versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.29 no.6 São Paulo 2017 Epub 07-Dez-2017
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20172016192
A satisfação de usuários e famílias em relação aos serviços de saúde tem se tornado uma preocupação atual, uma vez que ela se torna um indicador importante de qualidade do serviço, pois aborda percepções, valores e expectativas dos indivíduos em relação aos serviços de saúde. Desta forma, entender a percepção dos usuários é um grande passo para a melhoria da qualidade da assistência fornecida(1).
A visão do usuário sobre a resolutividade da assistência é fundamental para reorganização e aperfeiçoamento dos serviços de saúde, utilizando-se a análise de satisfação do usuário como medida de qualidade de atenção(2).
Além disso, as pesquisas sobre a satisfação dos usuários aproximam os serviços de saúde da comunidade e podem oferecer pistas do êxito ou dificuldades dos serviços de saúde em alcançar as expectativas e necessidades destes, constituindo-se numa ferramenta importante para a investigação, administração e planejamento dos serviços de saúde(3). Possibilitam também a organização da assistência mais adequada às necessidades e demandas da clientela, considerando, assim, a importância dos processos de subjetivação que se fazem presentes no processo de cuidar e de avaliar(3).
Assim, avaliar o nível de satisfação dos usuários sobre a atuação da fonoaudiologia na Estratégia de Saúde da Família (ESF) seria importante para a categoria, pois iria promover dados em relação aos pontos frágeis do trabalho e asseguraria o desenvolvimento de um cuidado mais assertivo do profissional neste cenário de atuação.
Tendo em vista que a temática satisfação do usuário ainda é pouco explorada dentro do contexto da ESF, o presente estudo tem como objetivo avaliar a satisfação dos usuários atendidos pelos residentes de fonoaudiologia da Residência Multiprofissional em Saúde da Família (RMSF), considerando as dimensões estrutural, organizacional e relacional.
O estudo foi autorizado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, com o registro nº 90.938, com liberação do campo para o início da coleta de dados. A pesquisa respeitou a condição humana e cumpriu todos os requisitos de autonomia, não maleficência, justiça e equidade, dentre outros pontuados na resolução 466/2012.
O estudo foi do tipo avaliativo por ter o propósito de avaliar a qualidade da assistência prestada pela fonoaudiologia na Estratégia de Saúde da Família na zona urbana de Sobral-CE. A escolha da cidade de Sobral-CE para ser o cenário da pesquisa deu-se por ser um município de referência na estruturação da Atenção Primária à Saúde (APS) e pela alta cobertura assistencial atingida pela ESF junto à população(4).
Neste cenário, a categoria não faz parte da equipe multiprofissional do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) e os cuidados fonoaudiológicos ofertados pela APS são realizados pelos residentes que cursam a RMSF oferecida pela Escola de Formação em Saúde da Família Visconde de Saboia na cidade de Sobral-CE, que anualmente, desde 2004, oferece três vagas para a categoria de fonoaudiologia.
O processo de formação da RMSF ocorre em 24 meses. O programa conta com três (3) fonoaudiólogos no primeiro ano e três (3) no segundo ano de residência, totalizando o número de seis (6) fonoaudiólogos residentes e um (1) preceptor da área de fonoaudiologia, com carga horária de 20 horas semanais, que auxilia os residentes e desenvolve a função de ensinar, aconselhar e influenciar o desenvolvimento dos fonoaudiólogos no território. A Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde (CNRMS), através de um despacho orientador, sugere a disponibilidade de 40 h de preceptoria, possibilitando o acompanhamento de até cinco residentes, enquanto 20 h de preceptoria possibilitam o acompanhamento de até três residentes, nos ditames estabelecidos na Resolução nº 2, de 13/04/12, da CNRMS(5).
Os residentes possuem uma carga horária de 60 horas semanais e desenvolvem suas atividades práticas nas Unidades de Saúde da sede do município de Sobral-CE e atividades teóricas na Escola de Formação em Saúde da Família Visconde de Saboia.
