Compartilhar

Auriculoterapia: neurofisiologia, pontos de escolha, indicações e resultados em condições dolorosas musculoesqueléticas: revisão sistemática de revisões

Auriculoterapia: neurofisiologia, pontos de escolha, indicações e resultados em condições dolorosas musculoesqueléticas: revisão sistemática de revisões

Autores:

Dérrick Patrick Artioli,
Alana Ludemila de Freitas Tavares,
Gladson Ricardo Flor Bertolini

ARTIGO ORIGINAL

BrJP

versão impressa ISSN 2595-0118versão On-line ISSN 2595-3192

BrJP vol.2 no.4 São Paulo out./dez. 2019 Epub 02-Dez-2019

http://dx.doi.org/10.5935/2595-0118.20190065

INTRODUÇÃO

Desde 1978, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda a inserção de medicinas alternativas e complementares ou práticas integrativas e complementares (PIC) nos sistemas públicos de saúde (p. ex.: Sistema Único de Saúde, SUS). No Brasil, as PIC intensificaram-se após a aprovação pelo Ministério da Saúde (MS) em 2006, a adição de terapias não farmacológicas e mais naturais, como Tai Chi, Qigong (Lian Gong), Yoga, Pilates de solo, ginástica laboral, exercícios terapêuticos, recursos manipulativos, acupuntura e meditação1. Em 2017 houve ampliação das PIC a serem utilizadas e a auriculoterapia (AT) foi incluída. Apta a ser aplicada em diversos níveis de atenção à saúde, como básica, especializada e hospitalar, a proposta é a prevenção de agravos, recuperação, promoção da saúde e não abandono do tratamento da medicina convencional2-5. Dada a efetividade e baixo custo da AT, a Universidade Federal de Santa Catarina, em parceria com o MS, promoveu em todo o Brasil o curso de “Formação em Auriculoterapia para Profissionais de Saúde da Atenção Básica”, capacitando e propulsionando a integração deste recurso às PIC6.

AT, acupuntura auricular e acupressão auricular são sinônimos de uma terapia praticada há séculos, via estimulação do pavilhão auditivo externo para o alívio de situações patológicas no corpo. A AT possui duas principais linhas de raciocínio que explicam seus princípios, a escola francesa (Paul Nogier) e a chinesa (Medicina Tradicional Chinesa - MTC)7. Em 1957, na França, a AT foi impulsionada pela cartografia proposta por Paul Nogier, esquematizando um feto invertido na orelha, como um mapa somatotópico representando partes reflexas de estimulação ao corpo. Teorizando que sintomas e doenças são projetados em regiões específicas na orelha, já que é uma das poucas estruturas anatômicas formadas por endoderma, mesoderma e ectoderma (três folhetos embrionários), podendo, hipoteticamente, ter a representatividade de todas as partes do corpo8. Isso desencadeou o estudo de suas bases neurofisiológicas de ação e seu reconhecimento pela OMS em 1987, que a identifica como um microssistema da acupuntura capaz de intervir no corpo como um todo. A padronização de uma nomenclatura internacional deu-se em 1990, com atualizações de tais informações ocorrendo até os dias de hoje, mesclando os dois princípios (francês e chinês)9-11. Além da ótica de Paul Nogier, há mais de 2000 anos a AT é datada na cultura asiática e explicada pela regulação da “Energia vital” (Qi), que circula pelos meridianos e canais colaterais. Quando há desequilíbrio do Qi de uma pessoa, ela torna-se vulnerável à doença e a AT seria capaz de harmonizar tal fluxo minimizando sintomas (conceito da MTC)7,9,10. O tratamento com AT poderá ser isolado ou em associação a outra intervenção (p. ex.: cinesioterapia), temporária, objetivando alta ou encaminhamento a grupos de exercícios1.

