versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.28 no.3 São Paulo mai./un. 2016 Epub 04-Jul-2016
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20162015111
O distúrbio de voz é multidimensional e inclui para o seu diagnóstico o exame laríngeo, a análise perceptivo-auditiva, a avaliação acústica e a autoavaliação do paciente em relação à frequência de sintomas e influência do distúrbio na vida diária dele(1). Ele pode causar estresse psicoemocional, depressão e frustração, afetando negativamente o funcionamento social e causando impacto significante na qualidade de vida do indivíduo(2).
Em termos gerais, os distúrbios da voz podem ser ocasionados por fatores comportamentais ou orgânicos, ou mesmo pela combinação deles(3). No entanto, independentemente do fator etiológico, a terapia vocal envolve modificações nos ajustes musculares respiratórios, fonatórios e ressonantais, assim como mudanças nos comportamentos vocais ineficientes aprendidos ao longo da vida. Sendo assim, o sucesso da terapia vocal depende, em grande parte, da adesão do paciente às orientações e procedimentos indicados pelo fonoaudiólogo e/ou médico, e da prontidão para modificar determinados comportamentos que contribuíram para a gênese e/ou manutenção da disfonia(4,5).
Embora seja um dos aspectos mais importantes da reabilitação vocal, e determinante para o seu sucesso, existem poucos estudos abordando a adesão à terapia vocal e os fatores a ela relacionados(4-8).
Na área de saúde, de modo geral, existem modelos teóricos que dão suporte ao estudo dos aspectos multifatoriais que estão relacionados à adesão do paciente à terapia, entre eles a Teoria de Ação Racional (Theory of Reasoned Action)(9), o Modelo de Crenças em Saúde (Health Belief Model)(10), a Teoria Social Cognitiva (Health Applications of Social Cognitive Theory)(11) e o Modelo Transteórico (MTT)(12).
O MTT investiga a prontidão para mudança a partir de estágios motivacionais(13). O conceito prontidão para mudança refere-se à integração entre a conscientização do indivíduo quanto ao seu problema e a confiança em suas habilidades para mudar. Dessa forma, a prontidão está associada aos eventos que ocorrem em cada estágio, funcionando como indicadores para os profissionais de saúde, estimulando a implementação de novas estratégias de intervenção, conforme as características apresentadas pelo paciente(14,15).
No MTT identificam-se cinco estágios de prontidão para mudança de comportamento e/ou estágios motivacionais: pré-contemplação, contemplação, preparação, ação e manutenção. No primeiro estágio, a pré-contemplação, os indivíduos não mostram evidências da intenção de mudar o comportamento problema, dificilmente procurando ajuda nesse estágio ou, quando o fazem, são impelidos por motivações externas. No segundo estágio, a contemplação, o indivíduo começa a considerar a possibilidade de mudança, iniciando a reflexão sobre as implicações do seu comportamento sobre si e sobre os que estão à sua volta, embora ainda não tenha estabelecido um prazo para iniciar a mudança. No terceiro, a decisão ou preparação, pretende-se implementar a alteração do comportamento em um futuro próximo. No quarto, a ação, o indivíduo de fato inicia a mudança do comportamento alvo, aplicando seus esforços nessa mudança. No último estágio, a manutenção, o indivíduo modificou e estabilizou o seu comportamento alvo, evitando-se a recaída. O indivíduo não passa, necessariamente, por esses estágios de forma linear, podendo progredir ou regredir durante suas mudanças de estágio(16).
A avaliação da prontidão para mudança é considerada um aspecto importante para a seleção da intervenção mais adequada para o paciente, independentemente do tratamento utilizado(16). A utilização da melhor estratégia facilita a mobilização do paciente para a mudança de comportamento, avançando em relação aos estágios de prontidão(17).