O residente de fonoaudiologia tem por competência atuar direta ou indiretamente com a população, realizar visitas domiciliares, atuar em escolas e creches, organizar grupos de promoção e prevenção de saúde, discutir os casos com a equipe, contribuir para o diagnóstico da situação de saúde da área de abrangência, incluindo aspectos que podem interferir na comunicação humana, e propor instrumentos de avaliação das ações fonoaudiológicas em consonância com as diretrizes da ESF.
Todas essas atividades do residente são auxiliadas pelo preceptor da categoria. Para a pesquisa, foi utilizado como referencial a avaliação qualitativa. A abordagem qualitativa permite reconhecer a subjetividade como espaço integrante do fenômeno social sem perder a objetivação do processo de investigação. Torna-se apropriada para o estudo da prática fonoaudiológica e das relações que estabelece entre os indivíduos no exercício dessa prática na APS, uma vez que busca compreender o significado da qualidade do trabalho fonoaudiológico para os usuários da ESF.
Primeiramente foi realizado contato com as Unidades Básicas de Saúde (UBS), agendando uma visita e solicitando que os fonoaudiólogos disponibilizassem para o momento as agendas com o registro dos usuários acompanhados pela categoria no ano de 2012. Em seguida, os pesquisadores foram a campo e fizeram a busca nos registros para identificação dos usuários para a pesquisa, obedecendo aos critérios de inclusão: usuários acompanhados pelos residentes de fonoaudiologia em grupos de promoção e prevenção de agravos à saúde; usuários acompanhados por visitas domiciliares; usuários que passaram por reabilitação fonoaudiológica em domicílio ou na UBS; e usuários com mais de 3 meses de acompanhamento com fonoaudiólogo. Como fator de exclusão está a mudança de território adscrito dos usuários acompanhados pela categoria.
Os dados foram coletados no período de junho a dezembro de 2013. Durante a coleta de dados, algumas dificuldades foram encontradas, como: ausência de agendas do ano de 2012 dos residentes da fonoaudiologia com os nomes dos usuários, ausência de outros tipos de registro no prontuário familiar que determinavam as ações que os fonoaudiólogos realizaram e o tempo de acompanhamento da fonoaudiologia junto ao usuário. Assim, encontramos apenas 30 usuários que obedeciam aos critérios de inclusão, mas 3 (três) não aceitaram participar da pesquisa. Desta forma, foram identificados 27 usuários. Diante da pequena quantidade encontrada, optou-se por contemplar todos na pesquisa.
Em função da natureza qualitativa da pesquisa, foram realizadas entrevistas semiestruturadas na UBS ou no domicílio do entrevistado quando o usuário possuía dificuldade de locomoção, sendo gravadas e armazenadas em iPod® e iPhone® e, posteriormente, transcritas pela pesquisadora principal.
As entrevistas foram realizadas após apresentação e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido e tiveram as seguintes perguntas geradoras: a) Por que você precisou de atendimento fonoaudiológico?; b) Quem fez o encaminhamento?; c) Quanto tempo demorou para conseguir o atendimento?; d) O tratamento foi bom? Teve resultado satisfatório? Caso a resposta seja negativa, quais os motivos?; e) O fonoaudiólogo esclareceu todas as suas dúvidas?; f) Para você, qual é o trabalho do fonoaudiólogo no seu bairro?
Para assegurar o anonimato, os entrevistados foram identificados pela letra U (usuário) e pelo número da entrevista. Para exemplificar: o primeiro usuário entrevistado foi identificado como (U1), o segundo (U2) e assim sucessivamente.
Para análise das falas, utilizou-se Análise de Conteúdo de Bardin(6), optando-se pela análise temática ou categorial. Os resultados foram apresentados em categorias e subcategorias. Além disso, foram descritas as unidades de registro (frases) que expressavam as impressões dos entrevistados.