A dor, em suas várias formas de manifestação, é causa comum de consultas médicas e a outros profissionais da saúde (p. ex.: fisioterapeutas), sendo a dor crônica prevalente na população brasileira igual ou superior à mundial (10,1-55,5%), representando um dos maiores desafios de controle para a saúde pública12,13. Afeta a funcionalidade, a qualidade de vida, a produtividade, gera prejuízo econômico (pessoal, familiar, empresa e governo), além do uso indiscriminado de fármacos e com isso, seus possíveis efeitos adversos. Por isso, terapias complementares fazem parte do rol de opções de controle da dor, pois apresentam menor risco, baixo custo e são menos invasivas que a abordagem habitual10,11,14.

Os conceitos descritos servem de ponto de partida aos estudos em AT. Porém, ao se focar em atendimentos voltados a quadros dolorosos, a análise de sua relação com a modulação da dor deverá ser compreendida. De maneira neurofisiológica, os estímulos nas terminações nervosas do pavilhão auricular são transmitidos via nervos espinhais e cranianos (sistema nervoso periférico, SNP) para o sistema nervoso central (SNC), liberando neurotransmissores que regulam os mecanismos endógenos de controle da dor. Quando ativada, a via neural descendente libera opioides endógenos (endorfinas) no corno posterior da medula espinhal (CPME), dificultando a propagação e percepção do estímulo doloroso pelo SNC (vias inibitórias descentes da dor, mecanismo extrassegmentar ou supraespinhal). Outro mecanismo de modulação nociceptiva é a chamada Teoria das Comportas (mecanismo segmentar ou espinhal), que transmitindo estímulos não dolorosos por via de fibras aferentes mielinizadas (Aβ), se contrapõem aos estímulos nocivos das fibras pouco mielinizadas (Aδ) ou amielinizadas (C) balanceando a sensação dolorosa no CPME15,16. Ambas as vias são as mais atribuídas à AT visando justificar seus efeitos em condições álgicas. O controle da inflamação estaria ligado a pontos na região anatômica da concha cava (p. ex.: pulmão 1 e 2), que estimula o nervo vago, liberando acetilcolina, um neurotransmissor que inibe a liberação do fator de necrose tumoral alfa (TNF-α, citocina pró-inflamatória) pelos macrófagos, e com isso, minimiza a inflamação (reflexo colinérgico)17-19.

Os pontos de AT podem ser estimulados de diversas formas como por sementes (mostarda ou colza), agulhas de acupuntura (facial ou sistêmica), pellets magnéticos, agulhas semipermanentes, eletrofototerapia (laser ou estimulação elétrica nervosa transcutânea - TENS) e pelos próprios dedos. Porém, as sementes são de baixo custo e possuem a vantagem de os pacientes fazerem a autoestimulação dos pontos e assim têm sido as mais utilizadas7,10. As sementes devem ser estimuladas de três a quatro vezes por dia, por um minuto ou até o local tornar-se sensível, com trocas semanais mediante a reavaliação do caso. No entanto, há descrição de permanecer com a mesma aplicação por até um mês e o tempo de tratamento total varia de 2-10 semanas7,10,14. Uma revisão sistemática com metanálise concluiu que a AT pode ser eficaz para o alívio de dores agudas e crônicas, com redução de sua intensidade já nas primeiras 48h de início do tratamento, além de ser um recurso seguro11. Outro estudo descreveu o tempo de remissão da dor variando de imediato até 6 meses10. Apesar de haver revisões sistemáticas7,8,10,11,14 abordando a AT e dor, elas não propuseram um banco unificado de pontos de possível escolha, suas possíveis combinações ou descreveram a localização de tais pontos, tornando-se então, o objetivo deste estudo. Ainda, além da menção dos principais pontos indicados para casos dolorosos, visou-se identificar seus locais, facilitando a prática clínica.

