versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465
Esc. Anna Nery vol.21 no.4 Rio de Janeiro 2017 Epub 10-Ago-2017
http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2016-0388
Há décadas, o envelhecimento populacional tem se tornado uma realidade próxima tanto de países desenvolvidos quanto de países em desenvolvimento.1 No Brasil, a redução da taxa de fecundidade tem resultado na diminuição do crescimento da população, e o declínio das taxas de mortalidade infantil e o avanço da expectativa de vida têm favorecido o aumento do contingente populacional de idosos.2
A pirâmide etária brasileira, por muitos anos, evidenciou a ascendência de crianças e jovens, apresentando-se com base larga e topo estreito. Atualmente, demonstra características de equilíbrio entre os grupos etários, com tendência para o alargamento do topo. Concomitantemente à transição demográfica, tem-se a mudança do panorama epidemiológico.3 Nesse sentido, cabe destacar a alta prevalência das doenças crônicas não transmissíveis, perdas cognitivas, declínio sensorial e isolamento social. Esses fatores podem causar deterioração na capacidade funcional dos idosos, tornando-os dependentes de outras pessoas para a prestação dos cuidados diários.4
Dependência funcional pode ser definida como a incapacidade de manter as habilidades físicas e mentais necessárias a uma vida independente e autônoma. As pessoas acometidas por processos incapacitantes podem sofrer limitações no desempenho das atividades relacionadas ao autocuidado - Atividades Básicas de Vida Diária (ABVD) e no desempenho das atividades relacionadas à organização da rotina diária - Atividades Instrumentais de Vida Diária (AIVD).5
Como previsto em lei, as ações de saúde voltadas para os idosos objetivam ao máximo a manutenção da autonomia e independência, porém existem fatores que determinam complicações para o alcance dessas metas. Dentre esses fatores, o declínio cognitivo recebe maior ênfase.6
O declínio cognitivo consiste em leve lentidão das habilidades mentais, evoluindo conforme o avançar da idade, e pode estar associado a inúmeras razões, como por exemplo: decorrente da demência, de uso de medicação (principalmente benzodiazepínicos, neurolépticos e antidepressivos), alteração de afeto, em particular a depressão, entre outros.7
Diante do exposto, torna-se imprescindível a avaliação cognitiva e da capacidade funcional dos idosos. Por meio da avaliação geriátrica ampla, esses aspectos serão abordados pelos profissionais de saúde, os quais poderão identificar as demandas de cada idoso avaliado e estabelecer um plano de cuidados individualizado que promova um envelhecimento ativo e melhore a qualidade de vida. Uma avaliação aprofundada oferece subsídios para a tomada de decisões em saúde e para a elaboração de ações estratégicas voltadas para as particularidades de cada idoso, a fim de oferecer atenção integral à saúde dos idosos, como preconizado pela Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa.8
Um dos aspectos ressaltados por essa Política é a promoção do envelhecimento ativo e saudável, o qual pode ser realizado por meio da otimização de oportunidades de saúde, participação e segurança, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas ficam mais velhas. Uma das vertentes abordadas no envelhecimento ativo é justamente uma boa capacidade funcional.9
O suporte à população de idosos ainda representa um desafio para o Sistema de Saúde brasileiro, principalmente no que se refere ao conhecimento das necessidades de saúde dessa população. Este contexto parece ter propiciado um aumento de especialistas em diferentes áreas de atuação profissional, interessados em desenvolver ações relacionadas ao público idoso e, na área da saúde, com foco na preservação da capacidade funcional e cognitiva.
Dessa forma, estudos que abordam esse tema tornam-se essenciais para o subsídio de políticas de saúde voltadas para o idoso. Embora a literatura atual sinalize as múltiplas características dos idosos nos âmbitos institucional, hospitalar, ambulatorial, de forma separada, há ainda necessidade de explorar mais conhecimentos, considerando que tais características podem apresentar contornos diversos segundo as especificidades de cada contexto. Assim, a presente pesquisa teve como objetivo avaliar a capacidade funcional, cognitiva e humor de idosos inseridos em três diferentes modelos de atenção ao idoso em São Carlos - SP, favorecendo, assim, a implementação e o aprimoramento do planejamento de ações integrais em saúde para essas pessoas.