Um dos instrumentos utilizados para a mensuração dos estágios de prontidão para mudança é o University of Rhode Island Change Assessment (URICA)(18). A escala URICA é baseada nos estágios de mudança do MTT, tratando-se de uma medida escalar e de autorrelato. Inicialmente, essa escala foi criada para analisar os estágios de prontidão para mudança de tabagistas, embora, na atualidade, seu emprego tenha se estendido a várias outras condições que envolvem mudança de um comportamento problema.
No Brasil, a escala URICA foi adaptada para verificação dos estágios de prontidão para mudança de pacientes com distúrbios de voz submetidos à terapia vocal, sendo denominado URICA-VOZ(19). Ele possui 4 dos 5 estágios do instrumento URICA original, suprimindo-se o estágio de decisão.
Nessa pesquisa, parte-se da hipótese de que a prontidão para mudança comportamental do paciente disfônico é influenciada pela sua percepção quanto ao impacto do problema de voz(6), o que pode ser analisado a partir dos diferentes instrumentos de autoavaliação. Esses instrumentos possibilitam avaliar a magnitude do distúrbio de voz a partir das experiências do paciente com o uso da voz em suas atividades diárias, estimando-se o impacto sobre a qualidade de vida, a desvantagem vocal vivenciada ou a frequência de sintomas vocais relatados(20-23).
Desse modo, considerando-se que a magnitude do problema de voz, do ponto de vista do paciente, pode ser um dos principais fatores responsáveis pela prontidão para mudança e, consequentemente, para a adesão à terapia vocal(6,7), o objetivo deste estudo foi investigar se existe associação entre a autoavaliação vocal e o estágio de prontidão para mudança de pacientes com distúrbios da voz.
Trata-se de uma pesquisa descritiva, observacional e transversal. Tal estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFPB, sob parecer n. 52492/12. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, autorizando a utilização dos dados para fins de pesquisa.
Participaram desta pesquisa 151 voluntários, sendo 95 mulheres e 56 homens, com média de idade de 40,19 ± 16,56 anos, população de pacientes com queixa vocal que submeteu-se à triagem no Laboratório Integrado de Estudos da Voz (LIEV) do Departamento de Fonoaudiologia da UFPB no período agosto de 2012 a março de 2013, tendo como critérios de inclusão: possuir diagnóstico de distúrbio da voz, com presença de queixa vocal e laudo laringológico, e ter idade entre 18 e 65 anos. Foram considerados como critérios de exclusão: presença de queixa auditiva e problemas neurológicos ou cognitivos que impedissem a aplicação dos protocolos de autoavaliação.
O grupo de pacientes incluiu 41 (27,1%) indivíduos com condição laríngea normal, 32 (21,2%) indivíduos com nódulos nas pregas vocais, 14 (9,3%) indivíduos com fenda glótica triangular médio-posterior (disfonia por tensão muscular primária), 13 (8,6%) indivíduos com pólipo vocal, 13 (8,6%) com imobilidade unilateral de prega vocal, 12 (7,9%) com cisto vocal, 12 (7,9%) com distúrbio de voz secundário a refluxo gastroesofágico (hiperemia de pregas vocais e da região retrocricóidea), 11 (7,3%) com sulco vocal e 3 (2,0%) com edema de Reinke.
Todos os pacientes tinham laudo otorrinolaringológico baseado na imagem laríngea, apresentado no momento da triagem vocal.
Para investigar dados referentes à autoavaliação vocal aplicou-se o protocolo de Qualidade de Vida em Voz (QVV), o Índice de Desvantagem Vocal (IDV) e a Escala de Sinais e Sintomas Vocais (ESV). Para a identificação do estágio de prontidão para mudança, aplicou-se o instrumento University of Rhode Island Change Assessment (URICA) adaptado para a área de voz (URICA-VOZ). A sessão de coleta foi realizada no momento da avaliação inicial do paciente, antes da realização de qualquer procedimento de intervenção propriamente dito.