CONTEÚDO

Para alcançar o objetivo proposto, optou-se por fazer uso de revisão sistemática de revisões que abordassem AT e dor (Overview). Os bancos de dados PEDro, Pubmed, Scielo e LILACS foram acessados em fevereiro de 2019. As palavras chaves e índices boleanos foram utilizados conforme a seguir: Auriculotherapy AND pain; ear acupuncture AND pain, ear acupressure AND pain; auricular therapy AND pain; auricular medicine AND pain. Essas palavras deveriam estar presentes no título ou resumo para os artigos serem selecionados. Em caso de dúvida, os estudos foram verificados na íntegra. Aplicou-se filtros buscando apenas revisões sistemáticas e que fossem em humanos, sem restrição da data de publicação. Dois avaliadores fizeram a seleção e avaliação pela ferramenta Assessment of Multiple Systematic Reviews (AMSTAR)8, discutindo a pontuação em caso de divergência. Apesar de revisões no tema não ser um assunto inédito, o relato dos pontos ou quais foram os mais utilizados nem sempre são descritos, dificultando a prática clínica e a reprodução metodológica8,11. Portanto, livros também foram consultados para fornecer a melhor descrição de uso dos pontos, assim como sua localização. A tabela 1 apresenta os resultados da seleção nas bases de dados e a tabela 2, expõe os estudos com a aplicação da ferramenta AMSTAR, por ordem de maior pontuação.

Tabela 1 Busca e seleção de estudos nas bases de dados 

Bases de dados Encontrados Repetidos Excluídos Final
PEDro 20 2 13 5
Pubmed 112 11 100 1
Scielo 33 0 33 0
LILACS 77 0 77 0
Total 242 13 223 6

Tabela 2 Características das revisões sistemáticas e metanálises selecionadas 

Autores Objetivos Pontos de AT mais utilizados Resultados (p) Diferenças médias em termos de dor AMSTAR
Yang et al.7 Efeito da acupressão auricular em dor lombar crônica ShenMen, subcórtex, RA (lombossacral, coluna, lombar, nervo isquiático, quadril, fossa poplítea), fígado, rim, simpático, bexiga, baço, pontos Ashi p<0,001 - 1,13 11/11
Zhao et al.20 Avaliar a eficácia da AT em dor crônica ShenMen, simpático, subcórtex, tálamo, fígado, rim, coração, bexiga, baço, pulmão, analgesia, RA e pontos Ashi. p<0,05 - 3,76 10/11
Yeh et al.10 Eficácia da AT no manuseio da dor comparado a grupo placebo ShenMen, subcórtex, pulmão, tálamo, simpático, fígado, rim, analgesia, endócrino e RA. p<0,05 1,59 10/11
Asher et al.14 AT no manuseio da dor ShenMen, tálamo, pulmão, coração, ponto zero e RA. p<0,05 1,56 10/11
Murakami, Fox e Dijkers11 Alívio da dor imediata (48h) ShenMen, tálamo, pulmão e RA. p<0,05 - 1,08 9/11
Usichenko, Lehmann e Ernst21 Avaliar a eficácia da AT no controle da dor pós-operatória Não descrito Não descrito Não descrito 8/11

RA = região afetada, correspondência somatotópica da área do corpo reflexamente comprometida; AT = auriculoterapia; ponto Ashi = local de maior incômodo; AMSTAR = Assessment of Multiple Systematic Reviews.

A figura 1 demonstra a subdivisão do pavilhão auditivo externo necessária para a compreensão a fim de facilitar a interpretação da descrição dos pontos da tabela 3. Vale ressaltar que há variações anatômicas normais de pessoa para pessoa, então a princípio, a identificação das estruturas, assim como a busca por pontos específicos carecem de treino prático9.

Figura 1 Divisão anatômica do pavilhão auditivo externoFE = fossa escafoide; FT = fossa triangular; CS = concha superior ou cimba; CI = concha inferior ou cava; II = incisura intertrago. 

