Compartilhar

Autoavaliação da comunicação em promotores de justiça em um estado do nordeste, Brasil

Autoavaliação da comunicação em promotores de justiça em um estado do nordeste, Brasil

Autores:

Neuza Josina Sales,
Daniel Francisco Neyra Castaneda,
Íkaro Daniel de Carvalho Barreto,
Marina Paoliello,
Silvia Márcia Andrade Campanha

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.28 no.6 São Paulo nov./dez. 2016 Epub 16-Nov-2016

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20162015238

INTRODUÇÃO

As diversas categorias profissionais, independentemente da experiência e demanda vocal, avaliam os contextos de falar em público como desafiadores, com frequente desvio na comunicação e sintomas de nervosismo e de ansiedade(1). No entanto, a comunicação é uma exigência nas relações interpessoais de trabalho, especialmente naquelas que necessitam persuadir o ouvinte.

Nesse sentido, nas últimas décadas, houve maior interesse dos pesquisadores em compreender a comunicação utilizada pelos trabalhadores em geral(1,2), incluindo o advogado, juiz e promotor de justiça(3-7). O profissional do direito precisa ter uma comunicação que consiga persuadir o ouvinte e que transmita credibilidade. Considerando isso, foi desenvolvido um estudo com 300 profissionais desta área, levantando o grau de ocorrência de problemas vocais nestes profissionais. Concluiu-se que há a necessidade de um trabalho fonoaudiológico para o aprimoramento da comunicação e o bom desempenho da profissão(5).

O promotor de justiça, objeto do presente estudo, é agente público e funciona como fiscal da lei, podendo entrar com ações e conduzir inquéritos para investigar suspeitas de crimes, como desvio de recursos públicos. Ele faz parte do Ministério Público Estadual (MPE) e atua em diversas varas, por exemplo, cíveis e criminais. O MPE é responsável pela apuração e punição dos crimes regionais, como os cometidos pelos prefeitos e governadores ou ainda os de sonegação de Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), entre outros. Além da Justiça comum, o promotor também está presente na Justiça especial – Militar, Eleitoral e do Trabalho(8).

A comunicação faz parte da rotina do promotor de justiça, no atendimento ao cliente, pessoalmente ou por telefone, e, especialmente, em reuniões e no tribunal. Nas audiências ou nos julgamentos, necessita-se de sustentação oral para alcançar êxito em uma causa(3). O promotor de justiça faz uso profissional da voz na categoria de líder, geralmente com demanda de voz com curtos períodos ininterruptos falando, utilizando a voz para influenciar pessoas e com intensidade aumentada(1,9).

No exercício profissional do promotor, é necessário domínio sobre o assunto e seleção consciente das palavras. A literatura aponta que a comunicação verbal e não verbal são recursos utilizados para controlar o efeito da mensagem no ouvinte e, assim, dominar uma fala construída(10).

Um estudo anterior analisou, retrospectivamente, 116 prontuários de pacientes disfônicos atendidos em Clínica-Escola no período de 2007-2011. Foram registrados os dados referentes à autoavaliação vocal. Os sujeitos que utilizam voz profissional apresentaram piores índices na autoavaliação vocal. Os autores concluíram que ser profissional da voz parece influenciar negativamente na autoavaliação do sujeito acerca do impacto da disfonia em sua vida diária(11).

Foi encontrado um número escasso de pesquisas sobre a autoavaliação da comunicação dos promotores de justiça. O presente estudo procura compreender o contexto desta comunicação na percepção do profissional em questão. Assim, poderá sugerir proposta de intervenção e incluir no planejamento organizacional estratégias que promovam a comunicação assertiva.

Dessa forma, o objetivo é descrever a autoavaliação do promotor de justiça do Estado quanto à sua comunicação e à reação do ouvinte e analisar a relação dessas variáveis com o gênero, idade e anos de trabalho.

MÉTODO

Desenho do estudo

Tratou-se de um desenho descritivo com corte transversal.

Seleção da amostra

Foram incluídos todos os promotores de justiça, de ambos os gêneros, atuando nos diversos municípios do Estado de Sergipe, independentemente da idade, gênero e do tempo de exercício profissional.