As interlocuções resultantes das questões abertas das entrevistas semiestruturadas com os usuários dizem respeito aos resultados da assistência fonoaudiológica na ESF, em que foi apreendida uma classe temática: Avaliação do trabalho fonoaudiológico na ESF, com três categorias e onze subcategorias.
Esta dimensão inclui aspectos referentes à forma como está organizado o serviço de fonoaudiologia, envolvendo horário de funcionamento, tempo de espera, agendamento de consultas, procura pelo fonoaudiólogo na ESF e encaminhamentos. Essa categoria apresentou sete (7) subcategorias.
A subcategoria Atuação específica da fonoaudiologia contemplou os motivos pelos quais os usuários estavam sendo acompanhados pela fonoaudiologia, sendo possível observar um trabalho com caráter generalista, no qual a categoria desenvolve atividades envolvendo todas as suas áreas específicas de atuação, como: voz, linguagem, fala, escrita, audição, motricidade orofacial e disfagia, proporcionando a divulgação dos saberes e práticas da categoria nos territórios.
Meu netinho não fala. (Usuário 15 = U15)
Porque eu tive um AVC... era toda dura, tava falando ruim, eu ia beber água, era tudo torto, não comia, minha voz embolada. (U2)
Porque eu tô quase surdo. (U8)
O fonoaudiólogo da APS deve ser um profissional generalista, capaz de identificar as alterações de maior incidência na comunicação humana na sociedade em que atua e, a partir daí, planejar ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde da comunicação, proporcionando um atendimento integral e de qualidade à comunidade(7). A atuação fonoaudiológica proporcionará a identificação precoce de perdas auditivas, gagueira, alterações vocais, distúrbio da leitura e escrita, dentre outros, além de contribuir para redução desses agravos por meio de ações de promoção e prevenção(7).
Apesar de exercer um trabalho de caráter generalista, foi possível observar ações limitadas apenas ao núcleo de sua especialidade, como foi pontuado na subcategoria Papel do Fonoaudiólogo na ESF. As falas dos usuários evidenciaram uma percepção de ausência das atividades promotoras de saúde, tendo sido contempladas apenas ações preventivas e curativas nas comunidades realizadas pela categoria.
Eu acho que é pra ensinar as pessoas a falar melhor, ensinar alguns tipos de exercícios pra ver se a pessoa consegue falar melhor. (U23)
Acho que ele faz esses exercícios, como você se alongar, como você fazer exercícios na boca, na garganta, na língua. Ela já passou um bocado de exercício pra gente. (U14)
O fonoaudiólogo colabora com a reabilitação do paciente... pode também auxiliar no trabalho com terapia na fala e outras coisas. (U8)
Este fato pode advir de um trabalho voltado fortemente para o núcleo da fonoaudiologia, fazendo com que o profissional tenha uma atuação tímida no campo social em que está inserido. Dados semelhantes foram encontrados na literatura, descrevendo que os fonoaudiólogos do NASF se posicionam ideologicamente em função de uma prática centrada na prevenção, mas desenvolvem, geralmente, ações curativas individualizadas como recurso assistencial único(8).
Quanto aos encaminhamentos para o fonoaudiólogo, esta subcategoria demonstrou que eles são realizados por vários membros da equipe multiprofissional.
Foi a enfermeira do posto de saúde. (U1)
Foi o médico. (U3)
Foi o agente de saúde. (U8)
Os momentos de discussão e trocas de experiências vivenciadas pelas equipes de saúde da família potencializam a construção do conhecimento e a articulação com as outras áreas do saber(9). A inserção do fonoaudiólogo junto às equipes de saúde da família assegurou o conhecimento do fazer da categoria e favoreceu os encaminhamentos precisos das demandas de alteração da comunicação identificadas pelas equipes e, consequentemente, a diminuição do problema.
Em relação ao Tempo de espera para atendimento fonoaudiológico, os usuários declararam ter um acesso rápido ao serviço de fonoaudiologia nas UBS do município de Sobral-CE.