Tabela 3 Principais pontos a combinar com fins analgésicos 

Pontos Localização Ação
ShenMen Vértice do ângulo formado pelo ramo superior e inferior da antélice Ansiedade, distúrbios mentais, estabilização emocional, em condições de dor e possui atividade anti-inflamatória
Simpático Na intersecção do ramo inferior da antélice e da hélice, na região interna Algias em geral, náuseas, vômitos, hiper-hidrose das mãos e pés. Estabilização vegetativa das vísceras
Rim Em uma fossa localizada abaixo do início do ramo inferior da fossa triangular, em região superior da concha cimba Transtornos do trato urogenital, problemas articulares, queixas menstruais, amenorreia, tensão pré-menstrual, enxaqueca e para o tratamento de dependência química. Doenças ósseas em geral e crônicas
Fígado Na região inferior da concha cimba, acima do início da raiz da hélice, próximo à antélice Colabora nas afecções de músculos e tendões, em casos de dor, rigidez e lesões
Baço Situado na parte superior da concha cava, próximo à antélice e inferior à raiz da hélice Tratamento de musculatura dolorosa e fraca
Bexiga Abaixo do ramo inferior da antélice Transtornos do trato urogenital: infecção, disúria, poliúria, incontinência, cálculo uretral e nefrite aguda. Edemas idiopáticos
Analgésico ou analgesia Verticalmente entre o ponto rim e a raiz da hélice Analgesia
Ápice da orelha No ápice da orelha, na hélice Hipertensão, alergias, analgesia e harmonização emocional
Ponto zero No ramo ascendente da hélice ou raiz Ação espasmolítica, analgésica e relaxante
Relaxamento muscular Medialmente ao ponto baço, dirigindo-se a raiz da hélice Miorrelaxante, tensão ou espasmo muscular e insônia
Pulmão 1 e 2 Na cavidade da concha circundando a zona do coração Transtornos do trato respiratório e pele como: resfriados, laringite, tosse, asma, bronquite, dermatite, urticária e acne (estímulo ao nervo vago)
Coração Centro da cavidade da concha cava Hipertensão, ansiedade, depressão, insônia, palpitações, taquicardia e dispneia, angina e bradicardia (estímulo ao nervo vago)
Suprarrenal Na proeminência do trago Transtornos articulares, processos circulatórios, inflamatórios, reumatismo, artrose, bursite, processos alérgicos. Estimula os hormônios adrenocorticais e a adrenalina
Subcórtex Região inferior da parte interna do antítrago Algias, ansiedade e depressão
Tálamo Acima do ponto subcórtex, na face interna e ápice do antítrago Lombalgias e cervicalgias
Endócrino ou endócrinas Na base interna da incisura intertrágica. Transtornos endócrinos, hipo e hipertireoidismo, diabetes, transtornos ginecológicos e reumatoides.

A tabela 3 demonstra os principais pontos para alívio de condições dolorosas de acordo com a unificação de vários estudos, e a figura 2 mostra onde se encontram anatomicamente6,10,14,22-25.

Figura 2 Localização dos principais pontos analgésicosRM = relaxamento muscular; P1 = pulmão 1; C = coração; P2 = pulmão 2. 

Não significa que todos deverão ser aplicados em sessão única, mas sim, selecionados de acordo com as combinações já descritas e somados à área dolorosa que se pretende tratar (Figura 3).

Figura 3 Mapa somatotópico da região reflexa afetada e a ser escolhida para tratar 

Por exemplo, ShenMen, Rim, Simpático (auriculocibernética) + lombar (região afetada - RA). No entanto, uma revisão sistemática demonstrou a possibilidade de se escolher 15 pontos diferentes apenas para o tratamento de lombalgias, sendo ShenMen e subcórtex os mais frequentes7. O que demonstra uma variabilidade considerável entre os estudos analisados, já que se sugere a seleção de cerca e 4-6 pontos para tratamento26. Portanto, torna-se inviável propor associações para cada caso doloroso nesse formato, seria necessário um livro para contemplar esse objetivo, já que mais de 200 pontos de AT foram identificados8. De qualquer forma, algumas combinações previamente utilizadas servem de base, como a própria auriculocibernética descrita ou as combinações a seguir: ShenMen, tálamo, pulmão + região afetada, correspondência somatotópica da área do corpo reflexamente comprometida (RA)14; ShenMen + RA (10); tálamo, analgésico + RA)23; ShenMen, subcórtex + RA7.