Foram consideradas perdas na amostra: não responder ao questionário ou fazê-lo de modo incompleto; não concordar em participar do estudo; e não assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Variáveis independentes e dependentes

As variáveis independentes selecionadas foram: gênero; idade; e anos de exercício profissional no Ministério Público. As variáveis dependentes foram: a autoavaliação da comunicação ao longo dos anos de exercício profissional; a percepção do falante quanto ao uso de parâmetros de comunicação ao falar em público, tais como: voz, motivação, interação pessoal, assertividade, credibilidade, cordialidade, insegurança-tensão; e a reação do ouvinte na impressão do falante: persuade, atrai, muda ideias do outro, influencia, gera atitudes, desperta sentimentos, provoca expectativas, induz comportamento e credibilidade.

Instrumento de pesquisa e procedimentos

Foi construído um questionário (veja Apêndice A) baseado em literatura(7,12,13), adaptado para essa pesquisa, e denominado Autoavaliação da comunicação ao falar com o público em promotores (ACFP_P), com perguntas fechadas e preenchidas pelo respondente no local de trabalho, sem a presença do pesquisador. O questionário foi constituído por perguntas relacionadas a 4 categorias de análise com duas opções de resposta: não ou sim. Estas foram relacionadas à: 1- caracterização da amostra quanto ao gênero, idade, função atual, município de lotação atual, tempo de exercício profissional no Ministério Público do Estado; 2- autoavaliação quanto à piora da comunicação ao longo dos anos de atividade profissional; 3- autoavaliação dos parâmetros da comunicação: presença de alteração da voz, desmotivação, investimento em interação pessoal, sensação de assertividade, percepção de que transmite credibilidade, cordialidade, insegurança-tensão ao falar com o público; 4- reação do ouvinte na impressão do falante: persuade, atrai, muda ideias do outro, influencia, gera atitudes, desperta sentimento, provoca expectativa, induz comportamento, transmite credibilidade. O tempo médio para responder o instrumento foi de 10 minutos por participante. Na avaliação da comunicação, considerou-se somente a autoavaliação do promotor, uma vez que a avaliação realizada pelo fonoaudiólogo não foi objetivo deste estudo.

O Ministério Público informou existir uma população de 126 promotores atuantes e distribuídos entre os municípios do Estado. Por meio de busca ativa, foram enviados questionários em igual número aos locais de trabalho dos promotores, e recebidos 33 questionários preenchidos.

Análise dos dados

Na análise dos dados, inicialmente construiu-se um banco de dados no programa Microsoft Excel. Na sequência, os dados foram inseridos no Programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS 17.0). Foi realizada análise estatística descritiva por meio de frequências simples e percentuais. As variáveis anos de exercício profissional e idade foram discretizadas respectivamente por 20 anos de trabalho (≤20 anos e >20 anos) e 43 anos de idade (≤43 anos e >43 anos), sendo a mediana o critério utilizado para esta discretização. Para análise da independência, foi utilizado o teste Exato de Fisher. Os missings não foram substituídos. O nível de significância adotado foi de 5% e o software utilizado foi o R Core Team (2014).

Critérios éticos

O Comitê de Ética e Pesquisa envolvendo seres humanos – Centro de Gestão Empreendedora/FEAD aprovou a execução deste estudo sob o parecer número 125/2011. Depois da anuência do Presidente do Ministério Público do Estado de Sergipe, todos os promotores envolvidos que aceitaram participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, concordando com a realização e a divulgação desta pesquisa e seus resultados, conforme a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP).

RESULTADOS

A amostra final foi constituída por 33 promotores de justiça, mediana de idade de 43 anos e 20 anos de trabalho. A proporção entre os gêneros foi similar. Os respondentes percebem piora da comunicação ao longo dos anos de exercício profissional.

Os promotores referem que utilizam os parâmetros de comunicação selecionados neste estudo, embora percebam voz alterada e as sensações de desmotivação e insegurança-tensão, além de não persuadir e não atrair o ouvinte. A Tabela 1 descreve as características da amostra.

