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Autopercepção da deglutição em pacientes com doença tireoidiana benigna não cirúrgica

Autopercepção da deglutição em pacientes com doença tireoidiana benigna não cirúrgica

Autores:

Leandro Pernambuco,
Marlisson Pinheiro da Silva,
Marluce Nascimento de Almeida,
Erika Beatriz de Morais Costa,
Lourdes Bernadete Rocha de Souza

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.29 no.1 São Paulo 2017 Epub 23-Fev-2017

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20162016020

INTRODUÇÃO

As doenças tireoidianas representam o segundo tipo mais comum de doença endócrina no mundo(1). As queixas de alterações na deglutição são resultado de efeitos compressivos ou consequência de intervenções cirúrgicas(2,3), sendo mais frequentes os relatos de dismotilidade do trato gastrointestinal(4-6).

No trânsito orofaríngeo, as alterações diferem de acordo com o tipo de doença tireoidiana e parecem estar mais concentradas na região laringofaríngea(4-12). No hipotireoidismo, há sensação de desconforto na região cervical, como secura na garganta, dispneia, globus faríngeo, dor, coceira e queimação(5,8), sintomas relacionados ao mixedema que compromete a mobilidade laríngea e o adequado funcionamento da transição faringoesofágica(4,6). Em pacientes com nódulo tireoidiano, os sintomas se relacionam com o grau de compressão e pode existir indicação cirúrgica mesmo em casos benignos(9-11). No hipertireoidismo, os relatos apontam casos pontuais de disfagia relacionados à miopatia tirotóxica, uma condição mais rara(12).

Apesar dessas características, percebe-se que esses sintomas são subestimados, subdiagnosticados ou diagnosticados tardiamente nessa população(4), o que pode resultar em piora do estado de saúde geral e da qualidade de vida do paciente. Explorar a autopercepção do indivíduo com doença tireoidiana em relação à sua condição funcional é uma atitude recomendada na literatura(13). Portanto, o objetivo deste estudo foi verificar a frequência de queixa para deglutir em pacientes com doença tireoidiana benigna não cirúrgica e comparar a autopercepção de intensidade da alteração de deglutição entre diferentes tipos de doença tireoidiana.

MÉTODO

A amostra foi composta por 39 mulheres com hipotireoidismo (n=22; 56,4%) ou nódulos tireoidianos (n=17; 43,6%), idades entre 19 e 58 anos (média de 38,54 ± 10,74 anos), todas atendidas em um mesmo hospital universitário. Foram excluídas as pacientes com idade acima de 59 anos, com dificuldades na compreensão de ordens simples, síndromes, alterações neurológicas e histórico de traumas, cirurgias ou radioterapia em região de cabeça e pescoço. Não foram encontrados indivíduos do gênero masculino que atendessem aos critérios de inclusão.

As participantes responderam uma pergunta-chave sobre deglutição (“Você tem dificuldades para engolir?”) e as respostas foram dicotomizadas em sim ou não. Solicitou-se às participantes com queixa a descrição do problema e, em seguida, a autopercepção de intensidade da alteração para deglutir por meio da Escala Analógico-Visual (EAV)(14). A EAV consistiu em uma linha de 100 mm (milímetros) na qual a paciente marcou o ponto que representava a sua percepção sobre a intensidade da alteração de deglutição referida. O extremo esquerdo correspondeu à mínima intensidade de alteração na deglutição e o extremo direito à máxima intensidade de alteração. Com uma régua de 100 mm, o avaliador obteve o exato valor marcado pela paciente.

A diferença de médias da EAV entre os diagnósticos de doença tireoidiana foi verificada por meio do teste não paramétrico de Mann-Whitney. O nível de significância foi de 5%.

Este é um estudo do tipo seccional, derivado de projeto de pesquisa aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos do Hospital Universitário Onofre Lopes sob o parecer 629.468/14. Todas as participantes foram esclarecidas sobre os objetivos da pesquisa e assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes de serem submetidas aos procedimentos.

RESULTADOS

Vinte e seis (66,7%) pacientes referiram queixa para deglutir. Como cada paciente poderia referir mais de uma queixa foram registrados 35 relatos, agrupados em três categorias: sensação de estase em região laringofaríngea (37,15%), engasgo (34,29%) e odinofagia (28,57%).

O valor médio da autopercepção da intensidade da alteração de deglutição superou o ponto médio da linha e alcançou 59,35 (± 27,38) mm. Não existiu diferença significativa dos escores médios da EAV entre os tipos de doença tireoidiana, apesar de a média da autoavaliação ter sido mais elevada nos casos de nódulo tireoidiano (Tabela 1).

Tabela 1 Diferença de médias da autopercepção da deglutição por meio da Escala Analógico-visual (EAV) entre os tipos de doença tireoidiana benigna não cirúrgica 

Tipo de doença tireoidiana benigna não cirúrgica Valor de p*
Hipotireoidismo
(n=13; 50%)
Nódulo tireoidiano
(n=13; 50%)
Média DP Média DP
Autopercepção da deglutição baseada na EAV 53,00 29,31 65,69 24,82 0,270

*Teste não paramétrico de Mann-Whitney

Legenda: EAV = escala analógico-visual; DP = desvio padrão

DISCUSSÃO

Neste estudo, a queixa de deglutição foi frequente, caracterizada por relatos de sensação de estase laringofaríngea, engasgo e odinofagia, confirmando a maior concentração de sintomas nas regiões próximas à tireoide. Além disso, a intensidade da alteração de deglutição foi percebida como moderada em ambos os tipos de doença tireoidiana.

A presença de nódulos tireoidianos ou edema nessa região pode produzir efeitos compressivos que limitam a mobilidade laríngea(6,9,11) e favorecem o surgimento de queixas de deglutição. A presença de sintomas compressivos nas doenças tireoidianas benignas não é facilmente avaliada de forma objetiva, mas sabe-se que são mais comuns nos casos cirúrgicos(10). Entretanto, o resultado deste estudo mostrou que mesmo nos casos não cirúrgicos esta função deve ser investigada.

Em relação à análise da EAV, a intensidade da alteração para deglutir foi percebida como moderada. Assim como nos casos de voz(15), pode-se inferir que ao autoavaliar a deglutição o paciente se apoia em sensações físicas de desconforto que o avaliador externo não consegue dimensionar. Portanto, essa pode ser uma estratégia complementar na investigação do desempenho da deglutição nesses casos, parecendo ser a EAV uma alternativa viável de quantificação da intensidade do sintoma.

Este estudo apresenta algumas limitações. A amostra oriunda de um serviço de saúde e a ausência de indivíduos do gênero masculino e com outros diagnósticos de doença tireoidiana representam um viés de seleção. O registro dos níveis hormonais e o número, tamanho e localização dos nódulos nos prontuários foi inconsistente, inviabilizando a análise dessa informação. Em futuros estudos com amostras maiores, serão considerados fatores confundidores como o refluxo gastroesofágico e a associação do resultado da autopercepção com a avaliação clínica e instrumental da deglutição nessa população.

CONCLUSÃO

Neste estudo, mulheres com doença tireoidiana benigna não cirúrgica apresentaram elevada frequência de queixa para deglutir e consideraram a intensidade dessa alteração como moderada, independentemente do tipo de doença tireoidiana. Os resultados encontrados apontam ser necessário investigar os sintomas de alteração da deglutição nessa população.

REFERÊNCIAS

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