versão On-line ISSN 2317-6431
Audiol., Commun. Res. vol.19 no.3 São Paulo jul./set. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/S2317-643120140003000012
A deficiência auditiva pode ser causada por fatores ambientais ou genéticos. Entre as desordens genéticas, algumas determinam deficiência auditiva isolada e outras associam a deficiência auditiva a anormalidades de outros órgãos, o que pode ocorrer em algumas síndromes(1).
A síndrome de Down (SD) é uma alteração genética, caracterizada pela presença de uma cópia extra do cromossomo 21, ou excesso do material genético deste cromossomo(2). O diagnóstico baseia-se numa série de sinais e sintomas e sua confirmação é estabelecida pelo estudo cromossômico. Nem toda a população afetada apresenta as mesmas características, sendo necessária uma investigação citogenética(3,4).
Estudos demonstram que essa síndrome ocorre em um para cada 1000 nascidos vivos. As características clínicas mais encontradas são: comprometimento intelectual, hipotonia muscular, fissura palpebral oblíqua, aumento da vascularização, microcefalia e occipito achatado. Outras características são: nariz pequeno e achatado, com ponte nasal baixa, malformação cardiovascular e infecções respiratórias, devido à obstrução das vias aéreas superiores(5).
A hipotonia muscular afeta a musculatura da árvore traqueobrônquica, prejudicando a eliminação das secreções. O acúmulo de muco pode resultar em infecções das vias aéreas superiores e consequente aumento dos quadros de otites médias(5). Outro fator que pode contribuir para o aumento das otites é a disfunção ou comprometimento de orelha média, frequente nessa população. Este fator está relacionado com as malformações anatômicas, tais como tuba auditiva anormal, tecido mesenquimal persistente na cavidade timpânica, estenose do canal auditivo externo e hipoplasia da mastoide(6).
A perda auditiva ocorre em cerca de dois terços das crianças com SD, podendo apresentar-se como perda auditiva condutiva, neurossensorial, ou mista(7,8). Porém, a prevalência de perdas auditivas condutivas é maior, ocorrendo em torno de 60-80% dos indivíduos com SD(9-11).
Estudos histopatológicos demonstraram que nas otites médias secretoras pode haver difusão de toxinas bacterianas e citocinas da orelha média para a cóclea, por meio da membrana da janela redonda, que poderiam provocar lesões estruturais na orelha interna, como a ruptura das membranas cocleares, resultando em perdas auditivas neurossensoriais(12-14).
Anormalidades congênitas da orelha interna não são frequentes, apesar de os indivíduos com SD apresentarem a cóclea anatomicamente menor, em comparação a crianças com desenvolvimento típico(15).
Além disso, a partir da segunda década de vida, os indivíduos com SD apresentam queda nos limiares auditivos, com padrão “tipo presbiacusia”, de instalação progressiva(10,11,16).
Existem poucos estudos que realizaram, concomitantemente, diversos procedimentos de avaliação do sistema auditivo periférico, na SD. Uma vez que a perda auditiva pode comprometer o desenvolvimento da linguagem e da expressão oral, é de fundamental importância a avaliação audiológica completa desses indivíduos, para o diagnóstico diferencial e o direcionamento terapêutico. Por este motivo, esta pesquisa teve como objetivo caracterizar o sistema auditivo periférico de indivíduos com SD, por meio da audiometria convencional e de altas frequências.
Estudo do tipo prospectivo e observacional, aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa (CAPPesq) da Diretoria Clínica do Hospital das Clínicas e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) (nº 138/11). Os pais ou responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Foram estudados 15 indivíduos com SD, de ambos os gêneros, na faixa etária de 7 a 15 anos (média de 10 anos e 9 meses ± 1 ano e 6 meses), sendo 8 crianças do gênero feminino e 7 crianças do gênero masculino. Foi utilizada, como critério de exclusão, a presença de outros comprometimentos associados, como alterações neurológicas e psiquiátricas, que pudessem impedir a realização dos procedimentos audiológicos. Ressalta-se que não foi pesquisada a dominância manual dos indivíduos do presente estudo.
Primeiramente, foi realizada com os pais ou responsáveis, uma anamnese, em que foram coletadas informações sobre o histórico médico e otológico. Após, foi realizada a inspeção do meato acústico externo e da membrana timpânica, determinando a existência de problemas que pudessem interferir na avaliação, como presença de cerúmen, corpos estranhos, etc. Foi utilizado o otoscópio da marca Heine®.