A versão adaptada do URICA-VOZ apresenta 32 itens, com perguntas referentes aos estágios de pré-contemplação (PC), contemplação (C), ação (A) e manutenção (M)(19). Em cada item, os pacientes têm a possibilidade de marcar em uma escala de Likert de cinco pontos entre “discordo” e “concordo totalmente”. Os escores relativos à prontidão para mudança são obtidos a partir da seguinte fórmula: (Média de C + Média de A + Média de M) - Média de PC. Para categorização dos pacientes nos estágios de prontidão para mudança utilizaram-se as seguintes pontuações: ≤ 8, pré-contemplação; entre 8,1 e 11, contemplação; de 11,1 a 14, ação; e ≥ 14,1, estágio de manutenção.
O QVV(20) foi desenvolvido especificamente para avaliar o impacto do problema de voz na qualidade de vida. Possui 10 itens, com um escore total e dois domínios: socioemocional e de funcionamento físico.
O IDV(21), questionário também validado para o português, tem como objetivo analisar a desvantagem percebida pelo paciente em decorrência da alteração vocal. Contém 30 questões, com um escore total e três domínios: emocional, funcional e orgânico.
A ESV(22) é considerada o instrumento mais rigoroso e psicometricamente robusto para a autoavaliação vocal, especificando informações de funcionalidade, impacto emocional e sintomas físicos que um problema de voz pode acarretar na vida de um indivíduo. É dividido em três subescalas: da limitação, emocional e física.
Todos os dados utilizados nesta pesquisa, incluindo as informações sociodemográficas (sexo e idade), os protocolos de autoavaliação, o URICA-VOZ e o diagnóstico laríngeo foram coletados a partir dos prontuários dos pacientes, arquivados no laboratório onde foi realizada a triagem vocal.
Realizou-se a análise estatística descritiva para todas as variáveis analisadas, utilizando-se os valores de média e desvio padrão. Foi utilizada análise estatística inferencial, estudando-se a correlação entre o escore do URICA-VOZ e os escores de ESV, QVV e IDV, por meio do teste de correlação de Spearman. Também realizou-se a análise de variância (ANOVA) para se comparar os escores de ESV, QVV e IDV em função dos estágios de prontidão para mudança dos pacientes obtidos por meio do URICA-VOZ. Quando havia diferença estatisticamente significante entre os grupos, realizou-se análise post-hoc, utilizando-se o teste de Tukey.
Nesta pesquisa, para classificação dos coeficientes de correlação entre as variáveis, adotou-se que valores de 0,1 a 0,3 representariam correlação fraca; entre 0,4 e 0,6, correlação moderada; e, acima de 0,7, correlação forte.
Todas as análises foram realizadas utilizando-se o software Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 20.0. O nível de significância adotado foi 5%.
Inicialmente, os pacientes foram categorizados quanto ao estágio de prontidão para mudança em que se encontravam no momento da triagem vocal, observando-se que a maioria dos pacientes se encontrava no estágio de contemplação (Tabela 1).
Tabela 1 Frequência nos estágios de pré-contemplação, contemplação, ação e manutenção do URICA-VOZ
Estágio | n | % |
---|---|---|
Pré-contemplação | 22 | 14,6 |
Contemplação | 115 | 76,2 |
Ação | 14 | 9,3 |
Manutenção | 0 | 0 |
Total | 151 | 100 |
Posteriormente, foi realizado o teste de correlação de Spearman entre os escores do URICA-VOZ e os escores dos instrumentos de autoavaliação (QVV, IDV e ESV), observando-se correlação fraca entre esses escores (Tabela 2).