Trata-se de um estudo observacional, seccional, comparativo e com abordagem quantitativa, para verificação do perfil sociodemográfico e de saúde, de capacidade funcional e cognitiva dos idosos do município de São Carlos-SP.
A população-alvo foi constituída por idosos, com idade de 60 anos ou mais, usuários de três diferentes modalidades de atendimento de saúde pública no município de São Carlos. Os mesmos foram estudados simultaneamente em três grupos. No primeiro, os idosos foram identificados no atendimento médico na Unidade Saúde Escola (USE) da Universidade Federal de São Carlos/UFSCar, considerada um ambulatório de média complexidade que atende usuários referenciados pela rede pública de saúde de São Carlos e região. O segundo grupo foi composto por idosos atendidos no Hospital Universitário (HU) da Universidade Federal de São Carlos/UFSCar, que está integrado à Rede (Unidades de Atenção Básica e Secundária) oferecendo atenção à saúde, ao prestar serviços de observação/internação e atendimentos de urgência à população. O terceiro grupo foi representado por idosos da Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI) Cantinho Fraterno Dona Maria Jacinta, de caráter filantrópico, situado no meio urbano da cidade de São Carlos, fundada em 1922. Atualmente, a ILPI abriga cerca de 37 idosos.
A amostra total foi constituída por 140 idosos (37 institucionalizados, 53 hospitalizados e 50 ambulatoriais) e a análise do poder da amostra, empregando-se o aplicativo PASS (Power Analysis and Sample Size), versão de 2002, para um nível de significância de α = 0,05 e um tamanho amostral de n = 140 revelou um poder estatístico apriorístico de 1- β = 99,8 %.
A coleta de dados foi realizada no primeiro semestre de 2014 e somente teve início após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Carlos. Entrevistas individuais foram realizadas, mediante o consentimento dos participantes do estudo, com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Para a caracterização dos idosos, foi aplicado um instrumento que contemplava as seguintes informações: gênero, faixa etária, grau de instrução, estado civil, naturalidade, procedência, com quem mora, doenças auto relatadas e hábitos de vida.
O desempenho cognitivo foi avaliado por meio do Mini Exame do Estado Mental (MEEM). Este instrumento foi traduzido e validado para o Brasil por Bertolucci10 o qual faz rastreio de possíveis déficits cognitivos em indivíduos com risco de desenvolver a síndrome demencial. O escore pode variar de zero até 30 pontos. A nota de corte foi calculada com os valores da mediana apresentados por faixa etária e subtraído um desvio padrão.7 Foram adotados os pontos de corte: 18 pontos para analfabetos; 21 pontos para indivíduos com um a três anos de escolaridade; 24 pontos para quatro a sete anos de escolaridade e 26 pontos para oito anos de escolaridade ou mais.
O Teste do Desenho do Relógio (TDR) é um instrumento de avaliação cognitiva validado no Brasil,11 que consiste numa escala de pontuação de zero (relógio totalmente incorreto ou inexistente) a 10 pontos (relógio totalmente correto).
A sintomatologia depressiva foi avaliada pela Escala de Depressão Geriátrica (EDG), versão de 15 itens, validada no Brasil por Almeida e Almeida.12 A obtenção de cinco pontos indica ausência de sintomas depressivos, seis a 10 pontos: sintomas depressivos leves e 11 a 15 pontos: sintomas depressivos severos.