Tabela 1 Caracterização da amostra (n=33) 

Variáveis n (%)
Idade
43 anos 16 (48)
>43 anos 17 (52)
Anos de exercício profissional
20 anos 19 (68)
>20 anos 9 (32)
Gênero
Masculino 18 (55)
Feminino 15 (45)
Piora na comunicação ao longo dos anos de exercício profissional 23 (70)
Autoavaliação da comunicação
Voz alterada
10 (30)
Desmotivado 18 (55)
Investe em interação pessoal 21 (64)
Assertivo 26 (79)
Transmite credibilidade 26 (79)
Cordial 29 (88)
Inseguro e tenso 20 (61)
Reação do ouvinte na percepção do falante
Não Persuade 18 (55)
Não Atrai 17 (52)
Muda Ideias do outro 18 (55)
Influencia 18 (55)
Gera Atitude 23 (70)
Desperta sentimento 21 (64)
Provoca Expectativas 18 (55)
Induz Comportamento 20 (61)
Transmite Credibilidade 26 (79)

As mulheres mostram maior proporção de piora na comunicação ao longo dos anos de exercício profissional quando comparadas aos homens (p=0,009). Todas as mulheres referem sensação de insegurança-tensão ao falar com o público (p<0,001). A Tabela 2 compara a proporção entre o gênero e os parâmetros de comunicação.

Tabela 2 Associação do sexo com as características da amostra 

Gênero
Variáveis Masculino Feminino (p)
Piora na comunicação ao longo dos anos de exercício profissional
Sim 9 (50) 14 (93) 0,009*
Não 9 (50) 1 (7)
Autopercepção da comunicação
Voz Alterada
0,283
Sim 7 (39) 3 (20)
Não 11 (61) 12 (80)
Motivado
Sim 10 (56) 5 (33) 0,296
Não 8 (44) 10 (67)
Investe em interação pessoal 0,300
Sim 13 (72) 8 (53)
Não 5 (28) 7 (47)
Assertivo 1,000
Sim 14 (78) 12 (80)
Não 4 (22) 3 (20)
Transmite credibilidade 0,674
Sim 15 (83) 11 (73)
Não 3 (17) 4 (27)
Cordial 0,308
Sim 17 (94) 12 (80)
Não 1 (6) 3 (20)
Inseguro e tenso 0,000**
Sim 5 (28) 15 (100)
Não 13 (72) 0 (0)
Reação do ouvinte na percepção do falante
Persuade
Sim 6 (33) 9 (60) 0,170
Não 12 (67) 6 (40)
Atrai 0,732
Sim 8 (44) 8 (53)
Não 10 (56) 7 (47)
Muda Ideias do outro 0,729
Sim 9 (50) 9 (60)
Não 9 (50) 6 (40)
Influencia 1,000
Sim 10 (56) 8 (53)
Não 8 (44) 7 (47)
Gera Atitude 0,283
Sim 11 (61) 12 (80)
Não 7 (39) 3 (20)
Desperta sentimento 1,000
Sim 11 (61) 10 (67)
Não 7 (39) 5 (33)
Provoca Expectativas 0,080
Sim 7 (39) 11 (73)
Não 11 (61) 4 (27)
Induz Comportamento 0,284
Sim 9 (50) 11 (73)
Não 9 (50) 4 (27)
Transmite Credibilidade 1,000
Sim 14 (78) 12 (80)
Não 4 (22) 3 (20)

Legenda: Teste Exato de Fisher, (p) – valor de p;

*p<0,05,

**p<0,001

Os dados revelam maior proporção de voz alterada em promotores com idade superior a 43 anos que entre aqueles com idade inferior (p=0,007). A Tabela 3 mostra a proporção entre a idade e os parâmetros de comunicação.