Tabela 2 Correlação entre o escore do URICA-VOZ e os escores no QVV, IDV e ESV em cada um dos seus domínios
VARIÁVEIS | URICA-VOZ – escore | |
---|---|---|
Correlação de Pearson | Valor de p | |
QVV-T | –0,217 | 0,008* |
QVV-SE | –0,271 | 0,001* |
QVV-F | –0,150 | 0,067 |
IDV-T | 0,209 | 0,010* |
IDV-E | 0,206 | 0,011* |
IDV-FN | 0,194 | 0,017* |
IDV-O | 0,134 | 0,100 |
ESV-T | 0,197 | 0,016* |
ESV-L | 0,177 | 0,030* |
ESV-E | 0,162 | 0,048* |
ESV-F | 0,037 | 0,650 |
*Valores significativos (p < 0,05) – teste de correlação de Pearson
Legenda: QVV = Qualidade de Vida em Voz; IDV = Índice de Desvantagem Vocal; ESV = Escala de Sintomas Vocais; T = total; F = Físico; E = emocional; O = orgânico; L = limitação; FN = funcional
Na comparação das médias dos instrumentos de autoavaliação em função dos estágios motivacionais, apenas o escore do domínio socioemocional do QVV e do domínio emocional do ESV apresentaram diferenças entre os grupos (Tabela 3). A análise post hoc demonstrou que pacientes no estágio de contemplação possuem menor escore no domínio emocional do protocolo de qualidade de vida em voz (p = 0,034) e maior escore no domínio emocional da ESV (p = 0,040) que pacientes no estágio de pré-contemplação.
Tabela 3 Comparação das médias dos escores em cada um dos domínios de QVV, IDV e ESV em relação ao estágio de prontidão para mudança no URICA-VOZ
Variáveis | Pré-contemplação | Contemplação | Ação | Valor de p | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Média | DP | Média | DP | Média | DP | ||
QVV-T | 72,68 | ±20,39 | 63,45 | ±24,12 | 57,71 | ±29,30 | 0,145 |
QVV-F | 66,41 | ±24,15 | 57,97 | ±26,63 | 61,07 | ±28,13 | 0,363 |
QVV-SE | 85,68 | ±14,62 | 69,23 | ±25,93 | 61,21 | ±30 | 0,007* |
IDV-T | 32,5 | ±17,64 | 44,6 | ±29,12 | 50,71 | ±33,19 | 0,527 |
IDV-E | 9 | ±7,6 | 13,09 | ±10,90 | 16,07 | ±11,85 | 0,121 |
IDV-FN | 8,05 | ±5,71 | 12,18 | ±10,56 | 14 | ±11,57 | 0,143 |
IDV-O | 15,64 | ±8,5 | 19,72 | ±10,46 | 19,36 | ±11,029 | 0,219 |
ESV-T | 35,05 | ±20,15 | 44,99 | ±24,76 | 49 | ±27,50 | 0,127 |
ESV-L | 20,09 | ±15,21 | 23,88 | ±15,87 | 27,71 | ±18,58 | 0,370 |
ESV-E | 14,68 | ±13,23 | 19,32 | ±18,93 | 17,29 | ±16,749 | 0,020* |
ESV-F | 14,68 | ±13,24 | 19,32 | ±18,93 | 17,29 | ±16,74 | 0,527 |
*Valores significativos (p < 0,05) – ANOVA
Legenda: QVV = Qualidade de Vida em Voz; IDV = Índice de Desvantagem Vocal; ESV = Escala de Sintomas Vocais; T = total; F = Físico; E = emocional; O = orgânico; L = limitação; FN = funcional
A terapia vocal exige adesão do paciente para os procedimentos e orientações indicados e prontidão para a modificação dos comportamentos vocais associados ao distúrbio de voz. Alguns estudos(5,6,23) revelaram que há um alto número de abandono da terapia vocal por dificuldades de adesão.
Considerando que a prontidão para mudança é um dos principais fatores determinantes da adesão ao tratamento, a presente pesquisa, que se propôs analisar se existia associação entre a autoavaliação vocal e a prontidão para mudança em pacientes disfônicos, observou que a maioria dos pacientes se encontrava no estágio de contemplação (76,2%), seguidos pelos no estágio de pré-contemplação (14,6%) e de ação (9,3%), destacando-se que nenhum deles se encontrava no estágio de manutenção (Tabela 1).