As limitações nas Atividades Básicas da Vida Diária (ABVD) foram avaliadas por meio da Escala de Katz de Independência em Atividades da Vida Diária. Tal instrumento investiga atividades de autocuidado, tais como: tomar banho, vestir-se, ir ao banheiro, deitar e levantar da cama, alimentar-se e controle das funções de urinar e/ou evacuar. Essa escala foi adaptada para uso no Brasil por Lino e colaboradores.13 Shelkey e Wallace14 propuseram um ponto para cada atividade que o avaliado faz sem ajuda. Essa pontuação varia de zero a seis pontos, sendo considerando totalmente dependente o indivíduo que obtiver de zero a dois pontos, parcialmente dependente aquele que obtiver de três a cinco pontos e independente o indivíduo que obtiver seis pontos.
As limitações nas Atividades Instrumentais da Vida Diária (AIVDs) foram avaliadas por meio da Escala de Atividades Instrumentais da Vida Diária de Lawton e Brody, adaptada para realidade brasileira por Santos e Virtuoso Junior em 2008.15 São exemplos de AIVDs: usar o telefone, utilizar algum meio de transporte, fazer compras, preparar a própria refeição, limpar e arrumar a casa, tomar medicamentos e lidar com finanças. A pontuação varia de sete a 21, sendo considerada dependência total um escore de sete pontos, dependência parcial de oito a 20 pontos e independência 21 pontos.
Foi utilizado o aplicativo Statistical Package for the Social Science (SPSS), versão 20.0, para a análise dos dados, de forma descritiva e univariada, tanto para variáveis categóricas (tabelas de frequência) quanto para variáveis quantitativas (medidas de tendência central e variabilidade). Realizou-se o cálculo de correlação de Pearson entre variáveis quantitativas. As correlações foram consideradas fracas (r < 0,3), moderadas (0,3 ≤ r < 0,7) ou fortes (r ≥ 0,7). Os pontos médios das medidas de capacidade funcional (Escala de Katz de Independência em Atividades da Vida Diária e a Escala de Atividades Instrumentais da Vida Diária de Lawton e Brody) foram analisados estatisticamente pelo teste não paramétrico de Mann-Whitney com ajuste de Bonferroni. Com a finalidade de ajustar as razões de prevalência de declínio cognitivo para as instituições, segundo as variáveis sexo, idade, presença de sintomas depressivos e morbidades, foi construído um modelo de regressão logística múltipla com o método de entrada simultânea de preditores, ou modelo saturado. O nível de significância utilizado foi α = 0,05.
Todos os cuidados éticos que regem pesquisas com seres humanos foram observados e respeitados, segundo a Resolução 466/2012, regulamentada pelo Conselho Nacional de Saúde. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Carlos, sob parecer número 416.459, em 06/10/2013, CAAE 21522513.8.0000.5504.
Foram entrevistados 140 idosos, sendo 37 avaliados na ILPI, 53 no HU e 50 na USE. As características sociodemográficas e de saúde dos idosos foram apresentadas considerando as três modalidades de atendimento e as principais diferenças relacionadas aos itens: ter ou não ter declínio cognitivo, capacidade funcional e a presença ou não de sintomas depressivos.
A Tabela 1 apresenta a distribuição dos idosos nas três modalidades de atendimento segundo sexo, estado civil, perfil de saúde, humor e cognição.
Tabela 1 Distribuição dos idosos nas três modalidades de atendimento segundo sexo, estado civil, perfil de saúde, humor e cognição. São Carlos - SP, 2014.