Em menos de um mês o fonoaudiólogo já estava fazendo o meu acompanhando. (U3)
Foi rápido, o trabalho dos meninos é muito bom, tem uma acessibilidade boa [...] (U7)
Foi rápido, as atendentes do posto já ajeitaram para fono tudo. Não tenho o que queixar. (U20)
Essa realidade de Sobral-CE diferencia-se dos dados encontrados na literatura, que mostram um alto grau de insatisfação quanto ao tempo de espera por um tratamento nos serviços de saúde. Geralmente, a insatisfação dos usuários da ESF se relaciona à demora por atendimento, ao tempo de espera no serviço, ao acolhimento deficiente e às dificuldades nos relacionamentos com os profissionais, sendo a organização do serviço a maior solicitação de melhoria por parte dos usuários, pois acreditam que, com adequação desse aspecto, o atendimento será mais rápido e efetivo(3). Os usuários referem que o acesso ao serviço da APS é algo burocrático e demorado, desde o tempo de espera do agendamento até o dia da consulta, como também o próprio processo de atendimento no serviço(10).
Já a subcategoria Ações da fonoaudiologia na ESF apontou os encaminhamentos para os outros níveis de atenção como a principal ação do fonoaudiólogo. Esse fato demonstrou uma limitação na capacidade resolutiva do fonoaudiólogo neste cenário, uma vez que muitos desses encaminhamentos poderiam ser resolvidos na própria unidade de saúde.
Logo na primeira vez que ela atendeu ela, ela fez logo o encaminhamento pro Centro de Reabilitação, que ela disse que ela tinha que fazer o tratamento lá. (U23)
Ela me encaminhou pra eu ir lá no Centro de Reabilitação. (U16)
Aconteceu através do grupo de gestantes, de 15 em 15 dias, a gente se encontrava ali, e era uma melhoria tanto pra gente conhecer a fonoaudióloga, como ela conhecer a gente. Depois que eu tive a neném e ela continuou o acompanhamento. (U24)
Essas ações precisam ser repensadas pelos fonoaudiólogos e pela gestão da área, afinal afetam diretamente a qualidade da assistência prestada ao usuário. A fragilidade detectada pode estar sendo causada por uma precária estrutura oferecida para o trabalho fonoaudiológico(11) e/ou por processos de trabalho inadequados para este nível de atenção, agravados pela atuação de profissionais com pouca competência para atuar neste cenário(12).
Em relação ao aspecto estrutural, a literatura destaca o espaço físico restrito e a falta de material adequado para o desenvolvimento do trabalho fonoaudiológico como fatores que contribuem diretamente na baixa resolubilidade dessa categoria neste nível de atenção(11). A falta de equipamentos adequados para os cuidados com a comunidade pode dificultar a realização de atividades de promoção à saúde e a prevenção de agravos, comprometendo a continuidade do cuidado(13).
Apesar de o trabalho fonoaudiológico na ESF deste município estar sendo realizado por fonoaudiólogos em processo de formação pela RMSF, ainda há muitas fragilidades a serem superadas na formação técnica da categoria, sendo este o principal fator de limitação na atuação desses profissionais(12).
O modo de formação dos profissionais de saúde tem sido um fator dificultador, no qual é notada uma excessiva valorização da doença e da formação especializada. Assim, ocorre uma insuficiência nos conteúdos curriculares das dimensões subjetivas, preventivas e sociais para a prestação do cuidado(14).
As questões ligadas à formação exigem atenção não apenas para as atuais profissões inseridas na ESF (médico, enfermeiro, dentista, agentes de saúde, profissionais de nível técnico e auxiliar), mas também para aquelas com possibilidade de serem incluídas no futuro devido à transição epidemiológica e demográfica(15).
Outros estudos apontaram que os encaminhamentos para os demais níveis de atenção não são uma realidade vivenciada apenas pela fonoaudiologia, pois descrevem que, na visão do usuário, a super-regulação do acesso à consulta médica, aliada à impressão pessoal de que o seu problema de saúde é urgente, faz com que busquem outra maneira de resolver seus problemas, preferindo buscar atendimento na urgência ou no nível secundário(16). Assim, a falta de filtro na atenção primária não só aumenta consideravelmente o número de consultas desnecessárias, mas também sobrecarrega a Atenção Secundária e aumenta os riscos para os pacientes(16).