Muitas foram as afecções relatadas, passíveis de serem ajudadas no alívio da dor mediante a AT. Seguem algumas dessas indicações: 1) dor associada a câncer, artroscopia de joelho, fratura de fêmur, artroplastia de quadril14; em dismenorreia, dor pós-operatória, fratura de quadril, lombalgia, aspiração de medula óssea, dor aguda e crônica10; 2) dor na coluna vertebral, lombociatalgia, câimbras, torcicolo, fibromialgia, dor reumática, dor fantasma, dor no coto de amputação, herpes-zóster, dor após fraturas em geral, neuralgia trigeminal, dor de dente, cefaleia, enxaqueca e cefaleia tensional23; 3) dor lombar crônica, espasmo muscular, lesões com mecanismo em chicote (Whiplash injuries), dor de origem traumática, inflamação pós-entorses articulares, osteoartrose, dor pélvica e abdominal, síndrome do impacto no ombro, capsulite adesiva, bursites, epicondilite lateral, síndrome do túnel do carpo e dores articulares22.

Usichenko, Lehmann e Ernst21) não expuseram quais pontos de AT foram aplicados nos ensaios clínicos analisados e nem os seus resultados em termos estatísticos, o que dificulta a interpretação e reprodutibilidade de novas pesquisas. Este estudo foi conduzido há mais de uma década e outros com o mesmo desenho metodológico vieram posteriormente, sendo mais criteriosos. Murakami, Fox e Dijkers11 destacaram o fato de a AT ter resultados tão bons quanto seus grupos comparativos, apresentar efeitos adversos temporários e menos degradantes que fármacos (dor no local, que poderá dificultar o sono, irritação da pele, leve sangramento, tonturas e náuseas) e a aplicação ser rápida e acessível. No entanto, esperavam uma redução mais significativa do quadro doloroso. Asher et al.14 chegaram a uma conclusão mais positiva que os autores anteriores, afirmando resultados superiores na minimização da dor, quando a AT era comparada com um grupo controle ou placebo em relação a mesma comparação feita com acupuntura sistêmica. O que contradiz outra revisão sistemática, que retrata que a AT não foi superior ao grupo placebo e que seus efeitos começam a diminuir três meses após o término de sua aplicação, mesmo assim, descreveram-na como promissora e capaz de reduzir a dor20. Já Jiang et al.18 constataram efeito positivo e duradouro da AT frente à dor e que os efeitos adversos são insuficientes para que os pacientes abandonem o tratamento. Para que essas dúvidas sejam sanadas, estudos como o de Moura et al.27, com 110 participantes, grupo tratamento, placebo e controle, devem ser encorajados, pois permitem embasar conclusões fidedignas.

A justificativa quanto aos efeitos da AT, parece não estar ligada apenas à penetração da agulha no pavilhão externo auricular, mas sim, à escolha dos pontos ideais14. Esta é uma discussão extensa, mas quatro possíveis explicações são elucidadas: (1) A AT age por mecanismo diferente da acupuntura sistêmica; (2) ação semelhante à da acupuntura, em que ativaria meridianos, regularização da função de órgãos, do Qi e Sangue, com consequente normalização de trajetos dolorosos (MTC); (3) vias neuronais reflexas hipersensíveis que conectam o microssistema auricular à região somatotópica corresponde no cérebro, que por meio da medula espinhal chega até a região dolorosa correspondente; (4) a AT não depende de pontos específicos, mas sim da região estimulada7,10,14,20. A quarta explicação advém dos estímulos na região da concha cava, inervada pelo nervo vago, ser capaz de induzir a estimulação parassimpática. Portanto, a analgesia seria ocasionada pelo local de aplicação e não pela seleção de pontos. Ou seja, é possível que a AT funcione via mecanismo central de controle da dor. No entanto, se a analgesia proporcionada é por pontos específicos ou região estimulada, permanece em discussão14. O que se sabe, é que o estímulo auricular é um método cientificamente validado, até mesmo por ressonância magnética funcional, não invasiva, de neuromodulação cerebral17. A possibilidade de agir por mecanismo central descendente inibitório de dor, foi reforçado pelo fato dos efeitos da AT serem bloqueados ao uso do antagonista de opioides naloxona. A AT ainda seria capaz de aumentar a tolerância à dor. Logo, há variabilidade na explicação que indique a ação da AT em quadros álgicos, mas demonstra o interesse da comunidade científica nesse microssistema, tornando-o o mais estudado7.