Tabela 3 Associação da idade com as características da amostra 

Idade
Variáveis ≤43 anos > 43 anos (p)
Piora na comunicação ao longo dos anos de exercício profissional
Sim 11 (69) 12 (71) 1,000
Não 5 (31) 5 (29)
Autoavaliação da comunicação
Voz Alterada
0,007*
Sim 1 (6) 9 (53)
Não 15 (94) 8 (47)
Motivado 0,491
Sim 6 (38) 9 (53)
Não 10 (63) 8 (47)
Interação Pessoal 1,000
Sim 10 (63) 11 (65)
Não 6 (38) 6 (35)
Assertivo 0,688
Sim 12 (75) 14 (82)
Não 4 (25) 3 (18)
Credibilidade 0,688
Sim 12 (75) 14 (82)
Não 4 (25) 3 (18)
Cordial 0,335
Sim 13 (81) 16 (94)
Não 3 (19) 1 (6)
Inseguro e tenso 1,000
Sim 10 (63) 10 (59)
Não 6 (38) 7 (41)
Reação do ouvinte na percepção do falante
Persuade
1,000
Sim 7 (44) 8 (47)
Não 9 (56) 9 (53)
Atrai 1,000
Sim 8 (50) 8 (47)
Não 8 (50) 9 (53)
Muda Ideias 0,084
Sim 6 (38) 12 (71)
Não 10 (63) 5 (29)
Influencia 0,732
Sim 8 (50) 10 (59)
Não 8 (50) 7 (41)
Gera Atitude 1,000
Sim 11 (69) 12 (71)
Não 5 (31) 5 (29)
Desperta sentimento 0,481
Sim 9 (56) 12 (71)
Não 7 (44) 5 (29)
Provoca Expectativas 0,084
Sim 6 (38) 12 (71)
Não 10 (63) 5 (29)
Induz Comportamento 0,296
Sim 8 (50) 12 (71)
Não 8 (50) 5 (29)
Credibilidade 1,000
Sim 13 (81) 13 (76)
Não 3 (19) 4 (24)

Legenda: Teste Exato de Fisher; (p) – valor de p;

*p<0,05

A maior proporção da sensação insegurança-tensão na comunicação com o público ocorreu em promotores com mais de 20 anos de exercício profissional quando comparados àqueles com menos de 20 anos de profissão (p =0,049). A Tabela 4 demonstra a proporção entre os anos de exercício profissional com os parâmetros de comunicação.

Tabela 4 Associação dos anos de exercício profissional com as características da amostra 

Anos de exercício profissional
Variáveis 20 anos > 20 anos (p)
Piora na comunicação ao longo dos anos de exercício profissional 1,000
Sim 12 (63) 6 (67)
Não 7 (37) 3 (33)
Voz Alterada 0,097
Sim 4 (21) 5 (56)
Não 15 (79) 4 (44)
Autoavaliação da comunicação
Motivado
0,432
Sim 7 (37) 5 (56)
Não 12 (63) 4 (44)
Interação Pessoal 0,670
Sim 12 (63) 7 (78)
Não 7 (37) 2 (22)
Assertivo 1,000
Sim 15 (79) 8 (89)
Não 4 (21) 1 (11)
Credibilidade 1,000
Sim 15 (79) 8 (89)
Não 4 (21) 1 (11)
Cordial 0,530
Sim 16 (84) 9 (100)
Não 3 (16) 0 (0)
Inseguro e tenso 0,049*
Sim 9 (47) 8 (89)
Não 10 (53) 1 (11)
Reação do ouvinte na percepção do falante
Persuade
0,420
Sim 8 (42) 6 (67)
Não 11 (58) 3 (33)
Atrai 1,000
Sim 10 (53) 5 (56)
Não 9 (47) 4 (44)
Muda Ideias 0,687
Sim 10 (53) 6 (67)
Não 9 (47) 3 (33)
Influencia 1,000
Sim 11 (58) 5 (56)
Não 8 (42) 4 (44)
Gera Atitude 1,000
Sim 14 (74) 6 (67)
Não 5 (26) 3 (33)
Desperta sentimento 0,670
Sim 12 (63) 7 (78)
Não 7 (37) 2 (22)
Provoca Expectativas 0,223
Sim 9 (47) 7 (78)
Não 10 (53) 2 (22)
Induz Comportamento 0,670
Sim 12 (63) 7 (78)
Não 7 (37) 2 (22)
Credibilidade 1,000
Sim 16 (84) 8 (89)
Não 3 (16) 1 (11)

Legenda: Teste Exato de Fisher; (p) – valor de p;

*p<0,05

DISCUSSÃO

No presente estudo, a maior parte dos respondentes refere piora na comunicação ao longo dos anos de trabalho e um terço percebe alteração de voz. A literatura considera que, em algumas profissões, a voz e a comunicação sofrem interferência de fatores ambientais e organizacionais, como despreparo do trabalhador para a comunicação profissional, além da influência de fatores biológicos, como alterações advindas da idade, alergias, entre outras(14).