A ausência de pacientes em estágio de manutenção constatada no presente estudo pode se justificar pela característica transversal da pesquisa e pelo fato de os pacientes serem abordados na seção de triagem vocal, antes da realização de qualquer procedimento terapêutico propriamente dito. Considerando-se que, no estágio de manutenção, os pacientes já têm modificado e estabilizado o comportamento vocal gerador ou mantenedor do distúrbio vocal(16), previa-se a ausência de pacientes nesse estágio pelo delineamento de coleta da pesquisa, que abordou pacientes no momento de triagem.
Um estudo recente, com 68 sujeitos, apontou que a maioria (38%) dos pacientes em terapia vocal participantes da pesquisa também se encontrava no estágio de contemplação(19). Possivelmente, os pacientes chegaram à clínica nesse estágio de motivação por ainda não perceberem a necessidade de mudança de seu comportamento relacionado à voz. Como a indicação para a terapia vocal é recomendada, muitas vezes, pelo médico, o paciente apenas atende às suas recomendações, ou seja, é movido por motivações externas, sem, necessariamente, entender o processo que causou sua alteração vocal e sem a compreensão desse processo, não reconhecendo, também, a necessidade de mudança.
No estágio de contemplação, o indivíduo possui um certo conhecimento acerca do seu problema, considera a possibilidade de mudança, refletindo sobre as implicações do seu comportamento na origem e manutenção do problema, o que gera uma situação interna ambivalente entre os ganhos advindos da mudança e o esforço e disciplina empregados nela(15,16). De modo geral, esse é o estágio em que os pacientes passam mais tempo, seja de forma linear ou por regressão de etapas(16). Por isso é comum encontrar a maioria dos indivíduos nesse estágio em pesquisas transversais(16).
Dessa forma, no estágio de contemplação, o terapeuta deve estar pronto para ajudar o paciente a resolver a ambivalência entre os fatores comportamentais que contribuíram para a gênese e manutenção do distúrbio de voz e a necessidade de adesão às orientações e à execução dos exercícios fora do ambiente terapêutico, conduzindo a reflexão sobre as justificativas para a não realização das condutas solicitadas, inclusive a reflexão acerca do esforço empregado e dos ganhos no uso da voz em suas diferentes finalidades.
O conhecimento do estágio de prontidão para mudança do paciente no início da terapia pode ajudar o terapeuta no direcionamento das abordagens, procedimentos e estratégias a serem tomados, de acordo com a necessidade de cada paciente. Muitos tratamentos podem falhar por serem desenhados para pacientes que estão em estágio de ação, o que não é a realidade da maioria dos pacientes nos momentos iniciais do tratamento(12).
Os dados da avaliação vocal, incluindo informações sobre as características e o prognóstico da condição laríngea, a intensidade e o tipo do desvio de qualidade vocal, assim como a percepção do paciente quanto às desvantagens decorrentes do distúrbio de voz e quanto ao seu impacto na qualidade de vida podem ser utilizados para sensibilizá-lo quanto à necessidade de sua participação efetiva no processo terapêutico, para a modificação dos hábitos relacionados ao uso da voz e execução dos exercícios em ambiente externo ao contexto clínico.
De modo especial, estudar a associação entre a autoavaliação vocal e os estágios de prontidão para mudança em pacientes com distúrbios da voz pode contribuir para compreender a relação entre a percepção que o paciente tem do seu problema e a sua adesão à terapia vocal(1).
Os instrumentos de autoavaliação vocal podem ser utilizados para quantificar o impacto do distúrbio de voz na vida do paciente, contribuindo para a decisão clínica e para o monitoramento da evolução do paciente ao longo do tratamento(21). Considerando-se que a percepção da intensidade da doença é apontada como a principal causa de abandono da terapia(6), a hipótese levantada no presente estudo é que os dados da autoavaliação podem ser considerados fortes preditores da motivação do paciente para a terapia vocal.