Yeh et al.10 também apontaram alívio significativo da dor com a AT comparada ao grupo controle ou placebo, ressaltando que a qualidade dos estudos eram de moderada a alta. Uma das dificuldades quanto à efetividade da AT relatada por estes autores, seria o número limitado de estudos com grupo placebo, apenas 32% dos estudos envolvendo AT e dor. A expectativa do paciente frente ao tratamento, relacionamento com seu terapeuta e o efeito placebo propriamente dito, podem afetar os resultados obtidos com a AT, mas que são vieses em qualquer outra modalidade de tratamento. O ponto ShenMen e os pontos reflexos correspondentes à região afetada são os mais usados na prática, de acordo com os autores descritos. Informação que corrobora os achados da tabela 2.

Em suma, a necessidade de ensaios clínicos randomizados, encobertos, com cálculo da amostra para definir o número de participantes, deve ser incentivada ao investigar-se a eficácia de qualquer método de tratamento, e as revisões analisadas estimulam o mesmo. A possibilidade de utilizar esse desenho de estudo, revisão de revisões, sobre um tema específico (AT e dor), demonstra o interesse da comunidade científica no tópico. Até o momento, as conclusões são cautelosas, porém, as revisões sistemáticas que foram incluídas, apresentaram alta qualidade metodológica (8-10/11 - AMSTAR) e estão de acordo nos seguintes aspectos: a AT é uma técnica adjunta a ser utilizada no manuseio da dor; reduz o uso de fármacos analgésicos, minimizando a tolerância e efeitos adversos; é um tratamento de baixo risco, custo e fácil administração7,10,11,14,20,21.

CONCLUSÃO

A AT possui resultados favoráveis quanto a seus efeitos sobre a dor (apesar de seus mecanismos de ação continuarem em estudo), mostrando-se promissora como uma terapia adjunta ao tratamento convencional. O ponto ShenMen, pontos reflexos correspondentes ao local no corpo afetado e a estimulação da concha cava (ex.: ponto pulmão), parece ser a combinação mais favorável a melhores resultados quanto ao alívio da dor.