Além desses fatores, outros autores consideram variáveis distintas que podem contribuir para o desenvolvimento de um desvio de voz, tais como as características de personalidade, a demanda vocal, a ansiedade, o estresse(15-17), e até mesmo sinais de depressão em algumas categorias profissionais(18).

A maioria dos promotores no presente estudo percebe sensações de desmotivação, insegurança e tensão ao falar em público. Este resultado vai ao encontro da literatura. Pesquisa anterior investigou a prevalência e os sintomas de medo e ansiedade ao falar em público na população do Estado de São Paulo. Participaram 503 indivíduos, de ambos os gêneros e profissões diversificadas, e se verificou que falar em público estava entre os dez principais medos relatados. Os sintomas de ansiedade nessa situação foram referidos por 24% dos respondentes, sendo os mais pontuados: palpitação, voz trêmula, desconforto e xerostomia(19).

Na comparação entre gêneros neste estudo, as mulheres mostraram maior proporção de piora na comunicação ao longo dos anos de exercício profissional que os homens. Todas as mulheres que participaram do estudo sentem insegurança e tensão ao falar em público. Estudo anterior analisou a autoavaliação do falar em público e habilidades da voz em diferentes profissões, incluindo situações de nervosismo e ansiedade, de acordo com o gênero e a idade. Participaram 456 mulheres e 244 homens, média de idade de 35 anos. Concluíram que a situação de falar em público é mais difícil de ser enfrentada, em alguns aspectos, para as mulheres. Houve influência do gênero para alguns aspectos de voz, assim como para as situações de nervosismo e ansiedade, sendo que mulheres apontaram maiores desvios na sua comunicação em público do que os homens(1).

No que se refere à voz neste estudo, os promotores com idade superior a 43 anos apresentaram maior proporção na percepção de alteração de voz que aqueles com idade inferior. Isto pode ser associado ao acúmulo de desgaste vocal, físico e emocional ao longo dos anos de trabalho e à inexistência de cuidado vocal especializado. Há referência na literatura indicando que a categoria profissional de professor percebe alteração da sua voz e da comunicação, mas isso não é determinante para conseguir reduzi-la ou mesmo eliminá-la. As tarefas e responsabilidades profissionais excessivas levam o profissional a priorizar sua profissão, em detrimento de sua qualidade de vida(20).

Com relação ao aspecto emocional, outro estudo analisou qualitativamente os efeitos da emoção sobre a voz, a fala e a fluência ao falar em público em quatro pessoas que referiram ter dificuldade em fazê-lo. Foram coletados dados em situação de seminário/palestra com entrevistas pré e pós palestra. Na análise do discurso, antes da apresentação, os respondentes referiam medo e insegurança, e, após a apresentação, tranquilidade e alívio. Todos referiram medo. Em conclusão, a emoção alterada interferiu na comunicação. Houve preocupação dos respondentes tanto com o conteúdo como com a forma de falar(21).

Quanto aos anos de exercício profissional, os promotores com mais de 20 anos de exercício profissional revelaram maior proporção de insegurança e tensão ao falar em público quando comparados àqueles com menos de 20 anos de profissão. Isto pode ser compreendido pelo aumento da responsabilidade ao falar com o público advinda da maturidade profissional, incluindo novas demandas da comunicação e maior exposição pública nas mídias sociais e televisivas.