Para a pesquisa dos reflexos acústicos ipsilateral e contralateral e da mobilidade da cadeia tímpano-ossicular, foi realizada a imitanciometria, por meio do equipamento AT 235, da marca Interacoustic®, considerando-se como resultado normal curva timpanométrica Tipo A, com presença de reflexo acústico, e como resultado alterado, curvas timpanométricas tipo B ou C e/ou ausência de reflexo acústico(17).
A audiometria tonal convencional e a audiometria de altas frequências (AAF) foram realizadas em cabina acústica, utilizando audiômetro modelo GSI-61 (marca Grason-Stadler®) e fones de ouvido supra-aurais, modelo TDH-50 e HDA 200(18).
Foram obtidos os limiares auditivos por via aérea, nas frequências de 250 a 8000 Hz e por via óssea, nas frequências de 500 a 4000 Hz, caso os limiares auditivos por via aérea ultrapassassem 15 dBNA. Considerou-se como perda auditiva a presença de limiares tonais acima de 15 dBNA, por via aérea. As perdas auditivas foram classificadas, quanto ao tipo, em Perda Auditiva Condutiva e Perda Auditiva Neurossensorial e, quanto ao grau, utilizando-se a média das frequências de 500 a 4000 Hz(19). Cabe ressaltar que nos casos de perda auditiva em frequência isolada, não foi feita a classificação quanto ao grau.
Em seguida, foi realizada a audiometria vocal - LRF (limiar de recepção de fala) e o IPRF (índice percentual de reconhecimento de fala)(20).
Foi realizada, também, a audiometria em altas frequências por via aérea, sendo estas: 9000, 10000, 12500, 14000, 16000, 18000 e 20000 Hz, investigadas nesta ordem. Todos os limiares (obtidos em dBNA) foram determinados pelo método descendente, em degraus de 10 dB, e ascendente, em degraus de 5 dB. Os limiares auditivos em altas frequências foram classificados como normais, de acordo com os padrões médios de limiares em altas frequências (10, 12,5, 14 e 16 kHz) propostos por estudo pregresso(21), para cada faixa etária. O resultado foi classificado como alterado, quando uma ou mais frequências, em uma ou ambas as orelhas, apresentou-se acima do padrão proposto anteriormente(21).
Todos os indivíduos foram avaliados em, no máximo, duas sessões, em dias sequenciais, realizando-se, sempre, as medidas de imitância acústica no início da avaliação.
Na análise dos dados, foi feita uma descrição quantitativa e qualitativa do perfil audiológico de indivíduos com SD. Para a análise estatística, foram utilizados os testes de Wilcoxon, Igualdade de Duas Proporções e Anova, bem como o Coeficiente de Correlação de Pearson. Os resultados foram analisados com nível de significância de 5% (0,05).
No que se refere ao histórico otológico, das 15 crianças, 10 apresentaram histórico de otites médias, sendo que o número de episódios, nestes 10 indivíduos, variou de dois a oito (média de 5,3 episódios).
Observou-se uma porcentagem maior de sujeitos com resultados alterados na imitanciometria (timpanometria e reflexos acústicos), bilateralmente. No entanto, essa diferença não foi significativa (Tabela 1).
Tabela 1 Achados da Imitanciometria em indivíduos com síndrome de Down
Imitanciometria | n | % | Valor de p |
---|---|---|---|
Alterado | 10 | 66,6 | 0,131 |
Normal | 5 | 35,7 |
Teste de igualdade entre duas proporções (p≤0,05)
Não houve diferença entre as orelhas direita e esquerda, para os limiares audiométricos de 250 a 8000 Hz. Entretanto, para as altas frequências, foram observadas diferenças entre as orelhas direita e esquerda nas frequências de 9000 Hz e 11200 Hz, com piores limiares para a orelha esquerda. No que diz respeito à análise qualitativa por indivíduo, observou-se que:
- 5 sujeitos (33,3%) apresentaram perda auditiva condutiva leve, considerando-se a média das frequências de 500 a 4000 Hz, em uma ou ambas as orelhas (acompanhada por alteração na imitanciometria, sendo curva timpanométrica tipo B ou C e/ou reflexos acústicos ausentes);
- 3 sujeitos (20,0%) apresentaram perda auditiva em frequência isolada em 8000 Hz, em uma ou ambas as orelhas (acompanhada ou não por alteração na imitanciometria);
- 4 sujeitos (26,7%) apresentaram limiares auditivos dentro da normalidade, em ambas as orelhas (acompanhados por alteração na imitanciometria, sendo curva timpanométrica tipo C e reflexos acústicos ausentes);
- 3 sujeitos (20,0%) apresentaram limiares auditivos dentro da normalidade, em ambas as orelhas (acompanhados por resultados normais na imitanciometria).