Nesta pesquisa, observou-se que há uma correlação fraca entre os dados dos instrumentos de autoavaliação (QVV, IDV e ESV) e o escore do URICA-VOZ (Tabela 2). No entanto, quando se realizou a comparação das médias dos escores dos instrumentos de autoavaliação em pacientes alocados em diferentes estágios motivacionais, observou-se que pacientes no estágio de contemplação possuem pior qualidade de vida em voz no domínio socioemocional e maior número de sintomas vocais no domínio emocional em relação aos pacientes no estágio de pré-contemplação (Tabela 3).
Outros estudos(5,6,24) investigaram a relação entre os escores do IDV e a adesão à terapia vocal, observando que a pontuação média no IDV não foi preditiva da adesão do paciente. No entanto, tais estudos não utilizaram nenhum tipo de instrumento para investigar o estágio de prontidão para mudança, mas analisaram o abandono da terapia e as causas desse abandono, inferindo a adesão do paciente a partir dessas informações.
No presente estudo encontrou-se uma correlação fraca entre os escores do IDV e a prontidão para mudança (Tabela 2), não havendo diferenças das médias desses escores em pacientes situados em diferentes estágios de prontidão (Tabela 3).
Um estudo com professoras(7) mostrou resultado inverso, observando que quanto pior o escore de qualidade de vida, menos aderente à terapia vocal se encontrava o paciente. Pode-se destacar que a qualidade de vida envolve múltiplos fatores, inclusive o tipo de trabalho e a vida social do indivíduo(23). Desse modo, a relação encontrada entre autoavaliação e adesão à terapia entre professores perpassa aspectos diretamente relacionados às outras condições que afetam a qualidade de vida desses profissionais, inclusive fatores organizacionais e condições de trabalho.
Na presente pesquisa, a variável “uso profissional da voz” não foi considerada para análise, visto que o foco do trabalho era a associação entre a autoavaliação vocal e a prontidão para mudança em pacientes disfônicos. No entanto, no trabalho original de validação do URICA-VOZ no Brasil(19), os autores encontraram associação entre a variável profissão e os estágios de prontidão, com a maioria dos pacientes usuários profissionais da voz nos estágios de pré-contemplação e contemplação. Tais autores destacam que esse achado deve ser avaliado com prudência, visto que, para o profissional da voz, o problema de voz pode produzir impacto diferenciado e influenciar na sua prontidão para mudança.
Desse modo, sugere-se a realização de novos estudos comparando a relação entre autoavaliação vocal e estágio de prontidão para mudança de pacientes que fazem uso profissional da voz à daqueles que não o fazem, verificando a existência ou não de diferenças nessa relação entre os dois grupos.
Quanto à relação entre a ESV e o estágio de prontidão para mudança (Tabela 2), deve-se partir do princípio de que a queixa do paciente é que guia para todo o processo terapêutico. De forma geral, a queixa do paciente se manifesta pela presença de sintomas vocais, sejam eles sensoriais e/ou de alteração da emissão vocal. Na maioria das vezes é a percepção desse problema que leva o paciente a buscar atendimento especializado.
O domínio emocional dos instrumentos de autoavaliação refere-se à presença de sentimentos negativos associados à produção vocal, relacionando-se a condições como depressão, estresse, constrangimento, incompetência, entre outros, vivenciados pelo paciente em função do seu problema de voz(25). Dessa forma, a partir dos achados do presente estudo, tanto no âmbito da ESV quanto do QVV (Tabelas 2 e 3), pode-se inferir que os pacientes com distúrbio de voz que autorreferem maior impacto do problema vocal na esfera emocional apresentam maior prontidão para mudança em relação àqueles que vivenciam menor impacto emocional do problema de voz.
O escore emocional dos protocolos de autoavaliação evidencia as respostas afetivas do paciente em relação ao seu problema de voz, partindo do pressuposto de que desse podem advir consequências físicas, funcionais e emocionais para o indivíduo(1,2,25). Sendo assim, neste estudo observa-se que a maior referência de sentimentos negativos associados à produção da voz em pacientes disfônicos parece ser um dos principais fatores associados à prontidão para mudança na terapia vocal.