Há uma alta proporção de atendimentos realizados nas unidades de urgência e emergência que poderiam ser resolvidos apropriadamente nas Unidades de Atenção Primária à Saúde(17). Pesquisa realizada na cidade de Fortaleza-CE descreveu que a saúde local tem sofrido ao longo do tempo com a superlotação dos serviços de alta complexidade e destacou que muitos desses atendimentos referem-se aos procedimentos ambulatoriais que poderiam ser supridos na atenção básica e mesmo na média complexidade(18).
Por isso, a utilização de tecnologias econômicas eficazes, como grupos de orientação associadas a profissionais bem treinados e infraestrutura básica, pode promover uma alta resolução de casos com baixos custos(19). O fonoaudiólogo da APS, por ter caráter generalista, tem a possibilidade de desenvolver ações mais abrangentes e versáteis, o que poderá impactar não só o tratamento das doenças, mas também no quadro de saúde em geral da população(20).
Apesar disso, a subcategoria Esclarecimento sobre o problema demonstrou uma satisfação da população em relação aos esclarecimentos dados pela fonoaudiologia sobre a saúde da comunicação.
Ela explica tudo... ela explica sobre a face, como a gente tem que fazer, mastigar, tudo ela explica bem direitinho. (U11)
Ela explica, ela me ensina alguns movimentos, tipo: você precisa fazer isso pra manter o movimento tal - ela explica. (U22)
Esclareceu todas as minhas dúvidas [...] (U6)
Na ESF, é necessária a troca de informações e de compromisso entre equipe de saúde e usuário. O acesso do usuário à informação assegura decisões autônomas e faz efetivar a cidadania à saúde, sendo o envolvimento da comunidade a um serviço de saúde capaz de promover mudanças nos processos decisórios na atenção primária, podendo alterar o comportamento cultural das práticas exercidas nos serviços de saúde(21).
Quando os profissionais da saúde respondem aos questionamentos que o usuário se encoraja a fazer, as respostas que obtêm ou esclarecimentos e orientações espontâneas que lhes são dadas conferem-lhes segurança e promovem o aumento da relação de confiança interpessoal(21). A confiança é considerada o sustentáculo de todo o convívio humano. É pela confiança do usuário nos profissionais de saúde que se inicia a construção do vínculo.
Pode ser visto que os usuários, em sua maioria, afirmaram ter recebido informações sobre sua saúde ou tratamento. Entretanto, com este estudo, não se pode julgar se as informações dadas foram completas, no que se refere a diagnóstico, orientações, explicações do tratamento, e, principalmente, adequadas à linguagem do destinatário.
Através desse diálogo construído entre comunidade e fonoaudiólogos, emergiu a subcategoria Promoção do autocuidado, trazendo o empoderamento como sujeito principal nas falas dos usuários.
[...] estamos trabalhando com o meu filho, tudo que a gente pode trabalhar, a gente vem trabalhando [...] (U4)
A fonoaudióloga pediu que a gente trabalhasse muito com as vogais, então a gente começou a trabalhar mais isso. (U5)
O “empoderamento” parte do modelo da promoção, conscientização e fornecimento de informações sobre o campo da saúde e habilidades vitais, possibilitando ao indivíduo autonomia para fazer suas escolhas. Esse conceito é considerado um dos pilares que embasam o modelo da promoção da saúde que vem orientando as políticas de saúde em diferentes países(22). O “empoderamento”, para ser construído, implica uma mudança qualitativa na forma de apoio oferecido pelas instituições de saúde, ou seja, o modelo biomédico do “autocuidado” se abriria para a negociação, abandonando seu caráter prescritivo, para ser acionado no contexto da “conversa”, e ajustado às necessidades e prioridades definidas pelo próprio paciente(22).