Variáveis | Categorias | ILPI | HU | USE | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|
n | (%) | n | (%) | n | (%) | ||
Sexo | Feminino | 17 | 45,9 | 26 | 49,9 | 34 | 68,0 |
Masculino | 20 | 54,1 | 27 | 50,1 | 16 | 32,0 | |
Estado civil | Solteiro | 25 | 67,6 | 4 | 7,5 | 4 | 8,0 |
Casado | 2 | 5,4 | 30 | 56,6 | 21 | 42,0 | |
Viúvo | 9 | 24,3 | 14 | 26,4 | 21 | 42,0 | |
Separado | 1 | 2,7 | 5 | 9,4 | 4 | 8,0 | |
Doenças | HAS | 12 | 32,4 | 22 | 41,5 | 25 | 51,0 |
DM | 07 | 18,9 | 14 | 26,4 | 12 | 24,5 | |
Tabagismo | Sim | 06 | 16,2 | 12 | 22,6 | 02 | 4,0 |
Não | 31 | 83,8 | 41 | 77,4 | 48 | 96,0 | |
Atividade Física | Sim | 05 | 13,5 | 20 | 37,7 | 30 | 60,0 |
Não | 32 | 86,5 | 33 | 62,3 | 20 | 40,0 | |
Sintomas depressivos | Sim | 11 | 29,7 | 22 | 41,5 | 18 | 36,0 |
Não | 26 | 70,3 | 31 | 58,5 | 32 | 64,0 | |
Declínio cognitivo | Sim | 37 | 100,0 | 33 | 62,3 | 24 | 48,0 |
Não | 0 | 0,0 | 20 | 37,7 | 26 | 52,0 | |
Total | 37 | 100,0 | 53 | 100,0 | 50 | 100,0 |
HAS: Hipertensão Arterial Sistêmica; DM: Diabetes Melitus.
Na ILPI, houve predomínio de idosos do sexo masculino (54,1%), solteiros (67,6%), não fumantes (83,8%), não praticam atividades físicas (86,5%), não possuem sintomas depressivos (70,3%) e apresentam declínio cognitivo (100,0%). A hipertensão arterial foi declarada por 32,4% dos participantes e diabetes mellitus por 18,9% deles.
No HU, os idosos eram, em sua maioria, casados (56,6%), não fumantes (77,4%), não praticavam atividades físicas (62,3%), não possuíam sintomas depressivos (58,5%) e apresentavam declínio cognitivo (62,3%). Quanto às doenças referidas, 41,5% eram hipertensos e 26,4% afirmaram possuir diabetes.
Na USE, preponderaram idosos do sexo feminino (68,0%), casados ou viúvos (42,0% para ambos), com hipertensão arterial (51,0%), não fumantes (96,0%), que praticavam atividades físicas (60,0%), sem sintomas depressivos (64,0%) e sem declínio cognitivo (52,0%).
Na Tabela 2 estão representadas as médias, desvio padrão, valores mínimo e máximo referentes às variáveis idade, escolaridade, TDR, valores brutos do MEEM, Escala de Independência em Atividades de Vida Diária (ABVDs), a Escala das Atividades Instrumentais de Vida Diária (AIVDs) e EDG dos idosos nas diferentes modalidades de atendimento.
Tabela 2 Distribuição dos idosos nas diferentes modalidades de atendimento segundo as variáveis idade, escolaridade, TDR, declínio cognitivo, AIVDs, ABVDs e EDG. São Carlos - SP, 2014.
Variáveis | ILPI | HU | USE | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
M (dp) | Mín | Máx | M (dp) | Min | Máx | M (dp) | Min | Máx | |
Idade | 74,4 (9,8) | 60 | 95 | 70,8 (8,1) | 60 | 86 | 75,1 (9,2) | 61 | 96 |
Escolaridade | 1,2 (1,7) | 0 | 4 | 4,3 (3,3) | 0 | 14 | 5,3 (5,1) | 0 | 20 |
TDR | 1,6 (1,7) | 1 | 9 | 4,9 (2,1) | 0 | 10 | 5,1 (2,4) | 1 | 10 |
MEEM | 6,6 (7,7) | 0 | 22 | 17,3 (9,8) | 0 | 30 | 19,0 (10,6) | 0 | 30 |
AIVDs | 10,0 (4,1) | 7 | 19 | 16,1 (5,8) | 7 | 21 | 16,1 (6,0) | 7 | 21 |
ABVDs | 2,4(2,2) | 0 | 6 | 4,4 (2,4) | 0 | 6 | 4,5 (2,3) | 0 | 6 |
EDG | 4,5 (3,5) | 0 | 11 | 4,8 (3,8) | 0 | 15 | 4,1 (3,1) | 0 | 11 |
M: média; dp: desvio-padrão; Mín: valor mínimo; Máx: valor máximo; TDR: Teste do Desenho do Relógio; MEEM: Mini Exame do Estado Mental; AIVDs: Atividades Instrumentais de Vida Diária; ABVDs: Atividades Básicas de Vida Diária; EDG: Escala de Depressão Geriátrica.