Uma pesquisa(26) encontrou que transtornos emocionais podem causar distúrbios vocais, como voz mais aguda ou com quebras na frequência, além de uma respiração superficial, aumento da tensão muscular, restrição do vocabulário, disfluência, desconforto físico e tremores. Por sua vez, problemas vocais podem ser tanto fatores desencadeantes quanto mantenedores de transtornos emocionais.
As medidas de autoavaliação que analisam o impacto do distúrbio de voz na vida do paciente são utilizadas, muitas vezes, para determinar o tipo e a efetividade do tratamento oferecido, uma vez que são mais úteis que as medidas objetivas e que a análise perceptivo-auditiva para caracterizar a intensidade da alteração vocal do ponto de vista do paciente(1). Com os dados do presente estudo, embora tenha sido encontrada uma relação fraca entre os escores dos instrumentos de autoavaliação e a prontidão para mudança, foi evidenciado que a autopercepção do impacto de um problema de voz influencia na prontidão para mudança. Deve-se estimular a realização de estudos que investiguem essa associação de forma longitudinal pré e pós-intervenção, ampliando a compreensão dessa relação em ambas as situações.
A autopercepção do impacto do distúrbio vocal parece independer de fatores como a percepção auditiva do desvio vocal identificada pelo fonoaudiólogo e o diagnóstico laríngeo realizado pelo médico. Por sua vez, a autopercepção parece refletir mais fidedignamente a condição do paciente(27), o que justifica a associação entre a forma como o paciente avalia o impacto da alteração vocal e a sua disposição para realizar o tratamento.
Dessa forma, os instrumentos de autoavaliação, como o IDV, QVV e ESV, podem ser utilizados na terapia vocal para conduzir a reflexão do paciente sobre o impacto do distúrbio de voz sobre a sua comunicação cotidiana, focada nos aspectos socioemocionais, e sobre os possíveis benefícios da terapia vocal para a minimização desse impacto. O uso dessas informações pode contribuir para uma melhor adesão do paciente às recomendações realizadas na terapia vocal, principalmente para aqueles que se encontram nos estágios de pré-contemplação e contemplação, dando-lhes a possibilidade de resolver as ambivalências quanto ao comportamento vocal e facilitando a sua passagem para os estágios de ação e manutenção.
Inclusive, uma das premissas do Modelo Transteórico, teoria em que se baseia o URICA-VOZ, para gerar a motivação e a adesão do paciente é fazer com que ele mesmo argumente a favor dos benefícios da sua mudança, uma vez que os indivíduos têm maior comprometimento com ações que eles mesmo defendem(12). Sendo assim, as informações referidas pelos pacientes nos instrumentos de autoavaliação, seja em termos de impacto na qualidade de vida, desvantagem e/ou frequência de sintomas vocais, podem ser utilizadas para gerar reflexões acerca dos possíveis ganhos do paciente com a adesão ao tratamento, o que inclui seguir as orientações e a execução de exercícios.
Dessa forma, além da importância do IDV, QVV e ESV no processo de tomada de decisão e de monitoramento do paciente ao longo do tratamento, eles podem ser utilizados enquanto estratégia terapêutica, sensibilizando e mobilizando o paciente para a mudança de comportamento vocal. Essa estratégia pode tornar o paciente mais ativo no processo de reabilitação vocal ao estabelecer uma relação entre o distúrbio de voz, os benefícios do tratamento e as consequências do cumprimento das recomendações do clínico e a vida diária.
Os dados do presente estudo apontam para uma relação entre a autoavaliação vocal e a prontidão para mudança. No entanto, sugere-se a realização de estudos longitudinais para a compreensão das relações entre o impacto do distúrbio de voz e os estágios de prontidão ao longo da terapia vocal.
Houve associação entre a autoavaliação vocal e o estágio de prontidão para mudança dos pacientes disfônicos. Os pacientes que apresentam pior qualidade de vida em voz no domínio socioemocional e maior frequência de sintomas vocais no escore emocional apresentam maior prontidão para mudança na terapia vocal.