Na classificação dos limiares auditivos para altas frequências, apenas 2 indivíduos (13,33%) apresentaram normalidade para estas frequências avaliadas, sendo que 13 crianças (86,67%) mostraram limiares auditivos alterados.
A comparação entre as orelhas direita e esquerda na Audiometria Tonal por Via Aérea está apresentada na Tabela 2.
Tabela 2 Comparação entre as orelhas direita e esquerda na Audiometria Tonal por Via Aérea (n=15)
Via aérea | Média (dBNA) | Desvio padrão | Valor de p | |
---|---|---|---|---|
250 Hz | OD | 16,1 | 4,9 | 0,705 |
OE | 16,7 | 4,3 | ||
| ||||
500 Hz | OD | 13,0 | 9,2 | 0,564 |
OE | 14,0 | 8,5 | ||
| ||||
1000 Hz | OD | 11,7 | 8,6 | 1,000 |
OE | 12,0 | 10,5 | ||
| ||||
2000 Hz | OD | 11,0 | 8,7 | 0,604 |
OE | 12,3 | 10,7 | ||
| ||||
3000 Hz | OD | 7,8 | 5,7 | 0,083 |
OE | 6,1 | 5,5 | ||
| ||||
4000 Hz | OD | 7,9 | 9,1 | 0,193 |
OE | 10,0 | 8,1 | ||
| ||||
6000 Hz | OD | 18,3 | 19,7 | 0,914 |
OE | 17,5 | 14,1 | ||
| ||||
8000 Hz | OD | 18,3 | 16,2 | 0,856 |
OE | 19,4 | 10,4 | ||
| ||||
9000 Hz | OD | 21,4 | 14,2 | 0,034* |
OE | 27,9 | 17,1 | ||
| ||||
10000 Hz | OD | 27,9 | 15,8 | 0,519 |
OE | 30,4 | 15,4 | ||
| ||||
11,200 Hz | OD | 31,1 | 17,3 | 0,022* |
OE | 37,5 | 20,3 | ||
| ||||
12,500 Hz | OD | 33,9 | 18,6 | 0,096 |
OE | 40,4 | 19,9 | ||
| ||||
14000 Hz | OD | 33,6 | 15,9 | 0,399 |
OE | 36,8 | 18,7 | ||
| ||||
16000 Hz | OD | 34,6 | 14,7 | 0,501 |
OE | 37,9 | 18,3 | ||
| ||||
18000 Hz | OD | 27,5 | 10,9 | 0,657 |
OE | 28,2 | 12,3 | ||
| ||||
20000 Hz | OD | 14,6 | 5,7 | 0,719 |
OE | 13,9 | 7,4 |
*Valores significativos (p≤0,05) – Teste de Wilcoxon
Legenda: OD = orelha direita; OE = orelha esquerda
Quanto à comparação entre as orelhas direita e esquerda para os testes LRF e IPRF, as diferenças encontradas não foram consideradas significativas (Tabela 3).