Os idosos da ILPI apresentaram, em média, 74,4 anos de idade (dp = 9,8), 1,2 anos de escolaridade (dp = 1,7), 1,6 pontos no TDR (dp = 1,7), 6,6 pontos no MEEM (dp = 7,7), 10,0 pontos no instrumento de AIVDs (dp = 4,1) e 2,4 no de ABVDs (dp = 2,2) e 4,5 pontos na EDG (dp = 3,5). Os idosos do HU demonstraram, em média, 70,8 anos de idade (dp = 8,1), 4,3 anos de escolaridade (dp = 3,3), 4,9 pontos no TDR (dp = 2,1), 17,3 pontos no MEEM (dp = 9,8), 16,1 pontos no instrumento de AIVDs (dp = 5,8) e 4,4 no de ABVDs (dp = 2,4) e 4,8 pontos na EDG (dp = 3,8). Os idosos da USE exibiram, em média, 75,1 anos de idade (dp = 9,2), 5,3 anos de escolaridade (dp = 5,1), 5,1 pontos no TDR (dp = 2,4), 19,0 pontos no MEEM (dp = 10,6), 16,1 pontos no instrumento de AIVDs (dp = 6,0) e 4,5 no de ABVDs (dp = 2,3) e 4,1 pontos na EDG (dp = 3,1).
Na Tabela 3 estão representados os três perfis de atendimento e as principais diferenças relacionadas ao item "ter ou não ter declínio cognitivo".
Tabela 3 Distribuição dos idosos em relação à presença de declínio cognitivo, segundo as três modalidades de atendimento (ILPI, HU e USE). São Carlos - SP, 2014.
Presença de declínio cognitivo | Sim | Não | Total | |||
---|---|---|---|---|---|---|
n | (%) | n | (%) | n | (%) | |
ILPI | 37 | 100,0 | 0 | 0,0 | 37 | 26,4 |
HU | 33 | 62,3 | 20 | 37,7 | 53 | 37,9 |
USE | 24 | 48,0 | 26 | 52,0 | 50 | 35,7 |
Total | 94 | 67,1 | 46 | 32,9 | 140 | 100,0 |
*Pearson χ2 = 26,983, p < 0,001.
Houve associação entre o local de permanência do idoso e a proporção ou prevalência de declínio cognitivo, sendo 100,0 % na ILPI, 62,3 % no HU e 48,0 % na USE (χ2 = 26,29, p < 0,001).
Na Tabela 4 observa-se a análise de regressão logística múltipla, tendo como desfecho a presença de declínio cognitivo e como preditor preferencial a instituição, ajustando-se para sexo, idade, presença de sintomas depressivos e número de morbidades.
Tabela 4 Análise de regressão logística múltipla tendo como desfecho a presença de declínio cognitivo. São Carlos - SP, 2014.
Variáveis | valor de p | OR | IC 95% | |
---|---|---|---|---|
LI | LS | |||
Instituição | 0,161 | 2,430 | 0,978 | 6,039 |
Sexo | 0,579 | 0,777 | 0,319 | 1,895 |
Idade | 0,002* | 1,087 | 1,030 | 1,147 |
Sintomas depressivos | 0,325 | 1,602 | 0,626 | 4,102 |
Morbidades | 0,169 | 0,732 | 0,469 | 1,142 |
OR: odds ratio; IC: Intervalo de Confiança; LI: Limite Inferior; LS: Limite Superior;
*valor de p < 0,05.