REFERÊNCIAS

1 Tesser CD, Sousa IM, Nascimento MC. Práticas integrativas e complementares na atenção primária à saúde brasileira. Saúde Debate. 2018;42(n. spe1):174-88.
2 Jackson C. Trends in the use of complementary health approaches among adults in the United States: new data. Holist Nurs Pract. 2015;29(3):178-9.
3 Organization WH. WHO Traditional Medicine Strategy. Alternative and Integrative Medicine. 2013. 1-78p.
4 Schveitzer MC, Esper MV, Silva MJ. Práticas integrativas e complementares na atenção primária em saúde: em busca da humanização do cuidado. Mundo Saúde. 2012;36(3):442-51.
5 Clarke TC, Black LI, Stussman BJ, Barnes PM, Nahin RL. Trends in the use of complementary health approaches among adults: United States, 2002-2012. Natl Health Stat Report. 2015;10(79):1-16.
6 UFSC UF de SC - Formação em auriculoterapia. In: Formação em auriculoterapia para profissionais de saúde da atenção básica. 2018.
7 Yang LH, Duan PB, Hou QM, Du SZ, Sun JF, Mei SJ, et al. Efficacy of auricular acupressure for chronic low back pain: a systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Evid Based Complement Alternat Med. 2017;2017:6383649.
8 Vieira A, Reis AM, Matos LC, Machado J, Moreira A. Does auriculotherapy have therapeutic effectiveness? An overview of systematic reviews. Complement Ther Clin Pract. 2018;33:61-70.
9 Alimi D, Chelly JE. New universal nomenclature in auriculotherapy. J Altern Complement Med. 2018;24(1):7-14.
10 Yeh CH, Chiang YC, Hoffman SL, Liang Z, Klem ML, Tam WW, et al. Efficacy of auricular therapy for pain management: a systematic review and meta-analysis. Evid Based Complement Alternat Med. 2014;2014:934670.
11 Murakami M, Fox L, Dijkers MP. Ear acupuncture for immediate pain relief-a systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Pain Med. 2017;18(3):551-64.
12 Carvalho RC, Maglioni CB, Machado GB, Araújo JE, Silva JR, Silva ML. Prevalence and characteristics of chronic pain in Brazil: a national internet-based survey study. BrJP. 2018;1(4):331-8.
13 Vasconcelos FH, Araújo GC. Prevalence of chronic pain in Brazil: a descriptive study. BrJP. 2018;1(2):176-9.
14 Asher GN, Jonas DE, Coeytaux RR, Reilly AC, Loh YL, Motsinger-Reif AA, et al. Auriculotherapy for pain management: a systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. J Altern Complement Med. 2010;16(10):1097-108.
15 Damien J, Colloca L, Bellei-Rodriguez CÉ, Marchand S. Pain modulation: from conditioned pain modulation to placebo and nocebo effects in experimental and clinical pain. Int Rev Neurobiol. 2018;139:255-96.
16 Quah-Smith I, Litscher G, Rong P, Oleson T, Stanton G, Pock A, et al. Report from the 9th International Symposium on Auriculotherapy Held in Singapore, 10-12 August 2017. Medicines. 2017;4(3):46. pii: E46.
17 Mercante B, Deriu F, Rangon CM. Auricular neuromodulation: the emerging concept beyond the stimulation of vagus and trigeminal nerves. Medicines. 2018;5(1). pii E10.
18 Jiang Y, Cao Z, Ma H, Wang G, Wang X, Wang Z, et al. Auricular vagus nerve stimulation exerts antiinflammatory effects and immune regulatory function in a 6-OHDA model of Parkinson's disease. Neurochem Res. 2018;43(11):2155-64.
19 Mercante B, Ginatempo F, Manca A, Melis F, Enrico P, Deriu F. Anatomo-physiologic basis for auricular stimulation. Med Acupunct. 2018;30(3):141-50.
20 Zhao HJ, Tan JY, Wang T, Jin L. Auricular therapy for chronic pain management in adults: a synthesis of evidence. Complement Ther Clin Pract. 2015;21(2):68-78.
21 Usichenko TI, Lehmann Ch, Ernst E. Auriculoterapia para el control del dolor postoperatorio: una revisión sistemática de ensayos clínicos aleatorizados. Rev Int Acupunt. 2009;3(3):130-2.
22 Oleson T. Auriculotherapy Manual: Chinese and Western Systems of Ear Acupuncture. 4th ed. Churchill Livingstone; 2013.
23 Kajsa L. British Library Cataloguing in Publication Data. 1st ed. Churchill Livingstone; 2008.
24 Souza MP. Tratado de auriculoterapia. Look; 2000. 3p.
25 Garcia EG. Auriculoterapia. ROCA; 1999. 50p.
26 Levy CE, Casler N, Fitzgerald DB. Battlefield acupuncture: an emerging method for easing pain. Am J Phys Med Rehabil. 2018;97(3):e18-9.
27 Moura CC, Iunes DH, Ruginsk SG, Souza VHS, Assis BB, Chaves ECL. Action of ear acupuncture in people with chronic pain in the spinal column: a randomized clinical trial. Rev Lat Am Enfermagem. 2018;26:e3050. English, Portuguese, Spanish.