Tabela 3 Comparação entre as orelhas direita e esquerda no teste de Limiar de Reconhecimento de Fala e no Índice Percentual de Reconhecimento de Fala
LRF | OD | OE | IPRF | OD | OE |
---|---|---|---|---|---|
Média (dBNA) | 16,0 | 17,3 | Média | 96,8% | 96,0% |
Mediana | 15 | 20 | Mediana | 96% | 96% |
Desvio padrão | 10,0 | 9,2 | Desvio padrão | 3,3% | 2,8% |
Q1 | 10 | 10 | Q1 | 96% | 96% |
Q3 | 20 | 20 | Q3 | 100% | 96% |
n | 15 | 15 | n | 5 | 5 |
IC | 5,1 | 4,7 | IC | 2,9% | 2,5% |
Valor de p | 0,449 | Valor de p | 0,655 |
Teste de Wilcoxon (p≤0,05)
Legenda: LRF = Limiar de Reconhecimento de Fala; IPRF = Índice Percentual de Reconhecimento de Fala; OD = orelha direita; OE = orelha esquerda; Q1 = 1º quartil; Q3 = 3º quartil; IC = intervalo de confiança
O coeficiente de correlação de Pearson revelou correlação moderada positiva para os limiares de 9 a 14 kHz e fraca positiva para os outros limiares auditivos avaliados, indicando que, com o aumento da idade, ocorre a piora dos limiares auditivos, principalmente nas frequências que demonstram correlação moderada positiva (Tabela 4).
Tabela 4 Correlação de Pearson entre limiares auditivos nas frequências de 250 a 20000 Hz e idade
Intensidade do limiar X idade (para cada frequência) | Correlação de Pearson (r) |
---|---|
250 Hz | 0,43# |
500 Hz | 0,48# |
1000 Hz | 0,48# |
2000 Hz | 0,28# |
3000 Hz | 0,34# |
4000 Hz | 0,22# |
6000 Hz | 0,33# |
8000 Hz | 0,41# |
9000 Hz | 0,59* |
10000 Hz | 0,66* |
11200 Hz | 0,65* |
12500 Hz | 0,61* |
14000 Hz | 0,64* |
16000 Hz | 0,41# |
18000Hz | 0,32# |
20000 Hz | 0,18# |
# Correlação fraca positiva; * Correlação moderada positiva
Uma das características observadas na SD é a alta prevalência de perda auditiva, decorrente de infecções de orelha média(7-11). Observou-se, neste estudo, uma porcentagem de 66,6% de sujeitos com resultados alterados na imitanciometria, o que concorda com a prevalência observada em estudos anteriores.
Além disso, 33,3% dos indivíduos apresentaram perda auditiva condutiva leve, em uma ou em ambas as orelhas e 26,7% apresentaram limiares auditivos dentro da normalidade, em ambas as orelhas, porém com alteração na imitanciometria, o que sugere que estas crianças podem estar entrando ou saindo de um quadro de otite média, embora os limiares auditivos não estejam comprometidos, confirmando outros achados da literatura(11,16).
A prevalência de episódios de otite média, constatada pelo histórico otológico dos participantes deste estudo, também concorda com a literatura(7-11), uma vez que mais de 66% deles tinham histórico de otite, com média de episódios de 5,3.
A literatura também descreve que anormalidades da orelha interna não são frequentes nesses indivíduos(15), o que está de acordo com os achados do presente estudo, que não indicaram perda auditiva neurossensorial em nenhum dos casos. Cabe ressaltar que há tendência para aumento das perdas auditivas neurossensoriais na segunda década de vida dos indivíduos com SD(11), o que não é o caso dos participantes do presente estudo.
Em relação aos limiares auditivos da audiometria convencional, não houve diferença entre as orelhas esquerda e direita, bem como não houve para os testes de fala LRF e IPRF, o que está em concordância com outro estudo da literatura(22).
No que se refere às altas frequências, observou-se diferença entre as orelhas direita e esquerda, para as frequências de 9000 Hz e 11200 Hz. As orelhas esquerdas obtiveram limiares de via aérea para altas frequências maiores do que as orelhas direitas. Este achado também foi observado em outro estudo, para as frequências de 9 kHz e 11,2 kHz(23). No entanto, a maior parte dos estudos demonstra concordância de resultados, no que diz respeito à ausência de diferenças entre os limiares de altas frequências obtidos nas orelhas esquerda e direita(21,24-27).
A audiometria de altas frequências (acima de 8 kHz) tem se mostrado sensível para medir a função coclear, diagnosticando disfunções sensoriais mais precocemente do que a audiometria convencional(28). No entanto, não há um padrão de normalidade definido para as altas frequências e, assim, é recomendada a comparação dos limiares auditivos entre grupos, controlando-se a variável “idade” e definindo-se padrões semelhantes entre os grupos, para os limiares tonais convencionais(29).