Apenas a idade foi considerada preditor de declínio cognitivo. Ajustando-se para as demais variáveis, as chances de prevalência de declínio cognitivo aumentam 8,7% para cada ano de vida a mais. As chances de prevalência para ILPI não puderam ser calculadas já que todos os idosos apresentaram declínio cognitivo. Esta variável também não foi estatisticamente significativa, indicando que não há diferenças deste desfecho entre as instituições estudadas, quando ajustado para sexo, idade, depressão e número de morbidades.
Na Tabela 5 estão representadas as diferenças em ter capacidade funcional nas três modalidades de atendimento ao idoso.
Tabela 5 Distribuição das médias, medianas e p-valor nas três modalidades de atendimento, relacionado ao desempenho dos idosos nas ABVDs e AIVDs. São Carlos - SP, 2014.
Modalidades de atendimento | ABVDs | AIVDs | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Média | Mediana | valor de p* | Média | Mediana | valor de p* | |
ILPI | 2,35 | 2,00 | 9,97 | 7,00 | ||
HU | 4,42 | 6,00 | < 0,001 | 16,15 | 19,00 | < 0,001 |
USE | 4,54 | 6,00 | 16,10 | 20,00 |
*Kruskal-Wallis.
O teste global ou omnubus indicou haver diferença estatisticamente significativa entre os postos médios das duas escalas entre as três instituições (p < 0,001). Para determinar entre quais instituições as diferenças foram estatisticamente significativas, uma análise de comparações múltiplas, empregando-se Mann-Whitney aos pares, foi realizada. No entanto, foi considerado um αCP = α/3 = 0,017 para ajustar as comparações múltiplas por Bonferroni, revelando diferenças estatisticamente significativas de capacidade funcional, tanto para ABVDs quanto AIVDs, entre ILPI e HU (p < 0,001) e ILPI e USE (p < 0,001). Em relação ao desempenho nas ABVDs e AIVDs, os idosos da ILPI foram mais dependentes. Não houve diferença estatisticamente significativa entre HU e USE.
No presente estudo, os participantes apresentaram baixa escolaridade em todos os modelos de atenção. Durante a infância desses idosos, a educação não era vista como prioridade, refletindo atualmente idosos com baixo índice de instrução.16 Diante disso, os profissionais de saúde devem avaliar a interpretação e a compreensão das ações voltadas para a educação em saúde, tendo em vista que a baixa escolaridade pode dificultar o entendimento de orientações.17
Idosos com baixa escolaridade apresentam pouco ou nenhum conhecimento sobre a necessidade de acesso aos serviços para ações de promoção da saúde e procuram de forma menos frequente a continuidade de assistência para a prevenção de doenças e complicações, e ao mesmo tempo optam mais frequentemente por um serviço emergencial.18 Autores apontam que a baixa escolaridade está fortemente relacionada ao comprometimento cognitivo e à incapacidade funcional dos idosos. 6,19
Dentre os participantes institucionalizados, houve predomínio de dependência nas atividades básicas e instrumentais de vida diária. Dados semelhantes foram encontrados em um estudo realizado em Marília (SP), com o objetivo de estudar sintomas depressivos, declínio cognitivo e funcional em idosos inseridos em uma ILPI. Os autores afirmaram que o desempenho das atividades de vida diária no contexto institucional se torna prejudicado, tendo em vista as limitações que o próprio ambiente impõe em relação às funções sociais. Além disso, situações que envolvem a tomada de decisão são praticamente inexistentes, quando consideramos a organização, normas e rotina das ILPIs.6 Por outro lado, a constatação da alta dependência dos idosos pode evidenciar o fator de risco para a institucionalização.20 A procura por institucionalização tem aumentado nos últimos anos, reflexo das mudanças na dinâmica familiar e da sociedade, acompanhadas pela dificuldade da família em encontrar pessoas capazes de se responsabilizar pelo cuidado do idoso.21 Neste contexto, aumenta a procura por ILPIs que ofereçam cuidados necessários à pessoa idosa dependente, suprindo a falta de suporte familiar e social.