No que diz respeito às reações que o falante provoca no ouvinte, a maior parte dos respondentes do presente estudo percebe que não persuade e não atrai o ouvinte ao falar em público. Estudo anterior analisou características de expressividade da fala de um grupo de executivos a partir de dados perceptivos e acústicos da dinâmica vocal. Concluíram que aqueles que utilizaram adequadamente recursos prosódicos transmitiram segurança e foram considerados pelos avaliadores como objetivos, empáticos e convincentes. Por outro lado, aqueles que utilizaram quebra dos grupos prosódicos não transmitiram segurança e foram apontados como pouco objetivos, não empáticos e não convincentes(22).

Outros autores enfatizam a necessidade do uso de estratégias comunicativas adequadas em cada profissão para que o conteúdo e a forma transmitam credibilidade e interação(13,23). Nesse sentido, o desenvolvimento de uma comunicação assertiva pode gerar um impacto positivo nas relações interpessoais de trabalho e também na qualidade de vida(24-26). O impacto autorrelatado na qualidade de vida relacionado a uma alteração vocal é percebido de maneira semelhante por homens e mulheres(27).

Estudo anterior verificou a relação entre a avaliação do fonoaudiólogo e a autoavaliação vocal e o impacto da disfonia na qualidade de vida entre 48 indivíduos com queixa de alteração vocal, com média de idade de 51 anos de idade, e 48 sem queixa vocal e voz saudável, com média de idade de 46 anos. Concluíram que a percepção do sujeito sobre a própria voz e sobre o impacto da disfonia em sua qualidade de vida complementa a percepção do clínico quanto ao grau geral desta alteração(28).

Como limitações do estudo, destacam-se a reduzida adesão dos promotores à pesquisa e, consequentemente, o tamanho da amostra, além da escassez de pesquisas sobre o tema para a comparação de dados. Os dados apresentados são instigantes e abrem perspectivas para novas pesquisas. Tais informações poderão contribuir para futuras pesquisas com interesse em aprofundar os achados apresentados neste estudo, incluindo a avaliação fonoaudiológica da competência comunicativa com grupo controle.

CONCLUSÃO

No que se refere à autoavaliação da comunicação ao falar com o público, os promotores de justiça deste estudo identificam os parâmetros fortes e aqueles que necessitam ser desenvolvidos e potencializados em sua comunicação. As variáveis gênero feminino, ter mais de 43 anos de idade e mais de 20 anos de exercício profissional influenciam negativamente o desempenho comunicativo. Neste âmbito, a inserção do fonoaudiólogo na graduação do curso de Direito e no Ministério Público se faz de fundamental importância para aprimorar a comunicação dos promotores em diversas fases da sua carreira pública.