Um estudo sobre o assunto(21) determinou um padrão médio de limiares em altas frequências, para indivíduos sem afecções otológicas, entre 4 e 60 anos, distribuídos por faixa etária. Quando comparados os limiares obtidos no presente estudo com o padrão proposto pelo estudo pregresso, 86,67% de crianças com SD apresentavam limiares auditivos alterados.
Em outro estudo sobre o assunto, foram avaliadas 31 crianças de 7 a 12 anos, com limiares auditivos abaixo de 20 dBNA, para as frequências da audiometria convencional. As crianças foram distribuídas em dois grupos: um grupo com até três episódios de otite e outro, com quatro ou mais episódios de otite média. O segundo grupo apresentou limiares de audibilidade mais elevados para altas frequências, em todas as frequências avaliadas. Os limiares médios de 9 a 18 kHz não ultrapassaram 15 dBNA para o primeiro grupo, porém, ficaram entre 13 e 26 dBNA para o segundo grupo, sugerindo que quatro episódios de otite média já são suficientes para determinar diferenças nos limiares auditivos das altas frequências(18).
Tomando-se como base os resultados do estudo supracitado(18), desenvolvido com crianças de faixa etária semelhante a do presente estudo, assim como com histórico frequente de otites médias, pode-se observar que os limiares obtidos no presente estudo foram piores para todas as altas frequências avaliadas, sugerindo que a função coclear, nestas crianças, pode estar comprometida, mesmo na ausência de perda auditiva neurossensorial, na audiometria convencional. Pode-se inferir, também, que a presença de perda auditiva isolada em 8000 Hz, verificada no presente estudo em 20% dos casos, sugere comprometimento coclear, decorrente das frequentes otites médias apresentadas pelos indivíduos com SD.
Já foi descrito que a audiometria de altas frequências é mais sensível aos efeitos da otite média sobre a função coclear, provavelmente em virtude da proximidade da região responsável pelas altas frequências na cóclea com a membrana da janela redonda e com o espaço da orelha média, uma vez que os episódios recorrentes de otite média podem prejudicar, em longo prazo, as altas frequências, mesmo após a completa resolução do quadro(27).
Cabe ressaltar que os indivíduos com SD podem apresentar degeneração coclear precoce, denominada por alguns autores como “presbiacusia precoce”(11,16). Desta forma, acredita-se que este fator pode contribuir para o rebaixamento dos limiares auditivos para altas frequências, mais precocemente. No presente estudo, o coeficiente de correlação de Pearson revelou correlação moderada positiva para os limiares de 9 a 14 kHz e correlação fraca positiva para os outros limiares auditivos avaliados, indicando tendência de piora dos limiares auditivos com o aumento da idade, mesmo sendo muito jovens os indivíduos do estudo.
É importante citar que a variável “idade” é um fator que deve ser considerado na pesquisa dos limiares auditivos em altas frequências, uma vez que estudos mostram que crianças muito pequenas não apresentam bom desempenho nessa avaliação. No caso dos participantes deste estudo, a média de idade foi de, aproximadamente, 11 anos, faixa etária descrita como adequada para a pesquisa de limiares auditivos nas altas frequências(29).
Apesar do desenvolvimento cognitivo nos indivíduos com SD ser capaz de influenciar a obtenção dos limiares auditivos, principalmente no que diz respeito às altas frequências, as respostas auditivas não podem ser desconsideradas, já que a perda auditiva pode contribuir para a piora das habilidades cognitivas nos indivíduos com SD(16). Desta forma, enfatiza-se a necessidade de um maior cuidado na avaliação auditiva comportamental dessa população.
Apesar dessas limitações, a presente pesquisa demonstrou a importância da utilização da audiometria de altas frequências para avaliar os indivíduos com SD, monitorando sua função coclear, visto que os episódios frequentes de otite média, bem como a tendência à degeneração coclear precoce, podem contribuir para o desenvolvimento de perdas auditivas neurossensoriais, que não são evidentes, inicialmente, apenas por meio da audiometria convencional.
De forma geral, não foram observadas diferenças significativas, quando comparadas as orelhas direita e esquerda de indivíduos com SD, na audiometria tonal, imitanciometria e logoaudiometria. A maioria das crianças apresentou alteração de orelha média e perda auditiva condutiva. A audiometria de altas frequências sugere o início de prejuízo da função coclear, que pode estar associado às otites médias frequentes e/ou à degeneração coclear precoce.