A informação em saúde transformada em conhecimento leva à apropriação da informação pelo paciente, empoderando e trazendo possibilidades para que ele exerça, efetivamente, seu direito à saúde(23). Estudo evidenciou que mães e cuidadoras que participaram de um programa de acompanhamento aos lactentes adquiriram uma série de conhecimentos quanto aos aspectos de desenvolvimento infantil quando as fonoaudiólogas trabalharam o empoderamento das famílias em questão(24).
Essa categoria refere-se ao relacionamento entre o profissional e usuário. Os usuários demostraram grande satisfação em relação a essa categoria. Isto ficou evidenciado ao enfatizarem o cuidado humanizado do fonoaudiólogo com a comunidade, visto na subcategoria cuidado humanizado.
Ele é uma benção, primeiro Deus e segundo ele. Tudo que ele mandava eu fazer, eu fazia. (U2)
[...] as seções, começou aqui no posto, foi muito bem atendido, num tenho o que falar, ela é muito jeitosa com criança. (U1)
Foi ótimo, ela atende super bem, muito atenciosa, muito preocupada com os pacientes. (U6)
Uma assistência humanizada do cuidador possibilita a este e a seu paciente uma convivência mais próxima, que permite a troca de experiências, a solução de problemas e o conhecimento da limitação do outro, mesmo que a comunicação entre os participantes não seja verbal(25). Para o fonoaudiólogo, a assistência humanizada oferece atendimento integral com equidade em todas as práticas profissionais e considera cada usuário como ser indivisível, sem possibilidades de desvincular biológico, psíquico, espiritual e social(26).
Todo esse cuidado se inicia através de uma relação dialógica em que haja espaço para uma verdadeira troca, possibilitando a construção de novos sentidos, significados individuais e coletivos sobre o processo saúde-doença-cuidado(27).
Sendo assim, a confiança dos usuários depositada nos fonoaudiólogos possibilitou a criação do vínculo, promovendo um resultado mais satisfatório do serviço de fonoaudiologia no território, visto na subcategoria vínculo.
Ele é uma benção, primeiro Deus e segundo ele. Tudo que ele mandava eu fazer, eu fazia. (U2)
[...] as seções, começou aqui no posto, foi muito bem atendido, num tenho o que falar, ela é muito jeitosa com criança. (U1)
Foi ótimo, ela atende super bem, muito atenciosa, muito preocupada com os pacientes. (U6)
A ESF possui como pontos centrais o estabelecimento de vínculo e a criação de laços de compromisso e de responsabilização entre os profissionais de saúde e a população. O vínculo entre as famílias acompanhadas pela ESF e o fonoaudiólogo favoreceu a troca de saberes e estabelecimento de uma relação horizontal, pois o saber dos usuários é valorizado bem como o do profissional(28). Por meio da comunicação humana, o fonoaudiólogo e o usuário podem estabelecer um vínculo afetivo e uma relação de responsabilização fundamental para solucionar as queixas de uma forma ampla, envolvendo todos os aspectos necessários para proporcionar saúde e qualidade de vida(29).
Dimensão estrutural relaciona-se ao modo como o fonoaudiólogo está estruturado para receber seus usuários na ESF e aspectos referentes aos recursos disponíveis na Unidade de Saúde. Essa categoria apresentou duas (2) subcategorias.
A subcategoria recursos humanos demonstrou a insatisfação da comunidade com o número insuficiente de fonoaudiólogos atuando na APS. Como não há oferta de vagas para fonoaudiologia na ESF no município de Sobral-CE, esses profissionais acabam sendo absorvidos por outros cenários de atuação.