REFERÊNCIAS

1 Ugulino ACN. Autoavaliação do comportamento comunicativo ao falar em público das diferentes categorias profissionais [tese]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina, Programa de Pós-graduação em Distúrbios da Comunicação Humana; 2014. 65 p.
2 Sales NJ, Gurgel RQ, Gonçalves MI, Cunha E, Barreto VM, Todt JC No, et al. Characteristics and professional use of voice in street children in Aracaju, Brazil. J Voice. 2010;24(4):435-40. PMid:19665349. .
3 Pitombo C. Ampliando horizontes. Jornal Voz Ativa. 2006 Jun;13(2):1-4.
4 Ruiz DMCF, Tsuji SACN, Faccio CB, Romanini JS, Ghedini SG. Ocorrência de queixas vocais em advogados, juízes e promotores. Pro Fono. 1997;9(1):27-30.
5 Cavalcanti D, Bompet R. A voz do advogado: atuação vocal do advogado no curso de oratória da escola superior de advocacia - OAB/RJ. In: Ferreira LP, Costa HO. Voz ativa: falando sobre o profissional da voz. São Paulo: Roca; 2000. p. 181-5.
6 Barreto MASC. Professores/operadores do Direito: sua consciência vocal. J Bras Fonoaudiol. 2003;4(17):261-7.
7 Campanha SMA, Alonso AC, Thomsen LPR. Conhecimento dos advogados sobre os cuidados relacionados à saúde vocal [monografia]. Belo Horizonte: Faculdade de Estudos Administrativos de Minas Gerais, Centro de Gestão Empreendedora; 2007.
8 MPSE: Ministério Público do Estado de Sergipe. Promotorias [Internet]. Aracaju: Ministério Público do Estado de Sergipe; 2015 [citado em 2015 Ago 21]. Disponível em:
9 Shewell C. Voice work: art and science in changing voices. West Sussex: Wiley-Blackwell; 2009. p. 463-4. .
10 Panico ACB. Expressividade da fala construída. In: Kyryllos LR. Expressividade da teoria à prática. Rio de Janeiro: Revinter; 2005. p. 43-6.
11 Leite APD, Carnevale LB, Rocha HL, Pereira CA, Lacerda L Fo. Relação entre autoavaliação vocal e dados da avaliação clínica em indivíduos disfônicos. Rev CEFAC. 2015;17(1):44-51. .
12 Polito R. Como preparar boa palestra e apresentações. São Paulo: Saraiva; 1995. 199 p.
13 Behlau MS. Vozes preferidas: considerações sobre opções vocais nas profissões. Fono Atual. 2001;4(16):10-4.
14 Behlau M, Zambon F, Guerrieri AC, Roy N. Epidemiology of voice disorders in teachers and nonteachers in Brazil: prevalence and adverse effects. J Voice. 2012;26(5):665.e9-18. PMid:22516316. .
15 Stemple J, Glaze LE, Gerdeman BK. Clinical voice pathology: theory and management. 2nd ed. USA: Singular; 1995.
16 Almeida AAF, Behlau M, Leite JR. Correlação entre ansiedade e performance comunicativa. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16(4):384-9. .
17 Almeida LNA, Lopes LW, Costa DB, Silva EG, Cunha GMS, Almeida AAF. Características vocais e emocionais de professores e não professores com baixa e alta ansiedade. Audiol, Commun Res. 2014;19(2):179-85. .
18 Rocha LM, Behlau M, Souza LDM. Behavioral dysphonia and depression in elementary shool teathers. J Voice. 2015;29(6):712-7. .
19 Ribeiro MT, Ugulino AC, Behlau M. Prevalência e sintomas do medo de falar em público no estado de São Paulo. In: 21º Congresso Brasileiro e 2° Ibero-Americano de Fonoaudiologia; 2013 Set 22-25; Porto de Galinhas, PE. Anais. Porto de Galinhas: Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia; 2013.
20 Penteado RZ. Relações entre saúde e trabalho docente: percepções de professores sobre saúde vocal. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(1):18-22. .
21 Barbosa RA, Friedman S. Emoção: efeitos sobre a voz e a fala na situação em público. Distúrb Comum. 2007;19(3):325-36.
22 Marquezin DMSS, Viola I, Ghirardi ACAM, Madureira S, Ferreira LP. Executives’ speech expressiveness: analysis of perceptive and acoustic aspects of vocal dynamics. CoDAS. 2015;27(2):160-9. PMid:26107082. .
23 Hancock AB, Stone MD, Brundage SB, Zeigler MT. Public speaking attitudes: Does curriculum make a difference? J Voice. 2010;24(3):302-7. PMid:19481418. .
24 Penteado RZ, Pereira IMTB. Qualidade de vida e saúde vocal de professores. Rev Saude Publica. 2007;41(2):236-43. PMid:17384799. .
25 Putnoki DS, Hara F, Oliveira G, Behlau M. Qualidade de vida em voz: o impacto de uma disfonia de acordo com gênero, idade e uso vocal profissional. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010;15(4):485-90. .
26 Jardim R, Barreto SM, Assunção AA. Condições de trabalho, qualidade de vida e disfonia entre os docentes. Cad Saude Publica. 2007;23(10):2439-61. PMid:17891304. .
27 Gasparini G, Behlau M. Quality of life: validation of the Brazilian version of the voice-related quality of life (V-RQOL) measure. J Voice. 2009;23(1):76-81. PMid:17628396. .
28 Ugulino AC, Oliveira G, Behlau M. Perceived dysphonia by the clinician’s and patient’s viewpoint. J Soc Bras Fonoaudiol. 2012;24(2):113-8. PMid:22832676. .