Quando se trata dos contextos ambulatorial e hospitalar, a maioria dos idosos era independente para ABVDs e AIVDs. Esses dados foram parcialmente corroborados pela literatura. Um estudo transversal realizado no Ambulatório de Geriatria do Hospital das Clínicas da UNICAMP analisou o perfil dos idosos quanto ao humor, perda da capacidade funcional e cognitiva. Os autores obtiveram que a maioria dos participantes relatou independência para as ABVDs (63%) e dependência para as AIVDs (68,3%).22
Estudo realizado com 94 idosos internados em um hospital universitário em Belém apontou que houve algum grau de dependência para as ABVDs (61,7%) e para as AIVDs (52,1%). Os autores afirmaram que a hospitalização é um fator de risco conhecido para o declínio funcional dos idosos, os quais perdem a autonomia nesse contexto. Além disso, um comprometimento funcional já existente pode ser potencializado, em virtude do excesso de repouso no leito, privação de sono e polifarmácia.23
A literatura evidencia uma hierarquia de perda da capacidade funcional nos idosos, quando se pensa em modelos de atenção ao idoso. No modelo ambulatorial, os idosos são mais independentes quando comparados aos idosos inseridos no contexto hospitalar e asilar. Observa-se, o aumento gradual da gravidade da dependência funcional quando se procura serviços hospitalares e culmina com grave dependência daqueles que procuram ou mesmo residem em instituições de longa permanência.
O estudo sobre a capacidade funcional fornece subsídios para o planejamento e a sistematização do cuidado oferecido pelo profissional de saúde em relação ao idoso. Estratégias desenvolvidas no âmbito de uma equipe multidisciplinar no sentido de auxiliar ou restabelecer sua capacidade funcional podem ser necessárias. Ademais, ênfase pode ser dada no sentido de manter/fortalecer as atividades que o idoso não apresenta dificuldades.17
A avaliação do estado mental nesta pesquisa mostrou que 100% dos idosos das ILPIs apresentaram alterações cognitivas, com média baixa no MEEM (6,6 pontos). A investigação realizada em Belo Horizonte - MG com 47 idosos institucionalizados revelou que o declínio cognitivo dos idosos de ILPIs é altamente prevalente, sendo que 93,3% apresentaram comprometimento cognitivo.21
A avaliação do desempenho cognitivo de idosos inseridos no hospital demonstrou que 62,3% apresentaram declínio cognitivo, com média de 17,3 pontos. Esses dados estão de acordo com a literatura. Idosos hospitalizados apresentaram média de 18,14 pontos no MEEM, em pesquisa realizada em Belém.23
Dos idosos usuários do ambulatório, 48% apresentaram declínio cognitivo, obtendo um escore de 19 pontos no MEEM. Outras pesquisas nacionais encontraram que o déficit cognitivo esteve presente em 29% dos idosos avaliados.22,24
Pesquisadores apontam que idosos institucionalizados apresentam menor desempenho cognitivo e menor atividade funcional quando comparados a idosos não institucionalizados.25
Os resultados deste estudo demonstraram que as diferentes modalidades de serviços de saúde apresentaram uma forte influência no desempenho cognitivo do idoso. As doenças crônicas incapacitantes, como a demência, constituem-se em grande fator de risco para institucionalização, por isso é comum haver muitos idosos com declínio cognitivo nestas instituições. Por outro lado, o isolamento social, o afastamento do idoso da comunidade, o sedentarismo imposto pelas condições das ILPIs, bem como a falta de estímulo intelectual existentes nesse contexto podem ser fatores importantes para o desenvolvimento e/ou agravamento das alterações cognitivas.26,27 As repercussões cognitivas ao longo do tempo deveriam ser acompanhadas desde o primeiro dia de institucionalização.
