versão impressa ISSN 0021-7557versão On-line ISSN 1678-4782
J. Pediatr. (Rio J.) vol.93 no.3 Porto Alegre mai./jun. 2017
http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2016.12.001
Caro Editor:
Posar e Visconti1 recentemente publicaram sua revisão biomédica na área de pesquisa em autismo em 2016 com um foco especial na função hipotética de fatores ambientais, como poluição atmosférica. Os autores pesquisaram a literatura recente disponível na Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos (PubMed) em busca de hipóteses interessantes publicadas entre 1° de janeiro de 2013 e 20 de agosto de 2016 (preferencialmente estudos de caso-controle que envolvessem participantes humanos) com palavras-chave. Embora os autores tenham identificado uma estratégia de busca, sua análise não considerou uma minianálise recém-publicada que identifica o papel de um poluente atmosférico agrícola específico, o óxido nitroso (N2O), na etiopatogenia do autismo e em distúrbios do desenvolvimento neurológico de forma mais geral.
Fluegge2 sugeriu repetidamente que a exposição ao N2O ambiental pode aumentar a suscetibilidade a distúrbios do desenvolvimento neurológico, inclusive transtornos do espectro autista (TEA) e transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). Uma análise epidemiológica inicial revelou uma associação entre o uso do pesticida glifosato e TDAH, porém análises posteriores de sensibilidade constataram que a associação provavelmente dependia do nível de urbanização da região e da forte associação específica do glifosato com fertilizantes nitrogenados e emissões presumíveis de N2O.2 Essas constatações foram reproduzidas em uma análise de internações por TEA (comunicação pessoal). Os mecanismos hipotéticos de interesse inerentes a essas associações incluíram os alvos farmacológicos conhecidos da exposição a N2O de baixo nível, inclusive o antagonismo do receptor NMDA (Receptor de N-metil-D-aspartato), o estímulo da liberação de peptídeos opioides centrais e a supressão da atividade colinérgica.3 A análise é particularmente considerável porque o N2O não foi considerado por Posar e Visconti,1 assim como os estudos que incluem sua análise como poluente atmosférico capaz de causar consequências adversas à saúde humana e, em especial, autismo. Portanto, é interessante ler a sugestão dos autores para investigar se há uma diferença na prevalência de autismo entre nações expostas a baixos níveis em comparação com as expostas a altos níveis do poluente.
Tian et al.4 relataram recentemente as taxas de mudança anuais de diversos fatores ambientais em diferentes continentes e constataram aumentos significativos no uso de fertilizantes nitrogenados na América do Norte de 1981 a 2010 e reduções significativas na Europa no mesmo período. Como o uso de fontes de nitrogênio antropogênicas é o contribuinte ambiental mais diretamente atrelado às emissões de N2O,5 essa diferença continental no uso de fertilizantes nitrogenados há décadas é especialmente reveladora e sugere emissões de N2O americanas derivadas dos fertilizantes nitrogenados mais altas em comparação com a Europa, fato confirmado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, 2015).6 Essa distinção geográfica pode explicar a dinâmica diferencial na prevalência de TEA.
Estudos epidemiológicos de base populacional da Europa indicam que grande parte do aumento na prevalência de TEA entre 1980 e 2003 pode ser atribuído a mudanças nas práticas administrativas e de divulgação,7,8 ao passo que a prevalência de TEA no Reino Unido nos anos posteriores pode ter se estabilizado.9 Esses dados defendem a possibilidade de que o aumento na prevalência registrada de TEA pode ser causado mais por mudanças administrativas. Contudo, o aumento pronunciado na prevalência de TEA nos Estados Unidos entre 2000 e 2012, em especial, não pode ser prontamente atribuído a qualquer evolução nos critérios diagnósticos, pois nenhuma alteração formal foi introduzida ou adotada nesse tempo, embora não possa ser desconsiderado que o aumento na prevalência de TEA nesse tempo pode ser atribuído a práticas duradouras de substituição ou acúmulo de diagnósticos iniciadas nas décadas anteriores.10 Portanto, isso abre a possibilidade de que contribuintes ambientais seculares, como N2O ambiental, podem ter um papel na etiopatogenia de TEA de forma diferente nos continentes. Em vista dessa pesquisa, Posar e Visconti1 devem expandir sua visão sobre a função da poluição atmosférica como um fator de risco de TEA. Se levarmos em conta que o N2O não é considerado um poluente prejudicial à saúde humana pela literatura nem por representantes de governo, parece necessária uma reavaliação desse poluente ambiental específico.