Poderia melhorar não só aqui, mas mesmo no posto, porque a Fonoaudióloga tá aqui, mas no posto quando a gente procura. Cadê? Não tem outra fonoaudióloga. (U1)
Primeiro tem que trazer um pra cá pro bairro, porque a gente tá sem. (U3)
É importante, mas eu mesmo não vejo nenhum fonoaudiólogo, na minha residência não vai nenhum. (U11)
A falta de oferta de emprego para fonoaudiologia na APS é consequência do conhecimento incipiente dos gestores a respeito da importância desta categoria neste campo de atuação(12). Para a criação de novas vagas de emprego, os gestores municipal e estadual precisam avaliar a necessidade de ampliar o número de fonoaudiólogos na rede pública local, considerando os critérios populacionais, epidemiológicos e de serviços(30). Esse fato reforça a necessidade dos fonoaudiólogos em investir na criação e análise de indicadores de saúde relacionados à comunicação humana.
Ademais, a fonoaudiologia precisa mostrar evidências positivas de sua atuação através das publicações de pesquisas científicas(29) e elencar a atenção básica como eixo reordenador da atenção Fonoaudiológica no SUS como o primeiro passo no sentido de solucionar os problemas de organização no serviço, gestão e financiamento da saúde fonoaudiológica(7).
Além disso, as falas apresentaram um anseio por um número maior de fonoaudiólogos nos territórios e que sejam capacitados para atuar segundo as diretrizes do SUS, descrito na subcategoria expectativas dos usuários.
Quando vier um profissional, que seja comunitária. (U24)
É muito importante, eu não sei se já tá tendo outra onoaudióloga aqui, mas de tudo um PSF tem que ter um pouco. (U24)
Falou em fono pra mim, acho que diria que eu to melhorando a qualidade... fono pra mim, seria essencial [...] (U22)
A expectativa apresentada pelos usuários do serviço de fonoaudiologia foi semelhante aos achados da literatura nacional sobre o assunto: os usuários se referiram a uma oferta insuficiente do serviço fonoaudiológico disponibilizado pelo SUS(11,24). Outro estudo sinalizou como um grande desafio, para a fonoaudiologia na ESF, a organização dos recursos e infraestrutura que envolvem, principalmente, a oferta insuficiente do serviço de fonoaudiologia e recursos humanos insuficientes e com necessidades de qualificação(11,12). Infelizmente, a inexperiência e despreparo da fonoaudiologia na saúde pública, em especial na ESF, podem prejudicar o planejamento e a organização do serviço(19). Assim, há necessidade de maior número de fonoaudiólogos atuando na Saúde Pública, profissionais preparados para lidar com este nível de atenção(29).
Esta pesquisa consistiu em uma tentativa de dar voz ao usuário do serviço de fonoaudiologia da APS. Os resultados indicaram uma avaliação positiva da atuação do fonoaudiólogo neste cenário, evidenciando algumas contradições, pois, em poucos momentos, houve resolução dos problemas fonoaudiológicos na ESF, sendo os usuários, na maioria das vezes, encaminhados para atenção secundária.
Assim, foi possível identificar que a satisfação ocorreu pelo acesso rápido ao serviço de fonoaudiologia, pelo cuidado humanizado realizado e o vínculo entre a categoria e a comunidade. Já o número reduzido de fonoaudiólogos atuando na ESF, a atuação da categoria ainda voltada para o seu núcleo e a pouca resolutividade dos fonoaudiólogos neste nível de atenção foram apontadas como fragilidades da assistência fonoaudiológica.
Uma das limitações do presente estudo é que ele teve como objeto de investigação a atuação dos fonoaudiólogos na APS numa região específica. Entretanto, considera-se que foi possível levantar pontos relevantes sobre a satisfação dos usuários em relação à atuação fonoaudiológica a partir da avaliação estrutural, organizacional e relacional, o que pode colaborar para a construção e o fortalecimento das ações fonoaudiológicas nesse modelo de atenção à saúde.
Assim, sugere-se o desenvolvimento de outros trabalhos que problematizem as questões levantadas, porém não aprofundadas neste estudo, atuando sob a perspectiva de que dar voz ao usuário é uma importante ferramenta para formular novas propostas de trabalho, além de possibilitar o planejamento e intervenção de modo mais eficaz no processo de saúde-doença da comunidade.