A idade foi considerada fator preditor para alterações cognitivas. Alterações orgânicas ocorrem no decorrer do processo de envelhecimento, as quais podem resultar em redução da capacidade de manter a homeostase e em complicações à saúde, as quais comprometem distintas esferas, como por exemplo, o declínio progressivo das funções cognitivas.28 As perdas de memória são as queixas mais frequentes entre os idosos.29 Com o avanço da idade, há maior predisposição às doenças crônicas e, na senilidade, ocorrem prejuízos de maior intensidade, podendo haver alterações no sistema nervoso, culminando no déficit cognitivo e, muitas vezes, no prejuízo do desenvolvimento das atividades de vida diária.26
Esses dados demonstram que faz-se necessária a aplicação dos instrumentos de rastreio da função cognitiva logo na admissão dos pacientes nos diferentes modelos de atenção à saúde do idoso. Essa avaliação, como parte da rotina dos serviços de saúde, trará subsídios para os profissionais de saúde trabalharem no âmbito preventivo e de programas de reabilitação de maneira mais precoce.23
Na avaliação do humor, 29,7% dos idosos institucionalizados, 41,5% dos idosos hospitalizados e 36% dos idosos inseridos no ambulatório apresentaram sintomas depressivos. Um estudo nacional verificou que 32% dos participantes apresentaram sintomas depressivos, sendo mais prevalentes entre os idosos mais jovens, do gênero feminino, menos escolarizados e com menor pontuação no MEEM.22 A depressão não está diretamente relacionada com o envelhecimento, entretanto, com o avançar da idade surgem algumas características atípicas ou particularidades que predispõem o desenvolvimento de sintomas depressivos com o envelhecimento, tais como a aposentadoria, a diminuição da possibilidade de desempenhar papel produtivo, o que geralmente leva à desmoralização e perda de status.30
Embora o percentual de idosos com sintomas depressivos seja a minoria nos diferentes serviços, atenção especial deve ser oferecida a esses indivíduos. Estratégias como atividades de lazer, social e cultural podem ser desempenhadas pela equipe multiprofissional.
Algumas limitações foram verificadas no presente estudo: 1) o recorte transversal não permite atribuir causalidade entre as variáveis; 2) a carência de estudos que comparem as três modalidades de atendimento ao idoso, ambulatorial, hospitalar e de longa permanência prejudicaram a discussão de alguns achados; 3) uso de questionários pode subestimar ou superestimar algumas informações encontradas; 4) os vários instrumentos de pesquisa e parâmetros utilizados para classificar a capacidade funcional dos idosos, além do ponto de corte, dificultam a comparação dos resultados com os outros estudos.
Sugere-se o investimento em pesquisas futuras, de caráter longitudinal, as quais levem em consideração a relação existente entre capacidade funcional, cognição e sintomas depressivos de idosos inseridos em diversos contextos de atendimento, tendo em vista que são escassas na literatura.
A presença de idosos debilitados, totalmente dependentes, com grave comprometimento cognitivo foi mais prevalente no contexto da ILPI. O hospital e o ambulatório se equipararam em termos da capacidade funcional dos idosos, porém no hospital encontraram-se idosos com maior comprometimento cognitivo e maior prevalência de sintomas depressivos, estando de acordo com o perfil e complexidade de cada modelo de atenção à pessoa idosa.
As chances de prevalência de declínio cognitivo aumentaram com a idade quando relacionado à modalidade de atendimento hospitalar e ambulatorial, o que revela a associação entre o local de permanência do idoso e a prevalência do declínio cognitivo.
Frente ao exposto, é importante se comparar os três modelos de atenção ao idoso, pois o planejamento das ações é realizado de forma adequada, real e particular para cada cenário propiciando a capacitação da equipe de saúde para as intervenções singulares para os idosos envolvidos.