 |
Os resultados foram expressos como média ± desvio padrão ou frequência (%).
*Teste t de Student ou teste exato de Fisher, p < 0,05.
†Modelo de regressão logística e teste de Wald, p < 0,05.
A Figura 1 mostra a correlação da pressão arterial elevada com a idade, IMC, e tipo de escola frequentada. A probabilidade de ter pressão arterial elevada aumentou 19% a cada aumento de um ano na idade (OR = 1,19, IC 95%: 1,11-1,27). A categoria dos eutróficos foi usada como referência e a probabilidade de ter pressão arterial elevada foi 5,40 (IC 95%: 4,23-6,89) vezes maior entre os obesos do que em crianças eutróficas. A probabilidade de alunos de escolas particulares terem pressão arterial elevada aumentou marginalmente, mas significativamente (OR = 1,23; IC 95%:,01-1,50)) quando comparados com alunos de escolas públicas.
Neste estudo, nós mostramos que o excesso de peso é altamente prevalente na nossa população de escolares. Nesta amostra, um quarto das crianças avaliadas estava com sobrepeso ou era obesa. Além disso, verificou-se uma correlação significativa entre sobrepeso/obesidade e pressão arterial elevada nesta população.
Embora a prevalência aqui apresentada seja preocupante, ela foi inferior à observada em outros estudos nacionais. Neste sentido, trabalhos anteriores no Brasil constataram que a prevalência de excesso de peso entre escolares do sexo masculino entre 1974 e 1975 foi de 10,9%, aumentou para 15,0% em 1989, e atingiu 34,8% entre 2008 e 2009. Valores semelhantes de prevalência foram observados entre escolares do sexo feminino, com 8,6%, 11,9% e 32,0%, respectivamente. Nossos resultados estão dentro da faixa observada para outras populações, conforme reportado por Gupta e colaboradores17: a prevalência no México é de 41,8%, na Índia é de 22,0%, e na Argentina, 19,3%, considerando populações com a mesma idade.
Em 2002, havia mais de 155 milhões de crianças em idade escolar com excesso de peso mundialmente. O aumento da prevalência de sobrepeso é estimada em 1% ao ano nos países desenvolvidos, o que tem afetado 15 milhões de crianças e adolescentes18. Embora casos de desnutrição ocorram nos primeiros anos de vida, o excesso de peso prevalece nas demais faixas etárias. Mudanças nos hábitos alimentares e a falta de atividade física na população brasileira podem explicar esta situação19. Na realidade, os fatores envolvidos no rápido aumento de peso na infância e adolescência são complexos, incluindo fatores genéticos, o ambiente social, estilo de vida dos pais, e comportamento alimentar20 - 23. Neste sentido, vários estudos tem procurado identificar os determinantes da obesidade infantil, bem como as doenças associadas24 - 26.
Nossos resultados mostraram que as crianças obesas tinham uma chance 5.4 maior de apresentar níveis elevados de pressão arterial em comparação com crianças eutróficas19. A pressão arterial elevada ou limítrofe em crianças com excesso de peso foi quase 2 vezes mais prevalente do que em crianças eutróficas, corroborando o aumento da prevalência do excesso de peso e as epidemias de pressão arterial elevada em escolares observados mundialmente. Além disso, foi demonstrada uma correlação positiva e moderada entre IMC, medidas do quadril e cintura, e pressão arterial, principalmente sistólica. As razões pelas quais a correlação com a pressão arterial diastólica é mais fraca, e a ausência de correlação absoluta com proporção quadril/cintura não estão totalmente esclarecidas e devem ser investigadas.
A associação entre a pressão arterial elevada e obesidade identificada no presente estudo é mais preocupante do que os resultados de estudos anteriores no Brasil27. Neste sentido, na cidade de Belo Horizonte28, crianças com sobrepeso e obesas apresentaram um risco 3,6 vezes maior de aumento da pressão arterial sistólica, e 2,7 vezes maior de aumento da pressão arterial diastólica, em comparação com estudantes com peso normal. Em outro estudo brasileiro29, estudantes com sobrepeso e obesos apresentaram um risco 3,3 vezes maior de terem aumento da pressão arterial sistólica, e 1,9 vezes maior de aumento da pressão arterial diastólica comparados a outros grupos.
Até o momento, a maioria dos estudos no Brasil que avaliaram a hipertensão e sua relação com obesidade antes da idade adulta limitou seus resultados aos adolescentes, ou incluíram um número menor de crianças na faixa etária utilizada no presente estudo30 , 31. Neste sentido, o tamanho amostral desta pesquisa contribuiu para preencher a lacuna de inquéritos populacionais no Brasil, e objetivou contribuir com a presente falta de informações no que diz respeito ao perfil nutricional e aos fatores de risco na infância. Assim, os resultados deste estudo podem ter implicações importantes, visto que a pressão arterial elevada na população infantil é um indicador de hipertensão em adultos32.
A escola é um local adequado para atividades saudáveis, incluindo alimentação adequada e realização de atividades físicas, os quais constituem fatores decisivos para evitar a ocorrência de doenças. Considerando que a probabilidade de estudantes de escolas particulares com pressão arterial elevada aumentou marginalmente no presente estudo, mais estudos focados nas variáveis socioeconômicas devem ser realizados para esclarecer esta associação.
Em conclusão, o excesso de peso afetou um quarto dos escolares na amostra avaliada. Apesar de fatores relativos à causalidade não poderem ser avaliados em um estudo transversal, a forte correlação observada entre a pressão arterial e excesso de peso, principalmente a obesidade, indica que ações de intervenção devem focar não apenas a obesidade nesta população jovem, mas também a pressão arterial, especialmente em crianças com excesso de peso. Além disso, nossos resultados demonstraram que medidas preventivas dirigidas à crianças em idade escolar devem ser implementadas pelos gestores de políticas de saúde pública, a fim de promover o bem estar nesta população.